sexta-feira, 11 de janeiro de 2019

LULA LÁ



Como eu mencionei no post de quarta-feira, o presidente supremo Dias Toffoli teria até domingo para se pronunciar sobre a liminar do ministro supremo Marco Aurélio, o libertador, no mandado de segurança interposto pelo senador Lasier Martins. Se não o fizesse, o abacaxi cairia nas mãos do ministro supremo Luiz Fux, que assume o plantão da Corte na próxima segunda-feira. Como era esperado — até por uma questão de coerência com a decisão tomada em relação à votação para a presidência da Câmara —, Toffoli considerou que a liminar viola o regimento interno do Senado e fere sua autonomia, botando água no chope da tropa de choque de Bolsonaro, já que o voto aberto eliminaria do páreo Renan Calheiros, o eterno cangaceiro das Alagoas. 

Dito isso, passemos ao assunto de hoje: 

Até poucos anos atrás, quase ninguém acreditava que Lula seria réu um dia, ou que Dilma seria mesmo impichada. Mas a anta foi penabundada e seu criador e mentor, condenado e preso depois que o TRF-4 ratificou a decisão de Moro (e, de quebra, aumentou a pena para 12 anos e um mês de prisão em regime fechado). Mesmo assim, a maioria dos brasileiros continuava achando que o molusco seria novamente candidato à Presidente e que retornaria ao Planalto, como o Datafolha fazia questão de lembrar quase todo mês.

Não foi fácil prender Lula, e mais difícil ainda está sendo mantê-lo preso (basta lembrar o caso Favreto e a liminar circense do ministro Marco Aurélio). A despeito de toda a podridão revelada pela Lava-Jato, os devotos da seita do inferno, apoiados por artistas, intelectuais, jornalistas e outros desmiolados, continuam defendendo com unhas e dentes a libertação do criminoso que assaltou o povo a quem dizia defender.

Em 2007, Lula se autodefiniu como uma “metamorfose ambulante”. Faz sentido: de retirante nordestino pobre e analfabeto, ele passou a torneiro mecânico, sindicalista pelego (vale a pena ler este texto), líder populista, deputado federal e, após três tentativas frustradas, elegeu-se Presidente da República (por dois mandatos consecutivos). A partir do mensalão, porém, tornou-se “o cara que não sabia de nada”, e quando foi indiciado na Lava-Jato, transmudou-se na “alma viva mais honesta do Brasil”. Ao se tornar réu, o pulha virou uma “célula de cada brasileiro”; às vésperas de ser preso, transformou-se numa “ideia” e, na cadeia, transmudou-se no “preso político perseguido pelas ‘elites’”.

Réu em oito ações criminais e  condenado no processo do triplex, Lula foi preso em abril e está prestes a ser sentenciado novamente, seja pela juíza substituta Gabriela Hardt, encarregada provisoriamente dos casos da Lava-Jato na 13ª Vara Federal do Paraná, seja pelo magistrado que será designado para ocupar a vaga aberta com a exoneração de Sérgio Moro. São dois processos, e ambos estão conclusos para sentença (ou seja, a decisão pode sair a qualquer momento). Um deles envolve uma cobertura em São Bernardo e um terreno em São Paulo (onde seria erguida a nova sede de seu “Instituto”), e o outro, um sítio no município paulista de Atibaia. 

Na ação sobre o Sítio Santa Bárbara, a defesa apresentou alegações finais na última segunda-feira — um calhamaço de 1.643 páginas sustentando basicamente que Moro não atuou com imparcialidade para um julgamento isento e que Lula jamais foi dono do sítio. O primeiro argumento não para em pé, quando mais não seja porque ainda não houve julgamento — a argumentação até caberia num eventual recurso, mas não se pode recorrer de uma sentença que ainda não foi proferida. Já o segundo não quer dizer nada, pois corrupção é crime que não passa recibo.

Observação: Um dos capítulos desse "tratado sobre o nada" é dedicado integralmente a Sérgio Moro e seu aceite para integrar o novo governo. A defesa também não poupou a juíza substituta Gabriela Hardt. Os dez signatários da peça afirmam que "não obstante a troca do órgão julgador, Lula permanece sendo processado de forma parcial e afrontosa a seus direitos e garantias individuais". Uma foto da primeira dama Michele Bolsonaro também foi anexada aos autos. Na camiseta verde que ela veste, aparece a célebre frase dita pela juíza ao ex-presidente no início de seu último interrogatório: "Se começar nesse tom comigo, a gente vai ter problema". 

O Sítio Santa Bárbara tem uma área equivalente a 24 campos de futebol, passou por uma reforma em regra entre o final da segunda gestão de Lula e o ano de 2014. A primeira etapa, realizada no fim de 2010 e ao longo de 2011, contou com a participação da Odebrecht por meio do engenheiro da empresa Frederico Barbosa (o mesmo que conduziu as obras do estádio do Corinthians, em São Paulo, e que, como a Folha revelou, foi o responsável pela condução dos trabalhos no sítio de Lula). A execução foi coordenada pelo arquiteto Paulo Gordilho a mando de Léo Pinheiro, então presidente da OAS. Dentre outras benfeitorias, o lago foi remodelado (Lula gosta de pescar, e a ex-primeira-dama, providenciou um barco, que fazia companhia a dois pelinhos brancos, em formato de cisne, com os nomes dos netos do ex-presidente. A piscina foi aumentada e a cozinha, remodelada pela mesma empresa que instalou a do tríplex no Guarujá. Além disso, foram construídos um anexo com quatro suítes, um alojamento para os seguranças do ex-presidente, uma sauna e um campo de futebol society.

"No papel", os donos do sítio são Fernando Bittar e Jonas Suassuna Filho, ambos filhos de velhos amigos de Lula e sócios de Lulinha, que passou de catador de bosta no Zoo de São Paulo a gênio das finanças depois que o papai se elegeu, e se mudou para um apartamento — também registrado em nome de Jonas Suassuna — cujo aluguel foi estimado pelo fisco federal em salgados R$ 40 mil mensais (parece que essa história de morar de favor se deve a uma estranha predisposição genética dos Lula da Silva, mas isso já é outra conversa).

Ao deixar o Palácio da Alvorada, Lula despachou para “o sítio que nunca foi dele” 200 caixas contendo parte de sua mudança. Em depoimento, um ex-assessor da Presidência afirmou ter recepcionado pessoalmente 70 caixas de vinho. Em 2016, em entrevista a Veja, o delegado federal Igor de Paula disse que não foi encontrado na propriedade um único item que não fosse do clã — tudo o que estava lá era de Lula e seus familiares, incluindo camisetas e canecas com o escudo do Corinthians, fotografias de parentes, charutos, chapéus e calçados de Lula e Marisa, cartões de boas festas e até medicamentos manipulados em nome da ex-primeira-dama.

Observação: Até eclodirem as primeiras denúncias, Lula e seus familiares estiveram na propriedade rual nada menos que 111 vezes, e sua assessoria emitiu pelo menos 12 notas oficiais dando conta de que “o ex-presidente passaria o fim de semana em sua casa de veraneio em Atibaia”. Depois que a coisa começou a feder, o petralha passou a negar sistematicamente a posse do sítio. Aliás, dizem as más-línguas que ele aconselhou a mesma estratégia de defesa ao médium estuprador João de Deus, ou seja, dizer que o pinto não era dele, mas isso também é outra conversa  

Em depoimento, José Carlos Bumlai, ex-consiglieri do clã dos Lula da Silva, declarou ter ouvido de Jacó Bittar que a compra do sítio era uma surpresa para Lula, e que foi ele, Bumlai, quem deu início às obras no local e pagou parte das despesas por meio de um empréstimo fraudulento contratado junto ao Banco SchahinLéo Pinheiro, ex-presidente da OAS, reiterou que bancou reformas no imóvel, e que todas as despesas, tal como na reforma do triplex, seriam abatidas de uma conta corrente de propinas mantida com João Vaccari, que agia como representante do PT.

Quando o escândalo do mensalão veio a público — a partir de uma reportagem veiculada pela Globo, na qual o então presidente dos Correios Maurício Marinho era visto recebendo propina de um empresário, e das revelações bombásticas feitas por Roberto Jefferson em entrevista à FolhaLula “pediu desculpas”, disse que foi “traído”, e coisa e tal. Mais adiante, vendo que escaparia incólume, o cara-de-pau passou a negar o mensalão — e continuou a fazê-lo mesmo depois que o Supremo mandou para a cadeia 24 réus da ação penal 470, dentre os quais Dirceu, Genoíno, Vaccari, Delúbio e outros petralhas de grosso calibre. Com a Lava-Jato, no entanto, a coisa mudou de figura. Mas isso é assunto para o post de amanhã.