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domingo, 11 de fevereiro de 2018

O PEDIDO DE HABEAS CORPUS DE LULA E A ESTRATÉGIA DE FACHIN





Conforme eu mencionei no aditamento da postagem anterior, Edson Fachin, relator dos processos da Lava-Jato no STF, não conheceu do pedido de habeas corpus feito pela defesa de Lula e passou o abacaxi para o plenário da Corte descascar. Diferentemente do que foi dito pela maioria dos veículos de comunicação, ele não negou o pedido ― se o fizesse, a defesa ingressaria com um agravo regimental, e o habeas corpus seria julgado pela 2.ª Turma, cujos demais integrantes são os ministros Celso de Mello, Gilmar Mendes, Ricardo Lewandowski e Dias Toffoli (talvez o decano da Corte acompanhasse seu voto, e olhe lá) ―, mas simplesmente optou por não conhecer do recurso, visto que, no plenário da Corte, a chance de o habeas corpus ser negado é maior.

Para quem não está familiarizado com o juridiquês, um agravo de instrumento é interposto perante o juízo ad quem (instância superior) quando o juízo a quo (instância inferior) denega seguimento a um recurso. Já o agravo regimental, embora também seja interposto perante a instância na qual o processo se encontra, visa reverter a decisão do relator que, liminarmente, negou seguimento ao apelo

Trocando em miúdos, Fachin negou a solicitação em caráter liminar (provisório), mas deixou a decisão de mérito para o plenário do STF, frustrando as expectativas da defesa de Lula, que contava com os votos favoráveis de, pelo menos, Mendes, Lewandowski e Toffoli.

Na cerimônia de reabertura dos trabalhos no Judiciário, no início deste mês, a ministra Cármen Lucia se disse contrária à rediscussão do cumprimento da pena após a confirmação da condenação por um juízo colegiado ― usar de maneira oportunista o caso específico do ex-presidente Lula seria “apequenar o Supremo”, foram suas palavras. Agora, todavia, ela será forçada a pautar o julgamento.

Em fevereiro de 2016, por 7 votos a 4, o plenário do STF entendeu possível a prisão do réu antes do trânsito em julgado da decisão condenatória (ou seja, antes da condenação definitiva). Como a decisão não era vinculativa (não obrigava instâncias inferiores a adotarem a prática), os ministros vencidos na ocasião não respeitaram esse entendimento em suas decisões monocráticas. Mais adiante, Toffoli, que se havia posicionado a favor da prisão em segunda instância, votou pela execução da pena após decisão do STJ. Em outubro daquele ano, por 6 votos a 5, o Supremo manteve o mesmo entendimento. Em sua decisão, Fachin fez alusão a essa decisão e destacou que seu colega Marco Aurélio liberou, em dezembro passado, duas ações para que o plenário analisasse o mérito. Segundo Fachin, o tema que a defesa de Lula pretende discutir "precede, abarca e coincide com a matéria de fundo versada no presente writ” (termo usado em habeas corpus e mandados de segurança, onde é pedida a concessão do writ, ou seja, pleiteia-se a concessão da ordem, do pedido formulado em tais petições).

No habeas corpus de Lula, os advogados mencionam a possibilidade de o STF discutir novamente a execução provisória da pena após condenação em segunda instância, e que a votação pode resultar num placar diferente, sobretudo porque o ministro Gilmar Mendes, o boquirroto, sinalizou uma possível mudança no seu entendimento. Por outro lado, existe a possibilidade de Alexandre de Moraes ― que não votou em 2016 porque só passou a fazer parte da Corte em 2017 ― votar com a (atual) maioria. E se a ministra Rosa Weber, a paradoxal, também seguir esse entendimento, tudo continuará como dantes no quartel de Abrantes.

Durante o julgamento do deputado federal catarinense João Rodrigues, no último dia 6, Alexandre de Moraes reafirmou que é a favor da prisão após condenação em segunda instância. Em outubro de 2017, ao decidir monocraticamente sobre o HC 148.369, ele já havia mantido a execução antecipada da pena de Cristiano Barbosa, ex-prefeito de Miguelópolis, condenado a mais de 7 anos de prisão por dispensa irregular de licitação e crime de responsabilidade. Na ocasião, ao ratificar a decisão do TJSP, disse o ministro que “esse entendimento [prisão em segundo grau] foi confirmado no julgamento das medidas cautelares nas ADCs 43 e 44, oportunidade na qual se decidiu, também, pelo indeferimento do pedido de modulação dos efeitos. E, em repercussão geral, foi reafirmada a jurisprudência, no exame do ARE 964.246”.

Como a prudência recomenda não confiar em barriga de criança nem em cabeça de juiz, é difícil prever o resultado do julgamento do HC preventivo de Lula. O entendimento atual ― pelo cabimento da execução provisória da pena após decisão em segunda instância ― está longe de ser pacífico, ainda que pese em abono dessa tese o fato de que nem o STJ nem o STF reexaminam provas, e que menos de 1% dos recursos que chegaram à “terceira instância” nos últimos 2 anos resultou na absolvição dos réus.

Para Fachin, o colegiado a quem cabe julgar o mérito do recurso de Lula é o plenário do STF, não a 2.ª Turma, até porque os ministros precisam chegar a um consenso para evitar a insegurança jurídica e o caos político que se instalaram nesta república de bananas. “Acolho a pretensão que veicula pedido para apreciação colegiada sobre a questão de fundo e afeto a presente impetração ao Tribunal Pleno do STF. É legítima a pretensão preventiva da impetração ao almejar célere pronunciamento colegiado quanto à matéria de fundo, vale dizer, a execução imediata da pena após sentença criminal confirmada em segundo grau. (...) Há, portanto, relevante questão jurídica e necessidade de prevenir divergência entre as Turmas quanto à questão relativa à possibilidade de execução criminal após condenação assentada em segundo grau de jurisdição”, escreveu Fachin em seu despacho.

De acordo com O ANTAGONISTA, não há divergência nenhuma. O que há é uma afronta de ministros da 2.ª Turma ao princípio da repercussão geral no caso das prisões de condenados em segunda instância. É o Supremo afrontando o Supremo.

Depois da decisão de Fachin, juízes e juristas concluíram, em conversas que avançaram noite adentro, que o STF não é mais um tribunal. No caso da prisão por decisão de segunda instância, Ricardo Lewandowski e agora o próprio Fachin não respeitam a jurisprudência do STF firmada em regime de repercussão geral. No julgamento sobre a prerrogativa de foro ― que ainda não acabou ―, Luiz Roberto Barroso está aplicando uma jurisprudência que não existe exatamente porque o julgamento não acabou.

A conclusão geral de juízes e juristas é que o STF, como tribunal, deixou de existir; é uma cara reunião de diletantes sustentada com muito dinheiro público. Nunca antes em sua centenária história o Supremo foi tão depredado por seus membros como vem ocorrendo de uns tempos a esta parte.

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