segunda-feira, 3 de setembro de 2018

SOBRE O HORÁRIO ELEITORAL OBRIGATÓRIO (E OUTRAS CONSIDERAÇÕES)


Desde o último dia 31 (e até o dia 4 do mês que vem), quem ouve rádio ou assiste à programação da TV aberta vem sendo (e continuará a ser) brindado com as aborrecidas inserções de candidatos à presidência, ao senado, à câmara de deputados, aos governos estaduais e às assembleias legislativas. É impressionante que, a despeito da “redemocratização” do país e da famigerada “Constituição Cidadã”, ainda não nos tenhamos livrado do execrável voto obrigatório e desse horário político “gratuito” — ranço da pré-ditadura militar, criado em 1962 para obrigar as emissoras a reservar, nos 60 dias anteriores a 48 horas das eleições, 120 minutos diários de sua programação para a propaganda política, que é gratuita para os partidos, mas bancada com dinheiro dos contribuintes.

Em 1976, sob a ditadura militar e orientação do então ministro da Justiça Armando Falcão, a propaganda eleitoral foi limitada à apresentação do currículo do candidato e uma foto (visando evitar a comunicação entre candidato e eleitor). Em 1989, já sob as bênçãos da atual Constituição, o blablablá voltou ao ar qual Fênix renascida das cinzas. Em 2015, dentre outras modificações, a minirreforma eleitoral reduziu a aporrinhação de 45 para 35 dias antes do pleito, o que passou a valer já nas eleições municipais de 2016.

Não sei até que ponto essa palhaçada motiva o eleitorado a escolher este ou aquele candidato ou partido. Mas sei que, em pleno século XXI, com o acesso às informações potencializado pela internet e suas mídias digitais, só mesmo a parcela menos favorecida da população ouve esse besteirol (e por absoluta falta de opção). Deve funcionar, ou os políticos não disputariam a tapa esse tempo de exposição no rádio e na TV e não formariam coligações com legendas diametralmente opostas, ideologicamente falando, às suas próprias. Veja o caso do PSDB de Alckmin, que se coligou aos partidos do Blocão (ou Centrão) para ganhar mais tempo na propaganda gratuita e aumentar sua parcela nos fundos partidário e eleitoral.   

Tenho comigo que os debates entre candidatos (como os promovidos recentemente pela Band e pela Rede TV!) podem não ser a forma ideal de esclarecer o eleitorado, até porque o tempo reservado para os participantes é modesto e as perguntas feitas pela bancada de jornalistas e pelos próprios candidatos nem sempre são satisfatoriamente respondidas. Mas não tenho dúvida de que seja uma alternativa melhor do que essa procissão de políticos vomitando mentiras e promessas vãs (isso na minha opinião, naturalmente, e ninguém está obrigado a concordar comigo).

Semanas atrás a Rede Globo entrevistou os candidatos à presidência que mais se destacaram nas últimas pesquisas. Durante o Jornal Nacional, cada qual teve 27 minutos para responder o que lhe foi perguntado pelos apresentadores. As entrevistas se repetiram no Jornal das 10 da Globo News, mas a questão que ora suscito é a forma incisiva com que os apresentadores Willian Bonner e Renata Vasconcellos sabatinaram os candidatos. A princípio, pensei que fosse impressão minha, mas parece que não, haja vista o que escreveu a respeito o consagrado jornalista J.R. Guzzo em seu blog (confira a transcrição a seguir, lembrando que os ressaltes são meus):
   
Quando alguém se coloca no papel de Deus no dia do Juízo Final, disposto a dar sentenças sem possibilidade de recurso, é bom saber o está fazendo, porque o emprego de Deus não é assim tão fácil como se pensa. Mas aí é que está: hoje em dia qualquer um se nomeia Padre Eterno, sem pensar durante meio minuto se está qualificado para a função. Acredita seriamente que é capaz de tirar de letra a tarefa de separar céu de inferno, não se prepara para o serviço e o resultado acaba sendo uma lástima. É o que o público acaba de ver, nos últimos dias, no processo divino e penal instaurado por jornalistas de televisão contra os atuais candidatos a presidente da República. Não estão previstas absolvições nesse tribunal. As únicas sentenças disponíveis são as de condenação. Nada do que os réus dizem, quando conseguem dizer alguma coisa, é levado em consideração; é uma surpresa, na verdade, quando recebem a permissão dos inquisidores para completar uma resposta. O resultado final é que ninguém acredita que os moços e as moças da tela sejam mesmo um Deus legítimo. Ficam com cara de Rolex paraguaio. Não assustam mais os acusados. Fazem o público ficar torcendo contra eles e a favor dos candidatos. Provocam o riso.

Ninguém parece estar fazendo isso tão bem quanto a Rede Globo, embora este seja um campeonato em aberto na mídia, com muito jogo ainda pela frente. Seus entrevistadores vão para cada programa com um propósito acima de qualquer outro — em vez de fazer perguntas aos candidatos, fazem acusações. Não é, em nenhum momento, uma entrevista: é um interrogatório policial, onde os inquisidores não ouvem as respostas do inquirido, não se obrigam a colocar um mínimo de inteligência nas suas questões e só se interessam em exibir para o público o quanto admiram as suas próprias virtudes. Aumentam o tom de voz cada vez que o acusado abre a boca para falar alguma coisa. Arregalam os olhos. Ficam de dedo em riste. Fazem caras e bocas. Se enervam o tempo todo. A última coisa que os preocupa é levar alguma informação a quem está assistindo ao programa. Ao fim do espetáculo, a maior parte do público já esqueceu a maçaroca de números, nomes e datas, frequentemente desconexos, incompreensíveis ou tolos, que os acusadores jogaram em cima de todos. Praticam, em suma, um jornalismo de emboscada de baixa qualidade, em que se satisfazem plenamente em ouvir o barulho dos tiros que disparam. Acham que isso é o bastante para revelar sua independência diante dos candidatos. Conseguem, no fim, mostrar apenas o quanto podem ser neurastênicos.

O resultado mais frequente disso tudo têm sido o exato contrário do que os programas pretendem. Os jornalistas conseguem, sim, desfilar na tela no papel de mocinhos e deixar os candidatos na posição de bandidos — o problema, porém, é que acabam levando o público a torcer pelo bandido. Como ser diferente? À certa altura de um dos recentes inquéritos, por exemplo, os entrevistadores colocaram a si próprios na posição de sustentar perante a plateia que a dramática queda na taxa de homicídios de São Paulo nos últimos dez anos era uma obra do PCC. Aí fica realmente difícil. Da mesma maneira, perderam o controle da própria capacidade de pensar durante os confrontos com o seu monstro preferencial, o candidato Jair Bolsonaro. É perigoso fazer isso em briga de rua. Acabaram, por duas vezes seguidas, permitindo que o deputado dançasse um sapateado flamengo em cima de si próprios e da emissora que os emprega.

Não é um “problema deles”, como se poderia dizer. Os episódios cada vez mais inquietantes de perversidade, fanatismo e grosseria por parte de tantos eleitores, um sinal particular da atual campanha para a Presidência, são consequência inevitável do extremismo que passou a comandar o ambiente político brasileiro. As cruzadas da mídia fazem parte do problema. Dezenas de milhões de cidadãos se sentem agredidos, há anos, por uma visão da sociedade, da política e da vida que afronta diretamente os seus valores e convicções. Acabaram achando que a defesa do seu mundo depende das posturas mais extremadas que circulam na praça. A besta-fera do radicalismo, que tanto assusta hoje, estava apenas hibernando. Tiraram o bicho da toca e agora fica complicado se livrar dele.

Nada a acrescentar.

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