sábado, 10 de junho de 2017

DERAM ASAS À COBRA; AGORA ELA QUER VOAR

Até as pedras sabiam qual seria o resultado do “julgamento histórico” que terminou (finalmente) na noite da última sexta-feira. Difícil era imaginar como seria cansativo acompanhar a leitura do caudaloso relatório e os votos intermináveis dos ministros. Ou a sensação de frustração que, ao final, se abateu sobre um povo que, depois de perder a confiança no Legislativo e no Executivo, vê ruir o último pilar que sustentava seus anseios de um dia extirpar do tecido da democracia o nefasto câncer da corrupção sistêmica.

Além de não servir aos interesses da nação, a decisão de Gilmar Mendes e seus acólitos deixou patente a imprestabilidade do TSE como guardião do processo eleitoral tupiniquim e fez de bobos os ministros Herman Benjamin, Luiz Fux e Rosa Weber, que pareciam acreditar que o julgamento era para valer, e não um burlesco jogo de cartas marcadas. Curiosamente, o presidente da Corte foi o grande responsável por ressuscitar a ação de cassação da chapa, que havia sido arquivada por decisão monocrática da então ministra-relatora Maria Thereza de Assis, em 2015, quando a petista Dilma Rousseff era a inquilina do Planalto. No entanto, agora, quando o inquilino é o peemedebista Michel Temer, seu amigo pessoal, Gilmar Mendes mudou diametralmente sua opinião ― a pretexto de manter a “estabilidade”, a “governabilidade”, como fez questão de frisar no voto que “mandou às favas” o tal “julgamento judicial e jurídico” que havia prometido presidir. Quid juris?

Observação: Gilmar Mendes chegou mesmo a repreender o vice-procurador-geral Eleitoral Nicolao Dino, que arguiu a suspeição do ministro Edmar Gonzaga ― por este ter advogado para a campanha de Dilma em 2010. Visivelmente irritado, Mendes disse que, se o MPE já tinha essa informação, que se manifestasse no início do processo, e não no final, para “surpreender a Corte”. Acuados, os demais ministros rejeitaram o pedido de Dino. Quanta isenção! 

Para o bem ou para o mal, essa história parece estar longe do fim. Temer, que havia pedido mais prazo para responder as 82 perguntas formuladas pela PF, sentiu-se revigorado pelo vergonhoso conchavo articulado por quatro dos sete ministros do TSE e resolveu ― também ele ― mandar tudo às favas, não só se recusando a responder as perguntas (que não são da PF nem do MPF, mas da nação brasileira), mas também deixando claro que irá lutar com todas as armas para permanecer no trono, ainda que para tenha de bater de frente com o Supremo, como supostamente fez ao determinar à Abin (Agência Brasileira de Inteligência) que investigasse a vida pregressa do ministro Edson Fachin, relator da Lava-Jato naquela Corte ― um descalabro que Carmen Lucia não deixou sem resposta: na manhã deste sábado, através de nota, a ministra afirmou que “é inadmissível a prática de gravíssimo crime contra o Supremo, contra a democracia e contra as liberdades, se confirmada informação de devassa ilegal da vida de um de seus integrantes” (detalhes mais adiante).

Temer negou ter dado a ordem, como já negou uma série de fatos espúrios que acabou admitindo mais adiante ― como a viagem com a família a bordo do avião da JBS, em 2011, que o Planalto tentou canhestramente justificar, afirmando que “o então vice-presidente não sabia a quem pertencia a aeronave e não fez pagamento pelo serviço”. Nem a Velhinha de Taubaté engoliria essa falácia, como “não cola” a assertiva de que “o governo não usa a máquina pública contra os cidadãos brasileiros, muito menos fará qualquer tipo de ação que não respeite aos estritos ditames da lei”, ou de que “não há, nem houve, em momento algum a intenção do governo de combater a operação Lava Jato”.

Muita água ainda vai rolar por debaixo da pinguela em que o (ainda) presidente se equilibra a duras penas. Nesse entretempo, a estratégia do Planalto é atirar contra Janot e a Lava-Jato. Temer nega, numa tentativa bisonha de, como Lula, recorrer à dialética para sustentar o insustentável. Só que o petista discursa para uma multidão de esquerdopatas fanáticos, enquanto o peemedebista conta nos dedos os gatos-pingados que ainda o apoiam. E a absurda decisão do TSE não o desobriga de granjear pelo menos 172 votos na Câmara para barrar a denúncia que o Ministério Público deve formalizar a qualquer momento, embora favoreça-o o fato de boa parte dos deputados, com receio da Lava-Jato, relutar em apoiar Janot e Fachin nessa queda de braço.

O imprestável PSDB deve decidir já na segunda-feira se desembarca ou não do governo. Com isso, o chamado “centrão” ― formado por partidos de médio porte, como o PP, PR, PTB, PRB e PSC, e abrigando muitos parlamentares do “baixo clero” ― pode aproveitar a oportunidade para oferecer um “ombro amigo” ao presidente. “Na crise, orai; na bonança, cantai louvores. E eu quero cantar louvores”, Roberto Jefferson ― o cara que denunciou o mensalão e ora preside o PTB. Claro que suas excelências esperam obter, em troca da governabilidade dada pelo bloco a Temer, a contrapartida de cargos em estatais e diretorias de bancos. E tudo continua como antes no Quartel de Abrantes.

Sobre a suposta investigação da Abin, reproduzo a seguir a nota publicada na manhã deste sábado:

 “É inadmissível a prática de gravíssimo crime contra o Supremo Tribunal Federal, contra a Democracia e contra as liberdades, se confirmada informação de devassa ilegal da vida de um de seus integrantes. Própria de ditaduras, como é esta prática, contrária à vida livre de toda pessoa, mais gravosa é ela se voltada contra a responsável atuação de um juiz, sendo absolutamente inaceitável numa República Democrática, pelo que tem de ser civicamente repelida, penalmente apurada e os responsáveis exemplarmente processados e condenados na forma da legislação vigente. O Supremo Tribunal Federal repudia, com veemência, espreita espúria, inconstitucional e imoral contra qualquer cidadão e, mais ainda, contra um de seus integrantes, mais ainda se voltada para constranger a Justiça. Se comprovada a sua ocorrência, em qualquer tempo, as consequências jurídicas, políticas e institucionais terão a intensidade do gravame cometido, como determinado pelo direito. A Constituição do Brasil será cumprida e prevalecerá para que todos os direitos e liberdades sejam assegurados, o cidadão respeitado e a Justiça efetivada. O Supremo Tribunal Federal tem o inafastável compromisso de guardar a Constituição Democrática do Brasil e honra esse dever, que será por ele garantido, como de sua responsabilidade e compromisso, porque é sua atribuição, o Brasil precisa e o cidadão merece. E, principalmente, porque não há outra forma de se preservar e assegurar a Democracia”.

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