Lula acaba de
completar seu primeiro aniversário na cadeia sem que tenha sido possível
perceber, ainda dessa vez, a revolução que as massas fariam para tirá-lo de lá.
É verdade que estão trabalhando o tempo todo para soltar o ex-presidente, nos
tribunais superiores, nos escritórios de advocacia especializados em defender
ladrões do erário e nas alturas da classe “civilizada”, tal como ela existe
neste país. Mas a coisa está mais complicada do que garantiam um ano atrás os
doutores em análise política — segundo eles, Lula ia ficar não mais que umas 24 ou 48 horas preso, se tanto,
pois “o Brasil não aguentaria” o cataclismo de sua entrada no sistema
penitenciário.
O Brasil aguentou perfeitamente, como se viu até agora;
ninguém está sentindo falta do homem descrito como o “mais importante” da
história política do Brasil. Por que será que ficou assim? Talvez porque não se
tenha conseguido, até o momento, colocar de pé três argumentos sérios para
justificar a sua soltura. Dois argumentos, então? Também não se encontra. Um,
pelo menos? Pois é: nem um. Daí a dificuldade de tirar Lula do xadrez – ninguém consegue dar um motivo minimamente
razoável para isso.
O que existe, na verdade, é a velha contrafação de sempre — Lula deveria ser solto, segundo afirma
o seu sistema de apoio, porque vai ser “bom para o país”. Só por causa disso?
Sim, só por causa disso; não se julga necessário dar nenhuma outra razão. Não
há surpresa alguma, aí. O Brasil já se acostumou, há anos, a ver os grandes
cérebros da nossa política transformarem os interesses particulares do
ex-presidente em necessidade nacional — se isso ou aquilo diz respeito a Lula, acham eles, então tem de dizer
respeito a todos. Mas, no caso, Lula
não está preso por ser uma “figura histórica”, ou porque pode levar o Brasil
para cá ou para lá. Ele está preso porque é ladrão, segundo resolveu o único
organismo que pode resolver se ele é ladrão ou não é — a justiça brasileira.
Não é uma opinião. Quem diz que Lula é ladrão são os autos — as testemunhas, a exibição de fatos e as
provas apresentadas. Mais que tudo, ele foi condenado num processo impecável do
ponto de vista legal; seria difícil encontrar algum outro caso na história da
justiça penal brasileira em que as exigências da lei para punir alguém tenham
sido obedecidas com tantos extremos de cuidado. Seu direito de defesa foi
exercido na mais absoluta plenitude; não lhe foi negado rigorosamente nada, no
incomparável arsenal de facilidades que a justiça brasileira oferece a réus que
têm milhões para gastar com advogados. Ninguém sabe ao certo o número de
recursos, apelos, habeas corpus, mandados de segurança, agravos, embargos, etc.
que o réu socou em cima da justiça para se defender. Passaram de 100,
possivelmente, e tudo o que ele achou errado foi considerado certo pelas instâncias
superiores. Fazer o que, então?
Há uma vaga ideia, na elite iluminada, de que a culpa de Lula não está suficientemente
demonstrada. Mas muita gente acha que está. E aí: quem resolve? Com certeza não
é torcida do Corinthians, nem o Datafolha. É a justiça, e ela já resolveu.
Nossa justiça é ruim? É horrível. O presidente do STF levou bomba duas vezes seguidas no concurso para a
magistratura; não pode ser juiz nem na comarca de Arroio dos Ratos, mas pode
ser presidente do mais alto tribunal de justiça do país. É preciso dizer mais
alguma coisa? Mas essa justiça, do jeito que está, é a única disponível no
Brasil de hoje — não dá para entregar o julgamento de Lula ao judiciário da Holanda, não é? Além disso, o Complexo Pró-Lula não apenas acha que
ele é inocente até prova em contrário, ou até a sua sentença “transitar em
julgado”, daqui a mais uma dúzia de sentenças. Acha que Lula é inocente
enquanto negar que é culpado; só pode ser punido se um dia confessar seus
crimes.
Ninguém reclama, ao mesmo tempo, que estejam presos Eduardo Cunha, Sérgio Cabral, Geddel Vieira
Lima e tantos outros. Será que é porque roubaram mais? Ou porque sua prisão
“não faz mal ao Brasil”? Jamais se menciona, também, que ex-presidentes presos
não prejudicam a “imagem internacional” de país nenhum. Rafael Videla, da Argentina, morreu na cadeia. Park Geun hye, da Coréia, está cumprindo pena de 24 anos de prisão
por corrupção. Alberto Fujimori, do
Peru, aos 80 anos de idade, acaba de voltar ao xadrez para cumprir o restante
da sua pena de 25 anos de prisão por ladroagem, após ter sido liberado por três
meses para tratamento de um câncer. Por que teria de ser diferente com Lula?
Texto de J.R. Guzzo