terça-feira, 21 de fevereiro de 2023

MAS (AINDA) É CARNAVAL...

 

Ao promulgar a Constituição Cidadã, o então presidente da Câmara Ulysses Guimarães reconheceu que a Carta não era perfeita. E nem poderia ser. Afinal, é preciso manter a tradição de país cuja independência foi comprada e a Proclamação da República foi na verdade um golpe militar (o primeiro de uma série).
 
Nesta bizarra republiqueta, 38 cidadãos chegaram à Presidência pela via do voto popular, eleição indireta, linha sucessória ou golpe de Estado, e oito — começando por Deodoro da Fonseca — deixaram o cargo prematuramente. Dos cinco que foram eleitos diretamente desde a redemocratização, dois acabaram impichados — e teriam sido três se Rodrigo Maia e Arthur Lira tivessem cumprido seu papel constitucional.
 
Na fotografia, o Brasil aparece como uma democracia de Primeiro Mundo, mas a realidade do dia a dia mostra pouco mais que uma cópia barata e malsucedida do artigo legítimo. Políticos demagogos e corruptos que ocupam cargos eletivos não brotam nos gabinetes por geração espontânea; estão lá porque foram votados. Mas esperar o que de um eleitorado que insiste no erro, eleição após eleição, esperando que ele se transforme milagrosamente num acerto? 
Pode-se atribuir ao Criador a culpa por esse descalabro e dizer que um povo que eterniza imprestáveis no poder tem o governo que merece. Mas a questão é: foi para isso que lutamos pelas “Diretas Já”?
 
Temos uma Constituição, eleições a cada dois anos e uma Câmara de Deputados. Temos um Senado e até um presidente do Senado. Temos uma corte suprema, onde os juízes se chamam ministros, usam togas pretas como os reis africanos usavam cartolas, e escrevem (às vezes até uma frase inteira) em latim. Temos partidos políticos. Temos procuradores gerais, parciais, federais, estaduais, municipais, especializados em acidentes do trabalho, patrimônio histórico, meio ambiente, infância, urbanismo e praticamente todas as demais áreas da atividade humana. Temos uma Justiça Eleitoral. Temos centenas de direitos legais, inclusive ao lazer, à moradia e ao amparo, se formos desamparados. Não falta nada — a não ser a democracia.
 
Em matéria de democracia, o Brasil ficou só na foto. As eleições são subordinadas a todo tipo de patifaria, a começar pelo voto obrigatório, pelo horário eleitoral "gratuito" e por deformações propositais que entopem a Câmara Federal com políticos das regiões com menor número de eleitores. Os resultados são um monumento à demagogia, à corrupção e à estupidez. 
 
Dos 513 deputados e 81 senadores, cerca de 40% respondem a algum tipo de procedimento penal (ou respondiam, porque a situação mudou depois que a Lava-Jato foi desmantelada). Fora das penitenciárias, é a maior concentração de criminosos em potencial por metro quadrado que existe no território nacional.
 
O eleitorado, em sua maioria, é ignorante, desinformado e desinteressado. A Justiça Eleitoral, que existe para dar ao país eleições exemplares, permite a produção dos políticos mais ladrões do mundo. Temos três dúzias de partidos políticos, mas alguns não têm um único deputado ou senador no Congresso. Boa parte deles foi criada apenas para meter a mão nas verbas dos fundos partidário e eleitoral — bancados pelos contribuintes e distribuídos aos políticos — e leilora, em ano de eleição, sua cota de tempo no horário eleitoral obrigatório. 
 
Os direitos dos cidadãos representam a área mais notável das semelhanças entre a democracia brasileira e os reis africanos que aparecem nas fotos-símbolo do colonialismo. Nunca houve tantos direitos escritos nas leis nem o poder público foi tão incompetente para mantê-los. Há uma recusa sistemática em combater o crime por parte de nove entre dez políticos com algum peso. 
 
Pode passar pela cabeça de alguém que exista democracia num país como esse?