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quarta-feira, 30 de outubro de 2019

NÃO HÁ ORGANIZAÇÕES CRIMINOSAS NO BRASIL. O BRASIL É UMA ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA



A menos que o imprevisto tenha voto decisivo na assembleia dos acontecimentos, encerrar-se-á na próxima semana o julgamento sobre a constitucionalidade (ou não) do cumprimento antecipado da pena após condenação em segunda instância. Quando a sessão foi suspensa, no último dia 24, havia 4 votos a favor da jurisprudência atual e 3 pela mudança, ou seja, pela prisão somente depois do trânsito em julgado — o que nesta banânia equivale a dizer "no dia de São Nunca".

Até agora, somente Rosa Weber e Ricardo Lewandowski seguiram o voto de Marco Aurélio — relator das famigeradas ADCs do PEN, da OAB e do PCdoB, mas tudo indica que Cármen Lúcia deve acompanhar os dissidentes e Gilmar Mendes e Celso de Mello, o relator. Se esse prognóstico se confirmar, caberá a Dias Toffoli proferir o voto de Minerva.

O jurista Modesto Carvalhosa defende a suspensão do julgamento até que o Congresso faça seu papel, e convoca a população a sair as ruas para protestar no próximo dia 9. Independentemente da pressão popular, o mestre de cerimônias do cirquinho supremo já acenou com a possibilidade de mudar seu posicionamento, embora não o tenha dito com todas as letras (detalhes na postagem de anteontem).

Toffoli vinha defendendo uma solução conciliadora — uma "terceira via" nem tanto ao mar, nem tanto à terra, que deságua na prisão após o julgamento dos recursos na terceira instância (STJ). Na última segunda-feira, no entanto, enviou ao Congresso uma proposta para alterar o Código Penal e impedir a prescrição dos processos que chegam ao STJ/STF. Assim, o prazo prescricional seria suspenso (ou seja, pararia de contar) na segunda instância, mesmo que réus investigados, que já foram condenados, entrassem com recursos em instâncias superiores. Já há precedentes na 1ª Turma no sentido de que a decisão na segunda instância interrompe a contagem da prescrição, mas a 2ª Turma, que conta com Gilmar Mendes, Ricardo Lewandowski e Celso de Mello, costuma se posicionar no sentido contrário.

A corrupção sempre campeou solta sob as barbas do Gigante Adormecido, mas só foi institucionalizada no governo Lula, a partir de quando os bandidos de gravata, estimulados pela sensação de impunidade, passaram a roubar com uma voracidade nunca vista na história deste país. O cenário começou a mudar em 2012 com o julgamento da Ação Penal 470 — mais conhecida como processo do Mensalão —, da qual Lula, inacreditavelmente, escapou incólume.

Para se ter uma ideia de como a Justiça é "célere" no país da impunidade (entre aspas para ressaltar a ironia), basta lembrar que o Mensalão foi delatado em 2005 pelo ex-deputado Roberto Jefferson, um dos condenados. O Supremo só começou a julgar o caso em agosto de 2012 e terminou, após um ano e meio e 69 sessões, com a apreciação dos embargos infringentes. Dos 38 réus no processo, 24 restaram condenados.

A Lava-Jato teve início em 2009 — com a investigação de crimes de lavagem de recursos relacionados ao ex-deputado federal José Janene e aos doleiros Alberto Youssef e Carlos Habib Chater —, mas sua primeira fase ostensiva foi deflagrada somente em março de 2014. Cumpriram-se então 81 mandados de busca e apreensão, 18 de prisão preventiva, 10 de prisão temporária e 19 de condução coercitiva, em 17 cidades de 6 estados e no DF. Como mais de 80 mil documentos foram apreendidos pela PF — além de diversos equipamentos de informática e celulares — Rodrigo Janot, então no comando da PGR, designou um grupo de procuradores para analisar todo esse material e propor as acusações, e do trabalho dessa equipe resultaram as primeiras denúncias.

As apurações indicavam a existência de um grande esquema de corrupção e lavagem de dinheiro na Petrobras, o que levou à segunda fase do caso. Atendendo a um pedido da defesa dos envolvidos, o STF suspendeu as investigações, e o ministro Teori Zavascki determinou que somente a parte que tocava aos investigados com direito a foro privilegiado permanecesse no STF. Meses mais tarde, Paulo Roberto Costa assinou um acordo de colaboração com o MPF, comprometendo-se a devolver a propina recebida (incluindo os milhões bloqueados no exterior), detalhar todos os crimes cometidos e a apontar os demais participantes. Depois dele foi a vez de Alberto Youssef, e vários acordos de colaboração importantes foram negociados pela força-tarefa — os que não envolviam políticos com prerrogativa de foro foram enviados para a 13ª Vara Federal do Paraná, comandada pelo então juiz Sérgio Moro.

Ao completar 5 anos, a maior operação contra a corrupção da história deste país contabilizou 242 condenações contra 155 pessoas em 50 processos por lavagem de dinheiro, corrupção ativa e passiva, fraude à licitação, organização criminosa, evasão de divisas, lavagem de dinheiro, tráfico internacional de drogas, crime contra a ordem econômica, embaraço à investigação de organização criminosa e falsidade ideológica. Nesse período, R$ 2,5 bilhões retornaram à Petrobras, a principal estatal lesada pelo esquema — uma média de R$ 1,37 milhão por dia devolvido aos cofres públicos desde 2014. No total de 13 acordos de leniência com empresas envolvidas, está previsto o ressarcimento de R$ 13 bilhões, valor superior à previsão de gastos da Justiça Federal (R$ 12,8 bi) ou do Ministério da Agricultura Pecuária e Abastecimento (R$ 11,9 bi) descritos no Orçamento Anual de 2019. Segundo o MPF, o valor apurado pode chegar a R$ 40 bilhões.

Como toda ação implica uma reação, as articulações capitaneadas por caciques políticos, líderes partidários, congressistas e até membros do alto escalão do poder Judiciário cresceram em progressão geométrica. Fossemos relembrar aqui principais ataques sofridos pela Lava-Jato, esta matéria se desdobraria em pelo menos uma dúzia de capítulos, mas pode-se resumir a ópera dizendo simplesmente que, a despeito do que alardearam os alarmista de plantão, a força-tarefa, qual Fênix mitológica, renasceu das cinzas uma vez depois da outra. Pelo menos até agora.

A ação do espúrio site The Intercept foi fundamental para a formação da tempestade perfeita, sobretudo quando Moro, Dallagnol e companhia se tornaram alvo dos vazamentos verdevaldianos, que tanta alegria proporcionaram aos políticos corruptos e os criminalistas estrelados que cobram honorários milionários para postergar sua prisão.

Num país minimamente sério, diálogos não periciados e obtidos criminosamente pelo hackeamento de 1000 celulares de autoridades governamentais, membros do judiciário, procuradores e políticos iriam para a lata do lixo juntamente com Verdevaldo das Couves, o coveiro de reputações. Mas não numa republiqueta de bananas, onde Verdevaldo é tratado pela mídia "cumpanhêra" como herói nacional. Acho até que ele só não foi sondado por algum partido para disputar as próximas eleições presidenciais porque nossa Constituição (que não é lá grande coisa) determina que somente brasileiros natos podem concorrer ao cargo de presidente desta banânia.

Ainda que os diálogos atribuídos a Moro, Dallagnol e companhia fossem periciados e tidos como verdadeiros, sua origem continuaria sendo criminosa, torando-os imprestáveis como prova em juízo. E mesmo que as transcrições não tivessem sido editadas ou manipuladas de alguma maneira — o que se admite apenas para efeitos de argumentação — elas nada comprovam senão o empenho do ex-juiz da Lava-Jato e dos procuradores da força-tarefa na defesa dos interesses da sociedade e sua determinação na luta contra a grande corrupção, mesmo tendo de enfrentar os mais poderosos corruptos da República.

Curiosamente, baixada a poeira que se levantou com a prisão do bando responsável pelo hackeamento, a imprensa quase nada mais publicou de relevante sobre o assunto, sobretudo depois que as investigações apontaram o possível envolvimento da pecedebista Manuela D'Ávila, que compôs com o bonifrate de Lula a chapa derrotada pelo capitão caverna nas eleições presidenciais de 2018. Poder-se-ia atribuir essa "perda de interesse" às estultices de Bolsonaro, à tramitação conturbada da PEC Previdenciária e, mais recentemente, à disputa por poder e dinheiro entre o capitão caverna e integrantes da alta cúpula do PSL. Mas não se pode perder de vista o fato de que veículos supostamente isentos e respeitáveis — como Folha, UOL, BandNews e Veja, entre outros — seguiram Verdevaldo como os ratos na fábula do Flautista de Hamelin. 

E incontestável que a opinião pública, como que tomada de uma “cólera santa” contra a podridão que a Lava-Jato trouxe a lume, contribuiu em grande medida para o impeachment da gerentona de araque e, mais adiante, para o encarceramento de seu criador e mentor — a autodeclarada "alma viva mais honesta do Brasil", em cuja alegada lisura no trato com a coisa pública muita gente ainda acredita —, mas não é esse o ponto, e sim o fato de termos subestimado a resiliência do crime organizado. Mas é igualmente incontestável que políticos corruptos, como as baratas, são capazes de sobreviver aos piores cataclismos, até mesmo nucleares.

Mesmo com vários chefes da corrupção presos (inclusive o capo di tutti i capi), os interesses dos corruptos vem sendo garantido por uma engenhosa articulação suprapartidária, cujas ramificações vão de dentro de uma cadeia no Brasil até o exterior e que se alimenta da vaza-jato do Intercept et caterva, cujo primeiro alvo, como dito linhas atrás, foi o ex-juiz federal e atual ministro da Justiça, tido e havido como algoz dos corruptos devido a sua seriedade, coragem, tenacidade e eficiência no combate à corrupção e a impunidade no Brasil.

É nesse pé que a coisa está. Resta saber como ficará, pois a política é como as nuvens no céu: a gente olha, elas estão de um jeito; olha de novo, e tudo mudou. Tomara que mude para melhor.

quinta-feira, 17 de outubro de 2019

PARA ONDE VAI A NAU DOS INSENSATOS?



Lamento insistir neste assunto, mas começa hoje (e só Deus sabe quando termina) o julgamento das nefastas ADCs 43, 44 e 54. Considerando que as ações foram ajuizadas, respectivamente, pelo PEN, pela OAB sob a presidência de um petista de quatro costados e pelo PCdoB, boa coisa elas não poderiam ser.

Observação: O Conselho Nacional de Justiça emitiu uma nota oficial dizendo que foram expedidos 4.895 mandados de prisão pelo segundo grau dos Tribunais Regionais Federais e dos Tribunais de Justiça. O dado foi extraído do Banco Nacional de Monitoramento de Prisões. Assim, esse é o total de casos que a princípio podem ser afetados pelo julgamento das ADCs. Vale lembrar, no entanto, que o presidente do STF também preside o CNJ, e que esses dados são baseados em informações repassadas pelos tribunais de todo o país, nem sempre atualizadas de modo sincronizado, podendo haver imprecisões
O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) emitiu uma nota oficial hoje dizendo que foram expedidos 4.895 mandados de prisão pelo segundo grau dos Tribunais Regionais Federais e dos Tribunais de Justiça. O dado foi extraído do Banco Nacional de Monitoramento de Prisões (BNMP). Assim, este é o total de casos que a princípio, segundo a CNJ, pode ser afetado pelo julgamento das ADCs 43, 44 e 54, que será iniciado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) amanhã. ... - Veja mais em https://noticias.uol.com.br/cotidiano/ultimas-noticias/2019/10/16/cnj-diz-que-ha-4895-presos-por-condenacoes-de-2-instancia-no-brasil.htm?cmpid=copiaecola
O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) emitiu uma nota oficial hoje dizendo que foram expedidos 4.895 mandados de prisão pelo segundo grau dos Tribunais Regionais Federais e dos Tribunais de Justiça. O dado foi extraído do Banco Nacional de Monitoramento de Prisões (BNMP). Assim, este é o total de casos que a princípio, segundo a CNJ, pode ser afetado pelo julgamento das ADCs 43, 44 e 54, que será iniciado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) amanhã. ... - Veja mais em https://noticias.uol.com.br/cotidiano/ultimas-noticias/2019/10/16/cnj-diz-que-ha-4895-presos-por-condenacoes-de-2-instancia-no-brasil.htm?cmpid=copiaecola
O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) emitiu uma nota oficial hoje dizendo que foram expedidos 4.895 mandados de prisão pelo segundo grau dos Tribunais Regionais Federais e dos Tribunais de Justiça. O dado foi extraído do Banco Nacional de Monitoramento de Prisões (BNMP). Assim, este é o total de casos que a princípio, segundo a CNJ, pode ser afetado pelo julgamento das ADCs 43, 44 e 54, que será iniciado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) amanhã. ... - Veja mais em https://noticias.uol.com.br/cotidiano/ultimas-noticias/2019/10/16/cnj-diz-que-ha-4895-presos-por-condenacoes-de-2-instancia-no-brasil.htm?cmpid=copiaecola
O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) emitiu uma nota oficial hoje dizendo que foram expedidos 4.895 mandados de prisão pelo segundo grau dos Tribunais Regionais Federais e dos Tribunais de Justiça. O dado foi extraído do Banco Nacional de Monitoramento de Prisões (BNMP). Assim, este é o total de casos que a princípio, segundo a CNJ, pode ser afetado pelo julgamento das ADCs 43, 44 e 54, que será iniciado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) amanhã. ... - Veja mais em https://noticias.uol.com.br/cotidiano/ultimas-noticias/2019/10/16/cnj-diz-que-ha-4895-presos-por-condenacoes-de-2-instancia-no-brasil.htm?cmpid=copiaecola

Essa novela vem ganhando novos capítulos porque, como a própria ministra Cármen Lúcia reconheceu quando presidia o STF, rediscutir a prisão em segunda instância pela quarta vez, em pouco mais de dois anos, seria apequenar o Tribunal. Mas talvez tivesse sido melhor a Corte ter posto um ponto final nessa história depois que a condenação de Lula foi confirmada pelo TRF-4 e o molusco foi recolhido na sua sala VIP em Curitiba.

Noves fora o breve período entre 2009 a 2016, os criminosos eram presos, no Brasil, após sua condenação em primeira ou segunda instâncias — como sói acontecer na maioria das democracias do Planeta. Num Judiciário com 4 instâncias, que oferecem "n" possibilidades de apelos e chicanas protelatórias, e onde a morosidade nos julgamentos aumenta em progressão geométrica, da primeira à última instância, estabelecer o início do cumprimento da pena depois do trânsito em julgado da sentença condenatória é fomentar a impunidade e estimular a prática dos atos delituosos. Mas ainda há quem vê o cumprimento antecipado da pena como a obstrução do direito dos réus à plena defesa e, portanto, luta por restabelecer o status quo ante caso a maioria dos ministros não acolha a proposta do atual presidente da Corte, que sugere estabelecer como a condenação em terceira instância como marco regulatório do início do cumprimento da pena.

Nada disso deveria ter a ver com Lula, mas tudo tem a ver com Lula neste arremedo de país. Tivesse o picareta precedido a ex-primeira-dama na viagem sem volta à terra dos pés juntos, não haveria essa pressão toda sobre o tribunal — e nem sequer essas nefandas ADCs. Tivesse o assunto sido discutido anteriormente, mesmo sob pena de apequenar o que já é minúsculo, não estaríamos boiando feito merda n'água, ao sabor da total insegurança jurídica com que a pior composição de toda a história do supremo nos brinda dia sim, outro também. Na pior das hipóteses, os supremos togados poderiam ter tornado vinculante a posição que tomaram ao rejeitar o HC de Lula.

Não seria uma medida lá muito ortodoxa, é verdade. Mas quem se importa com isso num tribunal useiro e vezeiro em exorbitar sua competência e usurpar a do Congresso, como fizeram ao determinar a anulação das sentenças nos processos em que réus delatados não apresentaram seus memoriais depois dos delatores, por exemplo, a despeito de nem a Constituição nem os códigos Penal e de Processo Penal preverem nada parecido?

Tivessem os conspícuos togados resolvido de vez a pendenga e não estariam agora numa sinuca de bico, tende do votar sob pressão e a toque e caixa um assunto que a prisão de Lula transformou numa celeuma jurídica. E se e quando decidirem para que lado o vento deve soprar, sua decisão valerá até quando? Até Dilma ser presa? Ou Temer? Ou Collor? Ou Aécio? 

Mas o que me causa espécie é o silencio sepulcral do sempre boquirroto presidente desta banânia, que não deu um pio sobre o iminente julgamento das ADCs, sobre a anulação dos processos devido à ordem dos memoriais, ou mesmo quando viu o projeto anticrime e anticorrupção do seu ministro da Justiça ser depenado pelo Congresso. Depois que a prioridade do capitão passou a ser blindar seu primogênito, desceram pelo esgoto palaciano a máscara de inimigo figadal dos conchavos da velha política, do antipetismo e o escambau, juntamente com sua promessa de acabar com a reeleição, que, pelo visto, só valeu até o dia da posse.

O mito dos bolsomínions rosna como um pitbull feroz na ONU, mas ronrona feito um gatinho diante dos chefes dos outros podres Poderes, que o têm comendo na palma da mão desde que foi celebrado um espúrio acordão travestido de "pacto institucional". É bom lembrar que Michel Temer se tornou um pato-manco quando comprou da banda podre da Câmara Federal os votos necessários para escudá-lo das flechadas do ex-PGR Rodrigo Janot, o pistoleiro de araque que saca mas não atira. Em que toco fomos amarrar nosso bode!

Dora Kramer, cuja opinião eu respeito, fechou sua coluna em Veja desta semana dizendo que "o julgamento da questão sobre a prisão de réus condenados em segunda instância pode não ser o fim da Lava-Jato que se espera; o ministro Gilmar Mendes, tido como algoz da operação, já admite modulação na decisão de maneira a aplicar a regra de forma diferente de acordo com os casos."  Torçamos, pois. Aliás, vale a pena ler o restante do texto publicado pelo jornalista:

"Com todo o imenso e merecido respeito devido ao ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, seus argumentos em prol da necessidade de “união do centro” têm sido insuficientes, por inconsistentes. FHC fala, mas aqueles a quem se dirige não fazem coisa alguma. Ele tenta, ainda sem sucesso, emular o dístico lançado por Franco Montoro e incorporado ao discurso de Tancredo Neves depois da derrota da emenda Dante de Oliveira (por eleições diretas para presidente) no Congresso. 'Não vamos nos dispersar', apelou Montoro em 1984 e repetiu Tancredo logo depois, levando milhões às ruas em defesa do fim do regime militar, mesmo que pela via indireta da eleição no colégio eleitoral do Congresso.

O que havia ali que diferenciava a situação da condição vivida nos dias de hoje? Entre outros fatores, confiabilidade nos autores dos discursos, objetividade e clareza de propósitos. Lá, o motivo era pôr fim ao ciclo militar e autoritário. Aqui, a ideia é confrontar um governo de princípios retrógrados com proposituras referidas num passado sem volta.

Para isso é necessário mais que palavras bacanas. É preciso ir muito além da indignação dos que, do sofá e com uma taça de vinho na mão, externam as respectivas posições reproduzindo opiniões de outrem nas ditas redes sociais.

É fundamental acrescentar ao debate nacional algo mais que as ideias tortas que podem ser tortas quando ditas por Bolsonaro mas que, reconheçamos, são claras para boa parte da população. Sejamos diretos: não adianta ter as ideias certas se você não consegue fazer com que sejam compreendidas de forma correta.

É preciso ter proposição, precisão, conteúdo e capacidade de convencimento para combater ideias tortas externadas de maneira errada. Isso se faz com argumentos e, principalmente, com um plano de ação hoje ainda inexistente para qualificar eleitoralmente as forças de centro que, antes de se posicionarem, precisam comer muito arroz com feijão no embornal da história do Brasil."

sábado, 28 de setembro de 2019

AINDA SOBRE O "CASO JANOT" E O DISCURSO DE BOLSONARO



Ainda sobre o supremo buchicho da última quinta-feira, o prosseguimento ficou marcado para a próxima quarta, quando então a composição plenária contará com a presença do anjinho barroco primo de Collor, e todos ouvirão atentamente a solução que o mestre de cerimônias do circo supremo promete tirar magicamente da cartola. Até lá, resta-nos a certeza de que as forças do bem nem sempre vencem o mal: a despeito do didatismo do relatório do ministro Fachin, das ponderações lúcidas dos ministros BarrosoFux, o entendimento que prosperou foi o de que, quando se trata de favorecer criminosos, normas estranhas aos nossos diplomas legais (e não estou falando aqui de leis consuetudinárias) podem e devem ser aplicadas, sobretudo se ajudarem a pavimentar a estrada dos tijolos vermelhos que leva à soltura do sórdido criminoso de Garanhuns. Também na quinta-feira, causou frisson a notícia de que Rodrigo Janot chegou ao cúmulo de entrar armado no STF para exterminar Gilmar Mendes e dar cabo da própria vida. Vamos aos detalhes.

Janot e a maritaca de Diamantino (se me permitem parafrasear o brilhante jornalista Augusto Nunes) foram empossados no Ministério Púbico em 1984, mas a relação degringolou por motivos que o ex-procurador geral detalha em seu livro Nada Menos que Tudo (Editora Planeta), a ser lançado na próxima semana. Em 2017, ao rebater críticas do então PGR ao andamento dos processos no STF, o semideus togado afirmou que a atuação de Moro é que era muito rápida (!?). Em março do ano seguinte, acusou Janot de divulgar de forma indevida informações de processos sigilosos. Este, sem citar nominalmente o desafeto, rebateu: "Não vi uma só palavra de quem teve uma disenteria verbal a se pronunciar sobre esta imputação ao Congresso, ao Palácio e até o Supremo".

O clima azedou ainda mais depois que Rodrigo Janot passou a mirar suas flechadas no então presidente Michel Temer, com quem o togado supremo era carne e unha. Depois que deixou a PGR, o procurador e o ministro se estranharam num voo para a Europa. Mais adiante, durante palestra em Washington, disse Janot (referindo-se a Gilmar): "Ninguém tem essa capacidade de odiar gratuitamente a várias pessoas a não ser que tenha algum problema, né, de saúde". Pouco antes, durante uma sessão no STF, o togado afirmou que o PGR deveria ter pedido a própria prisão diante do malogro das investigações do caso JBS: "Eu sou da turma de 84. Certamente já ouvimos falar de procuradores preguiçosos, de procuradores violentos, alcoólatras, mas não de procuradores ladrões. É disso que se cuida aqui, corruptos num processo de investigação. Essa pecha a Procuradoria não merecia ao fazer investigação criminal".

"Ele [Janot] não tem preparo jurídico nem emocional para dirigir um órgão dessa importância", disse o ministro em outra oportunidade, depois de afirmar que o Ministério Público ficou "a reboque das loucuras" do inimigo. A animosidade entre ambos cresceu a ponto de levar Janot pensar em matar Mendes. Em entrevista ao Estado, disse o ex-procurador: “Não ia ser ameaça não. Ia ser assassinato mesmo. Ia matar ele (Mendes) e depois me suicidar”. O motivo teria sido uma notícia sobre a participação da filha de Janot na defesa da OAS: “Foi logo depois que eu apresentei a sessão (...) de suspeição dele no caso do Eike. Aí ele inventou uma história que a minha filha advogava na parte penal para uma empresa da Lava Jato. Minha filha nunca advogou na área penal... e aí eu saí do sério”.

Em 15 de setembro, Mendes voltou a criticar Janot e o comparou ao médico Simão Bacamarte, de "O Alienista", clássico do escritor Machado de Assis. Na história, o médico resolve internar a si próprio em um hospício. "Acredito que a gestão do procurador Rodrigo Janot na Procuradoria-Geral da República foi sem dúvida alguma a mais infeliz, a mais desastrosa. Faltou institucionalidade, houve abuso de poder, houve tentativa de transformar a Procuradoria em palanque político. O procurador-geral quase que chegou à situação tal qual o personagem principal do livro 'O Alienista'. Ao final de seu mandato, quase que o procurador-geral pediu sua própria prisão preventiva".

Momentos antes da última participação de Janot em sessão plenária no STF, Gilmar citou um verso de Bocage para se referir à despedida: "Eu diria em relação ao procurador-geral Janot uma frase de Bocage: 'Que saiba morrer quem viver não soube'"Janot respondeu: "Mas tudo isso já encontra-se no passado. Os mortos, então, deixai-os a seus próprios cuidados". E acrescentou: "As páginas da história certamente hão de contar com isenção e verdade o lado que cada um escolheu para travar sua batalha pessoal nesse processo".

Dada a extensão deste texto, volto ao assunto no post de amanhã, quando então comentarei também a decisão estapafúrdia tomada pela nossa mais alta corte de injustiça na sessão plenária da última quinta-feira. Fiquem com o texto que eu havia preparado para hoje:

O discurso que nosso indômito presidente proferiu no último dia 24 já é notícia velha, mas a mídia continua repercutindo mesmo assim. Na manhã desta quinta-feira, incomodado com a reação negativa da imprensa, o capitão afirmou ter assistido a própria fala novamente e que considerou suas posições agressivas. "Queriam alguém lá que fosse para falar abobrinha, enxugar gelo e passar o pano?", questionou. "Não fui ofensivo com ninguém. Assisti ao que eu falei, seria muito mais cômodo eu fazer um discurso para ser aplaudido, mas não teria coragem de olhar para a cara de vocês aqui". Disse ainda reconhecer que o governo tem enfrentado algumas derrotas no Congresso, mas que isso é normal na democracia, pois não pode impor sua vontade em tudo. "O parlamento tem um freio necessário, às vezes a gente não concorda, mas tem que respeitar", sentenciou o "mito". É verdade. Pena que boa parte dos congressistas não valha dois tostões de mel coado.

Repito aqui o tuíte de Guilherme Fiuza: " O discurso de Bolsonaro na ONU decepcionou a intelectualidade mundial. Não teve a genialidade da Dilma, a honestidade do Lula, o biquinho do Macron, os suspiros da Bachelet, não salvou as girafas da Amazônia, não demitiu Sergio Moro e ainda disse que a verdade liberta. Não dá."

Enquanto nosso presidente desfilava seu júbilo em Nova York, seu "novo Brasil" apodrecia em Brasília. Horas depois de sua estreia na ONU, seu líder no Senado, Fernando Bezerra Coelho, escalou a tribuna para discursar sobre a acusação de que recebeu R$ 5,5 milhões em propinas na época em que foi ministro da Integração Nacional do velho Brasil presidido por Dilma, a insuportável. Disse pouco em sua defesa. Preferiu queixar-se da batida policial realizada em seus endereços pela PF, subordinada ao "símbolo" Sergio Moro, e posar de perseguido: "Fui vítima de uma operação política, articulada para atingir o Congresso Nacional e o governo do presidente Jair Bolsonaro, do qual tenho a honra de ser líder no Senado Federal", declarou o coelho maroto.

Embora não se considere alvo da investigação criminal, Bezerra evocou sua condição de cliente de caderneta da Lava-Jato para expressar sua fé no futuro: "Pela ausência de elementos comprobatórios, [o caso] terá o mesmo destino de outras acusações que enfrentei: o arquivamento. Inclusive com força de decisão do STF. Que fique claro, senhores parlamentares, não temo as investigações. Digo com veemência que jamais excedi os limites impostos pela lei e pela ética".

A despeito do destemor, o obelisco da probidade pediu ao Supremo que ordene a devolução de todo o material recolhido pela PF, por tratar-se de prova ilícita. Foi socorrido também pela advocacia do próprio Senado, que preparou petição sobre a suposta ilegalidade dos mandados de busca e apreensão expedidos pelo ministro Luís Roberto Barroso. Formou-se ao redor do senador desconsolado um denso e comovente cinturão de solidariedade. Inclui do PT, sócio majoritário do MDB de Bezerra nos governos que levaram o Brasil "à beira do socialismo", até o DEM de Davi Alcolumbre, guindado à presidência do Senado com o apoio do chefe da Casa Civil Onyx Lorenzoni, um ministro do "novo Brasil".

Sob a liderança de Alcolumbre, uma caravana pluripartidária de 15 senadores cruzou a Praça dos Três Poderes para entregar a Toffoli, o luminar, o recurso preparado pela advocacia do Senado. Os defensores de Bezerra revelam-se capazes de quase tudo, exceto de tomar as dores de quem lhes paga o salário: o brasileiro em dia com suas obrigações tributárias.

Indefeso, o contribuinte assiste ao início da exposição dos achados da PF. Relatório enviado pelo delegado Edson Lopes ao ministro Barroso empilhou itens encontrados nos endereços de Bezerra e do seu primogênito, o deputado Fernando Coelho Filho, também sob investigação. Há coisas constrangedoras na lista — de dinheiro vivo a arquivo digital chamado "doadores ocultos"; de indícios de transferências imobiliárias a um automóvel registrado no nome de empresa cujo sócio é investigado como operador do esquema sob investigação.

Por enquanto, coelhão e coelhinho silenciam sobre os indícios. Seu silêncio não resolve o problema, mas é extremamente útil para ouvir os ruídos da reação corporativa do Legislativo. Em meio ao sacolejo, culpados e cúmplices se uniram no plenário do Congresso para derrubar 18 dos 33 vetos que Bolsonaro havia aplicado à lei sobre abuso de autoridade. Foram restaurados artigos que o "símbolo" Sergio Moro considera inibidores do trabalho de juízes, procuradores e investigadores. Mantido o padrão da contraofensiva, o país "socialista" resgatado pelo capitão à "beira do abismo" logo acusará o "novo Brasil" de plágio.

Como toda unanimidade é burra, vale citar a opinião do PT sobre a fala presidencial, que ecoou o sempre lúcido, isento e ponderado pensamento da líder nacional da quadrilha, deputada Gleisi “Lula” Hoffmann. A petralhada sórdida afirmou que o discurso foi permeado de ataques infundados, Fake News e muita, muita teoria conspiratória dos anos 70: Bolsonaro atacou governos petistas, países vizinhos, a mídia internacional e a sanidade mental dos ouvintes, bem como envergonhou o povo brasileiro ao tentar justificar a destruição que provoca no país, desmontando estatais, prejudicando os mais pobres e instaurando a censura e o preconceito. É curioso que, para o PT, quem envergonha o país é Bolsonaro, e não o presidiário condenado.

Aliás, Lula vai apresentar (mais) uma queixa na ONU, desta vez contra Jair Bolsonaro. O criminoso de Garanhuns alega que o presidente violou seus direitos ao dizer, na Assembleia Geral, que seus antecessores roubaram centenas de bilhões de dólares. Isso, sim, é uma vergonha internacional.

Com Josias de Souza e O Antagonista.

quinta-feira, 19 de setembro de 2019

E VIVA O POVO BRASILEIRO!


Na avaliação do ex-presidente do Banco Central Armínio Fraga, 80% do gasto público tem a ver com o funcionalismo público e a Previdência. Os investimentos públicos giram em torno de 1% do PIB, bem aquém, portanto, do pico de 5% alcançado nas últimas décadas.

O Brasil gasta bem mais com funcionalismo do que a maioria dos países do Ocidente. Ainda segundo o economista, parte desse excedente advém do fato de termos 20% de participação de empregos públicos no total de empregos do país, um total relativamente alto se comparado com a média dos demais países. Sem mencionar que os proventos dos servidores públicos superam em cerca de 60% a remuneração paga pela iniciativa privada a assalariados com qualificações semelhantes.

Esse quadro levou o deputado federal Pedro Paulo a apresentar uma PEC que limita o crescimento de despesas obrigatórias, com o acionamento de gatilhos sempre que os gastos passarem de limites predeterminados, podendo chegar a medidas mais drásticas — como a redução temporária da jornada de trabalho — em caso de descontrole grave, até que volte o equilíbrio.

Segundo o parlamentar, o Estado brasileiro quebrou há algum tempo: Litteris: "Já quebramos todas as metas fiscais, e estamos a caminho de quebrar as que restam, com o teto de gastos". Para ele, o cerne da questão são o tamanho e o descontrole da despesa obrigatória e a enorme rigidez orçamentária. A solução, portanto, seria conter crescimento exponencial dos gastos públicos, em especial os obrigatórios, que consomem 96% do orçamento.

Na contramão dessa história, o Congresso quer engordar sua quota-parte no já minguado Erário, aumentando o aumento do Fundo Eleitoral para R$ 3,7 bilhões. Durante o serão que fizeram na noite do último dia 3, os parlamentares aprovaram (por 263 votos contra 144) um projeto que permite, entre outras barbaridades, o uso de verbas do fundo partidário — dinheiro seu, meu, nosso — no pagamento de advogados para políticos encrencados com a lei. Ou seja, o partido vai filiar o picareta, ele mesmo patrocinará a corrupção, ele mesmo fornecerá o advogado. Entidades de combate à corrupção, como a Transparência Partidária, fizeram estudos e divulgaram um documento alertando para os prejuízos que esse projeto pode trazer (que eu não vou detalhar porque meu estoque de Plasil acabou).

Atualização: Alguns pontos polêmicos do projeto foram suprimidos pelo Senado, mas reinseridos pelos nobres deputados na noite passada. Entre os pontos que voltaram ao texto estão a autorização para usar recursos públicos para a construção de sede partidária, a contratação de advogados para defender filiados investigados e a anistia a multas eleitorais, além da volta do tempo de propaganda partidária em rádio e TV. As maiores divergências recaem sobre a aplicação do dinheiro do Fundo Partidário e do Fundo de Financiamento de Campanha. O texto permite, entre outros, que os recursos financiem compra ou aluguéis de imóveis pelos partidos; contratação de contadores e advogados; e pagamento de juros, multas e débitos eleitorais. Especialistas veem brechas para caixa 2 nas propostas. Para aprovar essa pouca vergonha, os deputados fizeram duas votações. Na primeira, votaram os pontos em que havia concordância com o Senado e que deveriam ser retirados do texto. Foram 252 votos a favor e 150 contra; na segunda, votaram os pontos de discordância com o Senado, ou seja, quais trechos deveriam ser trazidos de volta à medida. Essa votação foi simbólica. Resta saber se e o que nosso indômito Presidente vai vetar e se, depois, a quadrilha não lhe derruba os vetos.

O combate à corrupção também sofre com o projeto, pois retira as contas bancárias dos partidos dos controles da Receita Federal de pessoas politicamente expostas. Autorizar as siglas a utilizar sistemas diferentes para prestação de contas demonstra claramente a intenção de dificultar a fiscalização. Ou haveria outra razão para isso que não impedir a comparação e a verificação mais eficiente das prestações de contas dos partidos políticos?  

Outro ponto da lei que terá consequências diretas e indiretas no controle dos candidatos aptos a concorrer é que eles poderão disputar a eleição sub judice — a avaliação da regularidade da candidatura ocorrerá somente na data da posse. Isso desaguará em inevitáveis disputas judiciais que a Justiça Eleitoral não tem estrutura para julgar com a necessária celeridade.

O resumo da ópera é que esta pobre banânia está sendo trapaceada à luz do dia por aqueles que deveriam representar a sociedade civil. Deputados e senadores, que haviam começado a recuperar sua credibilidade junto à opinião pública liderando o projeto de reformas do Estado, ora põem tudo a perder votando e aprovando, em benefício próprio, medidas de uma imoralidade a toda prova.

Num momento em que o país está literalmente quebrado, chega a ser escandaloso as campanhas eleitorais drenarem quase R$ 4 bilhões dos minguados recursos públicos nas eleições de 2020. Quantos cortes mais terão de ser feitos na Educação, na Saúde, na Segurança e em tantas outras áreas já desassistidas, apenas para que os políticos recebam essa dinheirama toda?

terça-feira, 17 de setembro de 2019

BRASILHA DA FANTASIA? PERGUNTA ALI NO POSTO IPIRANGA


Publicar fatos de interesse público é a função precípua do jornalista; divulgar fatos de interesse do público é coisa de fofoqueiro. Mesmo assim, precedo meu artigo de hoje da informação sobre a alta médica do presidente Bolsonaro, que deixou o hospital na tarde de ontem. Nosso indômito capitão ficou de molho durante oito dias no Hospital Vila Nova Star, onde foi submetido a mais uma cirurgia no abdome, desta feita para resolver problemas de aderência e corrigir uma hérnia incisional. Diferentemente das outras vezes, ele não se internou no Hospital Albert Einstein, pois o cirurgião Antonio Luiz Macedo, que o acompanha desde sua transferência da Santa Casa de Juiz de Fora para São Paulo, trocou o nosocômio israelita, onde trabalhou durante 4 décadas, pelo hospital da Rede D'Or. Fala-se que seu passe vale ouro e que seu salário é de sete dígitos. Enfim, preparemo-nos para a mais recente versão da franquia O Retorno da Múmia. Dito isso, vamos adiante:

O Tesouro secou. Não há dinheiro nem para fazer frente às despesas mais comezinhas. Bolsonaro não só cogita flexibilizar a lei do teto dos gastos, "para não ter de cortar a luz dos quartéis", como sugere espaçar as idas ao banheiro, para economizar papel higiênico. Isso e outras bobagens que nem vale a pena repetir.   

É nesse contexto que os deputados, depois de aprovarem a toque de caixa e em votação simbólica e secreta a lei de abuso de autoridade egressa do Senado — da lavra de Renan Calheiros, que coloca barreiras legais, ou reforça as já existentes, às investigações da Lava-Jato —, preparam mais uma emboscada à carteira dos contribuintes: um projeto que modifica as regras eleitorais e partidárias — já aprovado na Câmara e prestes a ser referendado pelo Senado — prevê, dentre outras barbaridades, o aumento fundo eleitoral de R$ 1,8 bilhão para R$ 3,7 bilhões.  

Trata-se de mais uma evidência cabal de que o interesse público se encontra indefeso no Congresso, que quer a compreensão de todos para restaurar velhas práticas. Como bem lembrou Josias de Souza em seu Blog, os partidos sempre foram financiados pelo déficit público, mas agora o dinheiro já não faz escala na caixa registradora de empreiteiras e de empresas fornecedoras do governo. A grana que financia a fuzarca escorre agora diretamente do Tesouro Nacional para as arcas das legendas. Mal comparando, é como se os políticos se colocassem na posição do personagem da anedota em que o sujeito mata pai e mãe e, no dia do julgamento, pede ao tribunal de júri que tenha misericórdia com um pobre órfão. A diferença entre os parlamentares e o órfão assassino é que deputados e senadores matam a paciência alheia sem pedir perdão.

Resta saber de onde virão os recursos para bancar essa farra do boi, se já não há dinheiro para comprar giz para as escolas nem esparadrapo para os hospitais. O Plano A, que era recriar a CPMF sob o argumento de que o gambá retirado da cartola viraria um lindo coelhinho quando fosse apresentado como alternativa à desoneração da folha salarial, foi descartado, levando de embrulho o secretário da Recita Federal, penabundado um dia depois da divulgação, pelo secretário-adjunto da Receita, de um imposto nos moldes da execrável "contribuição sobre movimentações financeiras". Já o Plano B… Não havia um Plano B.

Deputado, o hoje presidente Bolsonaro esculhambou a CPMF. "Uma desgraça", dizia. Coisa de "cara de pau", enfatizava. Candidato, jurou que jamais admitiria a volta da encrenca caso fosse eleito. Ainda assim, Paulo Guedes e os frentistas do Posto Ipiranga não tinham pensado na possibilidade de o Plano A não dar certo.

Demitido da chefia da Receita, Marcos Cintra, o apologista da CPMF, reforça a ausência de um plano de contingência. Segundo ele, a volta do nefando "imposto do cheque" seria a única alternativa viável de fazer a desoneração da folha. Aposta que Guedes e seu staff terão de ressuscitar o defunto, ainda que "de maneira modificada, atenuada e mais gradativa".

O superministro encomendou estudos novos aos sobreviventes da equipe. Improvisa-se uma alternativa em cima do joelho. Quem dá ouvidos a Marcos Cintra fica tentado a concluir que o Plano B de Guedes é a versão atenuada do Plano A. Consiste em oferecer ao brasileiro um sacrifício à vista — a mordida do imposto seminovo — e um benefício a prazo — a hipotética criação de empregos que resultaria da desoneração da folha.

Antes de ser deposta e de virar cuidadora de netos, a folclórica gerentona de araque  tentou executar o pedaço final da mágica. Mas o gambá da época (renúncia fiscal, sem novo imposto para compensar) não virou coelho e a fila do desemprego continuou crescendo.

Parece incrível que ninguém, na pasta da Economia, tenha previsto que Bolsonaro poderia, em algum momento, interditar a recriação de um tributo que sempre abominou. Faltou no quadro de funcionários do Posto Ipiranga uma criança de cinco anos para prever o que poderia acontecer. A mesma criança constataria que, em matéria tributária, o governo está desnorteado.

Há no Congresso duas propostas de reforma tributária. Nenhuma delas traz as digitais do governo: na Câmara, corre o projeto do deputado Baleia Rossi; no Senado, a proposta elaborada sob a coordenação do ex-deputado Luiz Carlos Hauly. Com oito meses e meio de existência, tudo que o governo conseguiu exibir em termos tributários foi uma crise do Plano B.

Quando Bolsonaro declarou que encontrara um Posto Ipiranga para abastecer sua ignorância econômica, não se imaginou que faltaria combustível tão cedo.

quinta-feira, 5 de setembro de 2019

TRISTE BRASIL



Desacorçoada diante de tanta roubalheira e da nada alvissareira perspectiva de ver Lula se aboletar novamente no Planalto — ainda que incorporado no bonifrate CalamiHaddad —, os cidadãos de bem deste país se viram entre a cruz e a caldeirinha. Assim, um inexpressivo membro do baixo-clero da Câmara, filiado a um partido nanico, sem dinheiro nem tempo na TV, tornou-se presidente desta Banânia. E para não se tornar um presidente-banana, o presidente da Banânia interfere em tudo e com todos e fala mais que deve sobre o que não deveria falar.

Por muitas razões, não temos um céu de brigadeiro se descortinando à nossa frente. Uma delas é a herança maldita das gestões lulopetistas. Quem não se lembra da abilolada pupila do bucaneiro imprestável, que, em 2014, resolveu quebrar o país para ficar mais quatro anos no trono — e conseguiu se reeleger, mas não foi capaz de permanecer em campo até o apito final do jogo? O problema é que, quando a estocadora de vento foi devidamente penabundada, a merdeira já era tanta que nem Santa Zita, padroeira das faxineiras, seria capaz limpar. E aqui estamos nós, fo****s, mal pagos e com o ingresso em mãos para assistir à ressurreição da CPMF.

Bolsonaro refuta a recriação da "contribuição compulsória" — só mesmo no jargão do economês é que algo assim poderia existir —, e a equipe econômica faz cara de paisagem. Mas qual será a alternativa do presidente se o Congresso negar o pedido de dinheiro extra para pagar aposentadorias, salários de servidores ativos e inativos e o Bolsa Família? O Orçamento de 2020 só tem recursos para arcar com cerca de dois terços dessas despesas, e a previsão é de que elas cheguem a 96% do Orçamento já no ano que vem.

Observação: Depois de liberar R$ 1,8 bilhão em julho, na reforma da Previdência, o governo travou as emendas parlamentares — só R$ 99 milhões foram liberados em agosto. E mais: quando anunciou que os radares móveis de velocidade seriam cortados, Bolsonaro não comentou que a Polícia Rodoviária Federal já esgotou todo o orçamento do ano e não tem mais caixa para alugar os equipamentos. A verdade é uma só: o dinheiro acabou, e não há uma maneira simples de reequilibrar as contas. Mesmo assim, por picuinhas pessoais, o presidente diz que a Europa "não tem nada a ensinar" a seu país sobre a preservação do meio ambiente e enjeita a oferta de R$ 20 milhões do G7, para ajudar no combate dos incêndios na Amazônia.

Sem o aval para aumentar (ainda mais) a dívida pública, ou o capitão suspende o pagamento das despesas obrigatórias, ou descumpre a chamada regra de ouro — e se arrisca a ser impichado. Uma possibilidade remota, mas real, a despeito de embolorarem nos escaninhos da presidência do Senado nada menos que 34 pedidos de impeachment contra ministros do STF, dos quais Gilmar Mendes coleciona 10 e Dias Toffoli, 9.

Agora a cereja do bolo: sem dinheiro sequer para o papel higiênico — o próprio presidente sugeriu a um repórter que passasse a ir ao banheiro dia sim, dia não —, com contingenciamentos a mancheias, alcançando, inclusive, programas sociais e educacionais, com reformas duras de engolir, como a da Previdência, levadas adiante como medida desesperada para diminuir o abismo fiscal, Executivo e Legislativo discutem o aumento do Fundo Eleitoral (não confundir com Fundo Partidário; embora tenham propósitos parecidos, eles foram instituídos em momentos diferentes, mas isso é conversa para uma outra oportunidade).

As eleições gerais de 2018 custaram R$ 1,7 bilhão; para as municipais, no ano que vem, os parlamentares querem elevar o Bolsa Voto para R$ 3,7 bilhões. O governo propôs R$ 2,5 bilhões. Pegou mal. A pasta da Economia insinua, inclusive, que houve erro — o valor correto seria de R$ 1,8 bilhão. A hipótese de os partidos concordarem com essa cifra é nula. A alegação é de que a eleição municipal em mais de 5.570 municípios custará mais caro do que a do ano passado, envolvendo presidente, governadores, deputados estaduais e federais e parte dos senadores. Mas há como baratear as campanhas, e fazê-lo não é uma questão de opção, e sim um imperativo fiscal.

Durante o serão que fizeram na noite da última terça-feira, suas excelências aprovaram (por 263 votos contra 144) um projeto que permite, entre outras barbaridades, o uso de verbas do fundo partidário — dinheiro seu, meu, nosso — no pagamento de advogados para políticos encrencados com a lei. Ou seja, o partido vai filiar o picareta, ele mesmo patrocinará a corrupção, ele mesmo fornecerá o advogado. É o chamado "Projeto Caracu", onde os políticos entram com a cara de pau, e o povo, com... o bolso. Para saber como votou o deputado que você elegeu, clique aqui.  

Enfim, se insistir em encaminhar ao Congresso algo parecido com a CPMF, Bolsonaro pode sofrer mais uma derrota acachapante. Mesmo que estejam propensos a debater e votar uma reforma tributária, os deputados e senadores não estão dispostos a arcar com o ônus de trazer de volta um imposto impopular, extinto pelo próprio parlamento.

terça-feira, 20 de agosto de 2019

ABUSO DE AUTORIDADE, ABUSO DA NOSSA PACIÊNCIA E OUTROS ABUSOS...



Como eu disse no post anterior, Bolsonaro tem que decidir se é contra a corrupção ou se vai mesmo se alinhar à banda podre do Congresso e do Judiciário. Não pode agir como os petistas que ele tanto abomina, para quem as leis só valem quando os favorecem. Se quiser passar a ideia de que é inimigo figadal da corrupção e dos corruptos, o presidente terá de vetar integralmente o projeto cafajeste sobre abuso de autoridade aprovado a toque de caixa por foras-da-lei disfarçados de deputados e senadores, que querem dar voz de prisão, em nome da lei, aos defensores da lei.

Da forma como foi redesenhado pelos parlamentares, o projeto não só retira o caráter de proteção geral de cidadãos como se transforma num instrumento de bloqueio da ação dos órgãos de investigação e acusação, além de constranger juízes. De acordo com o Ministério Público, dos 33 crimes tipificados na nova lei, apenas três têm destinação de parlamentares e seis de autoridades e outros agentes públicos. Juízes são alcançados por 20 deles, promotores e procuradores por 21, agentes policiais e profissionais de segurança pública em 28.

A criminalização constrange a capacidade de interpretar as leis, e foi justamente isso que possibilitou os avanços da Lava-Jato. Limitar a interpretação à letra fria da lei ou criminalizar as ações de combate à corrupção deixará temerosos investigadores, juízes, promotores e procuradores — o que, aliás, já vem acontecendo: auditores da Receita Federal foram afastados pelo STF por supostamente investigarem membros do tribunal em “desvio de função”, e o Coaf, que Moro considerava um instrumento fundamental no combate à corrupção e lavagem de dinheiro, foi transferido para o Banco Central.

Antes mesmo da votação dessa vergonha na Câmara, Moro tuitou que “são os assassinos, ladrões e os bandidos que precisam temer a lei.” Delegados, promotores, procuradores e magistrados consideram que o texto contém “pegadinhas” e teria como objetivo emparedar investigações de grande complexidade, como a Lava-Jato.

Na manhã de ontem, o ministro da Justiça se reuniu com Bolsonaro no Palácio do Planalto e sugeriu o veto de nove artigos do texto. À imprensa, o presidente disse que ainda vai analisar possíveis vetos, mas defendeu a necessidade de coibir abusos. “Existe abuso, somos seres humanos. Logicamente, não se pode cercear os trabalhos das instituições, mas a pessoa tem de ter responsabilidade quando faz algo e fazer baseado na lei. Eu sou réu por apologia ao estupro. Alguém me viu dizendo que tinha que estuprar alguém no Brasil?

Parlamentares favoráveis às medidas defenderam o projeto. “A lei que pune o abuso de autoridade coíbe ação de agentes públicos que usam o cargo de acordo com suas posições pessoais, políticas ou partidárias”, disse a presidente do PT, Gleisi Hoffmann. Para o presidente da Câmara, o objetivo é evitar que agentes públicos passem de suas responsabilidades”. Segundo o ministro Gilmar Mendes, encarnação do deus-sol neste vale de lágrimas, a lei de abuso representa um “remédio”: “Quem exerce o poder tende a dele abusar e é por isso que precisa ter remédio desse tipo”. Vale lembrar que tanto Gleisi quanto Maia estão enrolados na Lava-Jato, e que Gilmar Mendes... Bem, Gilmar Mendes é Gilmar Mendes.

Mudando de um ponto a outro, a crise provocada pela intervenção de Bolsonaro na PF devolveu a Moro parte do protagonismo perdido com o vazamento de conversas hackeadas e pelo “quem manda sou eu” do presidente (detalhes no post anterior). O ministro e o diretor-geral da PF, Mauricio Valeixo, mostraram ao capitão que a atitude provocou uma verdadeira comoção na instituição, com risco de pedido coletivo de demissão dos chefes operacionais. Bolsonaro recuou e Moro se capitalizou junto à PF.

A questão é que o que o presidente menos quer a esta altura é desagradar o Congresso, pois cabe aos senadores chancelarem a indicação de Zero Três para a embaixada do Brasil nos EUA. Como boa parte dos parlamentares tem contas a acertar com a Justiça, vetar a Lei de Abuso de Autoridade se tornou um dilema para o capitão: se apoiar o ministro da Justiça, ele se indispõe com os congressistas, e vice-versa. Não há como agradar a todos ao mesmo tempo. Um grupo de 20 políticos de ao menos quatro partidos têm encontro marcado com o presidente nesta terça para tratar do assunto. O prazo para sanção do projeto é de 15 dias.

Falando em agradar todo mundo ao mesmo tempo, Bolsonaro precisa resolver (também) se Raquel Dodge terá um segundo mandato à frente da PGR — as chances parecem mais remotas a cada dia que passa, mas enfim — ou indicar o sucessor da procuradora. O presidente se colocou (mais uma vez) numa sinuca de bico ao dizer que não se balizaria pela lista tríplice do MPF, o que provocou uma avalanche de interessados, indicados pelos filhos, por assessores, por correligionários, e por aí afora. Só que o capitão acha que precisa de alguém com o "perfil ideal", ou seja, submisso ao executivo, mas implacável com a corrupção — desde que o corruptor ou o corrupto não faça parte do seu clã ou do seu círculo de amizades. Na pior das hipóteses, sua excelência nomeará um interino e, quando calhar, o efetivará ou substituirá. Uma decisão infeliz que gera insegurança entre os procuradores e demonstra, mais uma vez, a falta de preparo do Jair Messias Bolsonaro para exercer o cargo ao qual foi guindado porque a alternativa — o bonifrate de Lula — era ainda pior.

Na avaliação de Josias de Souza, o país assiste a uma nova encenação política. Estava em cartaz o enredo baseado no versículo multiuso extraído do Evangelho de João: "Conhecereis a verdade, e a verdade vos libertará." Entrou em cena um roteiro adaptado: "Enfrentareis a verdade, e a verdade vos aprisionará." Nas duas tramas, Bolsonaro faz o papel de si mesmo. A diferença é que, na primeira, ele se apresenta do modo como pensa que é: um político imaculado, estalando de pureza moral. Na segunda, ele é visto da maneira como voltou a ser: um político convencional, com todos os vícios da espécie.

Ex-deputado do baixo clero, Bolsonaro inventou-se como baluarte da extrema-direita, reinventou-se como presidenciável da Lava-Jato e chegou ao apogeu da metamorfose como presidente avesso aos maus costumes. No novo espetáculo, ele desossa o Coaf, intervém no Fisco e na PF, leva
Sergio Moro à frigideira. Enquanto aquele Bolsonaro hipoteticamente ético esteve no palco, travou
com o pedaço do asfalto que o chama de "mito" uma relação de cumplicidade. Quem ouvia seus discursos aplaudia efusivamente ou, pelo menos, dispunha-se a acreditar graciosamente. Agora, o capitão promove um roadshow de horrores.

Bolsonaro arrasta três correntes no palco. A do filho 01 conduziu-o à parceria tóxica com Dias Toffoli. A do 02 enfiou-o num bunker assombrado por inimigos imaginários — dos generais aos comunistas. A corrente do filho 03 empurrou-o para o balcão onde a cadeira de embaixador é trocada por favores variados. Rendido aos interesses de sua dinastia, o capitão mantém com a verdade uma relação rude. Quanto mais ele a enfrenta, mais ela o aprisiona no seu enredo arcaico, onde prevalece não o versículo do Evangelho de João, mas o primeiro mandamento da Lei de Murphy: quando algo pode dar errado, dará.