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segunda-feira, 19 de agosto de 2019

MUDEI DE IDEIA; PALAVRA NÃO VOLTA ATRÁS



Durante a campanha, o candidato Jair Messias Bolsonaro prometeu um governo diferente dos anteriores, nos quais a reeleição se tornava uma espécie de "desgraça" e só era possível por meio de “acordos espúrios que levavam a escândalos de corrupção”. Mas não há nada como o tempo para passar. Picado pela mosca azul, o capitão já é candidatíssimo, embora faltem três anos para o próximo pleito presidencial e não se saiba nem mesmo se o atual mandatário continuará a sê-lo até os confins de 2022.  

Bolsonaro-candidato também prometeu declarar guerra contra a corrupção e os corruptos. Tanto assim que convidou Sérgio Moro para chefiar a pasta da Justiça e Segurança Pública. Mas bastou o MP começar a apertar o cerco em torno de Zero Um — falo daquela velha pendenga envolvendo o factótum do clã, Fabrício Queiroz, e a rachadinha na gabinete do ex-deputado na Alerj — para que mudasse de ideia. E mais: candidato, deu a Moro carta branca; agora, com o clã sob suspeita de práticas nada republicanas, retira seu apoio ao pacote de medidas anticrime e anticorrupção — a menina-dos-olhos de Moro — e rejeita a sugestão de indicar Deltan Dallagnol para comandar a PGR pelo próximo biênio.

Bolsonaro precisa decidir se é contra a corrupção ou se vai mesmo se alinhar à banda podre do Congresso e do Judiciário. Não pode agir como os petistas que tanto abomina, para os quais as leis só valem quando lhes favorecem. Se quiser passar a ideia de que é inimigo figadal da corrupção e dos corruptos, terá de vetar integralmente o projeto cafajeste sobre abuso de autoridade aprovado na última quarta-feira, a toque de caixa, por foras-da-lei disfarçados de deputado ou senador, que querem dar voz de prisão, em nome da lei, aos defensores da lei.

Observação: Há quem veja a beligerância atávica do capitão, no velho estilo estudantil de “não levar desaforo para casa”, como um papel que ele interpreta, mas o mais provável é que isso faça parte da sua personalidade. Paradoxalmente, há situações em que ele é de uma pusilanimidade à toda prova. Diante da possibilidade de o Senado melar a indicação de zero três para assumir a embaixada dos EUA, ele já sinalizou que não quer marola com o Congresso. Se vetar a chamada Lei sobre Abuso de Autoridade vai ser uma surpresa.

Ninguém deseja nem deve conviver com abusos de autoridade, mas a lei aprovada no Senado e chancelada pela Câmara sinaliza um abuso das autoridades congressuais em seu evidente afã de inibir a ação de investigadores e julgadores, decorrente da Lava-Jato e das prisões de políticos de alto coturno e grande empresários.

Mais uma vez, suas insolências dão uma no cravo e dez na ferradura, fazendo seu papel ao aprovar a PEC Previdenciária, mas agindo em desacordo com os interesse de seus representados ao aprovar uma excrescência que tem tudo para pôr a população contra si, seja pelo alto grau de subjetividade contido na definição do que seria abuso, seja pela desproporcional dureza das penas ou pelo momento, o modo e o ritmo da aprovação na Câmara (voto simbólico e em caráter de urgência). Igualmente impróprio foi os congressistas se aproveitarem de um momento de fragilidade da Lava-Jato, de fortalecimento do Poder Legislativo, de atos inibidores a investigações vindos do STF e de mudança de atitude do presidente da República em relação ao combate da corrupção por causa de suspeições envolvendo familiares e amigos.

Uma manifestação está sendo convocada para o próximo domingo, em repúdio a essa excrescência e em apoio ao ministro Sérgio Moro e ao procurador Deltan Dallagnol. A conferir.

sexta-feira, 16 de agosto de 2019

A LAVA-JATO TORPEDEADA E A DISPUTA PELO COMANDO DA PGR


Só mesmo numa republiqueta de bananas que um expoente do que há de pior na política, réu em uma dezena de ações criminais e que continua solto porque a atual composição do STF é a mais medíocre de toda a história da Corte, ousa pedir a cabeça do coordenador da maior operação anticrime e anticorrupção da história e, o que é pior, tem chances reais de ser atendido.

Falo de Renan Calheiros, o cangaceiro das Alagoas, autor do projeto de medidas contra o abuso de autoridade, aprovado da última quarta-feira pela Câmara e, como já fora aprovado no Senado, segue agora para sanção presidencial. Trata-se de uma proposta oportunista, requentada a partir de um projeto apresentado em 2009 pelo então deputado Raul Jungmann, que nada tinha a ver com a Lava-Jato — que, à época, sequer existia. 

A ideia, então, era atualizar a legislação para conter os abusos de qualquer autoridade pública, mas o que levou essa proposta a ser desengavetada dez anos — e ser aprovada a toque de caixa, em votação secreta — é a motivação que importa nos dias de hoje: controlar a Lava-Jato, defender os congressistas de maneira geral e Renan, em particular. Da forma como foi aprovado, o texto retira da legislação seu caráter de proteção geral dos cidadãos e transforma o projeto em mero instrumento de bloqueio da ação dos órgãos de investigação e acusação, como o Ministério Público e a Receita Federal, além de constranger juízes.

Em cinco anos de existência, a Lava-Jato contabilizou 2.252 anos, 4 meses e 25 dias de condenações para 159 réus (veja mais números na figura ao lado). Mas nem tudo são flores nesse jardim. No entanto, desde que foi deflagrada, em 17 de março de 2014, ela vem sendo bombardeada por todos os lados. De alguns meses a esta parte, vazamentos espúrios de mensagens supostamente trocadas entre o ex-juiz Sérgio Moro e o coordenador da força-tarefa em Curitiba, Deltan Dallagnol, e deste com outros procuradores, vêm fornecendo farta munição para a banda podre do Congresso e do Judiciário. 

Diante de reportagens segundo as quais ministros do STF estariam pressionando Raquel Dodge para afastar Dallagnol, a PGR, em nota, disse que o procurador tem garantia constitucional de não ser afastado dos processos da Lava-Jato, dos quais é o promotor natural, atuando em conjunto com os demais membros da força-tarefa designados pela procuradoria-geral. No último dia 12, Dodge prorrogou por mais um ano o "prazo de validade" da operação — que acabaria no mês que vem, quando se encerra também o mandato de Dodge, caso o presidente não a reconduza ao cargo.

A cada dois anos, a Associação Nacional de Procuradores da República faz uma eleição em que cerca de 1.300 procuradores votam naqueles que mais gostariam que comandasse a PGR. Os três nomes mais votados são submetidos ao presidente da República, que geralmente escolhe o primeiro da lista, embora não seja obrigado a tal (ao indicar Raquel Dodge, o ex-presidente Temer optou pelo segundo nome, mas isso agora não vem ao caso), podendo até mesmo indicar um procurador que não esteja incluído nessa lista tríplice. Bolsonaro está indeciso, tendo mesmo afirmado que o cargo do chefe do MPF é mais importante que o seu próprio, e que é preciso escolher o candidato cujo perfil atenda várias exigências — e que não seja barrado, depois, pelo Senado, a quem compete chancelar a indicação presidencial. 

Observação: Na lista deste ano, os três procuradores mais votados são Mário Bonsaglia, Luíza Frischeisen e Blal Dalloul. Dodge preferiu não disputar a eleição e tentou se cacifar junto ao governo, mas especula-se que Bolsonaro descartou reconduzi-la ao cargo para um segundo mandato depois que ela pediu providências em relação a zero três, que o papai presidente quer porque quer nomear para a embaixada do Brasil nos Estados Unidos.

Voltando à Lava-Jato, o próximo dia 27 pode ser decisivo para a sobrevivência da operação. Nesse dia, a 2ª Turma do STF vai retomar o julgamento do habeas-corpus do presidiário de Curitiba. Como a ministra Cármen Lúcia acompanhou o voto do relator, Edson Fachin, contrário ao pedido da defesa do ex-presidente ladrão, e considerando como deverão votar Gilmar Mendes e Ricardo Lewandowski, o decano Celso de Melo deverá ser o fiel da balança. Façam suas apostas (e suas orações). Paralelamente, o CNMP deverá julgar a tentativa de reabrir um processo disciplinar contra Deltan Dallagnol, e a coincidência dos dois julgamentos pode ser explosiva, caso os resultados sejam percebidos pela opinião pública como uma tentativa de frear a força-tarefa.

No julgamento do HC de Lula, a alegação da defesa é a suposta parcialidade do então juiz Sérgio Moro, mas o recurso foi apresentado antes de Verdevaldo das Couves e seu Interpret entrarem em ação. A defesa do petralha apensou o material espúrio aos autos do processo, como a lembrar os ministros de sua existência — como os arquivos digitais foram obtidos de maneira ilegal e não foram periciados, eles "não estão nos autos e, portanto, não estão no mundo", como se costuma dizer nos meios jurídicos. Isso significa que não possível usar essa suposta "troca de mensagens tóxicas" para embasar um pedido de anulação do julgamento que condenou o molusco repulsivo. Mesmo assim, diz Merval Pereira, "eles pairam sobre as cabeças dos ministros como almas do outro mundo, que não existem, mas assustam", e, portanto, podendo ou não ser usados no julgamento, eles têm potencial para contaminar a decisão dos magistrados.

O caso envolvendo Dallagnol é igualmente preocupante. A representação formulada pelos conselheiro Leonardo Accioly, Eric Venâncio, Luiz Fernando Bandeira de Mello e Gustavo Rocha se baseia nos diálogos publicados, e foi arquivada monocraticamente pelo corregedor Rochadel pelo fato de serem imprestáveis como prova. Acontece que Accioly e Venâncio pediram a reabertura do caso, para que o plenário decida. O parecer do relator será apresentado no dia 27, quando também será votado pelo Conselho de 12 membros, 6 dos quais são do Ministério Público.

Ainda segundo Merval, tudo indica que não há maioria para punir Dallagnol, mas alguns membros do Conselho terão que se submeter ao Senado para renovação dos mandatos, e esse pode ser um fator de pressão ponderável, já que o Congresso, a OAB, e o STF estão mancomunados para frear a Lava-Jato, e todos eles têm representantes no Conselho. Os próprios membros do Ministério Público decidirão sob forte estresse. Processos disciplinares podem resultar em punições que vão de advertência a expulsão do Ministério Público, mas é possível que, no caso de Dallagnol, a coisa não vá além de uma simples advertência. A questão que possível não quer dizer provável.   

Dallagnol e seus companheiros de Curitiba vêm ressaltando a importância da opinião pública à Lava-Jato para frear a ação da banda podre do Congresso e do Judiciário. Está sendo convocada para o próximo dia 25 uma manifestação nacional de apoio a Sérgio Moro e a Dallagnol, e contra a libertação de Lula. Ao mesmo tempo, há um movimento no Senado para abrir uma CPI já apelidada de Lava-Toga. Como a atribuição de processar togados supremos é dos senadores, essa é uma reação política que visa contrabalançar a pressão contra Moro e os procuradores de Curitiba.

O ex-juiz da Lava-Jato continua sendo o ministro mais popular do atual governo, e o coordenador da força-tarefa em Curitiba, embora considerado pelo presidente “um esquerdista tipo PSOL”, tem apoio até de seus seguidores para ser indicado ao cargo de procurador-geral da República. Todavia, segundo os palpiteiros de plantão, Moro pediu a Bolsonaro que indicasse Dallagnol, mas o capitão teria se recusado. Em uma das mensagens divulgadas pelo Interpret e seus satélites, Dallagnol e os demais procuradores de Curitiba teria demonstrado falta de respeito pela autoridade de Raquel Dodge, que é próxima de Gilmar Mendes e desagrada os procuradores por não dar encaminhamento célere às delações premiadas, como fazia Rodrigo Janot. A delação de Leo Pinheiro, por exemplo, até hoje não foi encaminhada para o STF para homologação.

quarta-feira, 14 de agosto de 2019

ACREDITE EM NADA DO QUE OUVE E EM METADE DO QUE LÊ. MESMO ASSIM...



Como costuma dizer o ministro Marco Aurélio, vivemos tempos estranhos (na verdade, essa frase é de Platão, mas isso não vem ao caso). Temos um presidente da república eleito porque era a única alternativa à volta do PT ao poder, mas que vem se mostrando tão despreparado para exercer o cargo quanto seu pimpolho para assumir a Embaixada do Brasil nos EUA. Havia alternativas menos extremistas no primeiro turno, mas agora não adianta chorar; o esclarecidíssimo eleitorado tupiniquim achou por bem defenestrá-las e despachar justamente as duas piores para o embate final.

É certo que situações desesperadoras exigem medidas desesperadas, mas é igualmente certo que as consequências vêm depois. Colhemos o que plantamos, e quem semeia ventos colhe tempestades. E elas vêm em forma de disputa ideológica na política, produzindo paradoxos a torto e a direito.

Jair Bolsonaro era defensor incondicional da Lava-Jato, mas isso mudou quando as investigações chegaram ao gabinete de seu primogênito na Alerj, e entrou em choque branco com o ministro Sérgio Moro — um dos sustentáculos do seu governo — devido a críticas do presidente do Coaf à proibição de investigação sem autorização judicial (pedido da defesa de Flavio que foi acolhido pelo presidente do STF). Demais disso, quando Deltan Dallagnol tuitou um elogio às investigações sobre o ex-factótum do clã presidencial, Fabrício Queiroz, acusado de ser o operador do esquema, o capitão compartilhou em seu perfil oficial no Facebook um post chamando o procurador de "esquerdista estilo PSOL", como se fosse possível Deltan ser esquerdista e, ao mesmo tempo, o algoz de Lula.

Bolsonaro é apoiador incondicional de Mauricio Macri e contrário a Cristina Kirchner, a quem considera a versão portenha da ex-presidanta Dilma. À luz das primárias no país vizinho, porém, o capitão trombeteou que "não quer 'irmãos argentinos' fugindo para o Brasil se o resultado se confirmar em outubro", sem ter a sensibilidade de perceber que isso não ajuda Macri, que, diga-se de passagem, não é um radical de direita como nosso capitão-presidente.

Além de ser fã de metáforas envolvendo namoro, noivado e casamente, o presidente mostra que também tem um viés, digamos, escatológico: dias atrás, diante de uma pergunta que o incomodou, sobre como conciliar meio ambiente com desenvolvimento, respondeu: "É só você deixar de comer menos um pouquinho […] Você fala para mim em poluição ambiental. É só você fazer cocô dia sim, dia não, que melhora bastante a nossa vida também". Na última segunda-feira, voltou ao tema: "Há anos um terminal de contêiner no Paraná, se não me engano, não sai do papel porque precisa agora também de um laudo ambiental da Funai. O cara vai lá, e se encontrar — já que está na moda — um cocozinho petrificado de um índio, já era. Não pode fazer mais nada ali. Tem que acabar com isso no Brasil." Mas adiante, comentando sua primeira colocação, disse que apenas respondeu uma “pergunta idiota de um jornalista”. Litteris: "Respondi que é só você cagar menos que com certeza a questão ambiental vai ser resolvida."

Perguntado sobre o próximo procurador-geral da República, a ser indicado por ele a próxima sexta-feira, disse o capitão que o futuro PGR "não pode atrapalhar a agenda de desenvolvimento do país" e deve saber "tratar as minorias como minorias". Ao ser questionado sobre o nome de Deltan Dallagnol para o cargo, respondeu que ainda não foi procurado. “Mande-o me procurar, por que não me procurou até hoje? É muito simples. Todos querem ser procurados. Eu não procurei ninguém. A caneta BIC é minha".

Falando na PGR, a procuradora Raquel Dodge anunciou nesta segunda-feira que prorrogou por mais um ano os trabalhos da força-tarefa de procuradores que atuam na Operação Lava-Jato no Paraná. Será mantido o orçamento de aproximadamente R$ 800 mil para gastos com pagamentos de diárias e passagens para procuradores e servidores que estiverem no trabalho de investigação, bem como a estrutura do grupo, composto por 15 procuradores, entre eles os quais Deltan Dallagnol. Esta é a quinta prorrogação dos trabalhos desde 2014, quando as investigações começaram. Passados cinco anos e desencadeadas 61 fases, as investigações da força-tarefa no Paraná resultaram em 244 condenações de 159 pessoas em 50 processos, por acusações de lavagem de dinheiro, corrupção ativa e passiva, fraude à licitação e organização criminosa, entre outros crimes.

Dallagnol é alvo de nove ações no CNMP. Na reunião marcada para a manhã desta terça-feira, estavam pautadas a análise de uma reclamação disciplinar apresentada pelo senador Renan Calheiros e de um processo administrativo disciplinar (PAD) instaurado a pedido do togado supremo Dias Toffoli, bem como a possibilidade de apreciação de um terceiro expediente, aberto pela corregedoria do órgão para investigar se ele lucrou de forma irregular com palestras ministradas sobre a Lava-Jato. Nos bastidores, havia uma movimento orquestrado para não puni-lo pela forma como atuou nos processos contra boa parte da elite política e empresarial do país, revelada por Verdevaldo das Couves e seus compinchas — FOLHA/UOL, BandNews e Veja — com base no vazamento de mensagens supostamente trocadas pelos integrantes da força-tarefa, material esse que, nunca é demais lembrar, foi obtido criminosamente por hackers a partir de invasões das contas que os envolvidos mantinham no aplicativo Telegram.

Observação: Por unanimidade, o Conselho negou o recurso negou o recurso mediante o qual Dallagnol buscava reverter a abertura do PAD (as sanções que podem resultar de um processo administrativo disciplinar vão desde uma pena de censura até a aposentadoria compulsória). Numa outra votação foi decidido, também por unanimidade, aprovar um pedido de dois conselheiros para que seja revisto o arquivamento de uma reclamação disciplinar contra o coordenador da Lava-Jato.

Falando em Dias ToffoliVeja publicou uma entrevista com o dito-cujo. À guisa de introdução, a reportagem traz um texto pra lá de preocupante. É certo que a prudência recomenda acreditar em nada do que se ouve e em metade do que se lê, mas mesmo assim eu achei por bem compartilhar com meus leitores um excerto dessa matéria:

Em entrevista a VEJA, o ministro confirmou que o Brasil esteve à beira de uma crise institucional entre os meses de abril e maio — e disse que sua atuação foi fundamental para pôr panos quentes numa insatisfação que se avolumava. Toffoli não deu muitos detalhes, mas a combinação explosiva envolvia uma rejeição dos setores político e empresarial e até de militares ao presidente Jair Bolsonaro. O cenário, de fato, era preocupante naquele momento. No Congresso, a reforma da Previdência, a principal e mais importante bandeira econômica da atual administração, não avançava. O governo, por sua vez, acusava os deputados de querer trocar votos por cargos e verbas públicas. O impasse aumentou quando um grupo de parlamentares resolveu tirar da gaveta um projeto que previa a implantação do parlamentarismo. Se aprovado, Bolsonaro seria transformado numa figura meramente decorativa, um presidente sem poder.

Em paralelo, vazamentos atribuídos ao MPF mostravam que a investigação sobre o senador Flávio Bolsonaro, o Zero Um, tinha potencial para gerar mais constrangimentos e desgastes do que se supunha no início. A família presidencial teria se beneficiado da chamada “rachadinha”, um artifício ilegal empregado por políticos para embolsar parte dos salários de seus funcionários. Simultaneamente, uma ala do Exército começou a discutir a incapacidade do presidente de governar, enquanto outra, mais radical e formada por militares de baixa patente, falava em uma sublevação contra as “instituições corruptas”. Um dos generais próximos ao presidente chegou a consultar um ministro do Supremo para saber se estaria correta a sua interpretação da Constituição segundo a qual o Exército, em caso de necessidade, poderia lançar mão das tropas para garantir “a lei e a ordem”. Em outras palavras, o general queria saber se, na hipótese de uma convulsão, teria autonomia para usar os soldados independentemente de autorização presidencial.

Longe de Brasília, a insatisfação também era grande. Empresários do setor industrial incomodados com a paralisia da pauta econômica discutiam a possibilidade de um impeachment de Bolsonaro. O ideal, diziam, era que houvesse uma brecha jurídica que permitisse a convocação de novas eleições. Foram informados de que não havia brecha. Em caso de impedimento, assumiria o vice-presidente, o general Hamilton Mourão. “Se é para trocar, melhor que seja logo”, pregavam. Na época, Carlos Bolsonaro, o filho Zero Dois, afirmou que estaria em andamento uma conspiração golpista, apontando o dedo em direção aos militares que despacham no Palácio do Planalto, mas sem citar nomes.

Nas redes sociais, a pregação radical contra o STF também se intensificou. Grupos defendiam desde ações violentas até o afastamento de magistrados que supostamente estariam impedindo o governo de implementar projetos. Os ministros tinham a convicção de que os ataques eram insuflados pelo governo. No Senado, com o aval de lideranças partidárias, foram colhidas assinaturas para a criação da chamada “CPI da Lava-Toga”, cujo objetivo seria averiguar suspeitas de corrupção no Judiciário. O clima entre os poderes era de conflagração. O ponto de ebulição da crise tinha até data para acontecer: 10 de abril, dia em que o STF julgaria a legalidade das prisões em segunda instância, o que poderia resultar na libertação do ex-presidente Lula.

Quando o caldo ameaçou transbordar, o presidente Bolsonaro, o ministro Dias Toffoli, o deputado Rodrigo Maia, presidente da Câmara, e o senador Davi Alcolumbre, presidente do Senado, além de autoridades militares, se reuniram separadamente mais de três dezenas de vezes para resolver o problema. Convencidos de que a situação caminhava em uma direção muito perigosa, costuraram um pacto que foi negociado em vários encontros. Resultado: no Congresso, o projeto do parlamentarismo voltou à gaveta, a CPI da Lava-­Toga foi arquivada e a reforma da Previdência se destravou. No Planalto, o vice-­presidente Hamilton Mourão reduziu suas barulhentas aparições públicas, e o general Carlos Alberto dos Santos Cruz, ministro-chefe da Secretaria de Governo, um dos alvos das suspeitas de Carlos Bolsonaro, foi demitido. No Supremo, Dias Toffoli pôs a polícia nos calcanhares de grupos que pregavam ações violentas contra os ministros, adiou o julgamento que poderia soltar Lula e concedeu uma liminar que paralisava as investigações sobre o senador Flávio Bolsonaro. A Praça dos Três Poderes ficou, ao menos momentaneamente, pacificada.

Por tudo o que se viu nos primeiros seis meses de governo Bolsonaro, não é exagero dizer que os cerca de 300 metros que separam o Planalto, o Congresso e o Supremo ainda são um campo minado. Neste segundo semestre, o STF será protagonista de uma agenda capaz de elevar a temperatura política a níveis de alta octanagem. De acordo com o que decidirem os ministros, o ex-presidente Lula poderá ser solto, o ex-juiz Sergio Moro ser considerado suspeito e processos que envolvem corruptos de vários matizes acabar anulados. Isso para falar apenas de três casos relacionados à Operação Lava-­Jato. O STF também vai definir, entre outros assuntos delicados, o destino da investigação sobre o senador Flávio Bolsonaro e concluir o julgamento que pode resultar na descriminalização de drogas como a maconha.

Toffoli terá a responsabilidade de conduzir essa agenda inflamável. Como guardião da lei, cabe ao Supremo o juízo final sobre qualquer assunto — goste-se ou não do veredicto. Em tempos de radicalismo extremo, manter o equilíbrio é uma tarefa complicada.

Como disse José Nêumanne, assumindo definitivamente o papel de Conselheiro Acácio de Marília sem um voto sequer, o novo condestável da República, presidente de plantão do STF, fez questão de entrar no coro dos descontentes com a Lava-Jato, dizendo que a popularíssima operação de combate à corrupção não é uma instituição, mas um fruto da “institucionalidade”. Aproveitando-se da ignorância generalizada, comparável com a sua própria, o apadrinhado de Lula acha que a instituição que preside, por obra e graça de sua vassalagem ao picareta dos picaretas, exerce o poder moderador que o imperador se autoconcedeu para se impor a liberais e conservadores que se revezavam no comando do parlamento monárquico. É uma mistura de mentira com desconhecimento e uma formidável cara de pau. Sobrando um tempinho, não deixe de assistir ao vídeo a seguir, no qual Caio Coppola analisa esses devaneios megalômanos do magistrado:


Alea jacta est.   

quinta-feira, 18 de abril de 2019

AINDA SOBRE O SALSEIRO DO STF, CENSURA E OUTROS QUE TAIS



ATUALIZAÇÃO - 18h02:

No finalzinho da tarde de hoje o ministro censor Alexandre de Moraes revogou a censura que impôs à revista Crusoé e ao site O Antagonista na última segunda-feira: “Diante do exposto, revogo a decisão anterior que determinou ao site O Antagonista e a revista Crusoé a retirada da matéria intitulada 'O amigo do amigo de meu pai' dos respectivos ambientes virtuais”, escreveu o magistrado em trecho da decisão. 

O recuo tende a evitar mais desgaste para ele e o presidente da Corte, que ficaram isolados na defesa da determinação anterior, bem como impedir uma provável derrota no plenário. Celso de Mello já havia se pronunciado a propósito: “A censura, qualquer tipo de censura, mesmo aquela ordenada pelo Poder Judiciário, mostra-se prática ilegítima, autocrática e essencialmente incompatível com o regime das liberdades fundamentais consagrado pela Constituição da República”, declarou o ministro.

Volto a esse assunto numa próxima oportunidade.

O esdrúxulo inquérito aberto de ofício pelo presidente do STF a pretexto de proteger a Corte e seus membros e familiares de fake news e ameaças conseguiu unanimidade: foi criticado tanto pela esquerda quanto pela direita, combatido pela imprensa em geral, achincalhado nas redes sociais e repudiado pelo Ministério Público e por inúmeros membros do Congresso. Mas os protagonistas dessa vergonha parecem viver em Valhala ou no alto do Monte Olimpo, onde as nuvens os impedem de visualizar as consequências de sua estapafúrdia decisão — como a mudança na postura dos senadores em relação à assim chamada “CPI da Lava-Toga”: depois de arquivar mais um pedido para investigar os tribunais superiores, o presidente do Senado voltou atrás e declarou que o tema será pautado em plenário em tempo oportuno. Uma das táticas estudadas é a de apresentar um mandado de segurança dentro da ação proposta pela Rede para questionar o inquérito; outra é sugerir uma CPI com foco apenas no STF.

Alessandro Vieira, autor dos requerimentos para a abertura da CPI da Lava-Toga, disse que “nada impede que a gente apresente um novo requerimento”, que “a busca pela impunidade está gerando situações absurdas, e que, “se alguém tinha dúvidas sobre a urgência da CPI das cortes superiores, os ministros confirmam a sua necessidade, e que quem via risco à democracia na atuação do Executivo agora precisa se preocupar também com outro lado da Praça dos Três Poderes, de onde se avolumam as ações autoritárias”. No último sábado, o presidente do Senado, Davi Alcolumbre, disse que “a maioria dos senadores entende que não é bom para o Brasil uma briga institucional.” Vieira respondeu: “Ele não tem autonomia para esse tipo de escolha de pauta, e os ministros do Supremo estão se esmerando em criar um escândalo a cada semana, o que aumenta a demanda da sociedade por uma atuação do Senado”.

Parlamentares do partido de Bolsonaro, que já vinham inflando as manifestações contrárias ao STF nas redes sociais e disparando ofensivas contra magistrados no Congresso, elevaram o tom depois que a Corte decidiu encaminhar à Justiça Eleitoral casos de caixa 2 associados à corrupção — medida enfaticamente criticada por procuradores e considerada uma derrota para a Lava-Jato. Agora, o ressurgimento da censura pelas mãos daqueles que deveriam agir como guardiões da Carta Magna virou a bola da vez, tanto no plenário quanto nos corredores do Senado, notadamente após o ministro Alexandre de Moraes rejeitar a moção da PGR que pedia o arquivamento da parte do inquérito que cabe legalmente ao Ministério Público.

Uma sucessão de erros transformou o Supremo, de guardião da Constituição e defensor dos direitos dos cidadãos, em pivô de uma crise institucional. Censurar a revista Crusoé e o site O Antagonista (detalhes na postagem anterior) é algo impensável numa democracia, e o mesmo vale para a expedição mandatos de busca e apreensão na casa de sete supostos agressores do STF nas redes sociaisdentre os quais um general da reserva (que está sendo defendido por seus companheiros de farda, alguns membros do governo Bolsonaro).

A patacoada suprema originou ainda uma guerra com o Ministério Público e boa parte do Legislativo e representantes da sociedade civil. Rodrigo Maia saiu em defesa dos ministros Toffoli e Moraes, alegando que ser preciso aguardar as investigações para tomar uma posição, mas deputados e senadores de vários partidos entraram com ações no próprio STF para anular o inquérito — que, segundo Raquel Dodge, a despeito de o arquivamento pedido pela PGR ter sido negado, produzirá provas imprestáveis a uma eventual futura ação penal.

Em vez de determinar “de ofício” a abertura do inquérito, Toffoli deveria ter requisitado a ação ao Ministério Público, que é o detentor da acusação no Estado, e a escolha do relator deveria ser feita por sorteio eletrônico. É certo que a PGR não poderia determinar o arquivamento, o que, segundo o Código de Processo Penal, compete ao órgão judicial. Todavia, também segundo o CPP, ao discordar do pedido de arquivamento feito pelo Ministério Público, o magistrado tem de remeter o inquérito ao Procurador-Geral (dos Estados ou da República, conforme o caso), para que ele decida se deve ou não oferecer denúncia (no lugar do promotor ou procurador que requereu o arquivamento). Como esse inquérito em particular tramita no STF e o pedido de arquivamento veio da PGR, o relator não poderia mandá-lo de volta à própria PGR, e foi nisso que o ministro se baseou para negar o pedido de arquivamento. No entanto, como todos os movimentos dos envolvidos são relacionados com o interesse de eles próprios se protegerem, o Supremo não pode conduzir investigações sem o Ministério Público, muito menos quando a questão envolve diretamente a Corte.

Convocar para prestar depoimentos o jornalista Mario Sabino, editor do site O Antagonista e da revista Crusoé, e outros mais representa um abuso de poder do Supremo, que não pode considerar críticas individuais como críticas à instituição, como fez seu presidente em relação à reportagem censurada — que, aliás, foi baseada em documentos e informações da própria Lava-Jato. Portanto, não há que falar em fake news — e ainda que assim não fosse, bastaria que Toffoli esclarecesse o caso e exigisse uma eventual retratação, como fazem os cidadãos comuns. A apreensão de computadores nas casas dos supostos detratores reforça a desconfiança, já disseminada nas redes sociais, de que a intenção da operação é descobrir a fonte de informação do site (que pode estar dentro do governo, da PF, MP, PGR).

Como bem salientou o jornalista Merval Pereira em sua coluna n’O Globo, se a lei é igual para todos, Toffoli está sendo tratado como mais igual que os demais cidadãos. Josias de Souza segue na mesma linha. Confira a seguir o post que ele publicou em seu Blog:

“Num colegiado de 11 magistrados, o inquérito secreto aberto por Dias Toffoli e relatado por Alexandre de Moraes resulta numa estatística perversa: 18% do STF conferem aos 82% restantes uma péssima reputação. Nesse contexto, soa perturbador o silêncio das nove togas que compõem a banda muda da Suprema Corte. Por ora, apenas um ministro parece ter percebido que certos silêncios merecem resposta imediata. Levando os lábios ao trombone, Marco Aurélio Mello (9%) chamou pelo nome próprio a censura à reportagem que cita Dias Toffoli: "É um retrocesso em termos democráticos", declarou, antes de tachar de "inconcebível" a ordem para que o texto sobre "o amigo do amigo" do pai de Marcelo Odebrecht fosse retirado do ar pela revista eletrônica Crusoé e o site O Antagonista.

Certos personagens podem imaginar que, não tendo nada a dizer, o melhor é se abster de demonstrá-lo com palavras. Mas o risco que um magistrado zeloso corre ao se fingir de morto ao lado de colegas vivaldinos é de o pessoal não distinguir quem é quem. Talvez fosse conveniente, no mínimo, gritar para que o inquérito sigiloso fosse submetido ao crivo do plenário da Corte. Edson Fachin tem um bom megafone nas mãos [caberá a ele levar a discussão à 2ª Turma ou ao plenário da Corte]. A conjuntura recomenda pressa, pois Toffoli e Moraes conseguiram um feito notável: magnificaram os ataques ao Supremo e seus membros. Antes, as críticas circulavam pelas redes sociais. Agora, ecoam nos portais, nos jornais, nas rádios, no horário nobre das tevês. Logo, logo não haverá outro assunto nas mesas de boteco.

Ao dar de ombros para o arquivamento promovido pela procuradora-geral Raquel Dodge, Alexandre de Moraes manteve aberta a fábrica de matéria prima para a proliferação de críticas ao Supremo. Ao prorrogar o processo secreto por três meses, Toffoli como que consolidou a parceria informal com os detratores da Corte.”

E a despeito de todo esse salseiro, o deputado-pastor Marco Feliciano quer o impeachment do general Mourão — um dos poucos tripulantes da nau dos insensatos que o Planalto, a Praça dos Três Poderes, o DF e este pobre país viraram nos últimos tempos. E viva o povo brasileiro!

terça-feira, 19 de março de 2019

O JUDICIÁRIO A SERVIÇO DA JUSTIÇA — CONCLUSÃO



Segundo a revista eletrônica Crusoé, o presidente do STF, Dias Toffoli, teria se irritado com um artigo publicado em O Antagonista, na última quarta-feira, no qual o procurador Diogo Castor salientou que os cargos nos tribunais eleitorais são preenchidos por indicações políticas, e por isso teria anunciado a criação do tal inquérito para investigar calúnias contra a honorabilidade da corte e de seus membros e familiares. “Esse assassinato de reputações que acontece hoje nas mídias sociais, impulsionado por interesses escusos e financiado sabe-se lá por quem, deve ser apurado com veemência e punido no maior grau possível”, afirmou o ministro ao Estado. “Isso está atingindo todas as instituições e é necessário evitar que se torne uma epidemia.”, disse o ministro.

Observação: O senador Flávio Arns, da Rede do Paraná, é o 29º parlamentar a assinar o novo requerimento da CPI da Lava-Toga, que será protocolado hoje no Senado (eram necessárias 27 assinaturas). “Minha decisão foi motivada pelo grande sentimento de frustração vivenciado pela sociedade brasileira nos últimos dias, principalmente diante do risco de retrocesso em relação à Lava-Jato”, justificou o parlamentar, em nota. Já o senador Flávio Bolsonaro ainda não assinou o requerimento. Sua assessoria informou que ele está “avaliando” o pedido, e evitou dizer qual decisão ele tomará. Ontem, o presidente do Senado, Davi Alcolumbre, disse não existir a menor hipótese de ele levar adiante qualquer tentativa de investigação contra o Supremo neste momento, pois a Lava-Toga criaria um embate desnecessário entre Legislativo e Judiciário. Alcolumbre também minimizou o efeito dos pedidos de impeachment contra ministros STF e disse que “uma crise institucional agora não fará bem ao Brasil". Entrementes, entre uma decisão suprema e outra, Dias Toffoli vem articulando a criação de uma frente parlamentar de apoio ao Judiciário, visando neutralizar os avanços da turma que quer botar a Lava-Toga na rua. Se isso explica porque o zero um e outros parlamentares enrolados com a Justiça relutam em apoiar a CPI... bem, para bom entendedor, pingo é letra.

Para a deputada Janaína Pascoal, “os ministros são agentes públicos como outros quaisquer. Eles também precisam dar satisfação. Às vezes, os ministros reagem como se fossem intocáveis, inalcançáveis, acima de quaisquer autoridades. Isso não é verdade. Eles estão sujeitos a fiscalizações e críticas de outros agentes públicos.” (…) “Um jornalista que escreve uma matéria pode receber críticas. Mas os magistrados querem se colocar num Olimpo que não é real. Não pode ser real.”

O presidente Jair Bolsonaro se manifestou indiretamente sobre a decisão do STF que fixou a competência da Justiça Eleitoral para julgar crimes comuns ligados ao caixa 2. Ele retuitou um vídeo em que seu filho Eduardo, o zero três, pede apoio ao pacote anticrime de Sergio Moro. Clique aqui para assistir.

Ao cumprimentar Toffoli pela iniciativa, Gilmar Mendes, seu antigo mentor, vituperou ataques contra os procuradores da Lava-Jato e a proposta de criar uma fundação para gerir parte de uma multa bilionária paga pela Petrobras. “Não quero cometer perjúrio, mas o que se pensou com essa fundação do Deltan Dallagnol? Foi criar um fundo eleitoral? Era para isso? Imagina o poder. Quantos blogues teriam? Quanta coisa teria à disposição? Se eles estudaram em Harvard, não aprenderam nada. São uns cretinos”, disse Gilmar, referindo-se ao currículo de Deltan. Também de acordo com o O Antagonista, o principal alvo dessa caça à bruxas é o procurador Deltan Dallagnol, coordenador da Lava-Jato em Curitiba, embora outros integrantes da força-tarefa e os auditores da Receita Federal que iniciaram uma investigação sobre as transações financeiras de sua mulher, Roberta Rangel, e do casal Gilmar e Guiomar Mendes também estejam na mira.

A investigação do STF é vista por procuradores como uma forma de intimidar o Ministério Público. Ainda nesta sexta-feira, Raquel Dodge solicitou informações sobre o inquérito ao ministro Alexandre de Moraes, designado relator da ação. Na avaliação da procuradora-geral, o caso tem potencial para comprometer a imparcialidade do Judiciário, já que a função de investigar não faz parte da competência do Supremo. “Os fatos ilícitos, por mais graves que sejam, devem ser processados segundo a Constituição”, afirmou ela. Toffoli rebateu e disse que, além de haver previsão regimental para abertura do inquérito, o CPP estabelece que toda investigação deve ser supervisionada por um juiz.

Dallagnol disse que a decisão do Supremo pode fechar a janela de combate à corrupção política que se abriu há cinco anos, quando se iniciou o operação força-tarefa. Segundo ele, as defesas dos criminosos já estão se movimentando; a 13ª Vara Federal em Curitiba vem recebendo pedidos de declinação de competência (para que os casos da Lava-Jato sejam remetidos para a Justiça Eleitoral). Antes do julgamento, o decano da Lava-Jato, Carlos Fernando Santos Lima, já alertava para os efeitos da decisão: "É quase inacreditável que haja uma intenção real de se tomar essa decisão. Porque podem jogar cinco anos no lixo, por uma questão técnica sem relevância." Dodge disse não ver risco de anulação das ações em andamento e já julgadas, mas entende que é preciso avaliar tudo isso com muito cuidado e não perder o foco. 

Já a especialista em direito eleitoral Carla Karpstein afirma haver, sim, risco de anulação dos processos, tanto nas cortes comuns quanto na Justiça Eleitoral — nesta, porque os advogados vão dizer que as provas são nulas porque não foram produzidas ali; naquela, vão argumentar que houve nulidade porque a Justiça não tinha competência para julgar caixa 2 nos casos que já foram decididos ou estão em tramitação.

Três entidades que representam os procuradores saíram em defesa de membros da força-tarefa atacados por Gilmar Mendes e alvos de investigação no Supremo. A Conamp, maior e principal entidade de promotores e procuradores em todo o País repudiou nesta sexta, 15, o feroz ataque de Gilmar aos integrantes da força-tarefa e as críticas ao acordo firmado pela Lava-Jato com a Petrobrás para tentar reverter 80% dos recursos da multa que a estatal pagará a autoridades dos Estados Unidos. Curiosamente, partiu de Raquel Dodge o pedido para o STF suspendesse o acordo que criava o fundo de R$ 2,5 bilhões. O presidente da Associação Nacional de Procuradores, José Roberto Robalinho, disse ao Estado que há pelo menos dois pontos questionáveis no procedimento adotado pela PGR — sem analisar no mérito em si a ação apresentada.

Observação: A decisão do STF veio quando o pessoal da Lava-Jato buscou ganhar poder. Sem ouvir ninguém, nem Raquel Dodge, os procuradores montaram um esquema em que a Petrobras lhes entregou parte da multa que pagou nos EUA, mas liberada para uso no Brasil, para ser gerenciada por uma fundação de luta contra a corrupção, sob seu controle. Quem decide onde aplicar recursos é o Governo eleito, não os procuradores. O STF se mobilizou e a própria Raquel Dodge entrou na Justiça contra o acordo.

O fato é que a ação da procuradora-geral gerou uma crise interna no MPF. Os procuradores Pablo Coutinho Barreto e Vitor Souza Cunha — chefes da Secretaria de Perícia, Pesquisa e Análise —, que atuavam em uma secretaria vinculada ao gabinete de Raquel, pediram demissão, o que foi recebido pela categoria como um protesto. Ainda na sexta-feira, os procuradores da Lava-Jato elaboraram documento no qual trazem esclarecimentos acerca do acordo firmado entre o MPF e a Petrobras. O documento é endereçado ao juiz Federal da 13ª Vara Federal em Curitiba, e pede que as informações sejam encaminhadas também ao ministro Alexandre de Moraes, que determinou a suspensão do acordo.

Ao mesmo tempo em que é bombardeada a partir de Brasília, a Lava-Jato sofre um esfriamento natural em Curitiba, seu epicentro. Lá, Lula já foi condenado duas vezes e está encarcerado há onze meses. Parte dos empresários já foi solta; alguns, como Marcelo Odebrecht, graças à delação premiada. Seguem detidos próceres do PT e MDB, como o ex-tesoureiro João Vaccari Neto e o ex-deputado Eduardo Cunha. Com a saída de Moro e o fim da substituição temporária por Gabriela Hardt, a 13ª Vara Federal passou a ser comandada desde o início do mês pelo juiz Luiz Antonio Bonat, que herdou cerca de 1.700 procedimentos, de ações penais a inquéritos ainda em andamento. Nada, porém, que possa fazer mais barulho e causar mais surpresa do que os casos dos tempos áureos da operação. O frenesi daqueles tempos também está longe de se repetir. As operações ostensivas, aquelas que antes ocorriam todas as sextas, foram se tornando mais esparsas.

Os números obtidos pela força-tarefa do Paraná, ao longo destes cinco anos, restam impressionantes. Ao todo, 2.476 procedimentos de investigação foram instaurados e, em decorrência deles, houve 155 prisões preventivas, 183 delações e a condenação de 155 pessoas a exatos 2.242 anos de prisão. Hoje, o principal flanco de apurações está na Lava-Jato do Rio, que implodiu a quadrilha que saqueou o estado sob o comando de Sérgio Cabral (já foram realizadas cerca de 200 prisões em 30 operações) e ainda tem fôlego para novas e importantes fases.

De acordo com Deltan Dallagnol, a despeito do horizonte turvo, a operação precisa avançar. Ele lembrou que, no próximo dia 10 de abril, a corte pode impor mais uma derrota à investigação, ao julgar se réus condenados em segunda instância, como Lula, devem começar a cumprir pena imediatamente. “Faremos todo o possível dentro da lei para seguir nosso trabalho, mas receio que a janela de combate à corrupção que se abriu há 5 anos tenha começado a se fechar. Está fora da esfera de atribuição de procuradores de primeira instância mudar isso.” A conferir.