sábado, 8 de setembro de 2018

SOBRE O ATENTADO CONTRA BOLSONARO E SEUS PRECEDENTES AO LONGO DA HISTÓRIA


O atentado contra Jair Bolsonaro caiu como uma bomba entre os brasileiros e foi manchete nos jornais do mundo inteiro. Até o momento em que estou redigindo esta postagem, sabe-se que o candidato foi transferido da Santa Casa de Juiz de Fora para o hospital Albert Einstein — um dos mais renomados da capital paulista e, por que não dizer, da América Latina — e que ficará “de molho” por uma semana ou mais, impossibilitado, por conseguinte, de participar de atos públicos de companha e que tais.

É cedo para dizer quais efeitos essa barbárie produzirá na campanha do presidenciável — como se já não sobrassem incertezas no pleito de 2018, que é tido e havido como o mais confuso e conturbado da história deste país, sobretudo pela obstinação do PT em manter até o último segundo a candidatura de um criminoso condenado e encarcerado (o que seria inimaginável em qualquer arremedo de democracia que se preze, e que só nos rebaixa, merecidamente, à condição de republiqueta de bananas). A 29 dias do primeiro turno e sem que a interminável novela da inelegibilidade de Lula chegue a seu final, só nos resta acompanhar, mesmo que a contragosto, os derradeiros desdobramentos de um folhetim sobre alguém que morreu, mas se recusa teimosamente em entrar no esquife e ser devidamente sepultado.

Ainda que as repercussões do atentado contra Bolsonaro tenham ganhado destaque na mídia e prevalência sobre as chicanas político-jurídicas do criminoso de Garanhuns, as duas situações, embora distintas, influenciam de maneira determinante o cenário político tupiniquim. Todavia, considerando que não houve fatos novos que justificassem rediscutir os 3 recursos interpostos pela defesa desde a cassação do registro da candidatura de Lula, valho-me desta postagem para fazer uma rápida viagem ao passado e rememorar alguns momentos de destaque na nossa política. Antes, porém, cumpre relembrar que:

— Numa democracia que se preze, o criminoso Lula não seria candidato nem a presidente de reunião de condomínio de periferia. Por outro lado, estamos no Brasil, onde uma calamidade travestida de presidente da República perdeu o cargo, mas teve preservados seus direitos políticos graças a um conluio entre o PT (sempre ele), um cangaceiro que então presidia o Congresso e um militante vermelho que então comandava o STF.

— Estamos num país onde o vice da ex-grande-chefa-toura-sentada, após ser promovido a titular, foi denunciado duas vezes por crimes cometidos no exercício do cargo e penhorou as ceroulas da nação para comprar votos dos proxenetas do Parlamento e assim evitar que o STF o processasse antes do final de seu desditoso mandato;

— Onde a mais alta corte eleitoral, num lastimável espetáculo circense de quinta categoria comandado por um ministro que se julga a encarnação de Deus na Terra, absolveu a chapa Dilma-Temer, levando relator do processo, ministro Herman Benjamin, a dizer que “recusava o papel de coveiro de provas vivas”;

— Onde, há exatos 7 dias, esse mesmo tribunal (embora com outra composição) debateu durante quase 12 horas a ilegibilidade chapada de Lula e, ao final, rejeitou sua candidatura por 6 votos a 1, quando qualquer balconista da repartição pública onde os partidos apresentam os pedidos de registro de seus candidatos teria chegado à mesmíssima conclusão em não mais que dez minutos, poupando tempo, dinheiro e constrangimento a este pobre país;

— Onde dia sim outro também o noticiário traz fatos novos sobre o envolvimento do atual comandante em chefe da nação em práticas nada republicanas e, com regularidade ainda maior, noticia a mais recente chicana da defasa do deus-pai da Petelândia, seja para tirá-lo da cadeia, seja para mantê-lo no pleito presidencial, como se a Lei da Ficha-Limpa fosse tão irrelevante quanto o miado de um gato numa noite de lua cheia.

Feita essa (não tão breve) remissão, passemos à nossa rápida regressão no tempo, voltando inicialmente ao Brasil Império dos anos 1830, durante o governo de D. Pedro I, quando o fundador do jornal O Observador Constitucional — que colecionou desafetos por fazer uma campanha em favor de manifestantes que protestaram contra o governo monárquico — foi assassinado ao voltar para casa, numa rua central de Sampa que mais tarde seria batizada de Rua Líbero Badaró. As últimas palavras desse jornalista, médico e político teriam sido “morre um liberal, mas não morre a liberdade”. O assassino foi preso e, segundo os historiadores, o mandante do crime teria sido o próprio D. Pedro, que abdicou do trono e voltou para Portugal no ano seguinte.

Avancemos agora até 1889, quando o Brasil passava por um período de instabilidade devido à recente promulgação da Lei Áurea. D Pedro II, adoentado e cada vez mais afastado das decisões políticas do país durante a crise institucional, escapou de uma tentativa de assassinato quando saía de um espetáculo no Teatro Sant’Anna, no Rio de Janeiro. O imperador não foi atingido pelos disparos efetuados contra sua carruagem por um republicano português, que foi preso pela polícia.

Oito anos mais tarde, Prudente de Morais — terceiro presidente do Brasil, primeiro civil a assumir o cargo e o primeiro a ser eleito pelo voto direto — escapou ileso de um atentado desfechado contra ele durante uma cerimônia militar. Já o Marechal Bittencourt, então ministro da Guerra, faleceu defendendo a vida do presidente — que conseguiu afastar com a cartola a arma apontada contra seu peito por um soldado de nome Marcelino Bispo de Melo. Ainda assim, Bispo conseguiu sacar da espada e golpear o marechal. O então vice presidente, Manoel Victorino, foi processado como mandante do atentando, mas acabou inocentado por Gilmar Mendes, digo, por falta de provas.

Avancemos para o início do século XX, quando, em meados de sua segunda década, um influente senador da Primeira República de nome José Gomes Pinheiro Machado foi assassinado, com uma punhalada nas costas, no saguão de um hotel de luxo no bairro do Flamengo, no Rio de Janeiro. O autor do crime foi Francisco Manso de Paiva Coimbra, que entregou o punhal sujo de sangue e esperou calmamente que a polícia fosse prendê-lo.

Quinze anos depois, João Pessoa Cavalcanti de Albuquerque, então governador da Paraíba (estado cuja capital, que até então se chamava Parahyba, foi rebatizada com o seu nome) foi assassinado na Confeitaria A Glória, no Recife. Sua morte foi considerada como o estopim da Revolução de 1930 — golpe de estado liderado por Getúlio Vargas, que depôs o então presidente Washington Luís

Em meados do século passado, mais exatamente na madrugada de 5 de agosto de 1954, o jornalista e político Carlos Lacerda foi surpreendido por uma saraivada de balas quando chegava em sua casa, na rua Tonelero, no bairro carioca de Copacabana. Lacerda era o maior opositor político de Getúlio Vargas, e a tentativa de assassinato ganhou destaque histórico porque acentuou a crise política que o país atravessava, pavimentando o caminho para o “suicídio” de Vargas, ocorrido 19 dias depois.

Bem mais recentemente, durante a ditadura militar, um atentado a bomba no aeroporto de Guararapes, no Recife, teve como alvo o general Arthur da Costa e Silva, que viajava em campanha antes de suceder ao marechal Humberto de Alencar Castello Branco. Morreram um vice-almirante e um jornalista, e outras 14 pessoas ficaram feridas. A autoria do atentado é atribuída a uma organização de esquerda chamada Ação Popular, mas Costa e Silva escapou ileso porque havia alterado o trajeto para desembarcar em João Pessoa.

Em 1967, José Sarney, então governador do Maranhão, escapou de ser esfaqueado durante um comício porque seu tio, o capitão Alberico Ferreira, impediu a ação do desafeto. Vinte e um anos depois, já então ocupando a Presidência, a múmia maranhense escapou de outro atentado, desta feita da autoria de Raimundo Nonato Alves da Conceição, que sequestrou um avião da (hoje extinta) VASP com o objetivo de lançá-lo contra o Palácio do Planalto. O plano não deu certo e o sequestrador acabou morto por policiais federais quando a aeronave pousou em Goiânia.

Como se viu nessa breve regressão pelo tempo, o atentado contra Bolsonaro não foi um fato inusitado, ainda que nada parecido tenha sido registrado nos últimos 30 anos. Talvez o próprio Bolsonaro tenha contribuído — claro que involuntariamente — para o episódio, quando mais não seja por ser useiro e vezeiro no “corpo a corpo” com eleitores em meio a multidões alucinadas. Em que pese a proteção dos policiais federais — e de alguns seguidores do presidenciável que atuam como guarda-costas —, a imprevisibilidade do ataque e o modo como ele foi desfechado tornaram-no praticamente impossível de prevenir. Mas daí a considerá-lo culpado pelo crime do qual foi vítima, como muita gente tem dito, vai uma longa distância.

Ainda que seja prematuro especular quais serão as consequências do atentado e até que ponto elas influenciarão a política em geral e a campanha presidencial em particular, dois fatos são óbvios e incontestáveis. O primeiro é que a gravidade dos ferimentos impedirá o candidato de voltar a fazer campanha de rua, pelo menos até o primeiro turno das eleições. O segundo é benéfico ao candidato, que vinha sendo alvo de uma enorme campanha destrutiva promovida pelos adversários, e agora fica mais difícil eles se engajarem num ataque cerrado visando desconstruir a imagem do candidato (aliás, nada que o próprio Bolsonaro não seja capaz de fazer sozinho, mas isso é outra conversa).

Segundo matéria veiculada pela revista digital Crusoé, a despeito de não haver informes de inteligência da Polícia Federal sobre ameaças concretas nem relatos do próprio candidato a esse respeito, o staff de Bolsonaro chegou a discutir os riscos de fazer campanha em lugares públicos e com muita gente. Coube ao general Augusto Heleno Ribeiro, um dos mais influentes auxiliares do candidato, fazer a advertência. “Alertei que o pior atentado era esse com faca. O revólver você percebe mais fácil, você tem que sacar e apontar para o seu alvo. A faca o cara pode esconder na manga da blusa e tirar já em cima do alvo”, disse o militar reformado, para quem a preocupação com a segurança do candidato cresceu à medida que se tornaram mais intensos os ataques dos adversários nas redes sociais e na propaganda eleitoral no rádio e na TV: “Era natural diante da campanha que estava sendo feita contra ele, na base do ódio, da pregação de que ele era um inimigo do Brasil”.

Para não estender ainda mais este texto, o resto fica para amanhã.

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