Desde o último dia 31 (e até o dia 4 do mês que vem), quem
ouve rádio ou assiste à programação da TV aberta vem sendo (e continuará a ser)
brindado com as aborrecidas inserções de candidatos à presidência, ao senado, à
câmara de deputados, aos governos estaduais e às assembleias legislativas. É
impressionante que, a despeito da “redemocratização” do país e da famigerada
“Constituição Cidadã”, ainda não nos tenhamos livrado do execrável voto obrigatório e desse horário político “gratuito” — ranço da pré-ditadura militar, criado em 1962 para obrigar as emissoras a reservar, nos 60 dias anteriores a 48
horas das eleições, 120 minutos diários de sua programação para a propaganda
política, que é gratuita para os
partidos, mas bancada
com dinheiro dos contribuintes.
Em 1976, sob a ditadura militar e orientação do então ministro
da Justiça Armando Falcão, a
propaganda eleitoral foi limitada à apresentação do currículo do candidato e uma foto
(visando evitar a comunicação entre candidato e eleitor). Em 1989, já sob as
bênçãos da atual Constituição, o
blablablá voltou ao ar qual Fênix
renascida das cinzas. Em 2015, dentre outras modificações, a minirreforma
eleitoral reduziu a aporrinhação de 45 para 35 dias antes do pleito, o que
passou a valer já nas eleições municipais de 2016.
Não sei até que ponto essa palhaçada motiva o eleitorado a
escolher este ou aquele candidato ou partido. Mas sei que, em pleno século XXI,
com o acesso às informações potencializado pela internet e suas mídias
digitais, só mesmo a parcela menos favorecida da população ouve esse
besteirol (e por absoluta falta de opção). Deve funcionar, ou os políticos não disputariam a tapa esse tempo de exposição no rádio e
na TV e não formariam coligações com legendas diametralmente opostas,
ideologicamente falando, às suas próprias. Veja o caso do PSDB de Alckmin, que se coligou aos
partidos do Blocão (ou Centrão) para ganhar mais tempo na propaganda gratuita e aumentar sua parcela nos
fundos partidário e eleitoral.
Tenho comigo que os debates entre candidatos (como os
promovidos recentemente pela Band e
pela Rede TV!) podem não ser a forma
ideal de esclarecer o eleitorado, até porque o tempo reservado para os participantes é modesto e as perguntas feitas pela bancada de jornalistas e pelos
próprios candidatos nem sempre são satisfatoriamente respondidas. Mas não
tenho dúvida de que seja uma alternativa melhor do que essa procissão de políticos
vomitando mentiras e promessas vãs (isso na minha opinião, naturalmente, e
ninguém está obrigado a concordar comigo).
Semanas atrás a Rede Globo entrevistou
os candidatos à presidência que mais se destacaram nas últimas pesquisas.
Durante o Jornal Nacional, cada qual
teve 27 minutos para responder o que lhe foi perguntado pelos apresentadores.
As entrevistas se repetiram no Jornal
das 10 da Globo News, mas a
questão que ora suscito é a forma incisiva
com que os apresentadores Willian Bonner
e Renata Vasconcellos sabatinaram os
candidatos. A princípio, pensei que fosse impressão minha, mas parece que não,
haja vista o que escreveu a respeito o consagrado jornalista J.R. Guzzo em seu blog (confira a transcrição a seguir, lembrando que os ressaltes
são meus):
Quando alguém se coloca no papel de Deus no dia do Juízo
Final, disposto a dar sentenças sem possibilidade de recurso, é bom saber o
está fazendo, porque o emprego de Deus não é assim tão fácil como se pensa. Mas
aí é que está: hoje em dia qualquer um se nomeia Padre Eterno, sem pensar
durante meio minuto se está qualificado para a função. Acredita seriamente que
é capaz de tirar de letra a tarefa de separar céu de inferno, não se prepara para
o serviço e o resultado acaba sendo uma lástima. É o que o público acaba de
ver, nos últimos dias, no processo divino e penal instaurado por jornalistas de
televisão contra os atuais candidatos a presidente da República. Não estão
previstas absolvições nesse tribunal. As únicas sentenças disponíveis são as de
condenação. Nada do que os réus dizem,
quando conseguem dizer alguma coisa, é levado em consideração; é uma
surpresa, na verdade, quando recebem a permissão dos inquisidores para
completar uma resposta. O resultado final é que ninguém acredita que os moços e
as moças da tela sejam mesmo um Deus legítimo. Ficam com cara de Rolex paraguaio. Não assustam mais os
acusados. Fazem o público ficar torcendo contra eles e a favor dos candidatos.
Provocam o riso.
Ninguém parece estar fazendo isso tão bem quanto a Rede Globo, embora este seja um
campeonato em aberto na mídia, com muito jogo ainda pela frente. Seus
entrevistadores vão para cada programa com um propósito acima de qualquer outro
— em vez de fazer perguntas aos candidatos, fazem acusações. Não é, em nenhum
momento, uma entrevista: é um interrogatório
policial, onde os inquisidores não
ouvem as respostas do inquirido, não se obrigam a colocar um mínimo de
inteligência nas suas questões e só se interessam em exibir para o público o
quanto admiram as suas próprias virtudes. Aumentam o tom de voz cada vez que o
acusado abre a boca para falar alguma coisa. Arregalam os olhos. Ficam de dedo
em riste. Fazem caras e bocas. Se enervam o tempo todo. A última coisa que os
preocupa é levar alguma informação a quem está assistindo ao programa. Ao fim
do espetáculo, a maior parte do público já esqueceu a maçaroca de números,
nomes e datas, frequentemente desconexos, incompreensíveis ou tolos, que os
acusadores jogaram em cima de todos. Praticam, em suma, um jornalismo de emboscada de baixa qualidade, em que se satisfazem
plenamente em ouvir o barulho dos tiros que disparam. Acham que isso é o
bastante para revelar sua independência diante dos candidatos. Conseguem, no
fim, mostrar apenas o quanto podem ser neurastênicos.
O resultado mais frequente disso tudo têm sido o exato
contrário do que os programas pretendem. Os jornalistas conseguem, sim,
desfilar na tela no papel de mocinhos e deixar os candidatos na posição de
bandidos — o problema, porém, é que acabam levando o público a torcer pelo
bandido. Como ser diferente? À certa altura de um dos recentes inquéritos, por
exemplo, os entrevistadores colocaram a si próprios na posição de sustentar
perante a plateia que a dramática queda na taxa de homicídios de São Paulo nos
últimos dez anos era uma obra do PCC.
Aí fica realmente difícil. Da mesma maneira, perderam o controle da própria
capacidade de pensar durante os confrontos com o seu monstro preferencial, o
candidato Jair Bolsonaro. É perigoso
fazer isso em briga de rua. Acabaram, por duas vezes seguidas, permitindo que o
deputado dançasse um sapateado flamengo em cima de si próprios e da emissora
que os emprega.
Não é um “problema deles”, como se poderia dizer. Os episódios
cada vez mais inquietantes de perversidade, fanatismo e grosseria por parte de
tantos eleitores, um sinal particular da atual campanha para a Presidência, são
consequência inevitável do extremismo que passou a comandar o ambiente político
brasileiro. As cruzadas da mídia fazem parte do problema. Dezenas de milhões de
cidadãos se sentem agredidos, há anos, por uma visão da sociedade, da política
e da vida que afronta diretamente os seus valores e convicções. Acabaram
achando que a defesa do seu mundo depende das posturas mais extremadas que
circulam na praça. A besta-fera do radicalismo, que tanto assusta hoje, estava
apenas hibernando. Tiraram o bicho da toca e agora fica complicado se livrar
dele.
Nada a acrescentar.
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