Encerrei a postagem de sábado prometendo algumas linhas sobre
Romero Jucá, mas achei de falar
sobre a aprovação da restrição do foro privilegiado e acabei deixando Caju (codinome do senador emedebista
nas planilhas de propina do Setor de
Operações Estruturadas da Odebrecht) para a postagem de hoje. Sem mais
delongas, vamos a ela.
Romero Jucá Filho
nasceu em Recife (PE), em 1954. Formou-se
em Economia pela Universidade Católica de Pernambuco e iniciou
a carreira política como diretor da
Secretaria de Educação do estado. Foi presidente
da FUNAI entre 1986 e 1988 e governador biônico do recém-criado
estado de Roraima ― cargo que perdeu
18 meses depois, por não conseguir ser eleito pelo voto popular no pleito de
1990. Em 1994, ainda filiado ao PPR, conquistou uma cadeira no Senado; depois
de filiar-se ao PMDB, passou a
presidir o diretório estadual da sigla em Roraima.
Foi líder do governo no Senado nas
gestões de FHC, Lula e Dilmanta. Chegou
a ser nomeado ministro da Previdência
Social no governo Lula, mas deixou
o cargo 4 meses depois da posse, por
suspeitas de corrupção. Quando a nefelibata
da mandioca foi afastada e seu vice passou a titular, Jucá assumiu o ministério do
Planejamento, mas, mais uma vez, foi obrigado a deixar o cargo ― que ocupou
por míseros 11 dias ―, desta feita
devido a acusações de obstrução à Lava-Jato.
Alvo de 13 inquéritos
― sete dos quais no âmbito da Lava-Jato,
dois na Operação Zelotes, um de Belo Monte e um da Transpetro ―, Romero Jucá
foi o primeiro senador a se tornar réu no STF
em ação decorrente das delações de executivos da Odebrecht. Mas continua orbitando o poder central ― aliás, desde a
redemocratização que ele participa de todos os governos e se mostra útil a cada
um deles. Mas seu afastamento de Dilma
― que ocorreu antes da eleição de 2014 ― o aproximou da oposição, com quem
sempre teve boas relações.
No último pleito, Jucá
apoiou Aécio, e em 2015, durante a
crise que resultou no impeachment, foi um dos principais articuladores do “Plano Temer”. Depois que o PMDB (hoje MDB) assumiu o poder, sua influência cresceu significativamente: não
houve neste governo medida no Congresso que não contasse com sua atuação, da aprovação
da PEC dos gastos à lei da
terceirização, da reforma da Previdência às tentativas (malogradas, felizmente)
de blindar a classe política contra a ação saneadora da Lava-Jato.
Jucá encarna como
ninguém a elite política ameaçada pela investigação que revelou uma corrupção
sistêmica vigente no país há pelo menos três décadas, e a exemplo dos demais
políticos investigados, denunciados e réus na Justiça penal, refuta as
declarações dos delatores e jura inocência. Da sua ótica, o Brasil caminha para
virar uma Itália ― referindo-se à extinção dos principais partidos do país após
a Operação Mãos-Limpas, no início da
década de 1990, que resultou na assunção de Silvio Berlusconi à Presidência.
Em Roraima, Caju
seguiu o exemplo do senador maranhense José
Sarney, com quem é unha e carne, no propósito de dominar completamente o
estado: sua família é dona de emissoras de TV ― como as retransmissoras locais
da Record e da Bandeirantes ―, além de estações de rádio, jornais e empresas de
serviço, e sua segunda mulher, Teresa
Surita, está no quinto mandato à frente da prefeitura de Boa Vista.
Jucá é o exemplo
do político em quem uma pessoa consciente jamais deveria votar para representá-la,
nem que fosse como síndico de condomínio. Para não impor ao leitor apenas a
minha opinião, transcrevo o que escreveu Roberto
Pompeu de Toledo sobre essa figura prosaica, em maio de 2016, quando Temer assumiu a presidência:
‘Procura-se alguém capaz de servir a (e servir-se de) diferentes regimes e governos? Dá Jucá na cabeça. Alguém que já saltou repetidas vezes de um partido para outro? Dá Jucá. Alguém com suficiente número de escândalos nas costas? Outra vez, Jucá não decepciona. Alguém que, representante de um estado pobre, de escassa oferta de oportunidades, consegue construir respeitável patrimônio pessoal? Jucá cai como uma luva. Um político que traz parentes para fazer-lhe parceria na carreira? Jucá! Proprietário de emissora de TV? Jucá! Um político que, derrotado aqui e denunciado ali, no round seguinte se reergue, pronto para novos cargos e funções? Jucá! Jucá!’ (VEJA, 6/6/2007).
De lá para cá, Romero Jucá só fez ser fiel a si mesmo. Depois de servir como líder no Senado aos governos FHC e Lula, serviu também ao de Dilma Rousseff. Tudo somado, ficou mais de dez anos na liderança do governo dos três últimos presidentes. Pulou do barco de Dilma na campanha de 2014, quando só a presidente não percebeu que era uma ótima oportunidade para perder, e apoiou Aécio Neves. No ano passado, como era previsível, teve seu nome incluído na famosa “lista do Janot”, em que o procurador-geral da República arrolou os políticos implicados no escândalo da Petrobras. Nas últimas semanas, assumiu a presidência do PMDB, no lugar de Temer, e comandou a cabala de votos em favor do vice e a consequente oferta de empregos no futuro governo. Com Jucá em posição de relevância, não há possibilidade de mudança no sistema político. Não se encontrará entre os políticos brasileiros um mais fiel seguidor da regra de que, quando as coisas mudam, é para ficar tudo igual.
A duradoura influência de Jucá na política brasileira embute um enigma. Ele não se distingue como orador e carece de magnetismo pessoal. Nunca se ouviu dele uma ideia inovadora ou um discurso coerente sobre os rumos nacionais. Representa um estado pequeno (500 000 habitantes) e, fora do mundinho da política, poucos ligarão o nome à pessoa. Uma hipótese é que seu sucesso repouse exatamente na soma de tais deficiências. Por não fazer sombra a nenhum dos pares, circula com desenvoltura entre eles. Por não representar nenhuma ideia, não há como ser desafiado no campo intelectual. Jeitoso, conhece o caminho para, em todas, ficar do lado vencedor.
Há outros sinais de que o sistema seguirá o mesmo. A condescendência com Eduardo Cunha é o mais eloquente. Na votação de domingo, sempre que um deputado acusava o presidente da Câmara, sua voz era abafada por um coro de desprezo. Seguiu-se, um dia depois, uma articulação aberta para salvá-lo das punições que o ameaçam. Foi constrangedor ver um réu por crime de corrupção e lavagem de dinheiro no comando da sessão de impeachment e é inimaginável vê-lo como o segundo na linha de sucessão presidencial. Cunha perde de Jucá, porém, em itens decisivos. Ele se expõe, enquanto o outro se poupa. É atrevido como um jogador de cassino, enquanto o outro soa respeitoso como um sacristão. Por mais protegido que continue, Cunha talvez já não tenha condição de figurar numa foto junto ao provável futuro presidente. Jucá, na última quarta-feira, acompanhou Temer em um almoço com o ex-ministro Delfim Netto, e o trio foi fotografado à saída.
Dilma, uma presidente que une a inépcia à arrogância, não tinha como continuar. Seu governo derreteu-se na mesma medida em que se derretia a economia e esgotavam-se seus recursos para deter o desastre. Quem esperava, no entanto, que, em acréscimo, viria uma mudança no modo de fazer política perdeu. Deu Jucá.
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