Até as pedras sabiam qual seria o resultado do “julgamento
histórico” que terminou (finalmente) na noite da última sexta-feira. Difícil era imaginar
como seria cansativo acompanhar a leitura do caudaloso relatório e os votos
intermináveis dos ministros. Ou a sensação de frustração que, ao final, se
abateu sobre um povo que, depois de perder a confiança no
Legislativo e no Executivo, vê ruir o último pilar que sustentava seus anseios de um dia extirpar do tecido da democracia o nefasto câncer
da corrupção sistêmica.
Além de não servir aos interesses da nação, a decisão de Gilmar Mendes e seus acólitos deixou
patente a imprestabilidade do TSE
como guardião do processo eleitoral tupiniquim e fez de bobos os ministros Herman Benjamin, Luiz Fux e Rosa Weber, que
pareciam acreditar que o julgamento era para valer, e não um burlesco jogo de
cartas marcadas. Curiosamente, o presidente da Corte foi o grande responsável por
ressuscitar a ação de cassação da chapa, que havia sido arquivada por decisão
monocrática da então ministra-relatora Maria
Thereza de Assis, em 2015, quando a petista Dilma Rousseff era a inquilina do Planalto. No entanto, agora,
quando o inquilino é o peemedebista Michel
Temer, seu amigo pessoal, Gilmar Mendes mudou diametralmente sua
opinião ― a pretexto de manter a “estabilidade”, a “governabilidade”, como fez
questão de frisar no voto que “mandou às favas” o tal “julgamento judicial e
jurídico” que havia prometido presidir. Quid
juris?
Observação: Gilmar
Mendes chegou mesmo a repreender
o vice-procurador-geral Eleitoral Nicolao
Dino, que arguiu a suspeição do ministro Edmar Gonzaga ― por este ter advogado para a campanha de Dilma em 2010. Visivelmente irritado, Mendes disse que, se o MPE já tinha essa informação, que se
manifestasse no início do processo, e não no final, para “surpreender a Corte”.
Acuados, os demais ministros rejeitaram o
pedido de Dino. Quanta isenção!
Para o bem ou para o mal, essa história parece estar longe
do fim. Temer, que havia pedido mais
prazo para responder as 82 perguntas
formuladas pela PF, sentiu-se
revigorado pelo vergonhoso conchavo articulado por quatro dos sete ministros do
TSE e resolveu ― também ele ― mandar
tudo às favas, não só se recusando a responder as perguntas (que não são da PF nem do MPF, mas da nação brasileira), mas também deixando claro que irá
lutar com todas as armas para permanecer no trono, ainda que para tenha de bater
de frente com o Supremo, como supostamente fez ao determinar à Abin (Agência Brasileira de
Inteligência) que investigasse a vida pregressa do ministro Edson Fachin, relator da Lava-Jato
naquela Corte ― um descalabro que Carmen
Lucia não deixou sem resposta: na manhã deste sábado, através de nota, a
ministra afirmou que “é
inadmissível a prática de gravíssimo crime contra o Supremo, contra a
democracia e contra as liberdades, se confirmada informação de devassa ilegal da vida de um de seus integrantes”
(detalhes mais adiante).
Temer negou ter
dado a ordem, como já negou uma série de fatos espúrios que acabou admitindo
mais adiante ― como a viagem com a família a bordo do avião da JBS, em 2011, que o Planalto tentou
canhestramente justificar, afirmando que “o
então vice-presidente não sabia a quem pertencia a aeronave e não fez pagamento
pelo serviço”. Nem a Velhinha de
Taubaté engoliria essa falácia, como “não cola” a assertiva de que “o governo não usa a máquina pública contra
os cidadãos brasileiros, muito menos fará qualquer tipo de ação que não respeite
aos estritos ditames da lei”, ou de que “não há, nem houve, em momento algum a intenção do governo de combater a
operação Lava Jato”.
Muita água ainda vai rolar por debaixo da pinguela em que o
(ainda) presidente se equilibra a duras penas. Nesse entretempo, a estratégia
do Planalto é atirar contra Janot e
a Lava-Jato. Temer nega, numa tentativa bisonha de, como Lula, recorrer à dialética para sustentar o insustentável. Só que o
petista discursa para uma multidão de esquerdopatas fanáticos, enquanto o
peemedebista conta nos dedos os gatos-pingados que ainda o apoiam. E a absurda
decisão do TSE não o desobriga de
granjear pelo menos 172 votos na Câmara para barrar a denúncia que o Ministério
Público deve formalizar a qualquer momento, embora favoreça-o o fato de boa
parte dos deputados, com receio da Lava-Jato, relutar em apoiar Janot e Fachin nessa queda de braço.
O imprestável PSDB
deve decidir já na segunda-feira se desembarca ou não do governo. Com isso, o
chamado “centrão” ― formado por partidos de médio porte, como o PP, PR, PTB,
PRB e PSC, e abrigando muitos parlamentares do “baixo clero” ― pode aproveitar
a oportunidade para oferecer um “ombro amigo” ao presidente. “Na crise, orai; na bonança, cantai louvores.
E eu quero cantar louvores”, Roberto
Jefferson ― o cara que denunciou o mensalão e ora preside o PTB. Claro que suas excelências esperam obter, em troca da
governabilidade dada pelo bloco a Temer,
a contrapartida de cargos em estatais e diretorias de bancos. E tudo continua
como antes no Quartel de Abrantes.
Sobre a suposta investigação da Abin, reproduzo a seguir a nota publicada na manhã deste sábado:
“É inadmissível a prática de
gravíssimo crime contra o Supremo Tribunal Federal, contra a Democracia e
contra as liberdades, se confirmada informação de devassa ilegal da vida de um
de seus integrantes. Própria de ditaduras, como é esta prática, contrária à
vida livre de toda pessoa, mais gravosa é ela se voltada contra a responsável
atuação de um juiz, sendo absolutamente inaceitável numa República Democrática,
pelo que tem de ser civicamente repelida, penalmente apurada e os responsáveis
exemplarmente processados e condenados na forma da legislação vigente. O
Supremo Tribunal Federal repudia, com veemência, espreita espúria,
inconstitucional e imoral contra qualquer cidadão e, mais ainda, contra um de
seus integrantes, mais ainda se voltada para constranger a Justiça. Se
comprovada a sua ocorrência, em qualquer tempo, as consequências jurídicas,
políticas e institucionais terão a intensidade do gravame cometido, como
determinado pelo direito. A Constituição do Brasil será cumprida e prevalecerá
para que todos os direitos e liberdades sejam assegurados, o cidadão respeitado
e a Justiça efetivada. O Supremo Tribunal Federal tem o inafastável compromisso
de guardar a Constituição Democrática do Brasil e honra esse dever, que será
por ele garantido, como de sua responsabilidade e compromisso, porque é sua
atribuição, o Brasil precisa e o cidadão merece. E, principalmente, porque não
há outra forma de se preservar e assegurar a Democracia”.