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segunda-feira, 10 de junho de 2019

LAVA-JATO — O FURDUNÇO



No último domingo, o site The Intercept Brasil divulgou o conteúdo de mensagens supostamente trocadas entre o ex-juiz federal Sergio Moro e o procurador Deltan Dallagnol. O site afirmou que o material lhe foi enviado por uma fonte anônima e que contém conversas escritas e gravadas nas quais o então juiz da Lava-Jato em Curitiba teria sugerido mudanças na ordem de fases da operação, além de dar conselhos, fornecer pistas e antecipar uma decisão a Dallagnol. Um investigador que conversou reservadamente com o Estado disse que somente as vítimas do ataque hacker poderão confirmar se o conteúdo é verdadeiro, já que é comum a inclusão de passagens falsas no meio de conversas “roubadas” das vítimas.

Em nota divulgada na noite do último domingo, a força-tarefa afirmou desconhecer a extensão da invasão, que possivelmente foram copiados documentos e dados sobre estratégias e investigações em andamento e sobre rotinas pessoais e de segurança dos integrantes do grupo e de suas famílias, mas reafirma que suas atividades foram desenvolvidas com pleno respeito à legalidade e de forma técnica e imparcial, e que não irão “se dobrar à invasão imoral e ilegal, à extorsão ou à tentativa de expor e deturpar suas vidas pessoais e profissionais”. Também por meio de nota, o hoje ministro Sérgio Moro disse que é normal juízes conversarem com procuradores e lamentou a falta de indicação de fonte de pessoa responsável pela invasão criminosa de celulares de procuradores e o sensacionalismo das matérias, além de reiterar que, nas mensagens em que é citado, “não se vislumbra qualquer anormalidade ou direcionamento da atuação enquanto magistrado” (sugiro assistir a este vídeo).

Os ataques de hackers vêm sendo recorrentes e já eram motivo de preocupação dentro do MPF. Em maio, Raquel Dodge, determinou instauração de procedimento administrativo para acompanhar a apuração de tentativas de ataques cibernéticos a membros do órgão e determinou ainda à Secretaria de Tecnologia da Informação e Comunicação da PGR a adoção de providências para diagnosticar eventuais ataques e resolver o problema. No final de abril, o ex-procurador-geral Rodrigo Janot também informou que seu celular havia sido “clonado ou hackeado”, a exemplo do relator do processo da Lava-Jato no TRF-2, Abel Gomes.

É evidente que o PT, os defensores do Lula-Livre e os advogados do petralha irão explorar ad nauseam esse vazamento. Na sua avaliação deturpada e tendenciosa, as conversas revelavam tramas nada republicanas contra o partido. A patuleia vai fazer muito barulho, mas ninguém ficará surpreso em saber que essa caterva mente, ou ao menos distorce os fatos de maneira a amoldá-los a seus propósitos — esses, sim, nada republicanos. Sobre a prerrogativa da imprensa de preservar suas fontes, não se trata o caso em tela de jornalismo, mas de ativismo ideológico — o próprio fundador do Intercept Brasil já deixou claro que sua missão é destruir Bolsonaro, o que faz dele um aliado de Lula e, consequentemente, uma fonte nada imparcial (vale a pena ler esta matéria).

Como bem frisou Rodrigo Constantino, de nada adianta atirar no mensageiro e ignorar a mensagem, mas antes de chegar a ela é preciso criticar o clima persecutório instalado no país. Há quem aprove ou condene coisas como Wikileaks e vazamentos seletivos dependendo de quem é o alvo — se expõe um adversário, é maravilhoso, mas torna-se terrível e criminoso quando expõe um aliado. Isso é tribalismo amoral, e é por isso que alguns, chamados de “isentões”, condenam ou aprovam com base no método. Os meios importam, e ao passarmos pano em meios obscuros quando os alvos são nossos inimigos estamos alimentando o monstro que amanhã poderá se voltar contra nós.

Voltando às mensagens, não nada de mais até agora. Moro pode não ser perfeito — e ninguém o é —, mas foi um juiz que procurou se manter bastante dentro dos limites éticos e legais de sua função. E as mensagens vazadas não derrubam esta imagem, além de serem imprestáveis como prova à luz do melhor Direito, uma vez que foram obtidas de forma totalmente ilegal. Do ponto de vista político, porém, elas deram munição para a defesa reforçar a ideia de que a condenação de Lula (que responde a 10 processos e já foi sentenciado em dois, num dos quais nada menos que 19 juízes em três instâncias da Justiça reconheceram sua culpa) foi injusta, que houve trama, conluio e o diabo a quatro, e que, portanto, os processos devem ser anulados. Note o leitor que nada há nas gravações que indique a inocência de Lula — ou que, parafraseando Josias de Souza, “sirva de borracha para apagar a corrupção que devastou o Brasil”.

A roubalheira que a Lava-Jato retirou debaixo do tapete da República é colossal. Nunca antes na história deste país se investigou, puniu e enjaulou tantos personagens da elite política e empresarial. Foram em cana, entre outros: o mito Lula, o príncipe dos empreiteiros Marcelo Odebrecht, o ex-governador Sergio Cabral, dois ex-ministros do porte de José Dirceu e Antonio Palocci, o ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha, o ex-vice-presidente da Câmara André Vargas, os ex-gestores de arcas partidárias João Vaccari e Delúbio Soares. Noves fora José Sarney, cuja idade avançada levou à prescrição dos crimes que lhe foram imputados, há três ex-presidentes encrencados. Michel Temer já passou pela cadeia. Aguarda julgamento. Fernando Collor é réu. Dilma Rousseff sofreu o impeachment e virou alvo do inquérito sobre o "quadrilhão do PT".

Mesmo fora de contexto e sem valor como prova perante a Justiça, as conversas entre Moro, Dallagnol, por mais bombásticas que pareçam à primeira vista (ou primeira oitiva), não apontam, repito, qualquer ilegalidade. O próprio Intercept Brasil reconhece isso, conquanto tache de “imoral” o comportamento dos envolvidos, mesmo sendo público e notório que, no Brasil, conversas entre juízes, procuradores e advogados são consideradas normais, e que a Lava-Jato é uma força-tarefa tocada a muitas mãos. Mas não há como negar que o vazamento foi um presente para a oligarquia corrupta, que ganhou o tecido, a linha e a agulha para a confecção do figurino de vítima. Daí a evidência do dano político. E mais está por vir, pois o que se divulgou até agora corresponde a uma pequena parcela do material, que conta com centenas ou milhares de horas de gravações ilegais.

Como o prego que mais se destaca é o que leva a martelada, Moro deve ser o mais afetado pelo caso, que não teria grandes consequências para o governo Bolsonaro, embora perdesse sua principal âncora de prestígio moral com uma eventual saída do ministro de Justiça — o que não se espera, mas se admite por amor à argumentação. Isso sem mencionar que uma eventual renúncia do ministro poderia aumentar os danos políticos vindos de novas denúncias de corrução envolvendo outros ministros, assessores e até mesmo familiares do presidente. Economistas não esperam grandes prejuízos no andamento da reforma da Previdência, cujo relatório deve ser entregue na próxima quinta-feira (13), nem na aprovação de créditos suplementares para contornar a regra de ouro e garantir o pagamento de benefícios assistenciais.

Todos os filhos do presidente que atuam na política vieram a público defender Moro, assim como o vice-presidente, General Hamilton Mourão. Por outro lado, membros da oposição anteciparam seu retorno à Brasília para coordenar a melhor forma de convocar Moro a prestar esclarecimentos ao Congresso (parece que agora isso está na moda). A greve geral marcada para o próximo dia 14 contra a reforma da Previdência deve ter o mote do Lula-Livre fortalecido, e já se fala na possibilidade de a tramitação do projeto anticrime e anticorrupção do ministro da Justiça ser prejudicada.

Como as revelações não implicam (pelo menos até agora) os atuais responsáveis pela Lava-Jato em Curitiba, as investigações devem seguir normalmente, mas oponentes da operação e até mesmo membros do Judiciário que já se mostravam desconfortáveis com os métodos da força-tarefa, inclusive dentro do STF, terão mais munição para seus questionamentos. Mas nunca é demais relembrar que o conteúdo revelado pelo The Intercept Brasil foi obtido de forma ilegal, o que inviabiliza seu uso pela Justiça.

Para concluir, segue trecho do texto publicado por Alon Feuerwerker no site Poder360:

Política é guerra, inclusive de narrativas. E a do PT faz um gol importante com a revelação (que surpresa!) das relações íntimas, e talvez promíscuas, entre a Lava-Jato e o então juiz Sérgio Moro
Deve se dar um desconto no “uh! oh!”, pois não apenas Moro e a Lava-Jato sempre foram tratados pela opinião pública como uma coisa só: Moro sempre recebeu da mesma opinião pública o tratamento de chefe da força-tarefa. Mas o cinismo e a hipocrisia também fazem parte.

A dúvida agora é outra. Quando exatamente Moro ministro deixará de ser um ativo para o presidente Jair Bolsonaro e se transformará em passivo? E livrar-se de Moro, numa eventualidade, será um problema ou uma solução para o presidente? O ministro da Justiça até agora injetava prestígio nos cofres políticos do governo. Mas, como Elio Gaspari comentou neste domingo, talvez o chefe esteja desconfiado de que o chefiado quer seu lugar.

É baixa por enquanto a probabilidade de as revelações do Intercept sobre os detalhes das relações Moro/Lava-Jato baterem na porta do gabinete presidencial. Mas o site diz ter muito material, e uma tática jornalística legítima é deixar o alvo de acusações afundar-se nos próprios desmentidos, enrolar-se na própria língua. O fato: Moro e a Lava-Jato estão sendo empurrados para o modo de defensiva. Sabe-se que jogam bem no ataque. Agora veremos se sabem também jogar na defesa.

É um chavão, mas será mesmo o caso de aguardar os próximos capítulos. O mais relevante para a política real: ver se a dinâmica agora favorável no Congresso será afetada. Na teoria, o Legislativo ganha se mostrar disposição de tocar a pauta do mercado enquanto Moro e a Lava-Jato tentam não afundar. Mas nem sempre a política se move por decisões racionais. E Moro e a Lava-Jato fizeram um número não prudente de inimigos nos últimos anos.

ATUALIZAÇÃOUm recurso de Lula, negado monocraticamente por Fachin e encaminhado ao plenário virtual da 2ª Turma do STF em abril, teve o julgamento interrompido por um pedido de vista do supremo-laxante Gilmar Mendes, mas voltou à pauta a toque-de-caixa e deve ser julgado nesta terça, 11, na última sessão da Turma sob a presidência de Ricardo Lewandowski (que será sucedido por Cármen Lúcia a partir da semana posterior à do feriado de Corpus Christi). Como o pedido de vista se deu antes de o STJ confirmar a condenação de Lula, existe a possibilidade de o recurso ter “perdido o objeto” — tecnicamente, a decisão monocrática do ministro Felix Fischer, contestada pela defesa do petralha no Supremo, não existe mais. Integrantes do Supremo ouvidos reservadamente pelo ESTADÃO disseram a sessão pode servir para ministros “darem recados” a Moro, a Dallagnol e à Lava-Jato, à luz conteúdo vazado de supostas mensagens trocadas entre o ex-juiz e e o coordenador da força-tarefa — conteúdo esse, nunca é demais ressaltar, obtido e divulgado ilicitamente. 

Pelo visto, as vítimas já foram julgadas e condenadas pela banda podre na nossa mais alta corte. Depois, falam do “tribunal da Internet”.

terça-feira, 19 de março de 2019

O JUDICIÁRIO A SERVIÇO DA JUSTIÇA — CONCLUSÃO



Segundo a revista eletrônica Crusoé, o presidente do STF, Dias Toffoli, teria se irritado com um artigo publicado em O Antagonista, na última quarta-feira, no qual o procurador Diogo Castor salientou que os cargos nos tribunais eleitorais são preenchidos por indicações políticas, e por isso teria anunciado a criação do tal inquérito para investigar calúnias contra a honorabilidade da corte e de seus membros e familiares. “Esse assassinato de reputações que acontece hoje nas mídias sociais, impulsionado por interesses escusos e financiado sabe-se lá por quem, deve ser apurado com veemência e punido no maior grau possível”, afirmou o ministro ao Estado. “Isso está atingindo todas as instituições e é necessário evitar que se torne uma epidemia.”, disse o ministro.

Observação: O senador Flávio Arns, da Rede do Paraná, é o 29º parlamentar a assinar o novo requerimento da CPI da Lava-Toga, que será protocolado hoje no Senado (eram necessárias 27 assinaturas). “Minha decisão foi motivada pelo grande sentimento de frustração vivenciado pela sociedade brasileira nos últimos dias, principalmente diante do risco de retrocesso em relação à Lava-Jato”, justificou o parlamentar, em nota. Já o senador Flávio Bolsonaro ainda não assinou o requerimento. Sua assessoria informou que ele está “avaliando” o pedido, e evitou dizer qual decisão ele tomará. Ontem, o presidente do Senado, Davi Alcolumbre, disse não existir a menor hipótese de ele levar adiante qualquer tentativa de investigação contra o Supremo neste momento, pois a Lava-Toga criaria um embate desnecessário entre Legislativo e Judiciário. Alcolumbre também minimizou o efeito dos pedidos de impeachment contra ministros STF e disse que “uma crise institucional agora não fará bem ao Brasil". Entrementes, entre uma decisão suprema e outra, Dias Toffoli vem articulando a criação de uma frente parlamentar de apoio ao Judiciário, visando neutralizar os avanços da turma que quer botar a Lava-Toga na rua. Se isso explica porque o zero um e outros parlamentares enrolados com a Justiça relutam em apoiar a CPI... bem, para bom entendedor, pingo é letra.

Para a deputada Janaína Pascoal, “os ministros são agentes públicos como outros quaisquer. Eles também precisam dar satisfação. Às vezes, os ministros reagem como se fossem intocáveis, inalcançáveis, acima de quaisquer autoridades. Isso não é verdade. Eles estão sujeitos a fiscalizações e críticas de outros agentes públicos.” (…) “Um jornalista que escreve uma matéria pode receber críticas. Mas os magistrados querem se colocar num Olimpo que não é real. Não pode ser real.”

O presidente Jair Bolsonaro se manifestou indiretamente sobre a decisão do STF que fixou a competência da Justiça Eleitoral para julgar crimes comuns ligados ao caixa 2. Ele retuitou um vídeo em que seu filho Eduardo, o zero três, pede apoio ao pacote anticrime de Sergio Moro. Clique aqui para assistir.

Ao cumprimentar Toffoli pela iniciativa, Gilmar Mendes, seu antigo mentor, vituperou ataques contra os procuradores da Lava-Jato e a proposta de criar uma fundação para gerir parte de uma multa bilionária paga pela Petrobras. “Não quero cometer perjúrio, mas o que se pensou com essa fundação do Deltan Dallagnol? Foi criar um fundo eleitoral? Era para isso? Imagina o poder. Quantos blogues teriam? Quanta coisa teria à disposição? Se eles estudaram em Harvard, não aprenderam nada. São uns cretinos”, disse Gilmar, referindo-se ao currículo de Deltan. Também de acordo com o O Antagonista, o principal alvo dessa caça à bruxas é o procurador Deltan Dallagnol, coordenador da Lava-Jato em Curitiba, embora outros integrantes da força-tarefa e os auditores da Receita Federal que iniciaram uma investigação sobre as transações financeiras de sua mulher, Roberta Rangel, e do casal Gilmar e Guiomar Mendes também estejam na mira.

A investigação do STF é vista por procuradores como uma forma de intimidar o Ministério Público. Ainda nesta sexta-feira, Raquel Dodge solicitou informações sobre o inquérito ao ministro Alexandre de Moraes, designado relator da ação. Na avaliação da procuradora-geral, o caso tem potencial para comprometer a imparcialidade do Judiciário, já que a função de investigar não faz parte da competência do Supremo. “Os fatos ilícitos, por mais graves que sejam, devem ser processados segundo a Constituição”, afirmou ela. Toffoli rebateu e disse que, além de haver previsão regimental para abertura do inquérito, o CPP estabelece que toda investigação deve ser supervisionada por um juiz.

Dallagnol disse que a decisão do Supremo pode fechar a janela de combate à corrupção política que se abriu há cinco anos, quando se iniciou o operação força-tarefa. Segundo ele, as defesas dos criminosos já estão se movimentando; a 13ª Vara Federal em Curitiba vem recebendo pedidos de declinação de competência (para que os casos da Lava-Jato sejam remetidos para a Justiça Eleitoral). Antes do julgamento, o decano da Lava-Jato, Carlos Fernando Santos Lima, já alertava para os efeitos da decisão: "É quase inacreditável que haja uma intenção real de se tomar essa decisão. Porque podem jogar cinco anos no lixo, por uma questão técnica sem relevância." Dodge disse não ver risco de anulação das ações em andamento e já julgadas, mas entende que é preciso avaliar tudo isso com muito cuidado e não perder o foco. 

Já a especialista em direito eleitoral Carla Karpstein afirma haver, sim, risco de anulação dos processos, tanto nas cortes comuns quanto na Justiça Eleitoral — nesta, porque os advogados vão dizer que as provas são nulas porque não foram produzidas ali; naquela, vão argumentar que houve nulidade porque a Justiça não tinha competência para julgar caixa 2 nos casos que já foram decididos ou estão em tramitação.

Três entidades que representam os procuradores saíram em defesa de membros da força-tarefa atacados por Gilmar Mendes e alvos de investigação no Supremo. A Conamp, maior e principal entidade de promotores e procuradores em todo o País repudiou nesta sexta, 15, o feroz ataque de Gilmar aos integrantes da força-tarefa e as críticas ao acordo firmado pela Lava-Jato com a Petrobrás para tentar reverter 80% dos recursos da multa que a estatal pagará a autoridades dos Estados Unidos. Curiosamente, partiu de Raquel Dodge o pedido para o STF suspendesse o acordo que criava o fundo de R$ 2,5 bilhões. O presidente da Associação Nacional de Procuradores, José Roberto Robalinho, disse ao Estado que há pelo menos dois pontos questionáveis no procedimento adotado pela PGR — sem analisar no mérito em si a ação apresentada.

Observação: A decisão do STF veio quando o pessoal da Lava-Jato buscou ganhar poder. Sem ouvir ninguém, nem Raquel Dodge, os procuradores montaram um esquema em que a Petrobras lhes entregou parte da multa que pagou nos EUA, mas liberada para uso no Brasil, para ser gerenciada por uma fundação de luta contra a corrupção, sob seu controle. Quem decide onde aplicar recursos é o Governo eleito, não os procuradores. O STF se mobilizou e a própria Raquel Dodge entrou na Justiça contra o acordo.

O fato é que a ação da procuradora-geral gerou uma crise interna no MPF. Os procuradores Pablo Coutinho Barreto e Vitor Souza Cunha — chefes da Secretaria de Perícia, Pesquisa e Análise —, que atuavam em uma secretaria vinculada ao gabinete de Raquel, pediram demissão, o que foi recebido pela categoria como um protesto. Ainda na sexta-feira, os procuradores da Lava-Jato elaboraram documento no qual trazem esclarecimentos acerca do acordo firmado entre o MPF e a Petrobras. O documento é endereçado ao juiz Federal da 13ª Vara Federal em Curitiba, e pede que as informações sejam encaminhadas também ao ministro Alexandre de Moraes, que determinou a suspensão do acordo.

Ao mesmo tempo em que é bombardeada a partir de Brasília, a Lava-Jato sofre um esfriamento natural em Curitiba, seu epicentro. Lá, Lula já foi condenado duas vezes e está encarcerado há onze meses. Parte dos empresários já foi solta; alguns, como Marcelo Odebrecht, graças à delação premiada. Seguem detidos próceres do PT e MDB, como o ex-tesoureiro João Vaccari Neto e o ex-deputado Eduardo Cunha. Com a saída de Moro e o fim da substituição temporária por Gabriela Hardt, a 13ª Vara Federal passou a ser comandada desde o início do mês pelo juiz Luiz Antonio Bonat, que herdou cerca de 1.700 procedimentos, de ações penais a inquéritos ainda em andamento. Nada, porém, que possa fazer mais barulho e causar mais surpresa do que os casos dos tempos áureos da operação. O frenesi daqueles tempos também está longe de se repetir. As operações ostensivas, aquelas que antes ocorriam todas as sextas, foram se tornando mais esparsas.

Os números obtidos pela força-tarefa do Paraná, ao longo destes cinco anos, restam impressionantes. Ao todo, 2.476 procedimentos de investigação foram instaurados e, em decorrência deles, houve 155 prisões preventivas, 183 delações e a condenação de 155 pessoas a exatos 2.242 anos de prisão. Hoje, o principal flanco de apurações está na Lava-Jato do Rio, que implodiu a quadrilha que saqueou o estado sob o comando de Sérgio Cabral (já foram realizadas cerca de 200 prisões em 30 operações) e ainda tem fôlego para novas e importantes fases.

De acordo com Deltan Dallagnol, a despeito do horizonte turvo, a operação precisa avançar. Ele lembrou que, no próximo dia 10 de abril, a corte pode impor mais uma derrota à investigação, ao julgar se réus condenados em segunda instância, como Lula, devem começar a cumprir pena imediatamente. “Faremos todo o possível dentro da lei para seguir nosso trabalho, mas receio que a janela de combate à corrupção que se abriu há 5 anos tenha começado a se fechar. Está fora da esfera de atribuição de procuradores de primeira instância mudar isso.” A conferir.

quinta-feira, 13 de dezembro de 2018

DALLAGNOL E A LIBERDADE DE CRITICAR



Em agosto de 2018, a 2ª Turma do STF, com os votos do trio calafrio (Mendes, Toffoli e Lewandowski), retirou do ex-juiz Sérgio Moro, então responsável pelos processos da Lava-Jato em Curitiba, trechos de depoimentos de executivos da Odebrecht que se referiam ao ex-presidente Lula, a pretexto de não terem ligação com a Petrobrás. 

Em entrevista à CBN, o procurador Deltan Dallagnol afirmou que os três de sempre do Supremo Tribunal Federal retiram o que podem das mãos de Moro, dão sempre os habeas corpus e estão sempre se tornando uma panelinha. Dallagnol fez uma ressalva importante: “não estou dizendo que estão mal-intencionados, estou dizendo que objetivamente mandam uma mensagem de leniência”. Mesmo assim, o ministro Dias Toffoli acionou o Conselho Nacional do Ministério Público, que iniciou uma apuração que se transformou em Processo Administrativo Disciplinar contra o coordenador da Lava-Jato em Curitiba.

A liberdade de expressão geral do membro do MPé garantida. E quando ele se pronuncia sobre os processos em que é parte — o que é o caso da entrevista em tela —, acrescenta-se ainda a inviolabilidade, significando que mesmo certas manifestações, que em outras circunstâncias poderiam ser consideradas um ilícito, não o são neste caso. Trata-se de uma ampliação da liberdade; é algo semelhante ao que ocorre, por exemplo, com deputados federais e senadores, a quem o artigo 53 da Constituição torna “invioláveis, civil e penalmente, por quaisquer de suas opiniões, palavras e votos.

A inviolabilidade dos membros do MP, ainda que sem a mesma amplitude da que gozam os parlamentares (cuja imunidade, lembramos, é de natureza constitucional), é necessária, pois é natural que o integrante doMinistério Público, como parte nos processos, tenha todo o direito de se manifestar publicamente sobre tais processos e as decisões judiciais neles tomadas. Claro que a crítica não pode ser feita de qualquer forma, pois essa liberdade sofre uma modulação no artigo 43, que lista os deveres dos membros do MP, entre os quais o de “zelar pelo prestígio da Justiça, por suas prerrogativas e pela dignidade de suas funções”. Este trecho foi, inclusive, mencionado pelo corregedor Orlando Moreira como tendo sido desrespeitado por Dallagnol em sua entrevista, mas seu entendimento implica uma visão muito restritiva da liberdade de expressão garantida aos membros do MP, pois dá a entender que as críticas a uma decisão judicial, ou mesmo a um conjunto delas, seriam um ataque pessoal aos ministros ou uma desmoralização da instituição judicial.

Decisões judiciais são, sim, passíveis de questionamentos da parte de qualquer cidadão, incluindo autoridades como procuradores da República. A crítica, quando formulada de maneira objetiva, serve como ferramenta de fortalecimento da instituição responsável pela decisão criticada. Se não fosse assim, aos membros do MPsó seriam permitidos elogios, o que, convenhamos, nem exige liberdade de expressão. Aliás, é bom registrar que, não raro, os próprios ministros do STFdirigem-se uns aos outros em termos que, estes sim, extrapolam totalmente qualquer regra de boa convivência — basta lembrar os famosos bate-bocas entre Luís Roberto Barroso e Gilmar Mendes, num dos quais o primeiro acusa o colega de ser “uma pessoa horrível, uma mistura do mal com atraso e pitadas de psicopatia”. Todavia, mesmo essas manifestações são protegidas pelos mesmíssimos mecanismos que garantem o direito à expressão por parte de Dallagnol.

Na entrevista, o procurador contestou a decisão propriamente dita, bem como outras da lavra dos mesmos três ministros, sem fazer qualquer julgamento de caráter, deixar de reconhecer a legitimidade do STF para decidir o que decidiu ou manifestar a intenção de desobedecer a decisão. Não há como ver nisso desprestígio ao Poder Judiciário ou comprometimento da imagem institucional do MP.

Dallagnol tem seu direito garantido pela inviolabilidade de que trata a Lei Orgânica do MP — e assim seria ainda que sua crítica fosse infundada, o que não é o caso. Afinal, Mendes e Toffoli, em especial, não têm sido pródigos em conceder habeas corpus, dentro e fora da Lava-Jato? Em junho deste ano, Toffoli não sacou da cartola um habeas corpus “de ofício” (por iniciativa própria) a José Dirceu?

O que os votos de Mendes, Toffoli e Lewandowski têm em comum é sempre a tendência favorável aos réus, sob uma compreensão chamada “garantista” do processo penal, mesmo quando há suficientes evidências de crimes de corrupção. Daí a referência à “mensagem de leniência em favor da corrupção” feita por Dallagnol ser plenamente justificada, especialmente no caso de remessas de delações à Justiça Eleitoral, que só pode julgar os crimes de caixa dois, ignorando totalmente o contexto de corrupção que deu origem ao dinheiro usado ilegalmente nas campanhas, um crime que ficaria impune.

O que temos aqui é uma crítica objetiva a uma decisão do STFem um caso no qual a Lava-Jato atua como parte, crítica essa protegida pela Constituição e pela Lei Orgânica doMinistério Público. Considerar Dallagnol culpado de infração disciplinar, aplicando-lhe uma pena que tem sérias consequências em sua carreira, é um desserviço ao próprio Ministério Público e ao bem comum. Uma punição, neste caso, prejudica o MP porque, com este perigoso precedente aberto, os demais procuradoresacabarão se autopoliciando para evitar processos semelhantes; e prejudica a sociedade, porque a voz do Ministério Público tem sido a sua defesa contra a corrupção. Precisamos que ela continue a ressoar, forte e independente.

Observação: O julgamento do processo administrativo contra Dallagnol, que estava pautado para a sessão da última terça, 11, foi adiado para o próximo dia 18.

Com informações da Gazeta do Povo.

terça-feira, 7 de novembro de 2017

O DESTINO DA OPERAÇÃO MANI PULITE (MÃOS LIMPAS) E O EFEITO SMIRNOFF NA LAVA-JATO

As decisões recentes do TSE e do STF são indícios claros de que a Operação Lava-Jato pode acabar como a Mani Pulite italiana (mais conhecida como Operação Mãos Limpas), que produziu profundas mudanças no quadro partidário daquele país e levou ao suicídio diversos políticos e empresários que tiveram seus crimes revelados ― parece que na Itália a corja de canalhas tem mais vergonha na cara do que nesta Banânia, ou Lula já estaria infernizando o Capeta há muito tempo. Enfim, o fato é que medidas legislativas reduziram os poderes da Justiça italiana, fizeram crimes prescrever, tiraram condenados da prisão e produziram uma sensação de impunidade ainda maior do que a anterior às investigações ― reparou nas semelhanças ou quer que eu desenhe?

Em seu livro recém-publicado (mais detalhes no post da última quinta-feira), o procurador Deltan Dallagnol alerta para os limites do Judiciário no combate à corrupção, afirma que é preciso ir além da Lava-Jato e que não há solução fora do sistema político. Ele compara o mal, cujo prejuízo ao Brasil estima em R$ 200 bilhões anuais, a um serial killer que mata em silêncio, que se disfarça de buracos em estradas, falta de medicamentos, crimes de rua, miséria, mas, como se esconde, dificilmente é responsabilizado pelas mortes que causa. E a principal razão a que Dallagnol atribui a persistência da chaga é a impunidade, resultado de um sistema jurídico com inúmeras brechas favoráveis aos criminosos, boa parte das quais as “Dez Medidas” ― que o Congresso mastigou, destroçou e cuspiu de volta na cara do povo ― pretendiam fechar.

Advogados e juízes criticam a sanha justiceira do MP e posam de defensores do estado de direito contra o abuso das prisões preventivas, os ataques à privacidade e o arbítrio das autoridades, mas a realidade desmente todo esse teatro. De acordo com Dallagnol, só 3,4% dos detidos na Lava-Jato eram mantidos no cárcere preventivamente, sem condenação judicial, e mais de 95% das decisões da primeira instância eram referendadas por instâncias superiores. Em contrapartida, a probabilidade de alguém ser punido por corrupção no Brasil é baixíssima – estimada em 3,17%. Em casos rumorosos do passado, apenas 1,1% dos réus foi condenado em definitivo. E mesmo esses acabam não indo para a cadeia.

No célebre episódio dos Anões do Orçamento, foi preso apenas o delator do esquema, um assessor parlamentar. Entre os protegidos pelo foro privilegiado, casos se acumulam sem julgamento em cortes superiores por até 20 anos, enquanto corre o prazo de prescrição dos crimes. Apenas em junho de 2013, o STF expediu o primeiro mandado de prisão contra um parlamentar na história ― o ex-deputado Natan Donadon, condenado por desvio de dinheiro público. Mesmo no caso do mensalão, veloz para os padrões do STF, o julgamento levou oito anos.

Nenhum advogado de político deixa de aproveitar as inúmeras filigranas jurídicas que permitem anular provas ― como ocorreu na Operação Castelo de Areia ―, nem de recorrer enquanto der, se possível até a prescrição ― como ocorreu no escândalo Marka-Fonte Cindam ou com o deputado Paulo Maluf. O ex-senador Luiz Estevão ingressou com ― pasmem! ― 120 recursos até ser preso.

Dallagnol cita dois exemplos reais de recursos que ilustram a benevolência com os réus no convoluto labirinto jurídico brasileiro. Tome fôlego: “O agravo regimental nos embargos de declaração no agravo regimental no agravo em recurso extraordinário no recurso extraordinário no agravo regimental nos embargos de declaração no agravo regimental no agravo nº 1249838”; e os embargos de declaração nos embargos de declaração nos embargos de declaração no agravo regimental nos embargos de declaração no agravo em recurso extraordinário no recurso extraordinário no agravo regimental no agravo regimental no agravo no 1387499”.

Ao lado dos italianos, o juiz Moro lembrou uma frase de Joaquim Nabuco na longa campanha do abolicionismo, que comparou ao combate à corrupção: “Há necessidade de manter infinita esperança”. Até hoje, todavia, infinita tem sido apenas nossa paciência e tolerância com a impunidade.

Com Helio Gurovitz

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quinta-feira, 2 de novembro de 2017

DELTAN DALLAGNOL ― MUITO ALÉM DO POWER POINT




O procurador da Lava-Jato Deltan Dallagnol ganhou notoriedade ao exibir para a imprensa, em setembro de 2016, uma apresentação em PowerPoint que colocava Lula no centro ― e no comando ― do esquema de corrupção da Petrobras. O slideshow viralizou na Internet, e a despeito de muita gente criticar as premissas usadas pelo procurador para respaldar suas considerações, o molusco eneadáctilo já réu em 7 processos, está prestes a conhecer sua segunda sentença e a ter a primeira condenação confirmada pelo TRF-4 pelo menos é o que se espera, já que até o passado é imprevisível nesta Banânia.

Enquanto o pulha vermelho viaja Brasil afora (ou seria adentro?) em caravana pré-candidatura, cuja finalidade precípua é ludibriar os desinformados e desvalidos com a estapafúrdia promessa de requentar sua primeira gestão num contexto totalmente diverso, como se sua divina vontade bastasse para fazer o tempo voltar a 2003 (vade retro, Mensalão!) e anular toda a desgraceira gerada pela incompetência de Dilma Anta Rousseff ―, o procurador Dallagnol publica “A LUTA CONTRA A CORRUPÇÃO” (Sextante, 2017, 320 páginas, R$40 ― mas você paga apenas R$ 23,90 na Saraiva.com, tanto pela edição em papel quanto digital).   

Para Dallagnol, o Brasil vive uma “cleptocracia”, seu sistema político favorece e produz práticas criminosas, e a Câmara dos Deputados “ultrapassou a linha e perdeu a vergonha” ao desfigurar, em votação, as dez medidas contra corrupção propostas pelo Ministério Público Federal ― ele revela, inclusive, que cogitou deixar a investigação quando as dez medidas foram derrotadas.

Narrado em primeira pessoa e de forma cronológica, do início da carreira de Dallagnol como procurador aos momentos mais recentes da Lava-Jato, o texto soa repetitivo a quem já conhece a operação, pelo excesso de dados, números e casos que enumera, mas a paixão do procurador pelo seu trabalho e pela operação que coordena justifica a leitura. Até porque, como bem salienta Helio Gurovitz, diretor de redação da revista Época, a rejeição da segunda denúncia contra Michel Temer e a suspensão do afastamento de Aécio Neves trouxeram de volta aquela velha sensação de que o combate à corrupção é inútil, pois sempre haverá um atalho legal, um drible jurídico ou uma manobra política capaz de salvar a pele dos mesmos suspeitos de sempre.

Continuamos amanhã, pessoal. Até lá.

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