segunda-feira, 25 de julho de 2022

O DESEMPREGADO QUE DEU CERTO (QUINTA PARTE)

 

Antes de exibir o 5º capítulo da novela em exibição, proponho uma reflexão: No último domingo, o PL oficializou Bolsonaro como candidato à reeleição e Braga Netto, a vice. Em discurso, o sociopata conclamou apoiadores a irem às ruas "uma última vez" no 7 de Setembro: "Convoco todos vocês agora para que todo mundo, no 7 de Setembro, vá às ruas pela última vez. Vamos às ruas pela última vez", disse, aos gritos de "mito". Em seguida, voltou a atacar os supremos togados: "Esses poucos surdos de capa preta têm que entender o que é a voz do povo. Têm que entender que quem faz as leis é o Poder Executivo e o Legislativo. Todos têm que jogar dentro das quatro linhas da Constituição. Isso interessa a todos nós.

Deu pra entender ou preciso desenhar?


É desnecessário detalhar os 13 anos e fumaça de lulopetismo corrupto, mas não custa lembrar que Lula figurou como réu em duas dezenas de processos e foi condenado pelo então juiz Sergio Moro no caso do tríplex no Guarujá. A despeito dos mais de 400 recursos apresentados pela defesa, a sentença foi confirmada pelo TRF-4 e pelo STJ — onde a condenação transitou em julgado. 


Na época, a jurisprudência cristalizada no STF era de que réus condenados por um juízo colegiado recorressem presos aos tribunais superiores, já que o reexame de matéria fática se encerra na segunda instância, onde também se esgota a presunção de inocência. Da feita que o recurso sobre matéria de Direito não tem efeito suspensivo, o início do cumprimento da pena criminal pelo condenado era considerado admissível pelos togados.

 

A prisão após sentença condenatória de primeiro grau valeu no Brasil entre 1940 até 1973, quando então a regra foi mudada para favorecer o chefe da repressão e torturador Sérgio Paranhos Fleury. A Constituição de 1988 completou o desserviço ao determinar que a presunção de inocência perdurasse até o trânsito em julgado (ou seja, até que todos os recurso em todas as instâncias fossem apreciados). Como há quatro instâncias em nosso Judiciário e cada uma oferece um vastíssimo cardápio de apelações possíveis, manter essa premissa é permitir que criminosos que têm cacife para bancar chicaneiros estrelados jamais vejam o sol nascer quadrado


Lá pela virada do século, a súmula 09 do STJ cristalizou o entendimento de que a prisão em segunda instância não ofende a presunção de inocência, e que, para apelar, o sentenciado precisa iniciar o cumprimento provisório da pena. Em 2009, quando a Lava-Jato começou a mandar para a prisão criminosos de colarinho branco, o então ministro Eros Grau (que foi indicado por Lula para o STF) defendeu o retorno do status quo ante, e a maioria de seus pares seguiu seu voto. Em 2016, por 6 votos a 5, a corte restabeleceu o entendimento anterior. Dois anos depois, Graus, já aposentado, disse em entrevista que se arrependeu do que fez, e que seria melhor os criminosos irem presos após a condenação em primeira instância. 

 

Vale destacar que o princípio da presunção de inocência não tem caráter absoluto e não pode enfraquecer a legitimidade da ordem jurídica. O Brasil jamais será um país desenvolvido se não diminuir seus intoleráveis índices de corrupção, cuja não punição incentiva pactos oligárquicos contrários à maioria da população. O problema é que os ventos mudaram e os guardiães da nossa Constituição, capitaneados pelo semideus togado Gilmar Mendes, mudaram de opinião. 


Curiosamente, esse eminente magistrado (que, juntamente com a PEC da Reeleição, faz parte da verdadeira herança maldita de FHC) era um dos grandes defensores da prisão em segunda instância. Ao fundamentar seu voto em 2016, ele afirmou que mudar as regras estabelecidas em 2009 colocaria o Brasil no rol de nações civilizadas e ajudaria a combater a impunidade. "Não se conhece no mundo civilizado um país que exija o trânsito em julgado; em princípio, pode-se executar a prisão com a decisão em segundo grau", argumentou o eminente jurista mato-grossense. "Uma coisa é ter alguém como investigado, outra coisa é ter alguém como denunciado, com denúncia recebida, e outra, ainda, é ter alguém com condenação (...) o sistema estabelece uma progressiva derruição, vamos dizer assim, da ideia da presunção de inocência (...)". Sete meses depois, sua excelência virou a casaca e passou a deferir todos os pedidos de habeas corpus que lhe caíam no colo. 

 

Quantas vezes alguém precisa ser condenado para começar a pagar sua dívida com a sociedade? Duas, como acontece na maioria de países livres, civilizados e bem-sucedidos, são mais que suficientes. Caso haja um erro na condenação em primeira instância, o juízo colegiado poderá repará-lo; se não o fizer, é porque não houve erro. E ponto final. 


Observação: A defesa de Luis Estevão ingressou com nada menos que 120 recursos até seu cliente finalmente ir para a cadeia, e a de Paulo Maluf protelou a prisão do réu por quase 40 anos (mesmo assim, o turco lalau foi mandado para casa pelo ministro Dias Toffoli, que lhe concedeu de ofício um "habeas corpus humanitário". 

 

Em 2019, por 6 votos a 5, o STF sepultou a prisão em segunda instância. A jurisprudência que já vinha capengando desde 2016 voltou a ser a de que o cumprimento da pena só começa depois do trânsito em julgado da sentença condenatória. Após desempatar o placar, Dias Toffoli, então presidente da corte, disse que "não se oporia" se o Congresso alterasse o artigo 283 do CPP para definir de uma vez por todas em que momento a prisão dos condenados deve ocorrer.


Nunca é demais lembrar que Toffoli, mesmo tendo sido reprovado em dois concursos para magistratura, foi guindado ao STF em retribuição aos serviços prestados a Lula e ao PT. Sem currículo, sem conhecimento, sem luz própria e sem os laços com a rede protetora do partido nem os referenciais do padrinho, o novato foi buscar apoio em Gilmar Mendes, que é quem melhor encarna a figura do velho coronel político — e de quem o Maquiavel de Marília, já consolidado no novo habitat, absorveu a arrogância, a grosseria, a falta de limites e o uso da autoridade da forma mais arbitrária possível

 

Vários projetos de lei e de emenda constitucional com vistas ao restabelecimento da a prisão em segunda instância pipocaram na sequência da decisão do STF, mas a pandemia fez com que o ano de 2020 terminasse com tudo do jeito como começou. No começo de 2021, o Executivo enviou ao Congresso uma relação de 35 assuntos que gostaria de ver aprovados, mas o tema em questão não estava entre eles — e nem Arthur Lira nem Rodrigo Pacheco usaram-no como forma de angariar votos nas disputas que os levaram a presidir a Câmara e o Senado

 

Continua...