domingo, 25 de abril de 2021

LAVA JATO — A RESSUREIÇÃO? (CONTINUAÇÃO)

 

Após derrotar o governante macedônio Antígono Monoftalmo em 305 a.C., a cidade de Rodes erigiu em seu porto uma estátua de 33 metros de altura do deus sol Hélios, que ficou conhecida como Colosso de Rodes e figurou entre as sete maravilhas do mundo antigo até 226 a.C. quando foi destruída por um terremoto.

A ideia de ilustrar este artigo com a figura acima me veio quando imaginei Bolsonaro com um pé sobre a pilha de 111 pedidos de impeachment e o outro sobre a montanha de 370 mil cadáveres produzidos pela Covid com o inestimável auxílio do negacionismo atávico e da manifesta incapacidade daquele a quem o jornal The Washington Post concedeu o primeiro lugar no ranking dos piores líderes mundiais no enfrentamento da pandemia.

O dublê de mau militar e parlamentar medíocre foi eleito presidente graças a uma conjunção de fatores que eu detalhei em outras oportunidades, e jamais  desceu do palanque. Seu projeto de governo nunca foi além de blindar-se e a filharada, evitar ser deposto da cargo por um processo de impeachment e se reeleger em 2022 (não necessariamente nessa ordem). 

Uma das muitas promessas de campanha não cumpridas por esse poço de virtudes foi combater a corrupção. Para robustecer sua falácia, o então candidato aliciou o ex-juiz da Lava-Jato em Curitiba, que deixou uma carreira de 22 anos na magistratura para assumir o “superministério” da Justiça e Segurança Pública do Messias que não miracula em troca da promessa (também não cumprida) de ser indicado para a vaga do decano do STF.

O ministro Celso de Mello se aposentou três semanas antes de completar 75 anos, mas quem ocupou sua poltrona foi o desembargador piauiense Kássio Nunes Marques. A essa altura, Sergio Moro já desembarcara do governo e se tornara desafeto do capitão falácia — depois que o Coaf identificou movimentações financeiras atípicas de Fabrício Queiroz, amigo de longa de Jair Bolsonaro, factótum do clã e chefe de gabinete de seu primogênito na Alerj, o combate à corrupção deixou de interessar ao mandatário de turno — tanto que ele próprio participou ativamente do desmanche da Lava-Jato (detalhes no capítulo anterior) e, pressionado pela mídia, disse que “acabou com a Operação porque não existia mais corrupção no governo”.

Vinda de um amigo de milicianos investigado no STF e pai de quatro filhos enrolados com a justiça (se é que se tem cabimento chamar de “justiça” o que se pratica neste arremedo de republiqueta de bananas), essa assertiva seria cômica se não fosse trágica e, pior, replicada por uma porção de gente supostamente esclarecida — talvez porque o bolsonarismo boçal, a exemplo do lulopetismo corrupto, induz o fanatismo político-ideológico.

A título de contextualização, o primogênito do general da banda é investigado há mais de dois anos por um “suposto” esquema de desvio de recursos do gabinete que ocupava na Alerj antes de ser eleito senador. O MP-RJ apresentou denúncia contra ele, Fabrício Queiroz e sua mulher, Márcia Aguiare mais uma dúzia de suspeitos de envolvimento na maracutaia das rachadinhas. A denúncia se tornou pública em novembro do ano passado, mas acabou ofuscada pela conturbada eleição presidencial americana.

Carlos Bolsonaro, o único vereador pelo Rio de Janeiro que dá expediente no Palácio do Planalto, é investigado por “suposta” contratação de funcionários fantasmas. Seu nome aparece nada menos que 43 vezes no inquérito dos atos antidemocráticos. Em um inquérito que tramita no STF, ele é tido como suspeito de ser líder do chamado “gabinete do ódio” — grupo de assessores que espalhavam disseminavam, nas redes sociais e grupos de apoiadores do presidente, fake news envolvendo ministros da corte e pedidos de fechamento do Congresso e do Supremo, além da volta do AI-5 e da ditadura militar com Bolsonaro no comando da nação.

Eduardo Bolsonaro — o fritador de hambúrgueres que quase virou embaixador — é investigado por “suposta” violação da LSN em declarações postadas nas redes sociais e por pagamentos em dinheiro vivo na compra de dois apartamentos no Rio, em 2011 e 2016. 

O caçula Jair Renan não tem mandato, mas tampouco foge à regra que baliza os “negócios da famiglia”. No final do ano passado, o aprendiz de feiticeiro articulou e participou de uma reunião entre o ministro Rogério Marinho e um grupo de empresários da Gramazini Granitos e Mármores — empresa que patrocina a Bolsonaro Jr. Eventos e Mídia, cuja sede fica num camarote do estádio Mané Garrincha. O compromisso, que não constava na agenda oficial de Marinho, foi revelado pela revista Veja. O ministro informou que o filho do chefe “participou na qualidade de ouvinte e por acreditar que o sistema construtivo teria potencial de reduzir custos para a União”, e que a reunião foi um pedido do Planalto.

Observação: As relações da empresa de Renan com o Planalto vão além de promover reuniões entre os investidores de seu negócio e ministros. Segundo reportagem do jornal Folha de S.Paulo, a Astronautas Filmes, produtora de audiovisual que possui contrato milionário com o Governo, realizou gratuitamente a cobertura da festa de inauguração da Bolsonaro Jr. Eventos e Mídia. Somente neste ano, a produtora recebeu R$ 1,4 milhão do governo federal. Em nota, a empresa afirma que não existe nenhum “laço de favorecimento”. O deputado federal Ivan Valente solicitou à PGR que investigue suposto tráfico de influência no caso.

Bolsonaro, que sempre disse ser um “defensor da família”, tem se mostrado realmente preocupado em proteger pelo menos uma delas: a própria. O primeiro passo foi articular a troca no comando da PF, em abril de 2020, com a exoneração do diretor-geral da entidade, o delegado Maurício Valeixo. O então ministro Sérgio Moro denunciou a maracutaia. Posteriormente, vieram à tona imagens da reunião ministerial em que o capitão-honestidade disse que não esperaria alguém “foder” a família dele, ou amigo, para trocar alguém da “segurança”. A fala também fazia referências ao Rio de Janeiro, onde as investigações roçam os calcanhares dos filhos Flávio e Carlos.

Continua...