A prisão após sentença condenatória de primeiro grau valeu entre 1940 até 1973, quando então a regra foi mudada para favorecer o
delegado Sérgio Paranhos Fleury, chefe da repressão e notório torturador, que estava para ir a júri popular. Por conta
disso, os militares pressionaram o Congresso para aprovar a lei 5.941, que
estabeleceu a possibilidade de condenados na primeira instância apelarem em
liberdade. Em 1988, nossa famigerada “Constituição Cidadã” completou o desserviço
ao determinar que a presunção de
inocência valesse até o trânsito em julgado da sentença (ou seja, até que todos os recurso em todas as instâncias fossem julgados).
Observação: Segundo a Constituição, “ninguém será considerado
culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória” (Art. 5º,
LVII). Esse é o fundamento do princípio da presunção de inocência (ou
da não culpabilidade).
A presunção de inocência é elogiável, não resta dúvida. Mas, considerando as peculiaridades
da Justiça brasileira ― sobretudo a existência de 4 instâncias, um sem-número
de apelações possíveis e a notória morosidade do Judiciário ―, sua observância literal “oficializa” a impunidade, notadamente para réus endinheirados,
que podem pagar os melhores criminalistas e aguardar em
liberdade até que a prescrição impeça o Estado de puni-los (saiba mais sobre prescrição, decadência, preclusão e perempção na postagem anterior).
Na virada do século, a súmula 09 do STJ cristalizou o entendimento de que a prisão do condenado em
segunda instância não ofende a presunção
de inocência, e que, para apelar, era preciso iniciar o cumprimento
provisório da pena. Em 2009, todavia, quando as investigações do escândalo do mensalão ameaçavam mandar
para a prisão bandidos de colarinho branco poderosos, o então ministro Eros Grau (indicado por Lula para o Supremo) defendeu a volta ao status quo ante, e a maioria de seus pares seguiu seu voto.
Observação: Ao longo de seus dois mandatos à frente da
presidência da Banânia, Lula indicou
para o STF os ministros Eros Grau, Carlos Alberto Menezes
Direito, Ayres Britto, Cármen Lúcia, Ricardo Lewandowski, Cezar
Peluso, Joaquim Barbosa e Dias Toffoli. Da composição atual,
apenas o decano Celso de Mello
(indicado por Sarney), Marco Aurélio Mello (indicado pelo
primo Fernando Collor), Gilmar Mendes (por FHC) e Alexandre de Moraes
(por Michel Temer) não foram
guindados à corte pelo demiurgo de Garanhuns ou por sua deplorável sucessora.
Em 2016, com Eros Grau
já aposentado, o Supremo restabeleceu (por 6 votos a 5) o entendimento vigente até 2009 ― ou seja, de que a prisão após condenação
em segunda instância é constitucional e não viola o princípio da presunção de
inocência. Hoje, conforme registrou Carlos Alberto Sardenberg em sua coluna no GLOBO, o ex-ministro se arrepende do que fez: "Neste
exato momento, eu até fico pensando se não seria bom prender já na primeira
instância esses bandidos que andam por aí", disse Grau ao jornalista.
Agora, quando chega a vez de Lula, o STF volta a se
articular para restabelecer a norma vigente entre 2009 e 2016. Mas
não é só por Lula, claro; a mudança livraria muita gente da cadeia e impediria que outros tantos
fossem presos ― dentre os quais o presidente Temer, ministros e parlamentares hoje
protegidos pelo foro privilegiado, mas que perderão o benefício ao final de seus
mandatos.
É importante ter em mente que os
recursos ao STJ e STF (especial e extraordinário, respectivamente) não se prestam ao reexame de provas, mas sim a questionar matéria de direito ― como eventual descumprimento de preceitos legais/constitucionais. Portanto, salvo
melhor juízo, a presunção de inocência
exaure-se após a confirmação da sentença penal pelo tribunal de segundo grau.
Em artigo publicado na Folha em fevereiro passado, Luís
Roberto Barroso, do STF, e Rogério Eschietti,
do STJ, ponderaram que um estudo considerando quase 69 mil
decisões do STJ ― monocráticas e de colegiado ― ao longo de dois anos
derruba o argumento de que recursos mudam os vereditos da segunda instância. A
soma dos percentuais de absolvição e substituição de pena é de apenas 1,64%;
portanto, seria “ilógico moldar o
sistema em função da exceção, e não da regra (...) e o STF voltar atrás
nessa matéria [execução provisória da pena após condenação em segunda
instância] traria pouco benefício, já que a redução do risco de ser punido
manteria a atratividade do crime, desestimularia a colaboração com a Justiça e,
em vez de incentivar empreendedores honestos, continuaria a favorecer quem
transgride as leis penais”.
Visite minhas comunidades na Rede
.Link: