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domingo, 17 de novembro de 2019

PRA QUEM GOSTA É UM PRATO CHEIO (CONTINUAÇÃO)


Falando em crimes, criminosos e em quem deveria inibi-los e combatê-los (mas faz exatamente o contrário, como bem salientou o juiz federal Marcelo Bretas, responsável pelo braço da Lava-Jato que atua no Rio de Janeiro), parlamentares do grupo Muda, Senado prometem intensificar a pressão sobre Davi Alcolumbre pela instalação da CPI da Lava-Toga e pela abertura de processos de impeachment contra ministros do STF.

A pressão aumentou depois que Dias Toffoli, que usurpou o poder de D. Bozo I, instituiu a ditadura da toga e sagrou-se tiranete (a coroação se deu quando ele ordenou que o Coaf lhe desse acesso a relatórios com dados sigilosos de cerca de 600 mil pessoas físicas e jurídicas), passando a presidir "de fato" esta republiqueta de bananas enquanto o "mito-late-mas-não-morde" cuida de interesse próprios, de seus filhos e da 33ª agremiação política que resolveu criar para si.


A política tupiniquim sempre foi um esgoto a céu aberto. Da feita que os candidatos se elegem para roubar e roubam para se reeleger, como nos sentirmos representados por essa caterva? No Executivo, perdemos a fé (se é que ainda nos restava alguma) antes mesmo de a renúncia de Jânio Vassoura Quadros abrir espaço para o golpe de Estado que resultaria em duas décadas de ditadura militar (aquela de que dizem sentir saudades saudades os que nasceram depois de 1985). E a morte de Tancredo Neves — eleito indiretamente, mas que representava a esperança dos brasileiros num futuro melhor — foi a gargalhada do diabo, pois promoveu de vice a titular o eterno donatário da capitania do Maranhão, um dos mais notórios ícones da abominável política coronelista tupiniquim.

As esperanças se renovaram em 1989, quando o autodeclarado Caçador de Marajás frustrou (ou retardou) a ascensão do eterno "presidente de honra" do partido dos trabalhadores que não trabalham, estudantes que não estudam e intelectuais que não pensam. Mas logo se viu que o santo de colhões roxos era de pau oco, tinha pés de barro e não passava de um populista tão desprezível quanto seu adversário, só que ocupava o outro extremo do espectro político-ideológico-partidário (e qualquer semelhança com o atual inquilino do Palácio do Planalto não é mera coincidência).

Daí veio Itamar, que, além de recriar o Fusca e posar para fotos ao lado da modelo sem calcinha Lilian Ramos, promulgou o Plano Real, cujo sucesso levou Fernando Henrique Cardoso a se eleger presidente, recriar a reeleição e se reeleger presidente desta republiqueta de Bananas, embora o número de coelhos que seria capaz de tirar da cartola tivesse se esgotado já em sua primeira gestão.

Depois vieram Lula e o mensalão do PT (edição revista, atualizada e aprimorada do mensalão tucano), que transformaram Judiciário, aos olhos dos desalentados cidadãos de bem deste desalentador país de merda, no último bastião das esperanças. Mas aí Lula, o podre, e Dilma, a quintessência da incompetência, nomearam os oito togados supremos que, somados aos ministros que ainda não haviam pedido o boné e pegado a bengala — Celso de Mello, que seus pares têm na condição de sapientíssimo e o ex-ministro Saulo Ramos, de um juiz de merdaMarco Aurélio, indicado por ninguém menos que seu primo Fernando Collor; e Gilmar Mendes, cuja indicação foi a obra prima ao contrário do grão duque tucano —, resultaram na pior composição de toda a história do tribunal (ainda pior depois que o dono da careca mais luzidia do planeta foi indicado pelo vampiro do jaburu para ocupara a vaga aberta com a morte de Teori Zavascki num mal explicado acidente aéreo).

O impeachment de Dilmanta, a inolvidável, e os avanços da Lava-Jato refrearam (em alguma medida e por um custo espaço de tempo) o apetite pantagruélico dos petralhas e companhia pelo dinheiro do Erário, mas as recentes investidas da fação pró-crime do STF em prol de seus bandidos favoritos ameaçam pôr a perder quase tudo que foi conquistado no último lustro.

Para Josias de Souza, a quem muito admiro e com cujas opiniões quase sempre concordo, foi constrangedora e triste a passagem por Brasília do grupo de trabalho da comissão antissuborno da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico. A missão da OCDE constrange porque os representantes da entidade percorreram gabinetes dos três Poderes para manifestar preocupação com os retrocessos que observam no Brasil em relação ao combate à corrupção. A visita entristece porque representa, na prática, uma espécie de atestado de óbito da Operação Lava-Jato e suas congêneres.

A morte é anterior a si mesma. Ela começa muito antes da abertura da cova. Percorre um lento processo. No caso da Lava-Jato, a operação morreu e não sabe. Ninguém disse ainda, talvez por pena, mas aquela operação em que, pela primeira vez desde a chegada das caravelas, o braço do Estado investigou, enjaulou e puniu poderosos da oligarquia política e econômica do Brasil, essa operação não existe mais. Foi boa enquanto durou.

A missão da OCDE acabou se transformando num cortejo fúnebre. Os visitantes foram de autoridade em autoridade para lamentar iniciativas recentes patrocinadas pela turma do abafa. Coisas como a lei de abuso de autoridades, o fim da prisão na segunda instância e o congelamento das investigações municiadas com dados do antigo Coaf. A atmosfera é de velório.

O velório reúne gente importante. Seguram a alça do caixão Jair Bolsonaro, o Centrão, o PT… O Supremo envia uma sequência de coroas de flores enquanto prepara a última pá de cal. Ela virá na forma da anulação de sentenças.

A morte às vezes funciona como um grande despertar. Mas a sociedade brasileira emite sinais de cansaço. Um cansaço que se parece com saudade de quem não teve a oportunidade de dizer adeus.

sábado, 16 de novembro de 2019

PRA QUEM GOSTA É UM PRATO CHEIO



Devido ao feriadão e à rizoartrose — que deu uma aliviada mas se fez suceder por um pacote de dores incomodativas que variam de intensidade e se revezam por 70% do corpo —, eu não pretendia editar o Blog neste final de semana. Até que ouvi num telejornal qualquer que em Dublin, diante do stress causado pelo dever de casa nos alunos do ensino fundamental — tanto às crianças quanto aos pais e professores —, está sendo testada uma alternativa que achei interessante.

Em vez de sobrecarregar a molecada com a tradicional carrada de problemas, exercícios e toda aquele cardápio de circo de horrores que a maioria de nós abominou em algum momento da vida escolar, os professores pedem aos miúdos que assistam ao noticiário e debatam na aula seguinte as principais notícias do dia anterior.

Agora imagine se a ideia fosse aplicada aqui no Brasil e responda qual das alternativas a seguir, em sua opinião, definiria melhor esse desatino:

a) tortura;

b) insanidade.

3) incitação ao crime.

4) nenhuma das anteriores.

5) todas as anteriores.

sexta-feira, 15 de novembro de 2019

130 ANOS DE REPÚBLICA PARA DAR NISSO?



O presidente de fato do Brasil vestiu a toga de ministro sobre a farda de militante em 2009, levando na bagagem uma fieira de serviços prestados ao PT, a José Dirceu e a Lula e duas reprovações em concursos para juiz de primeira instância (ambas na fase preliminar, que testa conhecimentos gerais e noções básicas do Direito).

Sem currículo nem conhecimento ou luz própria, privado dos laços com a rede protetora do partido e do padrinho, esse filho de Marília seguiu o caminho usual dos fracos: no melhor estilo República Velha, foi buscar apoio em Gilmar Mendes, que é quem melhor encarna a figura do velho coronel político. Uma vez consolidado no habitat, passou a emular os piores hábitos do novo mentor a arrogância incontida, o ego avantajado, a falta de limites e o uso da autoridade da forma mais arbitrária possível. Mas nada disso nos autoriza a menosprezar a capacidade de José Antonio Maquiavel Dias Toffoli. Basta ver como ele conciliou a blindagem de Flávio Bolsonaro (que o papai Jair deve nomear presidente da "Aliança pelo Brasil", caso consiga realmente fundar o partido, que nascerá sob os auspícios de Mercúrio, o deus dos ladrões, e com a pecha da corrupção) com a de sua esposa e a da mulher da maritaca de Diamantino. Mas isso é conversa para outra hora.

Em 2016, a teimosia da aliada Rosa Weber em manter convicção a favor da obrigatoriedade de cumprir o “trânsito em julgado”, mas negar-lhe voto, apoiada na falsa lealdade ao colegiado, levou o petista Dias Toffoli e o tucano Gilmar Mendes a apoiarem o início da pena após terceira instância. Sem respaldo algum sequer na leitura mal feita do texto constitucional, que ampara sua posição original numa quimera mal-intencionada, o primeiro tentou no desespero soltar os chefes da vida inteira, Lula e Zé Dirceu, com truque que naufragou quando 5ª Turma do STJ confirmou por 5 votos a 0 a decisão das instâncias anteriores.

Em 2019, no quinto julgamento em dez anos, ou seja, um a cada dois, Rosa Weber mandou os escrúpulos às favas e garantiu o voto da vitória. Alguns crentes do caráter da dupla Gilmar-Toffoli acreditaram que a chamada modulação do presidente do Supremo poderia ser exatamente a proposta anterior, sepultada pela dura constatação da condenação em três instâncias. A vã ilusão animou até o desavisado relator da Lava Jato, Edson Fachin, a acenar para a possibilidade de apoiar a quimera anunciada, mas nunca cumprida. Só que a iniciativa apenas o fez cair no ridículo mal disfarçado e em descrédito geral.

O voto de Toffoli pela derrubada da autorização de um juiz para o começo do cumprimento de pena após a condenação por um juízo colegiado serviu para confirmar a ignorância de semântica do ministro derrotado em dois concursos para magistrado de primeiro grau. A viga mestra de apoio à teoria da obrigatoriedade constitucional rui à vista de qualquer aluno de curso primário. O inciso 57 do artigo 5.º da Constituição remete às calendas da culpabilidade considerar o indigitado culpado, sem jamais proibir que se o prenda.

Abalam a estrutura do despautério verbetes de dicionários, dos populares aos eruditos, e a dura realidade carcerária: dos presos provisórios no Brasil que são os atingidos pela medida (41,9%), muitos já cumpriram a pena ou nem sequer foram processados. Mas estes são em geral pobres, que não podem pagar advogados que frequentam as Cortes superiores, em Brasília, e dependem de defensores públicos. Estes não fazem o trabalho a cumprir, de vez que se dedicam a apoiar defensores nobres dos suspeitos milionários de viverem à custa do furto do erário, na charmosa tribuna onde são adulados por membros do “excelso pretório”.

Em suma: as ruas estão cheias de condenados que não estão presos porque a rotina policial nas investigações dos crimes violentos é de total incompetência, e as prisões estão superlotadas com desobrigados de frequentar celas, com a pena finda, ou de cidadãos cuja “presunção de inocência” nunca foi questionada, por falta de renda para pagar defesa. O argumento dos seis votos vencedores padece de autenticidade gramatical e do mínimo de sensibilidade social. Expressões como “populismo judicial”, da lavra do Boca do Inferno Gilmar, soam como preconceito de classe, de vez que acusam o povo de incapacidade de ter opinião e maldizem colegas que escutam o clamor popular batendo à porta de covardes. Mas verdade seja dita: a acusação feita pelo Rui Barbosa de Diamantino, amigo de fé do ex-governador Silval Barbosa, de que a imprensa não gosta de povo, serve como uma toga bem cortada nos próprios ombros.

O espetáculo grotesco da última sessão, em que o fundador do Instituto de Direito Público enunciou seu voto, mostrou contradições ainda mais gravosas. Sem espanto geral, Sua Excelência (como seu colega de capa e de voto Marco Aurélio exigiu ser tratado) recorreu a “provas” roubadas pelos “ararahackers” para acusar o ministro Sergio Moro de combinar com a força-tarefa da Lava-Jato, o que comprovaria sua parcialidade. Mas não ocultou a própria combinação com o príncipe do verbo em falso, Dias Toffoli do PT, de assuntos do interesse particular do tema em disputa, em nada coincidente com a questão votada.

Em determinado momento, o presidente pediu a palavra, que lhe foi concedida. E a dirigiu a Alexandre de Moraes, que respondeu sobre certo advogado que esteve para ganhar R$ 1,3 bilhão para dar forma jurídica a uma fundação de procuradores cujo capital seria formado pelo dinheiro devolvido pelos réus da Lava-Jato ao Tesouro. Aparentemente, o terceiro elemento no trio da armação estava fora até do contexto. Afinal, foi a hipotenusa que votou contra o interesse dos dois catetos. Mas não se arriscou a nomear a vítima da infâmia, tarefa transferida para o votante. Gilmar não se fez de rogado: Modesto Carvalhosa, que acusou também de ser falso professor da Faculdade de Direito da USP. Este, livre-docente aposentado, após lecionar por mais de 20 anos nas famosas arcadas, de fato não ficou em primeiro lugar no concurso por uma cátedra. E foi contratado como advogado por acionistas americanos prejudicados pela administração petista, que quase levou a Petrobrás à ruína, episódio que nada tem que ver com a tal fundação. Fundação, aliás, que nem chegou a existir, por desistência do autor da ideia, Deltan Dallagnol, que terá de pagar pelo palpite infeliz em ação de Renan Calheiros, recordista em processos no STF.

O Trio TernuraMoraes, Toffoli e Gilmar — é alvo de ações de impeachment do professor da USP. Depois desse desempenho execrável no plenário, o Maquiavel de Marília disse no domingo subsequente, em que o povo se manifestou nas ruas contra a falseta da Corte dos desiguais: “O Judiciário e a Justiça são feitos para a pacificação social. Se alguém quer se valer da Justiça para uma luta social não vai conseguir. A Justiça não tolerará uma crise institucional e saberá agir a tempo e a hora”. Vale lembrar que, tão logo foi solto, o sem-caráter de Garanhuns acusou o presidente da República de governar para os milicianos do Rio, e não para a população brasileira.

Na verdade, a palavra do togado supremo e atual presidente dos demais supremos togados continua pesando como uma pluma e infectando o ar como uma bactéria mentirosa e sem valor, a não ser para o mal. Mas é propagada. Para o presidente de fato desta república de merda (a que ponto chegamos!), “radicalismo não leva a lugar nenhum; o que se espera é que as pessoas tenham serenidade e pensem no Brasil”. Toffoli declarou, ainda, que “a nação brasileira é devedora das Forças Armadas para a construção do Brasil e para a unidade nacional, assim como o Judiciário”.

Acontece que o momento certo foi a votação em que a gramática foi corrompida e a Constituição adulterada em benefício exatamente de quem é o inspirador da guerra que separa ideologias e regiões, desde que lançou norte contra sul e pobres contra ricos para vencer o anódino Geraldo Alckmin na reeleição conquistada em 2006. No entanto, a carapuça serve a todos, incluindo o ex-presidente tucano Fernando Henrique, que, em sua manifestação depois da soltura de Lula, usou o Twitter para comentar o atual ambiente político brasileiro, no domingo 10. “A polarização aumenta. Sem alternativas populares e progressistas continuaremos no jogo político/pessoal”, afirmou.

A pretensão de ser líder de progressistas condutores das alternativas populares (uma ofensa à gramática, pois alternativa só há uma) reveste o social-democrata de Higienópolis de um ridículo que não chega a ser relevante, de vez que o emplumado tucanato também foi beneficiado pela canetada do eixo Marília-Diamantino com a liberdade concedida ao pioneiro de todos os mensalões, o mineiro Eduardo Azeredo. O prócer foi governador de Minas Gerais e presidente nacional do PSDB, para desonra geral de quem nem sequer jamais incentivou sua expulsão da sagrada legenda.

A bem da verdade, ficou faltando esclarecer que o Conselheiro Acácio da presunçosa toga não é o único nobre presidente de Poder no Brasil a merecer o valor do vintém, que nem existe mais, para a própria palavra. Rodrigo Maia, Davi Alcolumbre e Jair Bolsonaro não o deixam só.

Devido ao fim de semana prolongado e a problemas de saúde, resolvi não postar o Blog nem amanhã, nem domingo. Bom feriadão a todos e até segunda, se Deus quiser.

quinta-feira, 14 de novembro de 2019

BRASIL, A ANTESSALA DO INFERNO


Tão logo foi devolvido às ruas pela facção pró-crime do STF, o picareta dos picaretas acusou Bolsonaro de governar para as milícias, chamou Sérgio Moro "canalha" e Paulo Gudes de “demolidor de sonhos”, “destruidor de empregos e de empresas públicas brasileiras”. Como se não bastasse, exortou a patuleia amestrada a espelhar o comportamento dos chilenos: "A gente tem que seguir o exemplo do povo do Chile, a gente tem que resistir. Na verdade, atacar e não apenas se defender”.

Quando zero três afirmou que bastariam um soldado e um cabo para fechar o Supremo e, referindo-se aos protestos no Chile, que "se a esquerda radicalizar a esse ponto vamos precisar dar uma resposta, e essa resposta pode ser via um novo AI-5, pode ser via uma legislação aprovada via plebiscito, como ocorreu na Itália, mas alguma resposta vai ter que ser dada", a mídia caiu de pau e oposição exigiu medidas disciplinares, de cassação a abertura de ação criminal. 

Quando é Lula quem relincha as asnices, esses imprestáveis se põem de quatro. Não fossem as iniciativas do MBL, que protocolou uma representação pedindo a prisão preventiva do rebotalho boquirroto e do guerrilheiro de araque, e de uns poucos parlamentares — como os deputados Sanderson e Carla Zambelli e o senador Major Olímpio —, o silêncio seria ensurdecedor.  Até Jair Bolsonaro, notório por seu destempero e por sua beligerância, fechou-se em copas (talvez por medo de aborrecer o presidente de fato desta republiqueta de merda, que blindou zero um das investigações do MP-RJ).

Lula deve sair do esgoto em caravana pelo país, para encantar seus quadrúpedes acéfalos de estimação. Já o capitão caverna, cuja maior vitória até agora foi a aprovação da PEC Previdenciária Previdenciária (embora jamais tenha movido uma palha para ajudar; pelo contrário, fez que pode para atrapalhar, dividindo quando deveria somar e socorrendo sua tribo numa hora em que a prioridade era suprimir privilégios), quando se imaginava que coroaria a cerimônia de promulgação da reforma com alguma presença de espírito, oferece ao Congresso sua ausência de corpo.

Alcolumbre disse que a ausência de Bolsonaro é um sinal de que Executivo e Legislativo trabalham "em harmonia, mas em independência, um respeitando o papel do outro". Bobagem. A reforma poderia ter sido promulgada há 20 dias, mas o presidente do Congresso preferiu aguardar o retorno do chefe do Executivo de seu périplo pelo oriente. O capitão retornou em 1º de novembro, mas só informou que não participaria da efeméride na última hora (talvez porque estivesse ocupado organizando sua próxima confusão: a criação de um novo partido político). O que deveria ser apenas mais um caso de falta de senso e de educação virou uma nova modalidade de arremesso de dinheiro público pela janela. Numa conta feita pelo economista Paulo Tafner, da USP, o adiamento da promulgação da reforma custou R$ 601 milhões (valor que o Tesouro teria economizado se a emenda previdenciária tivesse sido promulgada há 20 dias).

Segundo Josias de Souza, não é difícil entender por que foi preciso esperar até que a economia brasileira evoluísse da fase do fundo do poço para a etapa do poço sem fundo para que o Congresso aprovasse, finalmente, uma reforma previdenciária ampla, com a fixação de idade mínima para a aposentadoria. Deve haver nos subterrâneos da Praça dos Três Poderes uma escola superior que ofereça cursos de pós-graduação em insensatez. Não é possível que certos agentes políticos consigam fazer o pior o melhor que podem sem algum tipo de formação especial.

De acordo com José Nêumanne, enquanto não conseguir de seu títeres no STF o cancelamento do processo do triplex, o escroque de Garanhuns continuará ladrão e lavador de dinheiro condenado, o único solto político do Brasil. Moro deu resposta à altura a suas lorotas lá no lorotário sindical de volta às origens. e Janaína explicou que as leis são boas — o que não presta são ministros das altas cortes e últimas instâncias de nossa justiça, que em teoria sabem ler, mas não leem o que de fato está inscrito na Constituição, que não consagra a prisão só nas calendas.

Para continuar sendo alternativa aos políticos bandidos, Bolsonaro precisa demitir seus petistas no governo, a começar pelo advogado-geral da União, puxa-saco de Lula, e pelo brasileiro mais poderoso do momento — e que jamais foi eleito para nada — José Antônio Maquiavel Dias Toffoli, que cumpre ordens dos chefões do bando. Por enquanto, porém, o mito de pés de barro está ocupado com a criação  de seu próprio partido (como se os 32 existentes e os outros 75 em processo de formação já não fossem um escândalo). Restam-lhe cerca de 140 dias, e o tempo médio é de 3 anos e 5 meses

E depois reclamam quando a gente fala que isto aqui é um país de merda.

terça-feira, 12 de novembro de 2019

POR QUE NÃO TE CALAS?


A penúltima estultice de Zero Três (porque a última ainda está por vir) foi atear fogo num tanque de gasolina ao prever que o Brasil pode precisar de um novo AI-5. Mas será mesmo uma estultice, considerando o papelão que o STF fez na última quinta-feira, quando, por 6 votos a 5, resolveu tratar dos interesses de seus bandidos de estimação em detrimento dos anseios da sociedade? Talvez fosse o caso de estudar isso melhor, sem paixões nem hipocrisias. Fica aqui o convite.

O texto a seguir foi publicado por J.R. Guzzo no jornal Metrópoles e selecionado por mim para abrilhantar esta postagem. Ele perdeu relevância depois do julgamento da prisão em segunda instância, mas vou publicá-lo mesmo assim  primeiro, porque a matéria estava pronta; segundo, porque uma rizoartrose resolveu me infernizar a vida. Aliás, não estranhem se eu suspender as publicações até que digitar no teclado e operar o mouse deixem de ser tarefas tão dolorosas quanto assistir impassível a um bando de canalhas articular a restauração do império da criminalidade, revertendo o Brasil ao que ele foi nos últimos 500 anos e, ao que parece, está fadado a continuar sendo por outros tantos: uma republiqueta de bananas comandada por criminosos da pior espécie.

Se o rei da Espanha ainda fosse o o rei da Espanha, se encontrasse o deputado Eduardo Bolsonaro numa esquina de Brasília e se lembrasse da pergunta mais interessante que fez em sua vida – alguns anos atrás, para o ditador da Venezuela na época – bem que poderia dizer ao filho do presidente: “Por que não te calas?”
 

O deputado, mais uma vez, jogou fósforo num tanque de gasolina ao prever que o Brasil pode vir a precisar de um novo AI-5 para conter o extremismo de esquerda  um despropósito que só serviu para armar mais uma onda de indignação contra o “DNA ditatorial desse governo que está aí”, sincera em uns casos, hipócrita em outros, mas com certeza 100% desnecessária.

Eduardo Bolsonaro, como 512 outros deputados brasileiros, tem o direito de falar o que bem entende – e, mais ainda, não pode ser punido pelo que diz, pois tem a imunidade parlamentar que protege o direito de expressão no Congresso. É certo, também, que muitos dos seus inimigos à esquerda passam a vida dizendo barbaridades até piores.

Mas toda vez que ele fica quieto ajuda um colosso – ao sossego público, ao governo e ao próprio pai. Muita gente, em agradecimento às graças recebidas, faz promessas de ficar um ano inteiro sem comer doce, ou coisas assim. Eduardo bem que poderia prometer a si e a nós todos que vai passar os próximos 365 dias sem abrir a boca.

Em outro texto, Guzzo diz que "deve haver um sapo com a boca amarrada ou algum outro despacho feio enterrado num lugar qualquer da sala onde reinam os procuradores-gerais da República neste país". Até algum tempo atrás, ninguém sabia quem era a figura; hoje, o cargo de “PGR”, como se diz, é uma fábrica que parece trabalhar três turnos diários na produção de coisas desenhadas para prejudicar o Brasil, os brasileiros e a decência comum". Impossível negar razão ao colunista. Basta lembrar que um dos mais esquisitos deles todos confessou que, em pleno exercício do cargo, entrou armado no STF com o propósito de dar “um tiro na cara” de Gilmar Mendes e se suicidar em seguida. Mas não fez nem uma coisa, nem outra (se tivesse feito, duvido que alguém estivesse chorando de saudades de um ou do outro).

O PGR da vez, indicado por Bolsonaro por alguma razão incerta e não sabida — dada sua simpatia pelo PT e ressalvas feitas à lava Lava-Jato —, parece afetado pela mesma mandinga, mas, nesse caso, trata-se de uma compulsão para insultar quem lhe paga o salário. Para resumir a ópera, Augusto Aras classificou de crime hediondo a mera ideia de que os procuradores da República deixem de ter 60 dias de férias por ano e passem a ter 30, como os demais brasileiros. Segundo ele, o trabalho dos procuradores é “exaustivo” e, por isso, exige pelo menos o dobro das férias devidas aos seres humanos comuns. Como se não bastasse, ameaçou o Congresso de “represálias” se for levado adiante algum projeto de lei que acabe com essa aberração.

Mudando de um ponto a outro, o clã Bolsonaro ainda não perdeu uma única oportunidade de criar um clima propício a tentativas golpistas. Nos recentes episódios do leão e as hienas e da alusão infeliz de Zero Três ao AI-5, a Teoria da Separação dos Poderes, de Montesquieu — segundo a qual pesos e contrapesos impedem que um deles tente avançar sobre os demais — tem funcionado. Até quando, porém, só Deus sabe. Como disse Merval Pereira, isso lembra a anedota do sujeito que cai do 15º andar de um edifício e, ao passar pelo 10º, diz a um morador que o observava da janela: "até aqui, tudo bem".

Ao escolher seu ministério, o capitão demonstrou apreço por colegas de farda que conhecia de longa data. Passados dez meses, devolveu para a caserna ou para o pijama pelo menos meia dúzia deles. O penúltimo foi o quatro estrelas Maynard Marques de Santa Rosa, que deixou a Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência. Antes dele, foram defenestrados Franklimberg de Freitas (Funai), Juarez Cunha (Correios), João Carlos Jesus Corrêa (Incra) e Marco Aurélio Vieira (Secretaria Especial de Esporte). Segundo Josias de Souza, o general Santos Cruz, precursor de Santa Rosa, foi substituído pelo também estrelado Luiz Eduardo Ramos, que já recebeu da deputada Joyce Hasselmann um alerta: "Você será o próximo".

A conversão de oficiais da reserva em funcionários civis despertou muita expectativa. Os pessimistas apostavam na militarização camuflada de um governo supostamente civil. Os otimistas contavam com o talento dos ex-companheiros de caserna para civilizar um presidente que se considera militar a despeito de ter sido excluído da tropa por indisciplina. Frustraram-se todas as apostas. Nem o governo se militarizou, nem o presidente foi civilizado. Abriu-se uma terceira via, que conduz os generais gradativamente à porta de saída sob dois pretextos, ambos humilhantes: hipotética incompetência ou manifesta incompatibilidade com o alto-comando ideológico do governo, chefiado por Olavo de Carvalho desde o estado americano da Virgínia. 

Este governo tornou-se um martírio para os generais, que, ou saem com a fama de incompetentes, ou com a pecha de melancia (verde por fora, vermelho por dentro). Para ficar, precisam se infiltrar no meio dos insensatos — sensível ao efeito Orloff produzido pela exoneração dos colegas de farda, o general Augusto Heleno se segura na chefia do Gabinete de Segurança Institucional contemporizando com ideias amalucadas como as de Eduardo Bolsonaro. Aliás, se o presidente fosse fã de banho de assento, Heleno já teria se afogado há muito tempo.

O problema é que quem assiste à essa tragicomédia da platéia já não consegue distinguir quem é quem no palco. Num governo assim, convertido em zona de guerra, bater em retirada tornou-se a melhor estratégia para os estrelados.  

Volto a este assunto numa próxima postagem — só não sei dizer se amanhã ou na semana que vem, já que dia sim, outro também, surge um novo escândalo com potencial para causar repercussões que devem ser discutidas de plano, sob pena de serem atropeladas pelo próximo escândalo de muitos outros que virão enquanto esta banânia existir e seu povo não aprender a votar.

domingo, 3 de novembro de 2019

IMBRÓGLIOS, SALSEIROS E ASNICES DA NOVA FAMÍLIA REAL



Além de ainda não ter formado uma base de apoio parlamentar e de ter declarado guerra ao partido pelo qual se elegeu, nosso indômito presidente vem terminando amizades de longa data (mais detalhes nas postagens de ontem e de amanhã) e fulminando aliados um após o outro. Não demora e lhe restará somente o apoio dos três filhos com mandato parlamentar — o que não serve de consolo, considerando que, para blindar Zero Um, o papai presidente se sujeitou a lamber as botas de Toffoli, Alcolumbre e Gilmar; Zero Dois insiste em botar fogo no circo (sua penúltima estultice foi o vídeo do leão e as hienas); e Zero Três, que já "defendeu o fechamento do STF" (clique aqui para assistir ao vídeo e conferir em que contexto ele disse isso), agora volta à carga com a reedição do AI-5 (mais detalhes nos posts anteriores e no de amanhã).

Com desgraça pouca é bobagem, depois que a Globo veiculou (de forma açodada, se não maliciosa) uma matéria sobre sua suposta ligação com o caso Marielle, o capitão insinuou que que a emissora terá problemas para renovar sua concessão: "Teremos uma conversa em 2022", disse, para logo depois tentar recolocar o gênio na garrafa. Mas aí a mídia já havia caído de pau. No dia seguinte, Bolsonaro voltou à carga e anunciou o cancelamento de todas as assinaturas do jornal Folha de S.Paulo no âmbito do governo federal, além de fazer ameaças aos anunciantes do veículo. Quase que ao mesmo tempo, o terceiro filho concedeu a bizarra entrevista que "estarreceu o país" — continuo achando que houve muito oportunismo nessa indignação toda, mas enfim...

Apeado do sonho (por ora impossível) de assumir a embaixada do Brasil nos EUA (com as bençãos de Pato Donald Trump), Eduardo Bolsonaro assumiu a liderança do PSL na Câmara. Não foi uma boa ideia. Falta-lhe discernimento para diferenciar o que pode ser dito entre amigos, numa mesa de boteco, do que se pode falar em público. Embora não exista no governo cargo de "filho de presidente", esta administração o criou informalmente quando o monarca se cercou dos príncipes-herdeiros, e estes, deslumbrados com o poder, escudam-se na imunidade parlamentar para proferir asnices de todas as cores, cheiros e sabores.   

A declaração do Zero Três sobre o AI-5 foi repudiada por partidos de todo o espectro ideológico — inclusive do próprio PSL. Bolsonaro pai desautorizou o filho: "Não apoio. Quem quer que seja que fale em AI-5 está sonhando. Está sonhando, está sonhando. Não quero nem ver notícia nesse sentido aí. Cobrem vocês dele, ele é independente." E completou: "Qualquer palavra nossa vira um tsunami." Mas a flecha já havia sido lançada, a oportunidade de calar, perdida, e o estrago, feito.

Em entrevista ao Brasil urgente, o deputado emendou o soneto: "Eu talvez tenha sido infeliz em falar do AI-5, porque não existe qualquer possibilidade de retorno. Mas nesse cenário, o governo tem de tomar as rédeas da situação, não pode simplesmente ficar refém de grupos organizados para promover o terror." Não adiantou.

A mídia não perdoa qualquer deslize da primeira-família, e a declaração estapafúrdia do caçula foi alvo de uma série de representações no Conselho de Ética e Decoro Parlamentar da Câmara, e pode, pelo menos em tese, levar à cassação de seu mandato. Mas as ações apresentadas contra ele no STF, sob acusação de "incitar publicamente ato criminoso", não devem prosperar (considerando a atual composição da Corte, que conta com ministros como o que mandou soltar Anthony Garotinho e senhora um dia depois de o ex-governador lalau ser preso pela quinta vez e a madame, pela terceira, pode-se esperar qualquer coisa).

Observação: Para quem não sabe de qual togado estou falando, aqui vão algumas dicas: ele foi indicado para o STF por FHC, classificado por um colega de tribunal como "uma pessoa horrível, mistura do mal com o atraso e pitadas de psicopatia", apelidado por Augusto Nunes de "Maritaca de Diamantino" e era presidente do TSE quando a chapa Dilma/Temer foi absolvida por "excesso de provas". Quer mais? Então vamos lá: ele tem ódio da Lava-Jato, do procurador Deltan Dallagnol e do atual ministro da Justiça e do juiz Marcelo Bretas, além de ostentar um formidável par de beiços (que pesam uns bons cinco quilos).

Questionado por jornalistas, Jair Bolsonaro negou ter feito ameaças à imprensa. Perguntado se não teme comparações com Hugo Chávez, o tiranete venezuelano que em 2007 não renovou a concessão da emissora de maior audiência no país por discordar da cobertura do canal sobre seu governo e acusá-la de ser "golpista". Disse o capitão: "Ô, ô, ô, aqui não tem ditadura, aqui não tem ditadura. Qualquer concessão tem de cumprir a lei, nada mais além disso. Nunca, em nenhum momento, partiu de mim nenhuma ameaça a qualquer órgão de imprensa no Brasil."

Observação: A decisão por uma não renovação ou aprovação de uma concessão passa inicialmente pelo Poder Executivo, mas precisa ser autorizada por dois quintos do Congresso Nacional.

Diante da possibilidade de o STF rever o entendimento sobre a prisão em segunda instância (novela cujo próximo capítulo deve ser transmitido na próxima quinta-feira), o perfil do presidente no Twitter publicou em 17 uma defesa do cumprimento da pena imediatamente após condenação em segunda instância. "Aos que questionam, sempre deixamos clara nossa posição favorável em relação à prisão em segunda instância". A mensagem foi interpretada por autoridades como uma tentativa de pressão (?!) sobre o Judiciário e o Legislativo e apagada logo depois por Zero Dois, que atua como ghostwriter  do pai, que pediu desculpas pela publicação. "Eu escrevi o tuíte sobre segunda instância sem autorização do Presidente. Me desculpem a todos! A intenção jamais foi atacar ninguém! Apenas expor o que acontece na Casa Legislativa!"

E é com coisas assim que se preocupam a imprensa, os políticos e outros desocupados. Como se o Brasil não tivesse nada mais importante para fazer.

Bom domingo a todos.

sábado, 2 de novembro de 2019

AINDA SOBRE O IMBRÓGLIO EDUARDO BOLSONARO E OUTRAS CONSIDERAÇÕES


Diálogo de acova entre um casal de coelhos: O macho: "Vamos fazer amor?" A fêmea: "O quê?" O macho: "Vamos fazer de novo?". Mutatis mutandis, essa piadinha sem graça espelha a rapidez com que muda o cenário político, dificultando a já difícil tarefa de escrever sobre ele. Enfim, ninguém falou que seria fácil. Vamos adiante.

Dizem que FHC, quando era ministro do governo Itamar, sempre dava um jeitinho de enviar o chefe em viagens ao exterior, para evitar... bem, acho que deu para entender. Não sei é verdade ou folclore, mas sei que naquela época não havia smartphones, conexão móvel via 3G/4G, WhatsApp, Twitter e que tais. Essa estratégia dificilmente funcionaria com Bolsonaro, não só devido ao contexto atual, mas também porque mesmo longe do solo pátrio nosso indômito presidente dá azo a toda sorte de polêmicas que a imprensa não perde a chance de explorar à saciedade. A maioria é mais inconsequente que contundente, mas todas "atrapalham o bom andamento do serviço", como disse recentemente o vice-presidente Hamilton Mourão.

Vejam esse rebosteio criado por Eduardo Bolsonaro. Como se já não bastassem o vídeo do leão e as hienas, a autodeclarada "afinidade" que o capitão disse ter com o príncipe herdeiro da Arábia Saudita, acusado internacionalmente de ser o mandante do assassinato do jornalista Jamal Khashoggi, e, claro, a menção ao presidente na investigação do caso Marielle Franco, o deputado joga mais combustível na fogueira "defendendo" a ditadura, o AI-5 e outras asnices. No entanto, mesmo que se esteja fazendo tempestade em copo d'água, a família real tupiniquim bem que poderia se esforçar um pouco para pensar antes de falar. Não é a primeira vez que suas opiniões inconsequentes produzem ruído; no caso específico de Zero Dois, relembro o carnaval que fizeram devido a um vídeo republicado durante a campanha, no qual ele diz que "para fechar o STF bastariam um soldado e um cabo ". A colocação foi infeliz, mas a "ameaça" que ela parecia conter ao ser replicada fora do contexto se esvanecia quando ouvíamos toda a resposta e a pergunta que resultou na fala filho do capitão. Mas vivemos na época da pós-verdade, onde os fatos valem menos do que as versões.

A entrevista inconsequente do filho obliterou o desmentido da versão tendenciosa que a mídia disseminou sobre o suposto envolvimento do pai no caso Marielle, do qual os noticiários alardearam a suspeita à exaustão, mas deram quase nenhum destaque à notícia de que o MP-RJ desmentiu a versão do porteiro. Também falou-se "um monte" quando o capitão disse ter "afinidade" com o príncipe da Arábia Saudita, mas pouco foi dito sobre os US$ 10 bilhões que aquele país deve investir no Brasil. Ou sobre a apologia que deputados e influenciadores de esquerda vêm fazendo aos atos terroristas que estão acontecendo no Chile. Mas bastou o destrambelho partir do clã presidencial para a mídia "cumpanhêra" ser implacável.

E não é só a mídia: Ciro Gomes, por exemplo, que é conhecido por seus comentários intempestivos, chegou mesmo a se referir a Eduardo como "merdinha" e "tolete de esterco". Não sou admirador desse demagogo, mas é impossível não reconhecer que de vez em quanto ele acerta na mosca, como fez numa recente entrevista ao Congresso em Foco. Perguntado sobre Jair Bolsonaro, o pedetista disse tratar-se de um "despreparado paranoico"; perguntado sobre Lula, Ciro classificou-o de enganador profissional. "Lula é o grande responsável por essa tragédia econômica, social e política que o Brasil está vivendo, não tem grandeza, só pensa em si". Pausa para os merecidos aplausos (às vezes, até um burro cego é capaz de encontrar a cenoura).

Menos brilhante em seus pitacos — mas não menos esdrúxulo que seu ex-adversário no primeiro turno das eleições passadas —, Fernando Haddad, o bonifrate do encantador de burros, que está desempregado desde outubro do ano passado e deveria pedir desculpas por ser tão servil a um corrupto e lavador de dinheiro, por ter desgovernado São Paulo durante quatro anos e por afirmar que a Venezuela é uma democracia — regurgitou a seguinte pérola“Eduardo Bolsonaro pediu desculpas por defender um novo AI-5. Poderia pedir desculpas por ter ofendido o filho do presidente eleito da Argentina. Por ter tentado usurpar o cargo de embaixador do Brasil nos EUA. Por homenagear miliciano e torturador. E pelo pai”. É o roto criticando o esfarrapado!
    
Haveria muito mais a dizer, mas prolongar esta postagem repisando o que já se sabe seria chover no molhado. Melhor acompanhar o desenrolar dos acontecimentos e ver se será mesmo protocolado um pedido de cassação do deputado boquirroto, lembrando que as "comissões de ética", tanto da Câmara quanto do Senado, são tão úteis quanto um ministério da Marinha na Bolívia.

Antes de encerrar, achei por bem mencionar que os ex-governadores do Rio de Janeiro Anthony Garotinho e Rosinha Matheus, que haviam sido presos na última quarta-feira (ele pela quinta vez e ela, pela terceira), deixaram a prisão no dia seguinte, graças à pronta intervenção do ministro Gilmar Ferreira Mendes. A propósito, relembro que sua excelência encabeça a lista de ministros supremos com mais pedidos de impeachment — pelas últimas contas, são 10 contra ele e 9 contra Toffoli; a única que escapa até agora é a ministra Cármen Lúcia.

Só neste ano foram 16 pedidos de abertura de processos de impeachment contra os supremos togados, a maioria motivada por decisões contrárias ao que a população brasileira espera do Judiciário, como a do próprio Gilmar, que autorizou a suspensão da investigação contra o senador Flávio Bolsonaro no caso Queiroz. Não obstante, se depender de Davi Alcolumbre, que claramente não tem interesse algum em lhes dar seguimento, os processos continuarão dormitando eternamente em berço esplêndido nas gavetas do Senado, o que nos leva a pensar se os pontos de vista de Eduardo Bolsonaro... bem, é melhor deixar pra lá.

quinta-feira, 31 de outubro de 2019

SOBRE BOLSOSIMBA E MAIS SOBRE O DIVÓRCIO DE GUZZO E VEJA


Sobre Bolsosimba, o bolsolion das arábias, a usina de crises funciona a pleno vapor também no exterior. Se o presidente fosse eficiente assim na produção do que interessa, o Brasil seria um grande país.

O sapientíssimo ministro Marco Aurélio afirmou que o vídeo que compara o Jair Bolsonaro a um leão, e o STF, o PSL, a OAB e outras instituições, a hienas (e que foi apagado da conta do presidente no Twitter, diante da forte repercussão negativa) pode ser encarado como uma “cortina de fumaça” para desviar o foco das revelações dos áudios do ex-assessor Fabrício Queiroz, que é investigado pela prática de "rachadinha" do gabinete de Flávio Bolsonaro, a chamada "rachadinha". 

Não é lá muito convincente a justificativa de Bolsonaro de que houve um “erro” (na publicação do tal vídeo), porque o próprio capitão assume a “responsabilidade”, embora dê a entender que o filme foi veiculado sem seu aval. Ou está mentindo, ou está dizendo à nação que seu esquema de redes sociais é seara fora de controle. uma legítima casa da mãe joana, para usar de expressão vulgar ao alcance do entendimento do próprio. Assista ao clipe para mais detalhes sobre mais esse episódio surreal em nossa bizarra republiqueta da Bananas:



Enquanto essa polêmica absurda e fora de hora sobre a analogia infeliz feita pelo mito, assoma no horizonte mais um imbróglio com potencial para causar mais frisson (como dizia o saudoso Ricardo Boechat, morre-se de tudo no jornalismo, menos de tédio) e nos levar a amaldiçoar (mais uma vez) Lula e o PT por nos forçar a "escolher" esse toco para amarrar nosso bode. 

Deve-se essa nova crise às relações perigosas da família Bolsonaro com milicianos. Para evitar que uma dificuldade aparentemente pequena se torne crítica e passe a influenciar o rumo do governo, o presidente precisaria acender a luz de casa, aconselha Josias de Souza. Mas, numa transmissão ao vivo pelas redes sociais, o mito ficou fora de si. A irritação compromete seu discernimento e o impede de ver que o nome da crise não é imprensa, e sim família Bolsonaro. Mas vamos por partes.

Deu no Jornal Nacional da última terça-feira que o nome do presidente foi suscitado na (interminável) investigação da morte da vereadora psolista Marielle Franco. Segundo o noticioso da Globo, a polícia do Rio descobriu que o suspeito Élcio de Queiroz entrou no condomínio Vivendas da Barra, no dia em que a parlamentar foi assassinada, alegando que visitaria (o então deputado) Jair Bolsonaro, quando na verdade foi encontrar com, Ronnie Lessa, também suspeito de ter participado do crime.

Após a veiculação da reportagem, o capitão afirmou que tem presença registrada no painel de votações da Câmara dos Deputados não só no dia 14 de março, mas também nos dias anteriores e posteriores ao do caso citado pelo porteiro à polícia (de fato, registros da Câmara acusam sua presença em duas votações no plenário no dia do crime, uma às 14h e outra às 20h30). Também negou a versão do porteiro e reiterou que não conhece os acusados pela morte da vereadora. Disse que o depoimento foi forjado em uma tentativa de atingi-lo, que se trata de uma fraude, uma farsa para atacar a imagem e a reputação do presidente da República. Sua defesa levanta, inclusive, a hipótese de que a pessoa que afirmou ter ido procurar Jair Bolsonaro o tenha dito com intuito de incriminar o presidente da República.

MP-RJ consultou Dias Toffoli — o diplomata da injustiça — para saber se pode prosseguir com as investigações — vale lembrar que, segundo o § 4º do artigo 86 da Constituição, "o Presidente da República, na vigência de seu mandato, não pode ser responsabilizado por atos estranhos ao exercício de suas funções"  (o grifo é meu).

Atualização: O ministro da Justiça pediu à PGR a abertura de inquérito para apurar “todas as circunstâncias” da citação do nome de Bolsonaro nas investigações do assassinato da vereadora psolista (ocorrido há exatos 597 dias). Na edição de ontem, o JN noticiou que Élcio Queiroz esteve na casa de Ronnie Lessa, embora tenha anunciado ao porteiro que iria à casa de Bolsonaro e de o funcionário ter dito que “seu Jair” autorizou sua entrada. Também na noite de ontem o capitão reafirmou numa live que os registros no painel de votação da Câmara comprovam sua presença em Brasília no dia em questão e especulou sobre os motivos que podem ter levado o porteiro a citar o seu nome em depoimento: "Ou o porteiro mentiu, ou foi induzido a cometer um falso testemunho, ou escreveram algo no inquérito que o porteiro não leu e assinou embaixo". O vice-presidente, general Hamilton Mourão, disse considerar o depoimento do porteiro "muito fraco", mas que seria leviano dizer que o objetivo é atingir a pessoa do presidente, embora seja essa a impressão que se tem. Ouça mais sobre mais esse furdunço em https://soundcloud.com/jose-neumanne-pinto/neumanne-301019-direto-ao-assunto 

Enfim, a novidade chega num instante em que Fabrício Queiroz, um policial militar que trabalhou com os Bolsonaro, envia pelo WhatsApp sinais de que se considera abandonado. O ex-assessor de Zero Um na Alerj ainda não forneceu ao MP-RJ uma explicação que fique em pé sobre suas movimentações financeiras. Amigo de Queiroz, o ex-capitão Adriano Magalhães da Nóbrega, da PM do Rio, teve a mãe e a mulher pendurados na folha salarial do gabinete de Flávio Bolsonaro. Apelidado de "Caveira", o oficial Adriano foi expulso da corporação. Comandava uma milícia em Rio das Pedras. Está foragido.

É contra esse pano de fundo que a polícia civil do Rio encosta na biografia de Bolsonaro um letreiro de neon com o nome de Marielle. A novidade mistura-se aos passivos que não saem das manchetes. Acusado de peculato e lavagem de dinheiro, Zero Um percorre os corredores do Senado como se nada tivesse sido descoberto sobre ele. Duplamente blindado pelo Supremo — por uma liminar de Dias Toffoli e outra de Gilmar Mendes —, o ora senador toma distância de Queiroz: "Não falo com ele há quase um ano". Bolsonaro ecoa o filho. 

Afora os crimes de peculato e lavagem de dinheiro atribuídos a Flávio Bolsonaro e a rachadinha administrada por Queiroz, o MP-RJ esquadrinha a folha do gabinete de Zero Dois na Câmara Municipal do Rio. Recolheram-se indícios de que funcionava ali outro ninho de ilegalidades funcionais. Num ambiente assim, presidente que se queixa da imprensa soa como capitão de navio que reclama da existência do mar. Só Bolsonaro sabe o tamanho real do buraco em que ele e sua família estão metidos. 

Toda crise tem um custo. Bolsonaro precisa decidir quanto deseja pagar. A fatura vai aumentando com o tempo. Em tese, ele ainda dispõe de três anos e dois meses de governo. Não há blindagem que dure tanto tempo. Melhor acender a luz, nem que seja num dos cômodos: o quarto das crianças.

Sobre o "divórcio" mencionado no título, segue a transcrição do texto autoexplicativo que J.R. Guzzo postou na casa nova:

Desde o último dia 15 não sou mais colaborador da revista “Veja”, na qual entrei em 1968, quando da sua fundação, e onde mantinha uma coluna quinzenal desde fevereiro de 2008. A primeira foi publicada na edição de 13/02/2008. A partir daí a coluna não deixou de sair em nenhuma das quinzenas para as quais estava programada.

Na última edição, com data de 16/10/19, a revista decidiu não publicar a coluna que eu havia escrito. O artigo era sobre o STF, e sustentava, como ponto central, que só o calendário poderia melhorar a qualidade do tribunal — já que, com a passagem do tempo, cada um dos 11 ministros completaria os 75 anos de idade e teria de ir para casa.

Supondo-se que será impossível nomear ministros piores que os destinados a sair nos próximos três ou quatro anos, a coluna chegava à conclusão que o STF tende a melhorar.

A liberdade de imprensa tem duas mãos. Em uma delas, qualquer cidadão é livre para escrever o que quiser. Na outra, nenhum veículo tem a obrigação de publicar o que não quer.

Ao recusar a publicação da coluna mencionada acima, “Veja” exerceu o seu direito de não levar a público algo que não quer ver impresso em suas páginas. A partir daí, em todo caso, o prosseguimento da colaboração ficou inviável.

Ouvimos, desde crianças, que não há bem que sempre dure, nem mal que nunca se acabe.

Espero que esta coluna tenha sido um bem que não durou, e não um mal que enfim acabou. Muito obrigado.

sexta-feira, 18 de outubro de 2019

O STF, O PSL E O REI NU


Ao som do apito do árbitro supremo, deu-se início na arena suprema mais um supremo jogo de cartas marcadas. Para que rendesse suprema bilheteria, a suprema partida foi suspensa depois que um sem-número de bocas-moles despejou da tribuna outras tantas abobrinhas. Assim, garantiu-se o supremo suspense até a semana que vem, quando então conheceremos não o supremo vencedor, mas o placar que lhe deu a vitória — a menos, naturalmente, que o imprevisto tenha voto decisivo na assembleia dos acontecimentos. 

Pelo andar da carruagem e o ladrar da cachorrada, o gigante eternamente adormecido em berço esplêndido, também conhecido como o país do futuro que nunca chega, poderá adicionar a esse notável portfólio o epíteto de republiqueta da vergonha e do retrocesso. Parabéns aos togados supremos por mais um supremo desserviço prestado à sofrida e extorquida plebe ignara que por alguma razão ainda banca seus supremos estipêndios — até quando, porém, só mesmo Deus e o Diabo sabem.    

Enquanto o PSL segue em pé de guerra, o STF flerta com a convulsão social e o "mito" reencena a peça do rei nu.

Horas antes do início da sessão desta quinta-feira, o general Eduardo Villas Bôas, ex-comandante do Exército, mandou pelo Twitter um recado aos ministros, no qual disse que a mudança na norma que impulsionou o combate à corrupção pode levar o povo brasileiro a "cair outra vez no desalento e na eventual convulsão social".

Dois togados supremos foram ouvidos por Josias de Souza. Um ponderou que o general "já não comanda o Exército e tem o direito de se manifestar como qualquer cidadão", outro tachou o tuíte de "tentativa bisonha de interferir no resultado do julgamento". Vale lembrar que, no ano passado, Villas Boas também recorreu ao Twitter quando a Corte estava prestes a julgar o pedido da defesa de Lula para que o ex-presidente não fosse preso. Em linguagem mais direta, ele escreveu à época que o Exército, avesso à impunidade, estava atento "às suas missões institucionais".

O então candidato Jair Bolsonaro era um ardoroso defensor em segunda instância. Eleito, não dá um pio sobre o assunto. Às vésperas do início do julgamento, o capitão recebeu em audiência o trio calafrio Toffoli, Moraes e Mendes. O teor das conversas não foi revelado.

O apreço retórico de Bolsonaro pelo encarceramento de corruptos era tão grande que ele fez, no final de 2017, uma exigência inusual para o PEN, um dos partidos com os quais negociava sua filiação. Além de reivindicar a troca do nome da legenda para Patriota, cobrou a desistência de uma liminar protocolada no Supremo em favor da abertura das celas dos condenados em duas instâncias. Mas acabou optando pelo PSL.

O PEN cumpriu as exigências do então candidato. Passou a se chamar Patriota e desistiu do pedido de liminar, destituindo o advogado Antonio Carlos de Almeida Castro, o Kakay. Mas já não podia mais abrir mão da ação: a Ação Direta de Constitucionalidade é uma ação indisponível e não seria possível a desistência. Kakay fará sustentação oral no Supremo, na condição de amicus curiae, em nome do Instituto de Garantias Penais.

Pelo menos dois dos ministros recebidos por Bolsonaro na última quarta são contrários à prisão de condenados em duas instâncias. Antes, o capitão torcia o nariz para ambos. Mas descobriu recentemente que Toffoli e Gilmar são amigos de infância que ele conheceu depois dos 60 anos. A revelação da amizade tardia veio junto com duas liminares que os ministros expediram para trancar o processo do primogênito Zero Um por peculato e lavagem de dinheiro.

Quanto à crise no PSL, Josias de Souza explica com maestria: "Não é que o crime não compensa. É que, quando compensa, passa a se chamar Partido Político. Se o mensalão e o petrolão serviram para alguma coisa, foi para comprovar que os maiores partidos brasileiros tornaram-se apenas ramificações do crime organizado. E o PSL serve para demonstrar que, se você tiver carisma e disposição para chamar a mesma porcaria de nova política, vai acabar transformando um partido nanico num gigante do Legislativo. Embora continue sendo a mesma porcaria".

O PSL tem um patrono que pede que esqueçam o seu partido. Amanhece com a PF na casa do seu presidente e anoitece de mãos dadas com arquirrivais como PT e PCdoB numa obstrução legislativa contra o governo. Coisa comandada pelo líder Delegado Waldir, que deveria zelar pelos interesses do Planalto. No Legislativo, a sigla afasta o líder do governo, Major Vitor Hugo, de uma comissão sobre reforma previdenciária dos militares. No Ministério do Turismo, tolera um filiado tóxico, já indiciado e denunciado. Na Alesp, o drama de Gil Diniz pendurado nas manchetes como adepto da "rachadinha" evidencia que Flávio Bolsonaro fez escola.

O nome escondido atrás da sigla PSL é Partido Social Liberal, mas nada tem de social nem, muito menos, de liberal. Seu liberalismo perdeu-se no modelo patrimonialista de gestão da milionária verba pública do fundo partidário. O PSL poderia se chamar Janete ou Partido Sem Limites. Para os seus propósitos, daria no mesmo. E nada seria capaz de mudar o fato de que o partido do presidente da República entrou num processo irreversível de autocombustão.

No frigir dos ovos, nosso indômito presidente revela um talento insuspeitado para um tipo de música especial: a percussão. Ele exibe uma habilidade extraordinária no manuseio do tambor, mas, como todo artista talentoso, não toca em qualquer palco. Ao exigir "transparência" do PSL, por exemplo, bate bumbo sob um enorme telhado de vidro. Depois de abrir uma crise com a legenda pela qual se elegeu, esclarece que não deseja controlá-la, quer apenas transparência. "Vamos mostrar as contas", diz Bolsonaro. "O dinheiro é público. São R$ 8 milhões (do fundo partidário) por mês."

Graças a Bolsonaro, o brasileiro descobriu que o imenso telhado de vidro é o melhor posto de observação para acompanhar a briga interna do PSL. É dali que o país assiste há uma semana ao strip-tease da virtude. Os próprios correligionários cuidaram de lembrar o presidente de que, antes de exibir transparência do partido, ele precisa levantar o tapete que esconde o enrosco do primogênito Flávio Bolsonaro, o cheque que caiu na conta da primeira-dama Michelle, o empréstimo mal explicado feito ao correntista atípico Fabrício Queiroz e os interesses que o levaram a compactuar com o laranjal do ministro do Turismo.

Num ambiente assim, ao insinuar que a crise é coisa da imprensa, que só enxerga "coisa ruim", Bolsonaro transforma a política num outro ramo do humorismo. Por sorte, quem observa com atenção a gincana de lama que se desenrola no partido percebe que o presidente não tem apenas o telhado de vidro. O paletó, a camisa e a calça também são feitas de vidro. O mais curioso é que são seus próprios correligionários, não os oposicionistas, que avisam ao país que o rei está nu.

sábado, 12 de outubro de 2019

NO PERU, AS MANOBRAS PARA ABAFAR A ROUBALHEIRA DA ODEBRECHT ABRIRAM O CAMINHO PARA O FECHAMENTO DO CONGRESSO E O BLOQUEIO DO SUPREMO. AINDA HÁ TEMPO PARA EVITAR QUE O MESMO OCORRA NO BRASIL

Ainda sobre o cochicho que virou bochicho (falo do "esqueça o PSL, esqueça Bivar"), Bolsonaro pode ou não deixar o partido pelo qual disputou as eleições presidenciais no ano passado, e que, de carona com sua popularidade, passou de uma legenda nanica, com um único representante na Câmara Federal, à segunda maior bancada da Casa, atrás somente do PT.

Se realmente o casamento terminar — o próprio Bolsonaro comparou o entrevero a uma "briga de marido e mulher", mas seu comentário fez com que essa divergência doméstica fosse ouvida por toda a vizinhança —, é possível que parte dos parlamentares pesselistas sigam o capitão e migrem para o Patriota — partido do qual nossa usina de crises já foi “pré-filiada” no passado.

Antes da campanha de 2018, o "mito" chegou a ser apresentado como candidato à Presidência pelo então PEN — Partido Ecológico Nacional —, que mais adiante trocaria o nome para Patriota. Mas a única ligação entre o então deputado e a sigla foi uma ficha “pré-datada”, com a filiação marcada para o dia 10 de março de 2018, assinada por hoje presidente desta banânia, que reconheceu o "noivado" e a "possibilidade de haver casamento". O romance azedou porque o capitão queria que Gustavo Bebianno assumisse o comando da campanha e que o partido desistisse da ação que abrira no STF contra o entendimento da Corte de permitir prisões de pessoas condenadas em segunda instância, chegando mesmo a dizer que não queria ficar conhecido por pertencer a uma partido que “acabou com a Lava-Jato”.

“Fiz das tripas coração para tê-lo com a gente, mudei o nome do partido, mexi no nosso estatuto, dei mais de 20 diretórios para o grupo dele. Mas você não pode ser convidado para entrar em uma casa e depois querer tomar ela inteira para você, expulsando seus moradores originais”, afirmou Adilson Barroso, dirigente do Patriota. Em dezembro de 2017, Bolsonaro passou a negociar com o PSL, e agora, ao que parece, chegou à fase do "foi bom enquanto durou".

Depois de 11 anos no exército — e de ter sido preso por 15 dias em 1986, após ter escrito um artigo publicado na revista Veja sob o título “O salário está baixo” —, o então capitão passou para reserva e ingressou na vida pública como vereador (na hipótese de não se eleger, pensou em trabalhar como limpador de casco de navio, aproveitando o curso de mergulho que fizera anos antes). Ficou dois anos na Câmara Municipal antes de vencer a primeira das 7 eleições para deputado federal que disputou. Em seus quase trinta anos como deputado do baixo clero, passou por 8 partidos (PDC, PPR, PPB, PTB, PFL, PP, PSC e PSL), respondeu a 7 processos por quebra do decoro parlamentar, apresentou 172 projetos e foi relator em 73 deles, mas conseguiu aprovar apenas dois. Foi escolhido presidente por 57.797.847 dos votos dos 147.305.155 brasileiros aptos a votar (47.040.906 escolheram o bonifrate do presidiário de Curitiba, demonstrando que, além de ser majoritariamente analfabeto, o eleitorado tupiniquim decididamente não cultiva o saudável hábito de pensar) graças a sua postura antipetista e à promessa de travar uma cruzada contra a corrupção na política.

O problema é que desde o ano passado a pecha de político corrupto pende como a espada de Dâmocles sobre o cocuruto de Flávio Bolsonaro, que até hoje não explicou diversas movimentações suspeitas em sua conta corrente e em cujo gabinete na Alerj abundam indícios de "rachadinha" (retenção, em benefício do parlamentar, de parte dos salários dos assessores e funcionários do gabinete) e de contratação de funcionários-fantasma, tudo sob a regência do Maestro-Gasparzinho Fabrício Queiroz, cujo paradeiro só a revista Veja descobriu e, segundo o presidente, está com a mãe de alguém, só não se sabe de quem.

A exemplo do encantador de jegues preso em Curitiba, Bolsonaro é um populista e, como tal, fascina uma significativa parcela da população — os Bolsomínions, que podem ser definidos como petistas atávicos com sinal trocado —, que parece não ver (ou não se importar) que seu "Messias" tem pés de barro. Afinal, ninguém sobrevive a 27 anos na Câmara Federal se for o baluarte da retidão, o exterminador da corrupção, o inimigo figadal a velha política. O capitão vendeu essa imagem, mas ela começou a derreter quando o MP-RJ começou a apertar o cerco em torno de zero um, e assim foi-se a carta-branca de Moro, suas medidas anticrime e anticorrupção e coisa e tal. Parafraseando o desembargador Abel Gomes, do TRF-2, em seu voto pela prisão do ex-presidente Michel Temer, "quem tem rabo de jacaré, couro de jacaré e boca de jacaré não pode ser um coelho branco".

Como disse Diogo Mainardi, o presidente está dividido entre o entre o acordão com o STF (e a necessidade de negociar com o sistema podre) e o impeachment dos ministros do STF (conflito aberto). Depois de devastar sua base eleitoral, traindo os antigos aliados, Bolsonaro deve se
acertar com o inimigo, cobrindo-o de regalias. Ao mesmo tempo, ele reconhece que o eleitorado bolsonarista repudia esse acordão, sobretudo quando ele é usado para esmagar a Lava-Jato. Para qual lado o mito vai pender? A resposta deve ser dada em 10 de novembro. A ala do bolsonarismo que defende o conflito aberto contra o sistema podre vai às ruas. Se até lá o STF já tiver inocentado Lula (anulando o processo do triplex) e soltado seus comparsas (abolindo o encarceramento em segundo grau), o capitão poderá tentar recuperar uma parte de seu eleitorado alimentando os protestos.

No Peru, as manobras para abafar a roubalheira da Odebrecht abriram o caminho para o fechamento do Congresso e o bloqueio do Supremo. Ainda há tempo para evitar que o mesmo ocorra no Brasil.

Sobrando tempo e havendo interesse, assista ao clipe a seguir, que explica a novela (mais uma) do não ingresso do Brasil na OCDE: