Após derrotar o
governante macedônio Antígono
Monoftalmo em 305 a.C., a cidade de Rodes erigiu em seu porto uma estátua de 33 metros de altura do
deus sol Hélios, que ficou conhecida
como Colosso de Rodes e figurou
entre as sete
maravilhas do mundo antigo até 226 a.C. quando foi destruída por um
terremoto.
A ideia de
ilustrar este artigo com a figura acima me veio quando imaginei Bolsonaro com um pé sobre a pilha de 111 pedidos de impeachment e o outro
sobre a montanha de 370 mil cadáveres
produzidos pela Covid com o
inestimável auxílio do negacionismo atávico e da manifesta incapacidade daquele a quem o jornal The Washington Post concedeu o primeiro lugar no ranking dos piores líderes mundiais no enfrentamento
da pandemia.
O dublê de mau militar e parlamentar medíocre foi eleito presidente graças a uma conjunção de fatores que eu detalhei em outras oportunidades, e jamais desceu do palanque. Seu projeto de governo nunca foi além de blindar-se e a filharada, evitar ser deposto da cargo por um processo de impeachment e se reeleger em 2022 (não necessariamente nessa ordem).
Uma das muitas promessas de campanha não cumpridas por esse poço de virtudes foi combater a corrupção. Para robustecer
sua falácia, o então candidato aliciou o ex-juiz da Lava-Jato em Curitiba, que deixou uma carreira de 22 anos na
magistratura para assumir o “superministério” da Justiça e Segurança Pública do
Messias que não miracula em troca da promessa (também não cumprida) de ser
indicado para a vaga do decano do STF.
O ministro Celso de Mello se
aposentou três semanas antes de completar 75 anos, mas quem ocupou sua
poltrona foi o desembargador piauiense Kássio
Nunes Marques. A essa altura, Sergio
Moro já desembarcara do governo e se
tornara desafeto do capitão falácia — depois que o Coaf identificou movimentações financeiras atípicas de Fabrício Queiroz, amigo de longa de
Jair Bolsonaro, factótum do clã e chefe de gabinete de seu primogênito na Alerj, o combate à corrupção deixou de
interessar ao mandatário de turno — tanto que ele próprio participou ativamente
do desmanche da Lava-Jato (detalhes
no capítulo anterior) e, pressionado pela mídia, disse que “acabou com a Operação porque não existia
mais corrupção no governo”.
Vinda de um amigo
de milicianos investigado no STF e
pai de quatro filhos enrolados com a justiça (se é que se tem cabimento chamar
de “justiça” o que se pratica neste arremedo de republiqueta de bananas), essa
assertiva seria cômica se não fosse trágica e, pior, replicada por uma porção
de gente supostamente esclarecida — talvez porque o bolsonarismo boçal, a
exemplo do lulopetismo corrupto, induz o fanatismo político-ideológico.
A título de
contextualização, o primogênito do general da banda é investigado há mais de dois anos
por um “suposto” esquema de desvio de recursos do gabinete que ocupava na Alerj antes de ser eleito
senador. O MP-RJ apresentou
denúncia contra ele, Fabrício Queiroz e sua mulher, Márcia Aguiar, e mais uma dúzia de suspeitos de
envolvimento na maracutaia das rachadinhas. A denúncia se tornou pública em novembro do
ano passado, mas acabou ofuscada pela conturbada eleição presidencial
americana.
Carlos Bolsonaro, o único vereador pelo Rio de Janeiro que dá
expediente no Palácio do Planalto, é investigado por “suposta” contratação de funcionários fantasmas. Seu nome
aparece nada menos que 43 vezes no inquérito dos atos antidemocráticos.
Em um inquérito que tramita no STF, ele é tido como suspeito de ser líder do chamado “gabinete do ódio” — grupo de assessores que espalhavam disseminavam,
nas redes sociais e grupos de apoiadores do presidente, fake news envolvendo ministros da corte e pedidos de fechamento do
Congresso e do Supremo, além da volta do AI-5
e da ditadura militar com Bolsonaro no comando da nação.
Eduardo Bolsonaro — o fritador
de hambúrgueres que quase virou embaixador — é investigado por “suposta” violação da LSN em
declarações postadas nas redes sociais e por pagamentos em dinheiro vivo na
compra de dois apartamentos no Rio, em 2011 e 2016.
O caçula Jair Renan não tem mandato, mas tampouco
foge à regra que baliza os “negócios da famiglia”. No final do ano passado, o aprendiz
de feiticeiro articulou e participou de uma reunião entre o
ministro Rogério Marinho e um grupo de empresários da Gramazini Granitos e Mármores —
empresa que patrocina a Bolsonaro
Jr. Eventos e Mídia, cuja sede fica num camarote do estádio Mané Garrincha. O compromisso, que não
constava na agenda oficial de Marinho, foi revelado pela
revista Veja. O ministro informou que o filho do chefe “participou na qualidade de ouvinte e por
acreditar que o sistema construtivo teria potencial de reduzir custos para a
União”, e que a reunião foi um pedido do Planalto.
Observação: As relações da
empresa de Renan com o
Planalto vão além de promover reuniões entre os investidores de seu negócio e
ministros. Segundo reportagem do
jornal Folha de S.Paulo, a Astronautas Filmes, produtora de audiovisual que possui contrato
milionário com o Governo, realizou gratuitamente a cobertura da festa de inauguração
da Bolsonaro Jr. Eventos e Mídia. Somente neste ano,
a produtora recebeu R$ 1,4 milhão do governo federal. Em nota, a empresa afirma
que não existe nenhum “laço de favorecimento”. O deputado federal Ivan Valente solicitou à PGR que investigue suposto tráfico
de influência no caso.
Bolsonaro, que sempre disse ser um “defensor da
família”, tem se mostrado realmente preocupado em proteger pelo menos uma
delas: a própria. O primeiro passo foi articular a troca no comando da PF, em abril de 2020, com a
exoneração do diretor-geral da entidade, o delegado Maurício Valeixo.
O então ministro Sérgio Moro denunciou
a maracutaia. Posteriormente, vieram à tona imagens da reunião ministerial em que o capitão-honestidade
disse que não esperaria alguém
“foder” a família dele, ou amigo, para trocar alguém da
“segurança”. A fala também fazia referências ao Rio de Janeiro, onde as
investigações roçam os calcanhares dos filhos Flávio e Carlos.
Continua...