Na última quinta-feira, José
Antonio Dias Toffoli, aos 50
anos de idade, entrou para a história do STF
como o ministro mais jovem a presidir a Corte (seu mandato irá até setembro de
2020, quando Luiz Fux assumirá o posto pelo próximo biênio). Para alguns, ele será um “conciliador”, enquanto outros o têm na conta de militante petista travestido de magistrado supremo. A quem
assiste razão, só o tempo dirá. Mas o caminho que Toffoli trilhou até chegar onde chegou acende uma profusão de luzes vermelhas. A começar por sua nomeação para o Supremo, na
vaga aberta com a morte do ministro do STF Menezes Direito, que causou
surpresa, perplexidade e crítica, não só pela pouca idade do indicado, mas também por
abrilhantarem seu “invejável currículo” duas reprovações em concursos para juiz de primeiro grau e uma total inexpressividade no meio jurídico. A rigor, suas credenciais eram ter sido advogado do PT, assessor da
Casa Civil de José Dirceu e
advogado-geral da União no governo do comandante máximo da ORCRIM (clique aqui
e aqui
para mais detalhes).
Observação: A indicação do “cumpanhêro” foi
(mais) uma demonstração cabal da falta de noção de Lula sobre a dimensão
do cargo de ministro. Sem currículo, sem conhecimento, sem luz própria, Toffoli limitava
a prestar serviços prestados ao PT. Uma vez no Supremo, sem os
laços com a rede protetora do partido ou com os referenciais do padrinho, ele buscou
apoio em Gilmar Mendes — que é quem melhor encarna a figura do
velho coronel político —, e uma vez consolidado no habitat, passou a emular os
piores hábitos do novo padrinho ― a arrogância incontida, a grosseria, a falta
de limites, o uso da autoridade da forma mais arbitrária possível.
Veja (surpreendentemente) elogiou o discurso de posse em que Toffoli falou em “convivência harmoniosa de diferentes opiniões; precisamos nos conectar cada vez mais com o outro; afetividade; sensibilidade; empatia; voluntariado; gentileza e cordialidade com o próximo; amor; viralizar a ideia do mais profundo respeito ao outro, da pluralidade e da convivência harmoniosa de diferentes opiniões, identidades, formas de viver e conviver uns com os outros”. Particularmente, concordo com o historiador Marco Antônio Villa, para quem a cerimônia de posse foi patética (detalhes neste vídeo).
A “pacificação” do STF seria bem-vinda, já que a polarização político-partidária — fruto do nefasto “nós contra eles” fomentado por Lula e seus acólitos — dividiu os membros da Corte em “punitivistas” e “garantistas” e instaurou o dissenso entre eles. Prova disso são as votações plenárias terminarem frequentemente com o placar de 6 votos a 5 — não raro após debates acirrados entre Mendes e Barroso — e a avalanche de decisões monocráticas em total desacordo com o entendimento colegiado, sobretudo no que concerne ao cumprimento da pena após condenação em segunda instância. Só que a “Pax Toffoliana” não tem o espírito da democracia; pelo contrário: limita-se aos poderosos, que precisam antes da impunidade que da cidadania.
Há quem defenda a rediscussão das famigeradas ADCs — que Cármen Lúcia evitou pautar enquanto ocupou a presidência do STF — como forma de minimizar a insegurança
jurídica, mas o momento não poderia ser menos propício. Aliás, o próprio Toffoli demonstra ter consciência disso
quando diz a interlocutores que “o caso Lula precisa decantar”.
O tema é
controverso e suscita discussões acaloradas entre defensores e detratores. A
meu ver, o grande “xis” da questão é a nossa Justiça ter quatro instâncias e cada
uma delas oferecer um amplo cardápio de apelos, recursos, embargos e chicanas
protelatórias. Se a prisão em segunda instância voltar a ser debatida — como
vem insistindo o ministro Marco Aurélio,
relator das ADCs 43 e 44 —, Gilmar Mendes mudar seu voto e Rosa Weber não acompanhar o
entendimento de Cármen Lúcia, Fachin, Barroso, Fux e Alexandre de Moraes, que são favoráveis
à prisão em segunda instância, tudo voltará a ser como dantes no Quartel de Abrantes, quando a prescrição fulminava a expectativa
de réus defendidos por criminalistas estrelados.
A título de exemplo, os
advogados de Luiz Estevão ingressaram com nada menos de 120
recursos até o ex-senador e empresário milionário ser finalmente
encarcerado, e o eterno deputado Paulo
Maluf só foi recolhido à Papuda depois
de empurrar o processo com a barriga por intermináveis 17 anos (todavia, graças a
uma decisão “humanitária” do ministro Dias Toffoli, o turco lalau foi
beneficiado com a prisão domiciliar, onde passa muito bem, obrigado, em sua cinematográfica mansão no bairro dos Jardins (região nobre da capital paulista), a despeito dos alegados problemas seriíssimos de saúde.
Observação: De 1941 a 1973, a regra no Brasil era a prisão após a condenação em primeira
instância. Sob a égide da ditadura militar, a Lei nº 5.941 ― que
acabou ficando conhecida como como Lei
Fleury, já que foi criada de encomenda para favorecer o delegado do DOPS e notório torturador Sérgio Paranhos Fleury ― alterou o Código
de Processo Penal e garantiu a réus primários e com bons antecedentes o direito
de responder ao processo em liberdade até o julgamento em segunda instância. A
partir de 2009, talvez como consequência serôdia da nossa fantasiosa “Constituição Cidadã”, os condenados passaram
a ser presos somente após o trânsito em julgado da sentença condenatória (o que na
prática significa no dia de São Nunca), até que, em 2016, o STF restabeleceu a norma da execução da
pena após a condenação em segunda instância. Assim, a prisão após trânsito em
julgado vigeu por míseros 7 anos, mas favoreceu uma miríade de condenados com condições de pagar honorários
milionários a criminalistas estrelados e postergar sua prisão até o advento da
prescrição. Portanto, ressuscitar essa norma
de exceção beneficiaria não só o pulha de Garanhuns, mas um sem-número
de empresários, executivos, altos funcionários e políticos que foram apanhados
pela Lava-Jato ou estão a caminho de sê-lo.
Voltando a Toffoli, sua posse reforça um discurso de que uma eventual vitória do pau-mandado de Lula não só abriria as portas da
cadeia (aliás, Ciro Gomes também já
admitiu publicamente a possibilidade de conceder um indulto ao criminoso de
Garanhuns) como permitiria que o pulha vermelho voltasse a dar as cartas no Planalto, o que
seria no mínimo funesto para este pobre país. Vale lembrar que a
segunda sentença de Moro num processo envolvendo Lula deverá ser
proferida ainda este ano, mas, por motivos que me parecem óbvios, somente
depois do segundo turno das eleições.
Ao definir pauta do STF para a segunda quinzena deste
mês, Toffoli preferiu evitar temas polêmicos e tratar de questões de impacto social e ambiental. Na primeira sessão sob seu
comando, marcada para a próxima quarta-feira (19), serão discutidos o uso de
aeronaves para o lançamento de substâncias químicas no combate ao mosquito aedes aegypti e uma lei estadual do
Amapá que trata de uma licença ambiental única para atividades e
empreendimentos de agronegócio.
Como dito linhas atrás, tudo indica que o novo “guardião
da pauta” não deverá contemplar, pelo menos por enquanto, as polêmicas ações que
discutem a possibilidade de execução provisória de pena após condenação em
segunda instância, até porque isso desgastaria (ainda mais) a imagem do
tribunal em pleno período eleitoral. O lado bom de sua promoção, digamos assim, é que, ao
assumir a presidência, Toffoli deixou de fazer parte da 2ª Turma da Corte, onde formava
com Gilmar Mendes (*) e Ricardo Lewandowski o “trio assombro
togado” que tantas derrotas impôs ao relator da Lava-Jato, ministro Edson Fachin. Com o retorno da ministra
Cármen Lúcia, a
maioria se inverte e a Turma deixa de ser o “jardim do Éden” dos criminosos
assistidos por advogados estralados. Ou pelo menos é o que esperamos.
(*) Na última sexta-feira,
Gilmar Mendes mandou soltar o
ex-governador do Paraná e candidato ao Senado pelo PSDB Beto Richa, bem como sua mulher, Fernanda
Richa, e outros 13 suspeitos de integrar esquema de propina, direcionamento
de licitações de empresas, lavagem de dinheiro e obstrução de Justiça. Os
advogados do tucano embasaram o pedido de habeas
corpus no uso da prisão temporária em substituição à condução
coercitiva. O purgante de toga entendeu que a ordem de prisão aparentava ser "manifestamente inconstitucional" e reconheceu "indicativos de que tal
prisão tem fundo político, com reflexos sobre o próprio sistema democrático e a
regularidade das eleições que se avizinham”. Dias antes, Mendes comentou a atuação de procuradores na operação que levou Richa à prisão e em ações
apresentadas no mês passado à Justiça contra os presidenciáveis Fernando
Haddad e Geraldo
Alckmin. Na visão do conspícuo magistrado, teria havido “notório
abuso de poder” porque ações como essas do Ministério Público, há semanas das eleições, interferem no processo eleitoral, o que “não é bom para a democracia”. Vamos
ver quanto tempo ainda vai levar para o ministro-deus soltar Adélio
Bispo de Oliveira, autor do atentado contra Jair Bolsonaro — aliás, se o candidato do PSL tivesse sido atendido pelo SUS, talvez já estivéssemos
noticiando sua missa de sétimo dia).
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