A reeleição do mito dos apatetados seria uma tragédia, mas volta do ex-presidente ex-presidiário ao Planalto — fruto da vocação patológica do eleitorado tupiniquim para fazer sempre as piores escolhas, obrigando a minoria pensante a escolher entre a frigideira e o fogo — é um pesadelo. No entanto, passados sete dias da troca de comando, a impressão que fica é a de que muita gente que havia repudiado a cleptocracia petista mudou de opinião.
De nada adianta chorar sobre o leite derramado nem cantar o hino nacional para um pneu ou rezar defronte a um quartel do Exército. Patriotismo (se é que isso existe) é torcer pelo Brasil. Minha opinião sobre o ex-vice presidente não vem ao caso, mas saudo-o pelo que disse sobre "a alternância do poder ser saudável e dever ser preservada". Mourão sempre apoiou os bolsonaristas radicais e seus protestos antidemocráticos, mas "fechou 2022 como o adulto na sala evacuada por Bolsonaro".
O também general reformado Carlos Alberto dos Santos Cruz qualificou de "inaceitável" o silêncio de Bolsonaro após a derrota nas urnas. Segundo ele, ex-presidente "é um populista que prejudicou muito a direita". Não há como discordar: o dublê de mau militar e parlamentar medíocre voou para o Planalto fingindo defender a Lava-Jato, mas a máscara caiu quando seu primogênito se tornou foco das investigações do Coaf.
O clima entre os poderes era de conflagração, e o ponto de ebulição tinha até data para acontecer: 10 de abril (dia em que o STF julgaria a legalidade das prisões em segunda instância, que poderia resultar na libertação do ex-presidente e então presidiário Lula). Quando o caldo ameaçou transbordar, os então presidentes do Supremo, da Câmara e do Senado costuraram um "pacto" que engavetou as PECs do parlamentarismo e da Lava-Toga e destravou a reforma da Previdência.
Observação: No Planalto, o general Mourão reduziu suas barulhentas aparições públicas, e o general Santos Cruz foi exonerado. O Maquiavel de Marília pôs a polícia nos calcanhares de grupos que pregavam ações violentas contra os togados, adiou o julgamento que viria a soltar Lula e paralisou as investigações sobre as rachadinhas de Flávio Bolsonaro, pacificando, ao menos momentaneamente, a Praça dos Três Poderes.
Voltando aos dias atuais, a maioria dos "cumpanhêros" que Lula escalou para comandar seus 37 ministérios já foi investigada pela Justiça. Daniela do Waguinho (ministra do Turismo) tem ligações com milicianos, e Waldez Góes (do Desenvolvimento Regional) está na mira do STF. Outros foram acusados ou investigados fora da esfera criminal — em ações de improbidade, ligadas à gestão pública em cargos que ocuparam, ou eleitorais, em razão de suspeitas em campanhas políticas —, e outros, ainda, tiveram seus nomes suscitados em delações que não geraram investigações formais.
Como disse Karl Marx, a história se repete como tragédia ou farsa. Quem ouviu atentamente os discursos de Lula deve ter percebido a semelhança com o trololó que Bolsonaro despejava sobre a récua de desmiolados que batiam ponto no cercadinho, e a discrepância entre o primeiro discurso. do petista no Congresso e o segundo, no Palácio do Planalto.
Mas isso é outra conversa.