Conforme eu mencionei no aditamento da postagem anterior, Edson Fachin, relator dos processos
da Lava-Jato no STF, não conheceu do
pedido
de habeas corpus feito pela defesa de Lula e passou o abacaxi para o plenário da Corte descascar. Diferentemente
do que foi dito pela maioria dos veículos de comunicação, ele não negou o pedido ― se o fizesse, a
defesa ingressaria com um agravo
regimental, e o habeas corpus
seria julgado pela 2.ª Turma, cujos
demais integrantes são os ministros Celso
de Mello, Gilmar Mendes, Ricardo Lewandowski e Dias Toffoli (talvez o decano da Corte
acompanhasse seu voto, e olhe lá) ―, mas simplesmente optou por não conhecer do recurso, visto que, no plenário da Corte, a chance de o habeas corpus ser negado é maior.
Para quem não está familiarizado com o juridiquês, um agravo de instrumento é interposto
perante o juízo ad quem (instância
superior) quando o juízo a quo
(instância inferior) denega seguimento a um recurso. Já o agravo regimental, embora também seja interposto
perante a instância na qual o processo se encontra, visa reverter a decisão do
relator que, liminarmente, negou seguimento ao apelo.
Trocando em miúdos, Fachin negou a solicitação em
caráter liminar (provisório), mas deixou a decisão de mérito para o plenário do
STF, frustrando as expectativas da
defesa de Lula, que contava com os
votos favoráveis de, pelo menos, Mendes,
Lewandowski e Toffoli.
Na cerimônia de reabertura dos trabalhos no Judiciário, no início
deste mês, a ministra Cármen Lucia se disse
contrária à rediscussão do cumprimento da pena após a confirmação da condenação
por um juízo colegiado ― usar de maneira oportunista o caso específico do
ex-presidente Lula seria “apequenar
o Supremo”, foram suas palavras. Agora, todavia, ela será forçada a pautar o julgamento.
Em fevereiro de 2016, por 7 votos a 4, o plenário do STF entendeu possível a prisão do réu antes do trânsito em julgado da decisão condenatória (ou seja, antes da condenação definitiva). Como a decisão não era vinculativa (não obrigava instâncias inferiores a adotarem a prática), os ministros vencidos na ocasião não respeitaram esse entendimento em suas decisões monocráticas. Mais adiante, Toffoli, que se havia posicionado a favor da prisão em segunda instância, votou pela execução da pena após decisão do STJ. Em outubro daquele ano,
por 6 votos a 5, o Supremo manteve o mesmo entendimento. Em sua
decisão, Fachin fez alusão a essa
decisão e destacou que seu colega Marco
Aurélio liberou, em dezembro passado, duas ações para que o plenário
analisasse o mérito. Segundo Fachin, o tema que a defesa de Lula pretende discutir "precede,
abarca e coincide com a matéria de fundo versada no presente writ” (termo usado em habeas corpus e mandados de segurança, onde é pedida a concessão do writ, ou seja, pleiteia-se a
concessão da ordem, do pedido formulado em tais petições).
No habeas corpus de Lula, os advogados mencionam a possibilidade de o STF discutir novamente a execução provisória da pena após condenação em segunda instância, e que a votação pode resultar num placar diferente, sobretudo porque o ministro Gilmar Mendes, o boquirroto, sinalizou uma possível mudança no seu entendimento. Por outro lado, existe a possibilidade de Alexandre de Moraes ― que não votou em 2016 porque só passou a fazer parte da Corte em 2017 ― votar com a (atual) maioria. E se a ministra Rosa Weber, a paradoxal, também seguir esse entendimento, tudo continuará como dantes no quartel de Abrantes.
Durante o julgamento do deputado federal catarinense João Rodrigues, no último dia 6, Alexandre de Moraes reafirmou que é a
favor da prisão após condenação em segunda instância. Em outubro
de 2017, ao decidir monocraticamente sobre o HC 148.369, ele
já havia mantido a execução antecipada da pena de Cristiano Barbosa, ex-prefeito de Miguelópolis, condenado a mais de
7 anos de prisão por dispensa irregular de licitação e crime de
responsabilidade. Na ocasião, ao ratificar a decisão do TJSP, disse o ministro que “esse
entendimento [prisão em segundo grau] foi confirmado no julgamento das medidas
cautelares nas ADCs 43 e 44, oportunidade na qual se decidiu, também, pelo
indeferimento do pedido de modulação dos efeitos. E, em repercussão geral, foi
reafirmada a jurisprudência, no exame do ARE 964.246”.
Como a prudência recomenda não confiar em barriga de criança nem em cabeça de juiz, é difícil prever
o resultado do julgamento do HC preventivo de Lula. O entendimento atual ― pelo cabimento da
execução provisória da pena após decisão em segunda instância ― está longe de
ser pacífico, ainda que pese em abono dessa tese o fato de que nem o STJ nem o STF reexaminam provas, e que menos de 1% dos recursos que
chegaram à “terceira instância” nos últimos 2 anos resultou na absolvição dos
réus.
Para Fachin, o colegiado a quem cabe
julgar o mérito do recurso de Lula é
o plenário do STF, não a 2.ª Turma, até porque os ministros precisam chegar a um consenso para evitar a insegurança jurídica e o caos político que se instalaram nesta república de bananas.
“Acolho a pretensão que veicula pedido
para apreciação colegiada sobre a questão de fundo e afeto a presente
impetração ao Tribunal Pleno do STF.
É legítima a pretensão preventiva da impetração ao almejar célere
pronunciamento colegiado quanto à matéria de fundo, vale dizer, a execução
imediata da pena após sentença criminal confirmada em segundo grau. (...) Há, portanto, relevante questão jurídica e
necessidade de prevenir divergência
entre as Turmas quanto à questão relativa à possibilidade de execução
criminal após condenação assentada em segundo grau de jurisdição”, escreveu Fachin em seu despacho.
De acordo com O ANTAGONISTA,
não há divergência nenhuma. O que há é uma afronta de ministros da 2.ª Turma ao
princípio da repercussão geral no caso das prisões de condenados em segunda
instância. É o Supremo afrontando o Supremo.
Depois da decisão de Fachin, juízes e juristas concluíram,
em conversas que avançaram noite adentro, que o STF não é mais um tribunal. No caso da prisão por decisão de
segunda instância, Ricardo Lewandowski
e agora o próprio Fachin não
respeitam a jurisprudência do STF
firmada em regime de repercussão geral. No julgamento sobre a prerrogativa de foro ― que ainda não
acabou ―, Luiz Roberto Barroso está aplicando uma
jurisprudência que não existe exatamente porque o julgamento não acabou.
A conclusão geral de juízes e juristas é que o STF, como tribunal, deixou de existir;
é uma cara reunião de diletantes sustentada com muito dinheiro público. Nunca
antes em sua centenária história o Supremo foi tão depredado por seus membros
como vem ocorrendo de uns tempos a esta parte.
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