terça-feira, 20 de fevereiro de 2024

ACABOU O CARNAVAL (FINAL)

 

Antes de encerrar esta sequência — ou interrompê-la, melhor dizendo, já que é inevitável retomar o assunto mais adiante —, relembro um brocardo atribuído a Magalhães Pinto: "Política é como as nuvens; a gente olha e elas estão de um jeito, olha de novo e elas já mudaram". E vou mais além: "Escrever sobre política é como trocar pneu com o carro em movimento", pois o cenário, caleidoscópico, muda numa questão de segundos. 

 

Em seus quatro anos de mandato, Bolsonaro moveu montanhas para converter o Brasil numa autocracia de bananas, e, nesta banânia em particular, a Justiça não só tarda como nem sempre chega. Não houvesse na Praça dos Três Poderes uma filial da Pizzaria do Inferno, eu diria que a prisão do "imbrochável seriam favas contadas — como disse sobre a de Lula muito antes de sua condenação no processo do triplex. Mas é impossível não lembrar que Bolsonaro foi alvo de 150 pedidos impeachment e colecionou dezenas de acusações por crimes comuns, e que tudo foi parar na lata do lixo devido à inércia de Rodrigo Maia, à cumplicidade de Arthur Lira e à subserviência do antiprocurador Augusto Aras (que acreditou na promessa de uma vaga no STF, mas ficou a ver navios). 

 

O petismo experimentou forte crescimento até 2002 — ano em que Lula finalmente ascendeu ao Planalto após três derrotas consecutivas para o PSDB — em 1989, 1994 e 1998 —, mas começou a declinar em 2013. Em 2016, o impeachment de Dilma acirrou a polarização semeada por seu criador e mentor com o "nós contra eles", e a rejeição ao PT e seus satélites anabolizou a extrema direita, ensejando a vitória de Bolsonaro em 2018. Mas não há nada como o tempo para passar e o vento para mudar. 

 

Depois de gozar 580 dias de férias compulsórias em Curitiba, Lula deixou sua suíte VIP na carceragem da PF, foi "descondenado" e reabilitado politicamente por togas camaradas e derrotou Bolsonaro com a menor diferença de votos entre postulantes à Presidência no segundo turno desde a redemocratização. A propósito, volto a frisar que extirpar o câncer do bolsonarismo antes que ele evoluísse para metástase era fundamental, mas trazer o PT de volta ao Planalto era opcional. As demais opções eram desalentadoras, mas mesmo assim...

 

Ao vestir a faixa presidencial pela terceira vez, o pontifex maximus da seita do inferno pareceu acreditar que fora eleito o cargo de Deus. Sem se dar conta de que já não esbanja carisma como em 2010 — quando se orgulhava de eleger até poste —, confunde o Planalto com o Olimpo da mitologia grega. Para acomodar aliados da falaciosa "frente democrática", criou dezenas de novos ministérios. Para as pastas já existentes, nomeou antigos aliados — muitos dos quais foram sepultados no julgamento do Mensalão ou submergiram quando a (hoje finada) Lava-Jato expôs as entranhas pútridas do Petrolão. 

 

Lula recebeu em Palácio — e com pompa e circunstância — o ditador venezuelano Nicolás Maduro. Presenteou Dilma, a inolvidável, com a presidência do Banco do Brics. Indicou para o STF seu amigo e advogado particular Cristiano Zanin e seu ministro da Justiça Flávio Dino. Para ocupar o lugar do ministro declaradamente comunista, chamou de volta da aposentadoria o velho "cumpanhêro" Ricardo Lewandowski — cujos ombros ele próprio cobriu com a suprema toga em 2006, a pedido da então primeira-dama, que era amiga da mãe do magistrado. 

 

No primeiro ano de sua terceira gestão, O primeiro-casal passou visitou 26 países a expensas dos contribuintes. Na última sexta-feira, depois de visitar o Egito, Lula e Janja — que encarna o papel de presidenta-adjunta — iniciaram um passeio de três dias pela Etiópia. Mas não é só: Janeiro nem tinha acabado e os ministros Daniela Carneiro Juscelino Filho já estavam enroscados — ela, devido a uma esquisita relação eleitoral com milícias da Baixada Fluminense, e ele, ao uso do dinheiro de emendas parlamentares para beneficiar a fazenda da família. Daniela deixou a pasta do Turismo em julho, mas Juscelino segue no comando das Comunicações, a despeito de novos enroscos terem vindo à luz — de diárias e requisição de jatinhos da FAB para viagens pessoais a emprego de funcionário-fantasma e uso do gabinete pelo sogro para receber empresários e realizar despachos.

 

Lula está velho e rabugento. No ano passado, a dor no joelho não o deixava dormir direito. Uma "pneumonia leve" resultou no adiamento de sua viagem à China. O petista disse que estava poupando a voz para o encontro com Xi-Jinping, mas vale lembrar que nem o líder chinês fala português, nem o brasileiro domina o mandarim — na verdade, Lula mal consegue se expressar em português sem assassinar o vernáculo. 


Dias atrás, na Etiópia, Lula voltou a se referir à ação militar israelense em Gaza de "genocídio" e comparou a situação com o HolocaustoA fala foi considerada antissemita por entidades judaicas e israelitas e acendeu o pavio de mais uma crise diplomática. Benjamin Netanyahu disse que o brasileiro "cruzou a linha vermelha" com essa comparação "vergonhosa", e determinou que o embaixador do Brasil em Israel seja chamado às falas. Se serve de consolo, o Hamas agradeceu a declaração do Sun Tzu de Garanhuns, que, segundo o grupo terrorista, descreveu com perfeição o que acontece na Palestina. Alguém deveria fazer a ele a pergunta que o rei Juan Carlos fez a Maduro em 2007¿Por qué no te callas?
 
Saber quando calar é uma virtude, sobretudo quando um governo que mal começou começa mal sob muitos aspectos. Lula queria a cabeça de Roberto Campos Neto, como se a Selic estivesse em 13,75% por um capricho do presidente do BC, e não como tentativa de conter a inflação. O mal que o xamã do PT disse desejar "a esse cidadão que chefia o Banco Central" perdeu a relevância diante da incapacidade de Lula de fazer bem a si mesmo e a seu governo. Enquanto o bumbo de Haddad assegurava que a nova regra fiscal e a reforma tributária fariam deslanchar a economia, seu chefe sinalizava a investidores que ansiavam pelo nascer do Sol que a alvorada talvez, quem sabe, só chegaria em abril. Ela não chegou, e dinheiro não gosta de dúvidas e imprevistos.
 
No comando da pasta da Defesa, Dino não apreendeu armas destinadas ao crime organizado, que cresceu e ficou ainda mais organizado sob sua gestão, mas ganhou sua suprema toga. Anielle Franco — a ministra da "Igualdade Racial" que embolsava mais de R$ 400 mil por ano para não trabalhar numa empresa estatizada — requisitou um jatinho da FAB para assistir a um jogo de futebol no estádio do Morumbi, na capital paulista. E o resto é pinga da mesma pipa.

Apesar disso tudo (e muito mais), torço pelo sucesso do atual governo. Não por patriotismo hipócrita, mas porque mudar de país a esta altura da vida não é uma opção que eu possa me dar ao luxo de exercer. Faço votos de que a derradeira passagem de sua alteza pelo Planalto contribua para mitigar a abjeta polarização que tanto mal fez ao Brasil nos últimos anos, notadamente depois que o capitão-rascunho-do-mapa-do-inferno tomou o lugar que o tucanato ocupou de 1994 até 2014. 
 
Numa sociedade polarizada, um presidente que tem respaldo do Congresso consegue implementar políticas públicas que privilegiam seus apoiadores em detrimento do restante da sociedade. Essa erosão da representação política só não sufocará nossa frágil democracia se o eleitor mediano — que é o esteio da estabilidade e da racionalidade — reassumir seu posto, pois só assim o país escapará da sinuca de bico criada por idiotas de esquerda e extremista boçais de direita. Cabe à esquerda (enquanto poder) suavizar a radicalização interna, e à direita (como oposição) abandonar o extremismo e se reagrupar como um movimento mais ao centro. Sem esse esforço conjunto, o Brasil dificilmente voltará a crescer. Mas, desgraçadamente, não é isso que está acontecendo. 
 
Bolsonaro tem um longo histórico de ataques às instituições. Agora, em face das revelações da Tempus Veritatis, ele lança mão da mesma tática que usou inutilmente contra o STF e o TSE: gente na rua. A manifestação, por si mesma, não é crime. Mas, quando diz querer a "fotografia", confessa que seu objetivo é constranger o Supremo. O chefe do clã das rachadinhas e das mansões milionárias segue firme em seu intento de cassar as prerrogativas das togas — como fez reiteradamente quando presidente. Enquanto ele tentava executar sua catastrófica política de saúde — que correspondia a homicídio em massa —, decisões emanadas do Supremo salvavam milhares de vidas, inclusive garantindo a vacinação.
 
Diante de um inevitável encontro com a cadeia, o "mico" tenta fazer alguma coisa — com o mesmo desespero de quando buscava evitar a eleição do adversário, alertando que depois seria tarde demais. Como bem anotou Reinaldo Azevedo em sua coluna, Bolsonaro será preso. Pode não ser amanhã, mas também pode ser. Só depende dele. 

Que faça besteira e que seja preso. Pelo bem do Brasil.