Talvez seja impossível dizer como seria mundo sem as religiões, mas o termo "impossível" foi cunhado por alguém que desistiu de tentar. Só o impossível acontece; o possível apenas se repete — ou, parafraseando Einstein, "só existe até que alguém duvide e prove o contrário".
Os primeiros textos védicos remontam a 1.500 a.C., mas os conceitos que eles encerram já vinham sendo transmitidos oralmente havia séculos. A frase "este é o meu corpo" — que Jesus teria dito durante a Última Ceia — é repetida até hoje durante a Eucaristia.
Toda sociedade tem uma religião, toda religião tem um propósito social, e toda refeição religiosa emula um ritual. O Sêder de Pessach e a comunhão são meras adaptações litúrgicas de uma pratica observada em chimpanzés (o último ancestral que os humanos têm em comum com os macacos).
Observação: A seleção natural tornou os hominídeos mais sociais — a linha do hominídeo se dividiu em duas há cerca de 10 milhões de anos; uma vertente levou aos bonobos e a outra, ao homo sapiens, que compartilha 99% dos genes com os chimpanzés.
Hoje, as religiões parecem distantes da empatia que surgiu nos tempos imemoriais, mas a evolução ensina que fenômenos complexos se desenvolvem a partir de começos simples. Segundo o sociólogo Robert Bellah, estamos imersos em uma profunda história biológica e cosmológica que influencia tudo o que fazemos; até a mais aparentemente autônoma decisão humana é tomada dentro de uma história.
A finalidade precípua da religião é "religar" o ser humano a Deus, mas cada vertente — cristã, budista, hinduísta, xamânica, espiritualista, gnóstica, entre outras — possui sua própria definição do que ou de quem seja Deus. Conforme a ciência avançou, o divino perdeu parte de seu elã, mas, contrariando as previsões de muitos, o mundo menos religioso — para o bem e para o mal, haja vista o que alguns governos fazem em nome da fé.
Rituais, liturgias, orações e atos de caridade deveriam levar as pessoas a se sentirem parte de uma realidade mais significativa — ainda que as religiões não estejam necessariamente ligadas a uma crença monoteísta, interligadas a preceitos morais e tampouco fundamentadas sobre um mito de criação do mundo.
Ao longo da História, Cristo, Buda, Maomé, Krishna e outros ícones religiosos deixaram uma mensagem para determinado povo em determinada época. Essas mensagens deveriam levar à unidade, ao amor e ao bem de todos, mas foram distorcidas para atender a interesses egoístas daqueles que detém poder e influência, que as utilizam para manipular seus semelhantes.
A História ensina que não é recomendável misturar religião com política. Quando "lavou as mãos" e deixou que Jesus fosse crucificado, Pilatos deixou claro que ligação entre religião e política já existia. E o mesmo se pode dizer do episódio em que Jesus entrou no templo e pediu que dessem "a Cézar o que era de Cézar e a Deus o que era de Deus".
Durante um longo período da história, Estado e Igreja eram a mesma coisa. Isso começou a mudar com a Revolução Francesa. Com a Proclamação da República, o Brasil se tornou oficialmente um Estado laico, onde a liberdade de crença religiosa é prevista em lei e a lei protege aqueles que não são da religião predominante. Mas essa laicidade está em risco devido a um movimento religioso-político mediante o qual alguns segmentos da sociedade e seus representantes no Congresso querem impor sua crença em prol de um projeto visando aumentar sua influência e seu poderio econômico.
O escândalo envolvendo o ex-ministro Milton Ribeiro et caterva, repercutido por toda a imprensa em meado deste ano (mas sobre o qual ninguém fala mais) é mais uma prova provada de que misturar política com religião é uma prática que nunca dá certo. O apadrinhamento de verbas — embora seja uma prática antiga no Brasil — é um hábito que precisa ser combatido por todos, especialmente pelos religiosos, que deveriam ter um código moral... enfim, como está escrito no Salmo 118, versículo 8, “é melhor confiar no SENHOR do que confiar no homem”.
Essa é mais uma importante lição que o povo brasileiro tarda a aprender. Para surpresa de ninguém, pois uma gente que desconhece o próprio passado está fadada a repetir seus erros ad aeternum. Para essa brava gente, quanto mais merda houver, melhor.
Li certa vez que "Deus, em sua infinita bondade, criou a fé e o amor, e o Diabo, invejoso, as religiões e o casamento". Isso mostra como é importante não confundir alhos com bugalhos: diferentemente das religiões, as igrejas são instituições que se organizam com base em estruturas de poder e têm como objetivo normatizar a sociedade.