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quarta-feira, 27 de março de 2024

O BRASIL VIROU UMA ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA

 

No Rio, a criminalidade transbordou das bocas de fumo e escritórios da milícia para os palácios Guanabara e Laranjeiras — sede do governo estadual e residência oficial do governador respetivamente. Quando era deputado federal, Jair Bolsonaro ocupou a tribuna da Câmara para elogiar milicianos — gente que despia a farda de policial nas horas vagas para vender segurança a preços módicos a comerciantes e moradores das áreas conflagradas. Na campanha de 2018, ensaiou um lamento: "As milícias tinham plena aceitação popular, mas depois acabaram se desvirtuando, passaram a cobrar “gatonet” e gás". 


Faltou mencionar o transporte clandestino e as construções ilegais, mas, vindo de que tinha a seu redor o ex-sargento da PM Fabrício Queiroz e o ex-capitão do BOPE Adriano da Nóbrega, o lapso de memória foi compreensível. (Queiroz se livrou da cadeia graças ao prestígio dos amigos nos tribunais superiores de Brasília, e Adriano foi fuzilado no interior da Bahia.)

 

Pegando carona na campanha do "mito" à Presidência e prometendo extinguir a corrupção "mirando na cabecinha" dos bandidos, o ex-juiz Wilson Witzel se elegeu governador, mas acabou deposto por desvio de verbas da saúde. Antes disso, seu antecessor Luíz Fernando Pezão armou com Temer a tal intervenção federal cenográfica na segurança do estado fluminense.


Marielle Franco e seu motorista foram assassinados em março de 2018. No último domingo — ou seja, 6 anos de 10 dias depois — a PF concluiu o inquérito e prendeu os irmãos Brazão e o ex-chefe da Polícia Civil fluminense Rivaldo Barbosa, apontados como "mentores intelectuais" da execução. O crime ocorreu dois dias depois que o então presidente Michel Temer decretou intervenção federal na Segurança Pública do Rio de Janeiro sob o general Braga Netto (que viria a ser candidato a vice-presidente na chapa encabeçada por Bolsonaro em 2022).

 

Os irmãos que estrelaram o epílogo escrito pela PF para o caso frequentavam o rol dos suspeitos desde o início das investigações, mas foram blindados por um delegado que se dizia "amigo" da vítima enquanto era remunerado pela milícia. A "federalização" do inquérito, sugerida pela então procuradora-geral Raquel Dodge e pelo então ministro da Segurança Pública Raul Jungmann, se deu somente em fevereiro de 2023, quando o ministro Flávio Dino guindou a elucidação do caso ao patamar de "questão de honra" e impôs à PF o desafio de provar que não existe crime perfeito, mas crime mal investigado. 

 

Ironicamente, a familia de Marielle guerreou pela manutenção das apurações no âmbito estadual, levando água ao moinho dos criminosos, que assim conseguiram embaralhar as investigações por seis anos. Em setembro de 2019, no apagar das luzes de sua gestão, Dodge tornou a requisitar a federalização ao STF — foro do conselheiro do TCE-RJ Domingos Brazão —, mas seu pedido tornou a ser indeferido.  Quando Dino finalmente incluiu a PF no jogo, os executores Ronnie LessaÉlcio Queiroz já estavam presos, e os "mentores" Domingos e Chiquinho Brazão eram tratados como suspeitos de encomendar a execução.

 

A PF não partiu do zero ao ser acionada por Dino. Mesmo o envolvimento do delegado Rivaldo Barbosa — que chegou a consolar a família de Marielle após o crime — já era cogitado havia pelo menos cinco anos, e em 2019 o atual superintendente da PF no Rio, Leandro Almada — que havia coordenado uma investigação das obstruções que travavam a elucidação do caso — anotou em seu relatório que a atuação de Rivaldo merecia ser averiguada (o policial era suspeito de receber R$ 400 mil para acobertar o crime). Dias atrás, o ministro Ricardo Lewandowski — que substituiu Dino na pata da Justiça — revelou à imprensa que o Supremo havia homologado a delação premiada de Ronnie Lessa —o criminoso acusado de puxar o gatilho — e que a solução do assassinato se daria em breve.  

 

A presença de personagens que frequentavam a cena do prefácio do crime ao epílogo da investigação evidencia que: 1) as relações promíscuas entre criminosos, autoridades e o aparato policial produzem um câncer que carcome as entranhas do Estado, tornando-o coautor do crime; 2) o tumor não será extirpado sem a participação do governo federal. Nesse contexto, a elucidação tardia deveria ser considerada não como o fim, mas como o início de um processo de reestatização do combate ao crime organizado no Brasil. Falta esclarecer a motivação — que Lewandowski apenas tangenciou de forma primária. 


A prisão dos mentores intelectuais impôs a mudança do letreiro da novela "Quem mandou matar Marielle?" para "Quem vai reestatizar a segurança pública no Rio de Janeiro?". Até porque a PF revelou um segredo de polichinelo: não há organizações criminosas no Brasil; o Brasil é uma organização criminosa de dimensões continentais. 


Domingos e Chiquinho Brazão ocupam respectivamente as funções de conselheiro do TCE-RJ e deputado federal, os "executores" Ronnie Lessa e Élcio Queiroz são egressos da PM, e Rivaldo Barbosa — o chefe de polícia que deveria elucidar os homicídios — não só estava no bolso dos milicianos como foi nomeado para o cargo pelo general Braga Netto, então interventor federal na segurança do Rio e atual coadjuvante do inquérito em que arde o alto-comando da intentona bolsonarista. 

 

Domingos foi de deputado estadual a conselheiro de contas em 2015 com o aval do presidente da Alerj, o deputado André Ceciliano, do PT. Eclético, o atual chefe da Secretaria de Assuntos Federativos do terceiro governo Lula já fez campanha no RJ para Dilma e Bolsonaro. O irmão Chiquinho, que se elegeu deputado em coligação com o governador bolsonarista Claudio Castro e pedia aval à Justiça Eleitoral para migrar do União Brasil para o Republicanos (ambos compõem a coligação de Lula), foi expulso do UB antes de sentar praça na nova legenda. Até o mês passado, o parlamentar integrava o secretariado do prefeito Eduardo Paes, mas reassumiu a cadeira na Câmara ao saber que Ronnie Lessa levara os lábios ao trombone numa delação à PF


Observação: Ronnie Lessa e Élcio Queiroz prestavam serviço ao Escritório do Crime, estruturado ex-PMs major Ronald Paulo Pereira e capitão Adriano da Nóbrega — ambos homenageados na Alerj com menções honrosas propostas pelo então deputado estadual Flávio Bolsonaro, em cujo gabinete o miliciano enfiou uma ex-mulher e a mãe.

 

As travas que retardaram a elucidação do caso escancararam as entranhas do relacionamento promíscuo entre a criminalidade e o aparato estatal no RJ. As milícias aderiram à lógica das coalizões, dominaram territórios e passaram a controlar o voto, eleger bancadas e indicar prepostos para cargos públicos — não só na área de segurança. Lula, que rompeu a inércia quando autorizou Dino a colocar a PF no encalço dos criminosos, deveria aprofundar o serviço capitaneando um movimento pela reestatização da segurança — não só no Rio, mas também outras praças. Resta saber se terá ousadia compatível com o tamanho da empreitada.

 

A volta de Mauro Cid para a cadeia sugere que a denúncia de Bolsonaro e de seus cúmplices militares e paisanos na "suposta" tentativa de golpe de Estado seja mera questão de tempo. O ex-capitão é alvo de 7 investigações no STF, das quais três, incluindo a do cartão de vacina, correm dentro do chamado "inquérito das milícias digitais". Os crimes imputados a ele pela PF têm pena de até 15 anos de prisão


Na Presidência, Bolsonaro se comportava como um suicida didático; agora, assombrado pela perspectiva de uma prisão que já enxerga como incontornável, deixa-se filmar esboçando algo muito parecido com uma rota de fugaNa última segunda-feira, o jornal The New York Times revelou que ele se hospedou na embaixada da Hungria em Brasília quatro dias depois que o ministro Alexandre de Moraes mandou recolher seu passaporte. Constrangido pela divulgação das imagens, o "mito" confirmou que passou dois dias lá, "conversando com autoridades da Hungria". Considerando que apenas 20 minutos separam sua residência em Brasília do prédio da embaixada, fica difícil revestir de lógica uma desculpa tão esfarrapada, incapaz de deter a maledicência segundo a qual o ex-verdugo do Planalto se equipa para pedir asilo diplomático ao déspota húngaro Viktor Orbán, a quem já chamou de "irmão".


Observação: Convocado a dar explicações sobre o caso, o embaixador da Hungria no Brasil, Miklos Halmai papagueou a versão apresentada por Bolsonaro. Segundo fontes do Itamaraty, o diplomata ficou trocando mensagens pelo celular com seus superiores durante toda a entrevista (que durou 20 minutos). Mas a pergunta é: alguém esperava alguma coisa diferente?


Ninguém em sã consciência deixa tantas pistas óbvias, mas Bolsonaro, como uma caricatura que foge ao controle de si mesma, antecipa a rota de fuga. Para deixar o Brasil, ele precisaria de um salvo-conduto do governo. Negando-o, Lula estimularia os devotos do mito a erguerem suas barracas no setor de embaixadas de Brasília. Tanto didatismo submete esse dejeto da escória da humanidade ao risco de amargar antes da hora uma prisão preventiva que o STF prefere evitar.

quarta-feira, 9 de fevereiro de 2022

RESTAURE-SE O IMPÉRIO DA MORALIDADE OU LOCUPLETEMO-NOS TODOS! (PARTE IX)

 

Em abril de 2016, uma reportagem de capa da revista VEJA expôs o estreito parentesco entre o Petrolão, o Mensalão, o assassinato de Celso Daniel e a conspiração forjada para impedir o esclarecimento dessa execução. Somados, os quatro escândalos — que pertencem à mesma linhagem político-policial e foram protagonizados pelo mesmo clã — demonstraram que a transformação do PT em organização fora da lei, decidida a submeter a máquina federal a seus desígnios e eternizar-se no poder, começou a se definir em janeiro de 2002. Entre o formidável acervo de provas, destacava-se o lote de áudios que registraram conversas gravadas por investigadores da PF, dando conta das safadezas de Lula e seus devotos.

Na qualidade de prefeito de Santo André — uma das maiores cidades do país e a primeira letra do ABC, berço político de Lula e seu espúrio partido —, Celso Daniel já tinha brilho suficiente para figurar na constelação das estrelas nacionais do PT. Em janeiro de 2002, quando foi sequestrado numa esquina de São Paulo, ele havia cruzado as fronteiras da administração municipal para coordenar o programa de governo de Lula (função que Antônio Palocci assumiria e que o tornaria ministro da Fazenda).

Foi um crime político, berraram em coro os Altos Companheiros quando o corpo foi encontrado numa estrada de terra, perto da capital. A comissão de frente escalada pelo PT para o cortejo fúnebre, liderada por José Dirceu, Eduardo Mercadante e Luiz Eduardo Greenhalgh, caprichou no olhar colérico, no figurino de quem não teve tempo nem cabeça para combinar o paletó com a gravata, nos cabelos cuidadosamente desalinhados, exsudando sofrimento.

Até então, a única versão na praça se amparava no relato do empresário Sérgio Gomes da Silva, vulgo “Sombra”, ex-assessor de Celso Daniel, segundo o qual ambos voltavam do jantar num restaurante em São Paulo quando o carro foi interceptado numa esquina por bandidos que, estranhamente, levaram o prefeito e nem tocaram na testemunha. 

O depoimento pareceu tão verossímil quanto uma nevasca no Nordeste, mas a comissão de frente monitorada por Lula não tinha tempo a perder com possíveis contradições no samba-enredo cuja letra mal-ajambrada não destoava do refrão que, naquele momento, interessava ao PTo assassinato fora cometido por motivos políticos

Dirceu e Mercadante lembraram que panfletos atribuídos a uma misteriosa organização ultradireitista haviam prometido a execução de dirigentes do partido. Toninho do PT, prefeito de Campinas, já havia sido abatido a tiros em setembro de 2001. Daniel era a segunda vítima, e Greenhalgh, grávido de ira com a reprise da tragédia, acusou o então presidente FHC de ter ignorado os apelos que imploravam meia dúzia de medidas preventivas.

A polícia paulista deu o caso por encerrado após umas poucas semanas e, estranhamente, o PT endossou sem ressalvas a tese do crime comum. A família do morto discordou do desfecho conveniente, o Ministério Público achou a conclusão apressada e seguiu investigando a história, e logo surgiram evidências de que o crime tivera motivações políticas, sim, só que os bandidos eram ligados ao PT.

Ainda no início do último mandato de Daniel, empresários da área de transportes e pelo menos dois secretários municipais haviam concebido, com a concordância do prefeito, o embrião do que o Brasil contemplaria, em escala extraordinariamente ampliada, com a descoberta do Mensalão. Praticando extorsões ou desviando dinheiro público, a quadrilha infiltrada na administração de Santo André supria campanhas do PT. Em 2001, ao constatar que os quadrilheiros estavam embolsando boa parte do dinheiro, o alcaide andreense avisou que denunciaria a irregularidade ao comando do partido. E foi justamente para tratar desse assunto que Sombra, um dos pecadores, convidou Daniel para um jantar em São Paulo.

Entre o fim de janeiro e meados de março de 2002, investigadores da PF gravaram muitas horas de conversas telefônicas entre cinco protagonistas da história de horror: Sérgio Gomes da Silva, o SombraIvone Santana — namorada da vítima —, Klinger Luiz de Oliveira — secretário de Serviços Municipais —, Gilberto Carvalho — secretário de Governo de Santo André — e Luiz Eduardo Greenhalgh — advogado do PT para causas especialmente cabeludas. As 42 fitas resultantes da escuta foram encaminhadas ao juiz João Carlos da Rocha Mattos.

Em março de 2003, pouco depois do início do primeiro mandato de Lula, o magistrado alegou que as gravações haviam sido feitas sem autorização judicial e ordenou que fossem destruídas. Mas a queima de arquivo malogrou: incontáveis cópias dos áudios garantiram a eternidade dos registros telefônicos. 

Em outubro de 2005, quando cumpria pena de prisão por venda de sentenças, o eminente magistrado revelou a VEJA que os diálogos mais comprometedores envolviam Gilberto Carvalho, secretário-particular de Lula de janeiro de 2003 a dezembro de 2010 e chefe da Secretaria Geral da Presidência no primeiro mandato de Dilma. “Ele comandava todas as conversas”, disse o juiz de araque. “Dava orientações de como as pessoas deviam proceder e mostrava preocupação com as buscas da polícia no apartamento de Celso Daniel”.

Em abril de 2011, já em liberdade, o conspícuo julgador reiterou a acusação: “A apuração do caso do Celso começou no fim do governo FHCA pedido do PT, a PF entrou no caso. Mas, quando o Lula assumiu, a PF virou, obviamente. Daí ela, a PF, adulterou as fitas, eu não sei quem fez isso lá. A PF apagou as fitas, tem trechos com conversas não transcritas. O que eles fizeram foi abafar o caso, porque era muito desgastante, mais que o Mensalão. 

Ainda segundo Rocha Mattos, o que aconteceu foi que o dinheiro das companhias de ônibus, arrecadados para o PT, não estava chegando integralmente a Celso Daniel. Quando o prefeito descobriu, agentes da PF manipularam as fitas para tirar o que talvez fosse mais grave envolvendo Gilberto Carvalho

De acordo com a reportagem, as seis gravações escancararam a sórdida conjura dos grampeados dispostos a tudo para enterrar na vala dos crimes comuns um homicídio repleto de digitais do PT. A história do prefeito sequestrado, torturado e morto era um caso de polícia e uma coisa da política. As conversas também revelaram a alma repulsiva da quadrilha. Celso Daniel apareceu nas gravações como um entulho a remover. Não mereceu uma única lágrima, um mísero lamento. Os comparsas se dedicaram em tempo integral à missão de livrar Sombra da cadeia para evitar que ele afundasse atirando.

Com a queima das provas sonoras, Rocha Mattos virou sócio do clube de magistrados para quem uma irregularidade processual é muito mais grave que qualquer delito (haja vista a anulação dos processos que tramitavam contra Lula na 13ª Vara de Curitiba). Nessa escola de doutores, aprende-se que quem arromba a porta do vizinho que está matando a mãe e evita a consumação do crime deve ser preso por invasão de domicílio

Como as gravações das conversas entre Lula e seus devotos foram autorizadas pelo juiz Sergio Moro, o STF andou à caça de pretexto semelhante para declarar inexistente o palavrório que estarreceu o país. Mas milhares de cópias em circulação nas redes sociais informavam que a verdade já não poderia ser destruída. Graças à escuta promovida pela Lava-Jato, uma conspiração contra o Estado de Direito comandada por Lula e apoiada por Dilma foi abortada, e o resto é firula bacharelesca, conversa fiada. 

O fato de que há culpados a punir é inarredável — tão inarredável quanto o fato de que, como se soube mais adiante, o castigo não virá. Costuma-se dizer que até um relógio quebrado acerta a hora duas vezes por dia, e que até um burro cego consegue mordiscar a cenoura de vez em quando. Embora muito pouco se aproveite do que Bolsonaro disse nos últimos três anos, é preciso reconhecer que sua insolência acertou na mosca ao dizer no último dia 12, quando falou que eleger Lula em outubro vindouro seria o mesmo “reconduzir o criminoso à cena do crime”.

Em face do exposto, peço aos gatos-pingados que me leem a especial gentileza de pensar nisso quando forem votar, já que demover a escumalha descerebrada que se divide entre a volta ao passado pútrido das gestões petistas e a reeleição de um anormal que parece se esforçar para concluir a destruição que o impeachment impediu Dilma de consumar é uma missão inglória. 

A ignorância é um câncer em fase de metástase, e sempre há quem se aproveite disso para alcançar seus objetivos escusos. Afinal, o que seria dos “espertinhos” se os “trouxas” não existissem?

Continua...

segunda-feira, 24 de outubro de 2022

SEM COMENTÁRIOS!



ATUALIZAÇÃOA resistência armada de Roberto Jefferson à prisão descortinou uma visão antecipada da invasão do Capitólio versão tupiniquim, e forçou o Bolsonaro a repetir na sabatina da Record, horas depois da rendição do criminoso, o que havia anotado nas redes sociais: "É bandido". Ecoando ataques do mandatário a magistrados, o pajé do PTB firmou-se como adepto da tese presidencial de que "o povo armado jamais será escravizado", mas atirou prematuramente, num instante em que o presidente tenta virar votos para não ter que virar a mesa. Na mesma postagem em que repudiou as granadas e os tiros, Bolsonaro atacou os "inquéritos sem nenhum respaldo na Constituição". Criticou Jefferson por chamar Cármen Lúcia de prostituta, mas atacou a censura imposta pelo TSE à Jovem Pan, com o voto da ministra. Tenta tomar distância de Jefferson, acomodando no colo de Lula o delator e beneficiário da corrupção do mensalão, mas segue dizendo que as FFAA estão buscando "possíveis fraudes" em urnas que jamais foram fraudadas. Quer dizer: mesmo ciente de que precisa fazer pose de moderado, o presidente manuseia retoricamente as mesmas armas de Jefferson.

A censura é um câncer e como tal pode gerar metástase. Gazeta do Povo foi proibida de publicar que Lula e Daniel Ortega são aliados políticos e admiradores um do outro. Por achar que isso poderia lhe custar votos, o petralha recorreu ao tribunal e foi prontamente atendido. A partir daí o câncer se espalhou pela Jovem Pan  que puxa o saco do candidato à reeleição de forma acintosa, mas daí a ser proibida de falar sobre os processos e as condenações de Lula por corrupção e lavagem de dinheiro vai uma longa distância. É como se não tivesse existido a Lava-Jato ou as férias forçadas de 580 dias que o demiurgo de Garanhuns gozou em Curitiba, ou, ainda, a devolução em massa de dinheiro roubado. 

Nunca se viu numa eleição brasileira — nem mesmo durante o AI-5 — atos de ditadura como os que vêm sendo praticados neste momento pelo alto Poder Judiciário, anotou J.R. Guzzo. Em outras palavras, a Justiça Eleitoral está agindo abertamente a favor de um candidato em detrimento do adversário. 

Ainda segundo Guzzo, montou-se uma colossal operação de fingimento para salvar o Brasil do “autoritarismo”. A metástase transbordou do seu foco inicial não apenas quanto aos órgãos de imprensa perseguidos pelo TSE, mas também em relação aos assuntos censurados. O presidente da corte eleitoral e seus aliados proíbem a exibição de vídeos em que Lula diz ”ainda bem” que “a natureza” nos mandou a Covid — assim as pessoas aprendem a “importância do Estado”. 

É proibido dizer que Lula foi o mais votado nas penitenciárias, e que, na prática, o PT votou contra o Auxílio Brasil. Nem o ex-decano do STF, ministro Marco Aurélio Mello, pode falar: seus ex-colegas proibiram que ele diga que Lula não foi absolvido em nenhum momento, que apenas teve seus processos “anulados” sem quaisquer menções a provas ou fatos, o que não tem absolutamente nada a ver com “absolvição”. E por aí se vai, com multas de R$ 25 mil por dia para veículos de imprensa ou para jornalistas que não obedecerem de imediato as ordens da censura — um abuso sem precedentes na história da justiça brasileira.

Mudando de um ponto a outro, mesmo em país onde o rabo abana o cavalo e o poste mija no cachorro causa estranheza ver Sergio Moro assessorando BolsonaroNas redes sociais, o ex-ministro disse que reatou com o presidente "pelo Brasil, contra a corrupção da democracia e o projeto de poder de Lula e a favor de um país com o mínimo de integridade".
 
Como juiz da 13ª Vara Federal de Curitiba, Moro condenou Lula a 9 anos e 6 meses de prisão no caso do tríplex no Guarujá. Quando a sentença foi confirmada pelos desembargadores da 8ª  Turma do TRF-4 (que aumentaram a pena em quase 5 anos), o petista foi preso numa cela VIP em Curitiba.  
Como as eleições gerais de 2018 ocorreram nesse entretempo, não faltou quem acusasse o magistrado de agir de caso pensado, sobretudo depois que ele aceitou o convite do então presidente eleito para integrar seu ministério.
 
Em abril de 2020, Moro desembarcou do governo e acusou o mandatário de tentar interferir na Polícia Federal. "Quando vi meu trabalho boicotado e quando foi quebrada a promessa de que o governo combateria a corrupção, sem proteger quem quer que seja, continuar como ministro seria apenas uma farsa", disse ele. Mas não há nada como o tempo para passar.
 
Moro tinha uma biografia respeitável, estabilidade no emprego, um olho na suprema toga e outro no trono do Planalto. Mas iniciou seu périplo pelos nove círculos do inferno ao trocar a magistratura pela subordinação a Bolsonaro. E o problema com as consequências é que elas sempre vêm depois.

Fritado pelo presidente, Moro fez pose de terceira via; tostado pelo STF, migrou para a condição de antifenômeno eleitoral; esvaziado pelo Podemos, migrou para o UB — e foi forçado a abrir mão da pretensão presidencial para disputar uma vaga de Senador pelo Paraná, que ele efetivamente conquistou.
 
Tomado pelas sentenças que proferiu como juiz, Moro achava que a política era a segunda profissão mais antiga do mundo. Como político, descobriu que ela é muito parecida com a primeira. E se tornou uma cópia carbono do que Alckmin se sujeitou a ser para Lula — a diferença é que o ex-tucano disputa a vice-presidência na chapa do candidato que ele próprio classificou como "o criminoso que quer voltar à cena do crime", enquanto o ex-magistrado reatou com Bolsonaro para não ficar isolado politicamente.
 
Moro continua acusando Lula de mentir, especialmente no que tange aos episódios de corrupção. Mas parece ter mudado de ideia sobre o que via como mentiras do seu mais recente amigo de infância. "Bolsonaro admitiu que nunca defendeu o combate à corrupção e a Lava-Jato. Era só mais um discurso do seu estelionato eleitoral", postou ele em janeiro deste ano. E, três meses depois: "Assim como Lula, Bolsonaro mente. Nada do que ele fala deve ser levado a sério. Mentiu que era a favor da Lava-Jato, mentiu que era contra o Centrão, mentiu sobre vacinas, mentiu sobre a Anvisa e o Barra Torres e agora mente sobre mim. Não é digno da Presidência".
 
Escândalos da carreira política de Bolsonaro também entraram na mira do ex-juiz em determinados momentos: "Sério que, entre um ladrão de um lado e um ladrão do outro, a culpa é do juiz? Entre o petrolão e a rachadinha, não há escolha possível. Precisamos, sim, reformar nosso sistema de justiça para que casos de corrupção não fiquem impunes", postou Moro, quando ainda mirava a Presidência. Mas, de novo, não há nada como o tempo para passar. "No primeiro turno, nós tínhamos nosso candidato, eu defendi o candidato do União Brasil. No segundo turno, eu me coloco claramente contra o Lula e contra o projeto de poder do PT, que querem voltar à cena do crime. Acho isso inaceitável", disse o ex-juiz. Mas há quem veja dente de coelho nesse angu. 
 
De acordo com o portal UOL, Moro negou que esteja buscando um novo cargo numa eventual reeleição de Bolsonaro. O presidente também minimizou a divergência. "Você nunca brigou em casa com marido? Uma briguinha. Acontece, divergências, mas nossas convergências são muito maiores", disse ele quando questionado sobre o assunto.
 
Nas redes sociais, um tuíte em que o ex-juiz critica tanto Lula quanto Bolsonaro voltou a ganhar destaque após o debate do dia 16. Publicada em janeiro, a postagem diz que o presidente "mentiu que era a favor da Lava Jato, mentiu que era contra o Centrão, mentiu sobre vacinas, mentiu sobre a Anvisa e o Barra Torres. Não é digno da Presidência".
 
Sem comentários.

terça-feira, 26 de março de 2024

DANDO NOME AOS BOIS (PARTE 4)

 

Na festa do 44º aniversário do PT os desafios da legenda foram insinuados na lista de presentes e ausentes. Abaixo de Lula e respectiva cuidadora destacaram-se José Dirceu e Delúbio Soares — uma dupla com um enorme passado pela frente — e o vice Geraldo Alckmin, que até anteontem dizia que eleger Lula era promover a volta do criminoso à cena do crime. A ausência mais notada foi a de Fernando Haddad, cuja aprovação pelo mercado financeiro cresceu de 43% para 50% desde o final do ano passado, enquanto a rejeição de seu chefe disparou de 52% para 64% no mesmo período.

 

O PT foi fundado em 1980 com o propósito de fazer política sem roubar nem deixar roubar, mas fez da corrupção a pedra fundamental do projeto de poder de seu xamã. Embora os petistas se valessem desde sempre da experiência secular dos comunistas em aparelhamento do Estado para disseminar a corrupção nas prefeituras administradas pelo bando, o fedor de podre só contaminou a atmosfera quando Roberto Jefferson, o barítono do Mensalãodenunciou o que acontecia nos porões palacianos. 

 

Durante as gestões de Lula e Dilma os cofres públicos foram saqueados pela mais vil agremiação de ladrões que já rastejou pelo Planalto. Além de enriquecer os envolvidos e ensejar a distribuição de bilhões em propina na forma de caixa 1, caixa 2, dinheiro vivo, depósitos em contas secretas e vantagens dissimuladas, o dinheiro pilhado bancou as campanhas presidenciais de 2006, 2010 e 2014. 


Resumo da ópera: Mensalão e Petrolão transformaram o "partido do futuro" em "partido do 'faturo'", e adubaram a semente do bolsonarismo. 


Na campanha de 2022, Lula anunciou que seu terceiro mandato seria o último. Eleito, voltou a acalentar o sonho da reeleição. Em tese, Haddad seria a melhor escolha para renovar o arco democrático que se formou em 2022, mas Lula sempre sufoca lideranças emergentes que tenham potencial para lhe fazer sombra, e assim se torna uma "palmeira hegemônica e solitária no gramado da esquerda".


Lula já culpou a OTAN e o presidente Zelensky pela invasão da Ucrânia, garantiu Putin não seria preso durante sua visita ao Brasil e fez malabarismos para não culpá-lo pela morte do opositor Alexei Navalny. Ele próprio enviou uma carta ao Kremlin parabenizando o déspota pela "vitória" (com receio de que um apoio expresso do Itamaraty aumentasse ainda mais a reprovação de seu governo). Criticou o trabalho do presidente do BC na calibragem da política monetária e ameaçou intervir na Petrobras e na Vale (derrubando em bilhões o valor de mercado das duas maiores empresas do país). 


ObservaçãoA ingerência do governo em companhias abertas vem contribuindo para azedar ainda mais o humor de investidores em relação ao Brasil. Analistas do banco de investimentos Goldman Sachs recomendam a troca de ações de estatais brasileiras por ações de empresas privadas depois que o intervencionismo do governo superou o desequilíbrio nas contas públicas no ranking dos principais riscos no Brasil. 


Na Segurança, a percepção sobre a força do crime organizado não mudou com Dino e tudo indica que não mudará sob Lewandowski. Se a economia foi bem, o desemprego diminuiu, o PIB cresceu e inflação ficou sob controle, não foi graças a Lula, mas apesar dele. E a sensação de melhora ainda não se disseminou entre as pessoas que vão à feira e ao supermercado. Incumbido de desenvolver estratégias para mudar, o marqueteiro baiano Sidônio Palmeira (que atuou na campanha de 2022) precisará da ajuda dos Orixás para de moldar com fumaça a jabuticaba do presidente, já que não existem árvores dando frutos na paisagem.]


Parecendo acreditar que sua impopularidade se deve a "problemas de comunicação", Lula manda seus 38 ministros baterem o bumbo, como se houvesse grandes coisas a alardear. Na reunião do último dia 18, a ministra da Saúde deixou a sala em prantos. Os responsáveis pela Comunicação Social e pela Justiça e Segurança Pública também ficaram sob a mira do chefe. Alguém deveria lembrar o presidente de que as pessoas não se transformam no que não são, e que cabe a ele combinar os atributos dos escolhidos às funções a serem exercidas.


A percepção sobre a força do crime organizado não mudou com Flávio Dino e, pelo que tudo indica, vai mudar sob Lewandowski, que vem vinha tentando de tudo para demonstrar sua serventia. O tudo não quis nada com ele até domingo, quando uma operação da PF resultou na prisão de três supostos mandantes do assassinato de Marielle Franco. Quanto à perseguição aos foragidos da penitenciária de Mossoró — que, segundo o ministro, "está se desenvolvendo com êxito" —, basta dizer que já se passaram 40 dias e foram gastos mais de R$ 6 milhões sem que o paradeiro dos fugitivos se tornasse menos incerto e mais sabido.

 

Na terceira gestão da tal "palmeira hegemônica" — que terá 81 anos quando e se iniciar seu tão sonhado quarto mandato — o PT sobrevive ao presente reciclando o passado. As manifestações que partidos, sindicatos e movimentos sociais identificados com o governo petista realizaram no último sábado foram dispersas e pulverizadas em duas dezenas de cidades. O contraponto com o ato em que Bolsonaro lotou sete quadras Avenida Paulista em fevereiro foi instantâneo. Lula farejou o cheiro de queimado e declinou do convite de ornamentar o fiasco com sua presença, mas não se livrou do contraponto político: no plebiscito do asfalto, a esquerda lulista levou água para o monjolo da estratégia bolsonarista.


Atormentado com o cerco criminal das investigações sobre o golpe, as joias e os cartões de vacina, Bolsonaro oscila entre dois papéis. Nos inquéritos da PF, faz a pose do fraquinho perseguido; em seu rolê pelo país, exibe o figurino do cabo eleitoral com musculatura para mobilizar a rua contra sua prisão — que, tudo indica, é mera questão de tempo. Quando a sentença chegar, ela será cumprida, mas o bolsonarismo não irá para a cadeia com seu "mito". A hipótese de convulsão social é um delírio do ex-presidente golpista, mas sua militância, que continua nas patas do coice, dificilmente voltará para a garrafa, até porque a pior cegueira é a mental e o pior cego é o que não quer enxergar. 


Onde há política, há cisão. Dividir para conquistar é uma tática usada desde sempre por facínoras, ditadores e populistas. Nos EUA — paradigma dos países democráticos —, Donald Trump voltou à cena atacando os imigrantes e culpando Biden pelas "onze pragas do Egito". Por estas bandas, Lula continua praticando ad nauseam o execrável "nós x eles" que inaugurou em 2002. Bolsonaro foi gestado e parido pela mesma polarização que ressuscitou o pontifex maximus da Petelândia, e ambos se retroalimentam do ódio que disseminam. 


O "coisa" e seus baba-ovos não passam um sem atacar o lulopetismo, seja com meias verdades, seja com mentiras grotescas. Lula, o PT e seus satélites respondem à altura — isso quando não disparam o primeiro petardo. Para quem está a uma distância segura desse patético furdunço, chega a ser divertido ver as torcidas organizadas duelando por seus bandidos de estimação, comparando Mensalão e Petrolão com rachadinha, golpe de Estado, falsificação de documentos, contrabando de joias e por aí afora. Lobotomizados pela polarização e cegos pelo fanatismo, essa escumalha só enxerga crimes quando quando quem os comete está "do outro lado da balcão".


Ao atiçar a polarização, Lula se distancia do "eleitor mediano" que o ajudou a subir a rampa pela terceira vez impedir a morte matada da democracia. Com suas manifestações chochas, a petralhada fornece doses extras da seiva vital que mantém vivos o bolsonarismo e o antipetismo, num círculo vicioso que só o diabo sabe como, quando e se vai terminar. 


Quem tem dois neurônios minimamente funcionais sabe que "a turma de cima" não caiu do céu — políticos demagogos, populistas e corruptos não brotam por geração espontânea, mas pelo voto dos apedeutas — e que há distinção entre "eles" e "nós", apenas uma separação eminentemente oportunista. 


Triste Brasil.

segunda-feira, 30 de maio de 2022

SOBRE A CORRIDA PRESIDENCIAL E AS MAZELAS TUPINIQUINS

 

 

Costuma-se dizer que sempre temos opções, mas que opção nos restou em 2018, depois que os eleitores escalaram para o segundo turno um patético bonifrate de presidiário e um dublê de mau militar e parlamentar medíocre? Também se costuma dizer que quem não aprende com os erros do passado está fadado a repeti-los. Prova disso é que, faltando menos de cinco meses para as eleições, Lula e Bolsonaro encabeçam as pesquisas de intenções de voto.

O pajé do PT tornou-se uma caricatura de si mesmo, uma foto amarelada que, por alguma razão, continua pendurada na parede do partido. O hoje candidato a vice na chapa do petista disse em 2017 — quando ainda tinha algum juízo — que eleger Lula seria reconduzir o criminoso à cena do crime. Agora, torna-se cúmplice do criminoso e quer voltar junto com ele à cena do crime.

Aliar-se ao arquirrival é a única maneira de Alckmin alcançar a Presidência, mesmo que interinamente — embora não se descarte a possibilidade de Belzebu convocar o molusco, em algum momento do eventual terceiro mandato, para despachar presencialmente no quinto dos infernos.

O picolé de chuchu sabe que a roubalheira ocorrida durante os governos petistas não deixou de existir porque uma epifania revelou ao ministro Fachin que Lula não deveria ter sido julgado em Curitiba. Sabe também que seu mais novo amigo de infância não foi absolvido de coisa nenhuma, que foi solto e transformado em “ex-corrupto” por um embuste mefistofélico do STF

A questão que se coloca é: se nada mudou e se Lula não mudou em nada, ou Alckmin é favor ou é contra Lula. E ser contra o cabeça da chapa é patentemente absurdo — ninguém se candidata a vice para, depois de eleito, fazer oposição ao presidente. Então tem de ser a favor, pois não existe meio termo.

Não passa de falácia essa conversa de que Alckmin vai “segurar” Lula no futuro governo. Não vai segurar nada. Vai ter de aceitar, entre outras coisas, a volta do MST e das invasões de terra garantidas pelo PT, o comando dos empreiteiros de obras e a devolução da Petrobras aos ladrões. Vai ter de assistir calado ao roubo permanente na Caixa e no Banco do Brasil, dizer que está tudo certo com a Venezuela e que o único problema em Cuba é haver “democracia demais”.

Não existe chapa “moderada” com Lula e o PT. Esse binômio jamais aceitaria o “equilíbrio” com que sonham os analistas políticos. O pontífice da Petelândia e seus asseclas podem até dar uns empreguinhos e outras esmolas para o vice e seus apaniguados, mas jamais deixarão de fazer absolutamente nada daquilo que querem, nem se preocuparem com o que Alckmin acha ou deixa de achar. O que eles estão querendo vender para o eleitor é uma impostura, nada além disso.

Triste Brasil.

quarta-feira, 13 de dezembro de 2017

O CRIMINOSO SEMPRE VOLTA AO LOCAL DO CRIME


 Em seus romances policiais, a escritora inglesa Agatha Christie preconizava que os criminosos sempre voltam ao local do crime. Isso me veio à memória devido ao o empenho de Lula em voltar ao Palácio do Planalto ― o que é compreensível, considerando que, até onde se sabe, nenhum presidente desta Banânia roubou tanto quanto ele. Para que o leitor tenha uma ideia, em 2010, logo antes de ser substituído pela Rainha Bruxa do Castelo do Inferno, o Demiurgo de Garanhuns acertou com o empresário Emílio Odebrecht um pacote de aposentadoria, segundo o qual teria à sua disposição um fundo de R$ 300 milhões, receberia uma remuneração regular em foram de palestras e teria agrados pontuais, como a reforma do seu sítio em Atibaia. Pelo menos é isso que afirma Antonio Palocci em sua proposta de colaboração premiada.

Como eu comentei dias atrás, o co-fundador do PT, ex-prefeito de Ribeirão Preto, ex-ministro da Fazenda do governo Lula e ex-chefe da Casa Civil da Gerentona de Araque é amigo de fé, irmão e camarada do Deus Pai da Petelândia desde sempre. Foi ele quem assumiu a coordenação da campanha do molusco em 2002, após o misterioso assassinato de Celso Daniel (antes disso, Lula concorreu três vezes à presidência e foi derrotado em todas elas).

Condenado a doze anos por corrupção passiva e lavagem de dinheiro, Palocci está preso preventivamente em Curitiba, e há sete meses negocia um acordo de delação premiada. Um dos capítulos da sua proposta de colaboração trata das relações financeiras entre Lula e o ditador líbio Muammar Abu Minyar al-Gaddafi ― ou Muamar Kadafi, para os íntimos ― e tem potencial para fulminar o ex-presidente petralha e seu imprestável partido. Se o que o candidato a delator afirmou restar provado, o PT pode perder o direito de existir, porque, segundo a legislação vigente, nem partidos nem candidatos podem receber recursos de “procedência estrangeira” ― seja de um cidadão, de uma empresa ou de um governo. A punição é o cancelamento do registro do partido.

Partido dos Trambiqueiros já é alvo de pelo menos um pedido de cassação de registro por receber dinheiro do exterior, que tramita no TSE, com a velocidade de cágado perneta que todos nós conhecemos tão bem. Nestor Cerveró ― vulgo Lindinho ―, ex-diretor da área internacional da Petrobras, revelou em seu acordo de delação que, em 2005, a empresa teria pago US$ 300 milhões à Sonangol para explorar blocos de petróleo em Angola. Em contrapartida, a estatal angolana teria feito um repasse de R$ 40 milhões para financiar a campanha de Lula à reeleição. Veja o leitor do que é feito o estofo da “alma viva mais honesta do Brasil”.

Voltando agora ao criminoso e a cena do crime, O Antagonista reproduziu algumas passagens interessantes do discurso que Lula proferiu quando, ainda presidente da Banânia, visitou as obras do Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro. Disse então o Parteiro do Brasil Maravilha:

1 – “Quero começar cumprimentando o companheiro Sérgio Cabral”.
2 – “Nosso companheiro Pezão”.
3 – “O ministro Edison Lobão”.
4 – “O nosso querido Paulo Roberto Costa, presidente em exercício da Petrobras”.
5 – “Nosso companheiro Sergio Machado, presidente da Transpetro”.

Em seguida, ele explicou os motivos daquele evento:

“Eu sei que tem algumas pessoas que estão perguntando ‘por que o Lula já visitou pela terceira vez o Comperj, se ainda a obra não está sendo construída, está na fase da terraplanagem?’ A primeira coisa que tem que compreender é que eu adotei como filosofia de vida aquela de que ‘é o olho do dono que engorda os porcos’. Então, eu tenho que estar presente sempre, para saber se as coisas que nós decidimos estão funcionando”.

Cinco anos se passaram e as obras no Comperj continuam paradas, mas a filosofia de vida do pulha funcionou: os porcos engordaram um bocado. Depois de falar sobre seus porcos, o sapo barbudo disse que sabia da roubalheira em Abreu e Lima, mas que ela tinha de prosseguir:

“Se a gente não fica esperto, a obra da refinaria de Pernambuco estaria parada. Porque se levantou suspeita de sobrepreço em algumas obras. E foi para a comissão do Congresso, a comissão do Congresso colocou no anexo VI, e eu vetei, porque senão teria que ter mandado embora 27 mil trabalhadores”.

Lula esclareceu igualmente que, para engordar seus porcos, a ração teria de ser fornecida pela própria Petrobras:

“O companheiro Paulo Roberto Costa sabe, a Dilma, como presidenta do conselho administrativo da Petrobras, sabe, o ministro Lobão, como ministro de Minas e Energia, sabe que, há cinco anos atrás, se dependesse da vontade da Petrobras, não teria nenhuma refinaria no Brasil”.

Outro porco do chiqueiro de Lula, o presidente boliviano Hugo Chávez, entrou na história:

“Numa visita de trabalho do presidente Chávez, consegui a parceria para a PDVSA se associar à Petrobras. Levamos três anos para construir essa parceria, porque a Petrobras e a PDVSA são duas grandes empresas, e duas moças bonitas no mesmo baile, elas sofrem uma concorrência natural entre elas, e nós demoramos muito para construir a engenharia do acordo que, graças a Deus, está pronto e está andando”.

Lula, a essa altura, introduziu o único assunto que realmente interessava:

“São bilhões de dólares, de investimentos. Se a gente for medir só o que a gente está fazendo, a gente vai ultrapassar os US$ 60 bilhões em refinaria neste país”.

E apresentou seus cúmplices:

“Aqui tem muitos empresários do setor da construção civil”.

O juiz Sergio Moro poderia usar o discurso de Lula como prova da Lava-Jato. Ele mostra claramente quem era o chefe do esquema.

Para não esticar demais este texto, o resto fica para a próxima postagem. Até lá.

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sexta-feira, 8 de dezembro de 2023

A SAGA DOS VICES

 

Nesta quinta-feira, os EUA anunciaram exercícios militares na Guiana, o que foi interpretado por Maduro como uma provocação. No dia seguinte, o tiranete assinou uma série de decretos para transformar Essequibo num estado venezuelano, aumentado a especulação sobre a possibilidade de um conflito armado na fronteira com o Brasil. O ministro da Defesa, José Múcio, disse que o território brasileiro não será usado por tropas estrangeiras.

Após ser derrotado por Collor em 1989 e por FHC em 1994 e 1998, Lula venceu Serra (2002) e Alckmin (2006), fez sua sucessora em 2010, reelegeu-a em 2014, foi preso em 2018 e, em 2022, amancebou-se com seu mais novo amigo de infância para impedir a reeleição do pior mandatário desde Tomé de Souza

A maioria dos esclarecidíssimos eleitores tupiniquins compreendeu que se livrar do "mito" era fundamental, mas não entendeu que conceder um terceiro mandato ao ex-presidiário era opcional. Para piorar, 9 de cada 10 eleitores mal sabem o nome do segundo na chapa, e esse desdém pode resultar em encrencas de bom tamanho  como em 1985, quando o Brasil foi dormir com Tancredo Neves e acordou com José Sarney (foi o túnel no fim da luz, sintetizou o saudoso Millôr Fernandes).

No Brasil, vice-presidentes, vice-governadores e vice-prefeitos não são votados, vêm no pacote com os respectivos titulares. Sei de gente que ajudou a eleger um candidato apesar do vice de turno, mas não conheço uma viva alma que votou no titular por simpatizar com o reserva. 

Em 2018, mesmo dispondo de vasta vitrine televisiva, Alckmin não decolou. No modo desespero, recorreu a uma mensagem sincericida: "Pra vencer o PT e a sua turma no segundo turno, o candidato é Geraldo Alckmin, mesmo que você não simpatize tanto com ele." Mas não funcionou. Bolsonaro derrotou o bonifrate do então presidiário, pulou de volta no colo do Centrão, amancebou-se com o PL, comprou a eleição de Arthur Lira à presidência da Câmara e nomeou Ciro Nogueira para a Casa civil (ambos expoentes do Centrão e estrelas do Petrolão). 
 
Barão de Itararé ensinou que político brazuca é um sujeito que vive às claras, aproveita as gemas não despreza as cascas. Isso é prova provada de que o impossível é apenas uma palavra que contém o possível dentro de si. Em 2018, Bolsonaro, então candidato pelo PSL, queria compor uma chapa com Magno Malta, do PL, mas Valdemar Costa Neto preferiu entregar seu tempo de TV à coligação de Alckmin. Exagerando na teatralidade, o chefe do clã das rachadinhas agradeceu o adversário por "ter unido a escória da política brasileira."

É fácil entender o que levou Lula a "engolir" Alckmin como parceiro de chapa, difícil é saber por que o ex-tucano se sujeitou a esse patético papel, sobretudo depois de ter comparado uma eventual vitória do petista à "volta do criminoso à cena do crime". Como se explica esse formidável "cavalo de pau"? Por acaso se descobriu que a roubalheira nas gestões petistas não existiu? Que não houve dezenas de confissões de culpa e devolução de milhões em dinheiro roubado? Os processos penais contra Lula só foram anulados porque o STF formou maioria para excluir o crime de corrupção do código penal.
 
Se nada mudou e Lula não mudou nada, ou Alckmin é favor do chefe, ou é contra ele. Não dá para ficar em cima do muro. E da feita que ninguém se candidata a vice para fazer oposição ao titular, então deve ser a favor. 

Diante do fiasco da "terceira via", quem se deixou seduzir pela cantilena da Frente Ampla pela Democracia acreditou que Alckmin aceitou o papel de coadjuvante para "pôr trela" no protagonista . Mas tudo que o ex-tucano fez até agora foi compactuar bovinamente com a volta das invasões do MST, o comando dos empreiteiros de obras, o fortalecimento do Centrão, o roubo permanente na CEF e no BB, e por aí afora.
 
Lula e o PT nunca aceitaram — e jamais aceitarão  o "equilíbrio" com que sonham os analistas políticos. Podem até dar uns empreguinhos e outras esmolas a Alckmin e a seus acólitos, desde que o número 2 não mije fora do penico. Basta uma vista d'olhos na agenda oficial da vice-presidência para perceber que há pouco (ou quase nada) de empolgante no front. E tem sido assim desde a posse, mesmo durante as muitas viagens internacionais do titular. 
 
Sobre as três semanas de convalescença de Lula em outubro, Alckmin perorou: "Não há necessidade de o presidente se afastar do cargo porque vai ser um período curto, praticamente um final de semana, e depois ele despacha do Palácio do Alvorada. Na minha opinião, ele deve continuar, não há necessidade de nenhum afastamento do cargo".
 
Quando alguém está no buraco e o Universo lhe joga uma corta, esse alguém pode usá-la para sair do buraco ou para se enforcar. Aparentemente, Alckmin concluiu que se aliar ao antigo desafeto era a única maneira de ocupar, ainda que em caráter eventual, a tão cobiçada poltrona presidencial. Claro que sempre existe a possibilidade de Lula ser apeado do cargo ou bater as botas durante o mandato, mas isso é outra conversa. 
 
Num balé em que sujos se misturam a mal-lavados, quem olha de longe fica com dificuldade para distinguir quem é quem. Prevalece a impressão de que em política nada se cria, nada se transforma, tudo se corrompeA história ensina que é preciso prestar muita atenção na figura do vice. A primeira lição remonta ao século 19, quando Floriano Peixoto, vice de Deodoro da Fonseca, assumiu a Presidência depois que o titular foi "convidado a renunciar". Outros sete casos envolveram Nilo PeçanhaDelfim Moreira, Café FilhoJoão GoulartJosé SarneyItamar FrancoMichel Temer. 
 
Escolhido por Lula para disputar a vice-presidência na chapa de Dilma em 2010 e 2014, Michel Temer deu mais "peso" à candidatura do poste, mas se tornou o mentor intelectual e principal articulador do impeachment de madame. José Alencar, "eleito" vice-presidente em 2002 e 2006, foi um dos principais avalistas avalistas do petista junto à classe empresarial, mas não chegou a assumir a Presidência. O general Hamilton Mourão jamais conspirou contra Bolsonaro, embora não lhe faltassem motivos.
 
Não fossem os vices, haveria outros sucessores e outras formas de sucessão. E aqui chegamos a um ponto de relevância para um debate sobre a real necessidade dessa figura arcaica e anacrônica. Para o reserva é ótimo: rende palácio à beira do lago, mordomias e, em caso de infortúnio do titular, até a Presidência. Mas para o país inexiste demonstração de que essa peça não passa de mera decoração até virar um foco de conspiração.