Para muitos desavisados, penabundar
Dilma do Planalto e colocar outra pessoa em seu lugar (no caso, Michel Temer era a única opção que a
Constituição nos oferecia) desfaria todo o mal causado pela catastrófica gestão
econômica dos governos do PT. Só que não (mais detalhes nesta postagem). Combinada com o
presidencialismo de coalizão ― sistema em que o chefe de governo depende de
apoio parlamentar para tudo ― e o apetite pantagruélico dos partidos da base
aliada, a herança maldita que caiu no colo de Temer vem desafiando sua indiscutível habilidade ― forjada em anos
de Congresso Nacional ― de se articular com os rufiões da pátria e proxenetas
do Parlamento (como Roberto Jefferson
bem definiu a seleta confraria da qual ele próprio fazia parte), em busca do
sonho de ser lembrado pelos brasileiros como “o cara que recolocou o país no
rumo do crescimento”.
Seis meses depois de ser efetivado
no cargo, o 37º presidente da Banânia vem colhendo alguns resultados positivos,
mesmo amargando altíssimos índices de rejeição ― 46% de ruim e péssimo nas
pesquisas de opinião e apenas 13% de ótimo ou bom. Isso se deve em parte ao
fato de, com o desemprego em alta e sem dinheiro para honrar seus compromissos,
a população parece não se sensibilizar com a volta da inflação ao patamar mais
baixo dos últimos 30 anos (até porque não sente isso no bolso quando vai às
compras), com o superávit da balança comercial (modesto, é verdade, mas digno de
nota) e com a aprovação (ou encaminhamento) de medidas importantes, conquanto
controversas, como a da PEC do teto de gastos, da Previdência e da Legislação
Trabalhista. Quando falta comida na mesa, o que menos importa ao cidadão é que
a Petrobras e a Eletrobras, que andavam à míngua, deram sinais de recuperação,
e que diversos outros indicadores sinalizam que a economia voltará a crescer
antes mesmo do que previam os analistas mais otimistas.
O país enfrenta a maior paralisação
política de sua história, potencializada por conflitos, diferenças e
rivalidades (que sempre existiram, mas nunca numa magnitude tão preocupante). O
“ministério de notáveis” que Temer
nos prometeu acabou se revelando uma notável
agremiação de denunciados na Lava-Jato ― vale lembrar que o
“primeiro-amigo” Romero Jucá deixou
o ministério do Planejamento menos de duas semanas depois de ter sido empossado,
e que outros o seguiram, à razão de um por mês de governo (detalhes na postagem
anterior).
Para piorar, a nomeação de Moreira Franco para a Secretaria-Geral
da Presidência não podia ter sido feita em momento mais inoportuno. Primeiro,
porque o dito-cujo foi citado mais 30 vezes nas delações dos 77 da Odebrecht; segundo, porque reavivou na
memória do segmento pensante da sociedade a maracutaia urdida por Lula e Dilma em março do ano passado (*),
quando a mulher sapiens nomeou o molusco abjeto para a Casa Civil. Resultado:
em poucos dias, Moreira Franco foi e
deixou de ser ministro várias vezes, até que, na noite da última terça-feira, Celso de Mello confirmou sua nomeação e lhe devolveu a
prerrogativa de foro.
Observação: Por ser
monocrática, a decisão do decano do STF certamente chegará ao Plenário; no caso
de Lula, o ministro Gilmar Mendes anulou liminarmente a
nomeação, mas o impeachment da anta vermelha acarretou a perda de objeto da
ação, deixando de fazer sentido submeter a decisão de Mendes ao Plenário da Corte (**).
Para evitar maiores desgastes, não ter de se explicar
diariamente para a imprensa e neutralizar “vazamentos seletivos” envolvendo
membros de seu staff, Temer tomou o
que O Antagonista classificou como a melhor decisão de seu governo até agora:
“Quem for citado continua no governo; quem for denunciado é afastado; quem se
tornar réu é automaticamente demitido”, sentenciou o presidente. Se ele seguir à
risca o prometido, todos ganham, pois, ao governo, cabe cuidar da economia, e à
Lava-Jato, da ORCRIM.
Paira ainda sobre a cabeça (e o
mandato) do homem das mesóclises a perspectiva de cassação da chapa pela qual
ele se elegeu vice da ex-grande-chefa-toura-sentada-ora-impichada.
O processo dormita há anos no TSE, mas foi desengavetado e deverá ser julgado em
breve. Todavia, o resultado, qualquer que seja ele, certamente será objeto de
contestação. E como a Justiça brasileira é uma das mais pródigas do mundo em
gama de recursos e instâncias de apelação, a decisão final dificilmente sairia
antes de 2018 ― o que a tornaria inócua, pois até lá o peemedebista já terá
passado a faixa para seu sucessor (resta saber quem sucedê-lo-á, dada a “qualidade”
da choldra que pretende disputar a vaga).
O fato é que os partidos políticos
estão desmoralizados. É difícil achar um (e olha que são nada menos que 35
legendas regularmente cadastradas no TSE) que não abrigue suspeitos de
corrupção e de outras práticas espúrias em suas fileiras. Nossos governantes e
parlamentares caíram em total descrédito. Se o voto não fosse obrigatório, a
maioria dos eleitores dificilmente compareceria às urnas ― aliás, mesmo sendo
obrigatório, muitos se abstiveram de votar, votaram em branco ou anularam o
voto nas últimas eleições. Daí não fazer sentido convocar eleições diretas já, como
defendem alguns abilolados; além de ser inconstitucional, essa solução não só
não resolveria o problema, mas também propiciaria o surgimento de algum
espertalhão metido a salvador da pátria... E aí estaria feita a merda. De novo.
(*) Apesar de a nomeação do Moreira Franco cheirar a maracutaia,
existem diferenças gritantes entre ela e a de Lula, que foi nomeado ministro-chefe da Casa Civil quando já era
investigado e após ter sido levado coercitivamente para depor na PF. Nas
gravações que Moro tornou públicas
em março do ano passado, Dilma dizia
que lhe enviaria “um termo de posse para ser usado em caso de necessidade” ― na
oportunidade, ela já sabia que a prisão preventiva de seu mentor era apenas uma
questão de tempo, e por isso mandou formalizar a nomeação numa edição extra do
Diário Oficial. Outra diferença digna de nota é que, além de livrar Lula da República de Curitiba, a mulher
sapiens visava salvar o próprio mandato fazendo do petralha uma espécie de
primeiro ministro ― afinal, a anta vermelha podia ser inepta, arrogante,
pedante e incompetente, mas de burra ela não tinha nada ―, já que só um milagre
reverteria o curso que o processo de impeachment havia tomado. No caso de Moreira Franco, a situação é bem outra,
até porque ele já fazia parte do staff do governo ― na qualidade de secretário
do Programa de Parceria de Investimentos,
criado por Temer em setembro do ano
passado. O problema é que, na época, o governo precisava extinguir ministérios ―
para passar uma impressão de austeridade ―, e não criar novas pastas. Além
disso, “Angorá”, por enquanto, é meramente citado na Delação do Fim do Mundo
(cujo teor, lamentavelmente, continua sob segredo de Justiça), ou seja, ainda
não foi aberto inquérito para investigá-lo. Isso sem mencionar que a postura de
Temer diverge sensivelmente da de Dilma: enquanto ela era useira e
vezeira em nomear apaniguados para lhes garantir prerrogativa de foro, ele já
expeliu da Esplanada dos Ministérios Romero
Jucá, Henrique Alves e Geddel Vieira Lima, dentre outros
políticos do primeiro escalão que foram flagrados em práticas pouco republicanas.
(**) Celso de Mello pôs fim à guerra das liminares, manteve a nomeação do “Angorá” e lhe restabeleceu o direito ao foro privilegiados que o status de ministro ora lhe garante. Como eu adiantei parágrafos atrás, a decisão monocrática magistrado poderia ser contestada, e foi. Ontem, 17, o PSOL apelou, e agora a decisão final ficará a cargo do Plenário da Corte. Mello já havia dito que, se houvesse recurso do PSOL ou da Rede ― outro partido que foi ao tribunal contra a nomeação ―, o caso iria a Plenário. Isso exigirá que Rodrigo Janot exare seu parecer e que Moreira Franco seja ouvido (já que não foi antes da concessão da liminar; apenas Temer, responsável pela nomeação, apresentou uma caudalosa justificativa, dizendo em mais de 50 páginas que o ato não teve a intenção precípua de blindar o nomeado e dificultar a ação da Justiça).
(**) Celso de Mello pôs fim à guerra das liminares, manteve a nomeação do “Angorá” e lhe restabeleceu o direito ao foro privilegiados que o status de ministro ora lhe garante. Como eu adiantei parágrafos atrás, a decisão monocrática magistrado poderia ser contestada, e foi. Ontem, 17, o PSOL apelou, e agora a decisão final ficará a cargo do Plenário da Corte. Mello já havia dito que, se houvesse recurso do PSOL ou da Rede ― outro partido que foi ao tribunal contra a nomeação ―, o caso iria a Plenário. Isso exigirá que Rodrigo Janot exare seu parecer e que Moreira Franco seja ouvido (já que não foi antes da concessão da liminar; apenas Temer, responsável pela nomeação, apresentou uma caudalosa justificativa, dizendo em mais de 50 páginas que o ato não teve a intenção precípua de blindar o nomeado e dificultar a ação da Justiça).
Como se vê, a coisa ainda vai render.
Eu acho que o plenário mantém a nomeação, não tanto para não contrariar o
decano da Corte, mas para não afrontar (e enfraquecer ainda mais) o
chefe do Executivo. Enfim, façam suas apostas.