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quarta-feira, 2 de julho de 2025

PALAVRAS E EXPRESSÕES QUE DEMANDAM ATENÇÃO — CONTINUAÇÃO

PODEMOS ESCOLHER O QUE PLANTAR, MAS SOMOS OBRIGADOS A COLHER O QUE PLANTAMOS.

Fiquei devendo uma explicação sobre o motivo de abordar este tema, que claramente foge ao "trivial variado" do blog. Vamos a ela — como diz o ditando, antes tarde do que nunca.


Os brasileiros falam mal e escrevem ainda pior. Isso se deve não só à péssima qualidade do ensino público (que já viu dias melhores) como também ao fato de os estudantes não cultivarem o saudável hábito da leitura, além de rabiscarem garranchos nas redes sociais numa linguagem espúria e repleta de abreviações. 


Não bastassem os indefectíveis erros de digitação, derrapadas na concordância verbal, nominal e de gênero são tão recorrentes quanto trocas de "s" por "z" (deslise), "ç" por "ss" (passoca), "ch" por "x" (xuxu), "g" por "j" (viajem), acréscimos e supressões indevidas — abisurdo, prostação —, vícios de linguagem — pra mim fazer — e pleonasmos viciosos — subir pra cima, entrar pra dentro —, entre outros.

 

Não seria de esperar que um aluno do ensino médio a tivesse a familiaridade de um Drummond ou um Vinicius com a inculta e bela Flor do Lácio, mas 30% de analfabetos funcionais entre a população de 15 a 64 anos e 12% entre os que completaram o ensino superior é o fim da picada. Por outro lado, se apedeutas e desletrados são mais fáceis de manipular, por que os governantes populistas investiriam na alfabetização básica da população? 


Manter o rebanho ignorante é sopa no mel para quem se alimenta da ignorância, se reelege distribuindo esmolas e governa com promessas vazias, slogans publicitários e programas que amarram em vez de emancipar. Afinal, povo instruído lê, desconfia, questiona, não se contenta com pão velho e circo medíocre, nem tampouco troca o voto por um saco de cimento, um vale-gás ou uma selfie com seu bandido de estimação. 


Infelizmente, o povinho de merda que o Criador escalou para povoar este arremedo de republiqueta de bananas repete a cada dois anos o erro que Pandora cometeu uma única vez, daí tantos políticos incompetentes, corruptos, que lucram com a miséria alheia travestindo assistencialismo de justiça social. Mas isso é outra história.

 

O que me levou a publicar esta trilogia sobre "dicas de português" aqui no Blog foi o uso recorrente de uma construção sintática que consiste em deslocar o sujeito para o início da frase, de maneira destacada, seguido de um pronome que o retoma — por exemplo: Mamãe, ela ficou de passar aqui mais tarde; meu avô, ele está velho demais para sair de casaDiferentemente do abjeto gerundismo, essa "deslocação topicalizante" não constitui erro gramatical. E não é exatamente uma novidade, já que aparece na literatura brasileira do século XIX e é comum no francês (mon père, il est malade) e no inglês (my dog, he is always barking), embora seja evitada no português europeu. 


Dito isso, voltemos às as dicas do ponto onde paramos no post de segunda-feira, mas não sem, antes, dedicar algumas linhas à abjeta política tupiniquim:


"Ninguém embarca em um navio se sabe que vai naufragar", lecionou Arthur Lira, hoje ex-imperador da Câmara, ensinando a Lula que não se deve confundir apoio congressual com apoio eleitoral. Sucessor e pupilo de Lira, o deputado Hugo Motta perorou: "Capitão que vê barco ir em direção ao iceberg e não avisa não é leal, é cúmplice. E nós avisamos ao governo que essa matéria de IOF teria muita dificuldade de ser aprovada no Parlamento". De quebra, criticou o discurso palaciano de que o objetivo é promover a justiça tributária.

Motta realmente avisou que o IOF não passaria, mas acenou com um prazo para o governo colocar uma alternativa sobre a mesa — que iria até a volta do recesso parlamentar. Dias depois, pôs Lula em rota de colisão com o iceberg ao pautar o decreto do IOF, que foi derrubado na Câmara e, duas horas depois, no Senado, em votação simbólica.

O Centrão está tratando o governo como um Titanic e se comportando como um navio que abandona os ratos, como se não houvesse representantes dos seus próprios partidos na Esplanada dos Ministérios. Lula, por seu turno, cutuca a onça com vara curta ao recorrer ao STF  e adotar o discurso dos "ricos contra os pobres", apresentando-se mentirosamente como defensor dos depauperados e reforçando a imagem (verdadeira) de que o Congresso cede ao lobby dos poderosos. 

Ambos parecem ignorar o enorme buraco nas contas públicas, que, se não for tapado — e tudo indica que não será —, produzirá um formidável apagão orçamentário em nome da disputa eleitoral e política. 


Coadunar-se — Verbo pronominal (essa decisão não se coaduna com a Constituição).

 

Cólera — Use como substantivo feminino em todas as acepções.

 

Comparecer — No sentido de apresentar-se em determinado lugar pessoalmente, pode ser transitivo indireto ou intransitivo (compareceu ao encontro na hora marcada; mesmo estando atarefado, não deixa de comparecer).

 

Comunicar — A regência culta é comunicar algo a alguém (o professor comunicou sua decisão aos alunos).

 

Congratular — Com o sentido de felicitar, é transitivo direto, não se conjuga de forma reflexiva nem exige qualquer preposição (congratulo Vossa Excelência pela sábia decisão). 

 

Componente — Como substantivo, pode ser usado nos dois gêneros (assim como agravante, atenuante, acompanhante, personagem, etc.)

 

Cônjuge — É substantivo masculino, ou seja, não existe a cônjuge.

 

Consistir — A regência tradicional é com a preposição em (a cirurgia consistirá numa incisão feita no tórax; o desafio consiste em identificar o problema a tempo de resolvê-lo).

 

Constar de / constar em — A regência tradicional é constar em, embora constar de também seja admissível.

 

Cumpre ressaltar / cumpre assinalar — Expressões que, a exemplo de vale assinalar, convém notar devem ser evitadas, pois nada acrescentam ao sentido do texto.

 

Dado / visto / haja vista — Os particípios dado e visto têm valor passivo e concordam em gênero e número com o substantivo a que se referem (dados o interesse e o esforço demonstrados; dadas as circunstâncias; vistas as provas apresentadas). Já a expressão haja vista, com o sentido de uma vez que, é invariável: O carro vale o preço pedido, haja vista sua excelente conservação.

 

Décimo primeiro, décimo segundo, décimo terceiro, etc. — Sem hífen.

 

Declinar — Transitivo direto ou indireto no sentido de recusar, refutar, rejeitar (declinou o convite ou declinou do convite).

 

Demais / de mais — Em uma só palavra, significa excessivamente; acompanhado de artigo — os demais — equivale a os outros, os restantes; escrito separado, contrapõem-se a de menos; e a expressão nada de mais é usada como sinônimo de inabitual.

 

Dentre — Usa-se apenas quando a frase exige a preposição de, ou seja, quando tem o sentido de do meio de (retirei um livro dentre muitos na estante). Nos demais casos, use-se simplesmente entre (apenas um entre nós sobreviverá).

 

Deparar — No sentido mais usual — de encontrar de maneira inesperada —, pode ser pronominal ou não (deparou com a mulher no saguão do hotel ou deparou-se com a mulher no saguão do hotel).


Dequeísmo — É o uso inadequado da expressão de que quando a proposição não é exigida pela regência do verbo, substantivo ou adjetivo. Trata-se de um vício de linguagem bastante comum, mas que deve ser evitado principalmente na escrita formal. Exemplos: acredito de que ele está certo (o correto é que ele está certo); desconfio de que ele está mentindo (prefira que ele está mentindo). Convém também evitar o que em expressões como no sentido de, a fim de, com o fito de, com a finalidade de, etc.

 

Desagradar — É transitivo direto ou transitivo indireto no sentido de causar reação desfavorável,  regendo a preposição a (o prato desagradou os comensais; a chuva desagradou aos banhistas).

 

Desobedecer — A regência tradicional exige a preposição a, ou seja, desobedecer a alguém ou a alguma coisa.

 

Despercebido — Passar sem ser notado é passar despercebido (e não desapercebido, que significa despreparado, desprovido).

 

Devido a — Sempre com a preposição a.

 

Dia a dia — Sem hífen.

 

Doutor — O Manual de Redação da Presidência da República restringe essa forma de tratamento a pessoas que tenham concluído curso de doutorado. Nos demais casos, senhor confere a desejada formalidade às comunicações.

 

Dupla negativa — Ao contrário do que ocorre em inglês, a dupla negação é aceitável em português: não encontrou ninguém, não deixou nada fora do lugar, etc.

 

Em detrimento — Exige a preposição de (em detrimento das negociações, e não em detrimento às negociações).

 

Em face de — Quando equivale a diante de, use a preposição de (evite dizer face a ou frente a).

 

Eminente – Significa importante; não confundir com iminente, que significa algo que deve acontecer em breve.

 

Em mão / em mãos — Os dicionários registram ambas as formas como sinônimas; portanto, pode-se entregar algo em mão ou em mãos.


Etc. — Embora a expressão já inclua a conjunção e (et coetera), o uso ou não da vírgula antes dela é uma questão de preferência ou estilo de escrita, não havendo uma regra rígida que determine sua obrigatoriedade.


Continua... 

sábado, 7 de junho de 2025

O POPULISMO E O POPULACHO

SE ELES GOVERNAM, É PORQUE O POVO OBEDECE.

Durante visita oficial a Portugal, o então presidente brasileiro José Sarney se gabou de ter concedido o direito de voto aos analfabetos, e seu homólogo português respondeu: "Cá em Portugal não temos analfabetos". 

Na mesma viagem, o imortal maranhense foi a uma livraria em busca de determinada obra, mas não havia exemplares disponíveis. Quando o livreiro prometeu consegui-los em dois dias, ele perguntou se o estabelecimento fechava aos sábados. O livreiro respondeu: "Não, Excelência. Nossa livraria fecha às sextas-feiras, por volta das 17h, e reabre às segundas-feiras, pontualmente às 8h da manhã."
 
Havia analfabetos em Portugal — e ainda os há —, mas, no Brasil, qualquer pessoa que consiga assinar o nome é considerada como alfabetizada, o que não só prejudica a comparação como torna as estatísticas pouco confiáveis. O governo finge investir na alfabetização da população desde os anos 1940 — o MOBRAL, por exemplo, foi criado pelos militares em 1967 e funcionou durante 18 anos —, mas só produziu analfabetos funcionais, que até aprendem a ler, mas não são capazes de interpretar um texto nem de fazer contas.


Observação: Segundo o Indicador de Alfabetismo Funcional (Inaf), 29% da população entre 15 e 64 anos são analfabetos funcionais — ou seja, quase um terço dos brasileiros economicamente ativos estão fadados a subempregos com jornadas exaustivas e salários indignos. No caso daqueles que completaram o ensino superior, a taxa de analfabetismo funcional é de 12%. Os alfabetizados em nível elementar, que possuem capacidades básicas de escrita e leitura e conseguem resolver questões matemáticas simples, formam o maior grupo entre os brasileiros, com 36%. Pessoas com alfabetismo consolidado (que têm ao menos a capacidade de selecionar múltiplas informações em textos e compreender tabelas) são 35% da população. No segmento empregado, o levantamento aponta que 27% dos trabalhadores são analfabetos funcionais, 34% atingem o nível elementar e 40% têm níveis consolidados de alfabetismo. Em 2021 — segundo ano da pandemia — o (des)governo Bolsonaro destinou apenas R$ 6 milhões para alunos jovens e adultos, o menor nível neste século. Não à toa, o número de analfabetos funcionais entre jovens de 15 a 29 anos aumentou de 14% para 16%. De acordo com o indicador, 95% dos analfabetos só conseguem fazer um número limitado de tarefas nesse ambiente, e 40% dos alfabetizados proficientes (nível mais alto da escala) apresentam desempenho médio ou baixo em tarefas digitais.

Uma vez que apedeutas e iletrados são mais fáceis de manipular e formar "doutores com diploma" dá mais "Ibope", por que os políticos investiriam na alfabetização básica? Curiosamente, o mesmo governo que agrilhoa as pessoas à ignorância e as edulcora com promessas assistencialistas responsabiliza-as por dependerem de programas eleitoreiros, como o Bolsa Família e assemelhados. 
 
Manter o populacho analfabeto interessa aos políticos populistas, que se alimentam da ignorância e se reelegem repassando esmolas. Afinal, povo instruído dá trabalho: lê, compara, desconfia, questiona, não se contenta com pão velho nem com circo medíocre e tampouco aceita facilmente trocar o voto por um saco de cimento, um vale gás ou uma selfie com seu bandido de estimação. Assim, manter o rebanho ignorante não é somente uma consequência do descaso histórico, mas uma estratégia — e das mais eficazes.
 
O discurso é sempre o mesmo: a educação é prioridade. Mas basta uma greve de professores por melhores salários para os paladinos da austeridade fiscal trombetearam que "não há dinheiro". Curiosamente, sempre há recursos para emendas parlamentares, aumentos salariais do alto escalão, perdão de dívidas bilionárias de apaniguados ou construção de estádios superfaturados em cidades sem time. 
 
A lógica é perversa e bem conhecida: quanto pior, melhor. Melhor para quem governa com promessas vazias, com slogans publicitários, com programas que, em vez de emancipar, amarram. Melhor para quem lucra com a miséria alheia, travestindo assistencialismo de justiça social. Melhor para quem prefere um eleitorado submisso a um povo consciente.
 
Como não convém mexer em time que está ganhando — e ganhando muito — a ignorância segue firme, bem nutrida e institucionalizada. Afinal, o que seria do populista sem o populacho?

sábado, 18 de março de 2023

A MUAMBA DAS ARÁBIAS E O ELEFANTE DO CIRCO

 

Bolsonaro se envolveu em inúmeros escândalos ao longo de sua carreira, de racismo a rachadinha. Na Presidência, o "homem simples" que comia pão com leite condensado e deixava cair a farofa do frango sobre sua roupa recebeu 19.470 presentes. Nenhum cheirou tanto a propina quanto a "muamba das arábias— foram R$ 400 mil em joias masculinas e R$ 16,5 milhões em joias femininas escondidas na bagagem de militares (mais detalhes nesta matéria).
 
A legislação exige a declaração dos bens que entram no país quando o valor ultrapassa US$ 1.000. No caso das joias, era preciso informar que se tratava de um presente oficial para o primeiro-casal — situação em que os itens seriam destinados ao patrimônio da União — ou pagar o imposto de importação equivalente a 50% do valor do produto e multa de 25% sobre o valor dos itens apreendido, o que perfaria um total de R$ 12 milhões. Segundo a Receita Federal,  o governo não seguiu os procedimentos necessários para incorporar as joias ao acervo da União

PF teve acesso a documento que mostra o 2º pacote de joias listado como acervo privado de Bolsonaro — contrariando a versão do ex-presidente, segundo a qual as joias seriam encaminhadas para o acervo da União. Bolsonaro tentou (sem êxito) recuperar as joias ao menos 8 vezes, utilizando o Itamaraty e funcionários do Ministério de Minas e Emergia e da Marinha, e que, quando o caso veio a público, negou a ilegalidade das peças e disse estar sendo acusado de um presente que não pediu nem recebeu. Michelle também negou ter conhecimento do conjunto. 

De acordo com o site Poder 360, a Polícia Federal negou à defesa de Bolsonaro um pedido de acesso ao inquérito, alegando que ele ainda não é investigado nos autos. Da Flórida, o "mito" confirmou que a segunda caixa de joias foi listada como acervo pessoal, mas negou a ilegalidade das peças.
 
Josias de Souza comentou em sua coluna que o capitão sempre fez pose de homem de bem, mas as rachadinhas da família lhe deram um semblante de homem que se deu bem. Agora, ele frequenta como homem flagrado com os bens o inquérito em que a PF apura o escândalo da muamba milionária. Antecipando-se ao desfecho das investigações, o TCU tomou decisão que fez lembrar uma antiga história do ladrão de elefante flagrado pelo guarda do circo:
 
"Tanta coisa no circo para roubar e você foi pegar logo o elefante?!?", disse o guarda. "Podia ter roubado um macaco. Dizia que era seu irmão mais novo. Podia ter roubado o leão. Com um bom penteado, passava como um cachorro grande. O tigre podia ser confundido com um gato. Mas o elefante, francamente, não dá! O elefante ultrapassa todos os limites."
 
Até o TCU foi capaz de enxergar o elefante metafórico na bagagem do então ministro Bento Albuquerque e de um membro de sua comitiva. Em decisão unânime, o tribunal determinou a devolução das masculinas e a regularização das joias femininas retidas na alfândega — com subsequente incorporação ao acervo do Planalto. 

Bolsonaro deverá devolver também um fuzil e uma pistola que lhe foram presenteados pelos Emirados Árabes (coisa de R$ 57 mil). Auditores fiscais passarão um pente fino nos quase 20 mil presentes que o ex-presidente recebeu nos últimos quatro anos. A ideia é descobrir se mais algum elefante deixou o Alvorada no caminhão de mudança como patrimônio pessoal do ex-inquilino.

Observação: Com medo das consequências do escândalo das joias, Bolsonaro se ofereceu para devolver o estojo com itens de luxo do qual se apropriou ilegalmente e colocou-se à disposição da PF para prestar depoimento (tentando evitar uma busca e apreensão e um pedido de prisão). Na prática, ele se rende à realidade. Seu depoimento à PF é incontornável.
 

Quando deixaram o Planalto, Lula e Dilma foram submetidos ao mesmo constrangimento. Ele teve que devolver 434 presentes; ela, 117. No caso do petista, a OAS — que bancou a reforma do célebre triplex no Guarujá e do não menos famoso sítio em Atibaia — pagou 61 parcelas mensais de R$ 21.536,84 à Transportadora Granero pelo armazenamento do acervo (9.037 peças que ocupavam 11 contêineres), que continha itens que iam de camisetas, bonés e estatuetas a um fuzil AK-47. Dilma primeiro negou ser responsável pelo destino dos bens não encontrados, depois disse que os presentes eram "pessoais". 
 
O que distinguiu Bolsonaro foi a operação montada nos últimos dias de governo para tentar reaver, na base da carteirada, as joias milionárias apreendidas pelos fiscais da alfândega. Despido das prerrogativas do cargo de presidente, sem a blindagem do antiprocurador Augusto Aras, ficou mais difícil esconder elefantes.

sexta-feira, 2 de dezembro de 2022

LULA NO PAÍS DAS MARAVILHAS

 

A derrota de Bolsonaro foi um alívio. O mal que sua passagem pelo Planalto causou ao país foi inominável e o comportamento de seus acólitos extremistas, execrável. Mas nem tudo são flores. 


Depois de ir ao Egito de carona com o fundador da Qualicorp e dono da Qsaúde, o presidente eleito — que sequer tomou posse — viajou de São Paulo a Brasília num jatinho da empresa Millennium Locadora, que já figurou em confusões envolvendo os governadores do Amazonas Amazonino Mendes e Wilson LimaÉ preocupante ver o futuro mandatário repetindo "erros" cometidos no passado e a cambada que apoiou sua volta, disputando a tapa uma boquinha na futura administração. 


A principal excentricidade da crise atual é a delinquência acéfala, a máfia sem capo abateu prontamente a penúltima manobra golpista ao rejeitar o "esdrúxulo e ilícito pedido" do PL e multar o partido em R$ 22,9 milhões por litigância de má-fé. No entanto, mesmo acertando no ritmo e no tamanho da paulada, "Xandão" mandou a conta para o contribuinte — seria mais justo se o CNPJ do PL fosse trocado pelo CPF de Valdemar Costa Neto e de Jair Bolsonaro, mas o bunker do golpe opera num mundo próprio, onde a República virou monarquia e a imunidade reina no planalto central.
 
Em 2018, o "mito" dos atoleimados prometeu combater a corrupção e o toma-lá-dá-cá na política, mas não fez nem uma coisa nem outra. Seus apoiadores lobotomizados ecoam a falácia de que não houve uma única denúncia de corrupção durante a gestão de seu ídolo, mas são desmentidos pelos fatos

Houve casos de corrupção em áreas estratégicas, como Saúde e Educação, bem como pastores cobrando propina em barras de ouro e dinheiro em pneus, sem mencionar as famosas rachadinhas e a compra de imóveis com dinheiro vivo por Bolsonaro e seu clã. O relatório produzido pela CPI da Covid propôs o indiciamento de 78 pessoas e atribuiu pelo menos 9 crimes ao capetão. 

Mais recentemente, o MPF abriu 33 investigações sobre repasses de dinheiro para prefeituras de municípios maranhenses. As investigações começaram a partir de uma nota técnica do Ministério da Saúde feita em setembro, segundo a qual foram gastos R$ 21 milhões com tratamento pós-Covid em todo o Brasil. As prefeituras das 33 cidades maranhenses abocanharam 93% desse total, a pretexto de ter havido 1,1 milhão de atendimentos pós-Covid neste ano, a despeito de todo o resto do país ter notificado cerca de 200 mil terapias. 
 
A boa notícia é que falta menos de um mês par Bolsonaro ir com Deus paro diabo que o carregue. A má notícia é que Lula não terá os cem dias de tolerância que uma lei consuetudinária, mas respeitada na política, concede a toda nova gestão. Primeiro, porque o verdugo do Planalto se autoconverteu num caso raro de ex-presidente ainda no exercício da Presidência; segundo, porque, com o país acéfalo, o ex-presidiário descondenado e reconduzido ao Planalto teve de entrar em campo mais cedo e já preside sua primeira crise. 

Do PL de Bolsonaro ao PT de Lula, todos se renderam ao charme de Arthur Lira. A dois meses da eleição interna, o presidente da Câmara já garantiu um segundo mandato com o apoio de ao menos 15 partidos e mais de 300 votos. Pelo menos, o pagador de impostos não será mais enganado. Essa é a verdadeira democracia brasileira, não a simulada durante a campanha eleitoral, quando os protagonistas do duelo nacional, com apoio de suas militâncias e das redes sociais, arrastaram o país para uma polarização teatral — polarização fabricada, mas que muitas vezes é levada a sério por parentes, amigos e colegas de trabalho, maconheiros ou patriotas.


Nosso guerreiro Alexandre de Moraes poderá, finalmente, descansar de sua épica batalha contra caminhoneiros, tias do zap e blogueiros golpistas. Lira é garantia de estabilidade institucional. Assim como engavetou mais de 150 pedidos de impeachment contra Bolsonaro, prolongando a tragédia da pandemia, nosso Ulysses decaído garantiu um orçamento de guerra para amenizar a dor das famílias, e garantirá que o Brasil de Lula também não passe por turbulências, desde que o petista não mexa em seu butim. Nem ele nem ninguém, use toga ou não.


Para os fãs do futebol e da seleção canarinho, resta torcer pela vitória do escrete tupiniquim no jogo contra o time de Camarões. Afinal, o povo precisa de pão e circo. O pão está pela hora da morte, mas o circo vem sendo transmitido ao vivo pela rede Globo. Cerveja, picanha e salgadinhos são cobrados à parte.

 
Com Josias de Souza

terça-feira, 2 de agosto de 2022

O DESEMPREGADO QUE DEU CERTO (DÉCIMA PARTE)

Pelo que foi exposto até aqui, percebe-se que conferir a Lula um terceiro mandato é tão perigoso para nossa frágil democracia quanto reeleger Bolsonaro. Senão vejamos.


Como vimos no capítulo anterior, a "inocência" do ex-presidiário é uma falácia que busca atribuir a um político corrupto a aura de "preso político". No processo do tríplex, a despeito dos mais de 400 recursos apresentados pela defesa, o petista foi condenado por mais de 10 magistrados em três instâncias do Judiciário.


Lula teve a pena aumentada pelo TRF-4 porque se valeu do cargo para permitir a nomeação de diretores na Petrobras que dividiam propina com dirigentes partidários em troca de apoio ao governo. Segundo os desembargadores, o esquema de corrupção petista fragilizou não só a Petrobras, mas também "todo o processo político brasileiro", uma vez que parte do dinheiro bancou campanhas milionárias via caixa 2 eleitoral. 


A culpabilidade do petralha foi reconhecida também pelo STJ, onde a condenação transitou em julgado, e nada disso foi revisto pelo STF, onde os processos foram anulados porque o ministro Fachin entendeu (com quase seis anos de atraso) que a 13ª Vara Federal de Curitiba carecia de competência territorial para julgar Lula et caterva. Não obstante, o "ex-corrupto" posa de "salvador da democracia", como se o Mensalão não tivesse sido criado para comprar apoio parlamentar e o Petrolão não tivesse sido sua expansão para além do Congresso — com efeitos devastadores para a democracia no Brasil e em alguns países vizinhos. 


Lula apoiou regimes autoritários em Cuba e na Venezuela. Teceu rasgados elogios ao comunismo na China e na Coreia do Norte. Lamentou a morte de Fidel como "a perda de um irmão mais velho, de um companheiro insubstituível, do qual jamais me esquecerei". Disse (em entrevista à agência oficial de notícias Xinhua) que o governo de Xi Jinping era um "exemplo de que é possível cuidar da população por meio de um governo sério e com responsabilidade para com seu povo", e que vitória do Partido Socialista Unido da Venezuela "ocorreu em total respeito às regras democráticas" e que a reeleição de Ortega na Nicarágua foi "uma grande manifestação popular e democrática" (a despeito de todos os adversários do tiranete estarem presos ou exilados).

 

Lula já disse publicamente que um de seus maiores arrependimentos (noves fora a criação de Dilma, que ele só reconhece em off) foi não ter "democratizado os meios de comunicação", e vem ameaçando regulamentar tanto a imprensa formal quanto as mídias sociais: "Eu vi como a imprensa destruía o Chávez. Aqui eu vi o que foi feito comigo. Nós vamos ter um compromisso público de que vamos fazer um novo marco regulatório dos meios de comunicação". Em 2004, ele enviou ao Congresso projeto de lei para criar um Conselho Federal de Jornalismo para "orientar, disciplinar e fiscalizar" o exercício da profissão. 


Salta aos olhos que, quando fala em "salvar a democracia", Lula visa aos interesses dos petistas e de partidos aliados, todos seguidores incondicionais do "grande líder". Que o PT e seu discurso "democrático, inclusivo e pregador da diversidade" toleram tudo, menos a opinião que diverge da deles. Assim, reconduzir políticos dessa catadura ao poder é permitir a volta do criminoso à cena do crime, como disse Geraldo Alckmin — antes de se tornar o mais novo amigo de infância de Lula — e Bolsonaro parafraseou seis meses atrás.

 

Voltando a Dilma, a inolvidável, consta que essa senhora ingressou na resistência em 1967, quando era noiva de Cláudio Galeno, seu primeiro marido e um dos líderes da Polop na capital mineira. Que se uniu ao Colina no fim de 1968 e se mudou para São Paulo, onde participou das tratativas para fundir o Colina e a VPR (de Carlos Lamarca) na VAR-Palmares (depois de se casar com o gaúcho Carlos Araújo, que seria corresponsável pelo fiasco das lojinhas Pão & Circo em meados dos anos 1990, como foi detalhado no capítulo 7).


O grupo de Lamarca achava o Colina muito estudantil, e a turma de Dilma temia que o movimento se militarizasse. Para a polícia, a guerrilheira "chefiou greves e assessorou assaltos a bancos", mas ela nega, e não há acusação dos militares sobre ações armadas. Ao final de seu depoimento no Dops — que tem 19 páginas —, Dilma deixa claro que não se arrepende de nada.

 

Observação: Dilma foi presa em São Paulo em 1970, portando documentos falsos. Numa das raras vezes que falou sobre tortura, disse que foi submetida à "cadeira do dragão" — onde o preso era amarrado para receber choques elétricos nas orelhas, na língua e nos órgãos genitais. Acabou condenada em dois processos pelo mesmo crime, mas seus advogados conseguiram manter apenas a pena menor (13 meses). Segundo o SNI, a VAR-Palmares tinha planos para tirá-la da cadeia — consta que uma autoridade seria sequestrada e trocada por presos políticos, entre os quais a "gênia" que Lula transformaria, décadas depois, em presidanta desta republiqueta de bananas. 

 

Depois de deixar a prisão, Dilma fixou residência Porto Alegre. Daqueles que conviveram com ela, somente o então diretor do Presídio Central acreditou que a mulher do trabalhista Carlos Araújo — esse, sim, um ícone do PDT gaúcho — pudesse alçar voos mais altos. Consultado na época se autorizava uma série de projetos elaborados pelos presos políticos para a cadeia da capital, incluindo as aulas para presidiários comuns ministradas por Dilma, o clarividente profetizou: "Claro, os presos políticos de hoje podem ser os dirigentes do país amanhã." 


Depois que o marido foi solto, Dilma manteve as aulas particulares, mas apenas para um pequeno núcleo que pretendia reerguer o PTB no Rio Grande do Sul. Também trabalhou pela fundação do PDT sob a batuta de Leonel Brizola. Foi nessa época que a outrora Wanda, Janete, Luísa, Stela, Marina e Maria Lúcia — que os militares chamavam de Joana D'Arc e Papisa da Subversão — desenvolveu o estilo professoral que nunca mais a abandonaria. 

 

Dilma foi secretária municipal de Finanças no governo do gaúcho Alceu Collares e duas vezes secretária estadual de Energia e Comunicação. Fez grandes amigos e aliados fiéis, mas também deixou um saldo de brigas e inimizades — graças a seu estilo arrogante e a notória incapacidade de contornar crises ou acalmar correligionários. Em 2000, quando Brizola deixou de apoiar o governo do petista Olívio Dutra, ela rompeu com o PDT e se filiou ao PT.

 

Atribui-se a Carlos Lacerda a máxima segundo a qual "quem nunca foi comunista aos 18 anos não teve juventude, e quem continua comunista depois dos 30 não tem juízo" Numa situação ditatorial, uma postura combativa se justifica, mas eleger presidente da República alguém com uma vida pregressa como a de Dilma (ou de Collor, de Lula e de Bolsonaro) não tem cabimento. Triste Brasil. 


Em tempoMuita gente tem saudades de ouvir a presidanta perorando, especialmente de improviso. De fato, não havia programa humorístico melhor. Há até quem sofre de crise de abstinência e fica no YouTube babando, com as mãos trêmulas, buscando antigos pronunciamentos. Para esses saudosistas (ou seriam masoquistas?), relembro um discurso que madame fez em portunhol. Além da versão castelhana do "dilmês" ser tosco, o conteúdo também deixou a desejar. Segundo a "gênia", o "neoliberalismo" é o grande culpado por todos os males do mundo! Vale a pena assistir, até porque agora se pode rir sem ter de chorar depois (como acontecia quando ela ainda posava de presidente desta banânia).  

 

Continua...