quinta-feira, 21 de fevereiro de 2019

CRISE? QUE CRISE?



Já nem sei quantas vezes modifiquei este texto ou adiei sua publicação, tantos foram os fatos e versões que se sucederam desde que a Folha denunciou a laranjada do PSL nas eleições, transformando o cenário político numa espécie de figura produzida num caleidoscópio. E se a novela Fabrício Queiroz/Flávio Bolsonaro — que ainda não terminou — já continha elementos bastantes para preocupar o núcleo do governo, este novo folhetim está aí para provar que nada é tão ruim que não possa piorar.

Até onde a vista alcança, a crise que culminou com a exoneração do secretário-geral da Presidência se deve em grande medida a Carlos Bolsonaro, que nunca simpatizou com Bebianno e sempre teve ciúmes de sua influência sobre o pai. A essa antipatia se acirrou o filho do capitão se viu sem cargo no governo, enquanto o desafeto ganhou um ministério. Aliás, de tudo que vi, li e ouvi sobre esse rebosteio, nada supera o tuíte do impagável J.R. Guzzo, que reproduzo a seguir:

 “Ninguém na oposição está conseguindo prejudicar mais o trabalho do governo do que os três filhos do presidente. Não importam as intenções de cada um, mas sua conduta pública; o que fazem está sabotando o país. Ou Bolsonaro faz os três se calarem, hoje, ou vira um banana completo.”   

Cabe ao Presidente da República escolher seus ministros e demiti-los a qualquer momento, a seu talante. Mas a demissão serôdia de Bebianno, oficializada quase uma semana depois de a Folha denunciar o laranjal do PSL, produziu uma crise que talvez não tivesse existido se Carlos Bolsonaro não se aproveitasse da situação para se vingar do desafeto, desmentindo as conversas que ele afirmou ter tido com o Presidente, como forma de minimizar o estrago produzido pela denúncia da Folha.

Bebianno foi um dos primeiros a vislumbrar o potencial da candidatura de Jair Bolsonaro, a quem auxiliou de diversas maneiras ao longo do trajeto que o levou o capitão da Câmara ao Planalto. Ele nega as irregularidades, afirmando que não, como presidente nacional do PSL, não escolheu as candidatas que receberam dinheiro do partido, já que isso é prerrogativa dos diretórios regionais. Se a mágoa pode transformá-lo em “homem-bomba”, bem, sabemos que conhecimento é poder

Pelo visto, nem a nota lacônica lida pelo porta-voz da Presidência, na última segunda-feira, agradecendo os valorosos serviços prestados pelo ex-ministro, nem o pronunciamento feito em seguida pelo próprio Presidente, que elogiou tanto a atuação de Bebianno na campanha quanto sua dedicação ao cargo que ocupou por 50 dias, tiveram o condão de evitar a sucessão de desdobramentos que a mídia vem explorando alegremente, com destaque para os áudios que Veja divulgou na última terça-feira, e que, salvo melhor juízo, desmentem a versão de Carlos Bolsonaro (endossada pelo próprio Presidente), sobre Bebianno não teria conversado com o chefe. A menos, naturalmente, que não se considere como conversa uma troca de mensagens feita pelo WhatsApp, mas isso seria flertar com o ridículo. A pergunta é: Quem mentiu em toda essa história? Responda quem souber.

Observação: O jornalista Augusto Nunes, durante a transmissão do programa OS PINGOS NOS IS, na Rádio Jovem Pan, assumiu a responsabilidade pela divulgação dos áudios com as conversas por WhatsApp entre Bolsonaro e Bebianno, que lhe foram repassados pelo próprio ex-presidente do PSL.

Sem passado político nem mandato popular, Bebianno só ganhou maior protagonismo devido aos recorrentes entreveros com zero dois, a quem o Presidente se refere carinhosamente como “meu pitbull” — aliás, Carluxo anunciou praticamente todos os ministros pelo Twitter, com exceção de Bebianno, com quem disputava desde a campanha o controle da comunicação digital do capitão. Por outro lado, sua exoneração preocupa políticos, militares e assessores mais próximos do núcleo do governo, que receiam ter suas conversas privadas vazadas para o público pelos filhos do capitão, que usam suas contas no Twitter como metralhadoras giratórias sem controle, mirando em qualquer um.  

Parafraseando o Major Olímpio, líder do PSL no Senado, “Bolsonaro precisa fazer uma modulação do papel de pai com o papel de Presidente, assim como seus filhos têm que fazer o mesmo. Qualquer espécie de confusão entre esses papéis pode ser realmente desgastante em alguns episódios. Mesmo assim, o senador afirma que a saída de Bebianno não deve atrapalhar a articulação política do governo para aprovar a reforma da Previdência e o pacote de medidas anticrime. Parafraseando a mim mesmo, urge livrar o governo dessa aura de pseudo realeza e conscientizar os pseudo príncipes de que eles devem cuidar de seus próprios mandatos e deixar o comando da nação a cargo de quem foi eleito para comandá-la.

Nesse meio tempo, a Folha critica a Globo e classifica o SBT e a Record de emissoras “chapa-branca”. Para quem aprecia esse tipo de "jornalismo", recomendo dar uma lida nesta matéria. Antes de encerrar, algumas linhas da lavra de Augusto Nunes e, em seguida, a opinião de Josias de Souza

"O preço pago por Jair Bolsonaro para livrar-se de um ministro que nada fez de errado merece ser festejado por quem torce para que o governo dê certo. Na semana passada, o vereador Carlos Bolsonaro, que desencadeou a crise ao chamar Gustavo Bebianno de mentiroso, foi enfim devolvido ao local do emprego. E reapareceu na Câmara Municipal do Rio depois de meses de sumiço. Levou com ele o primo Leonardo Rodrigues de Jesus, vulgo Leo Índio.

Desde 1º de janeiro, quando desfilou no Rolls Royce presidencial com os pés sobre o banco traseiro, Carlos Bolsonaro permaneceu 24 horas por dia ao lado do pai. Hospedado no Palácio da Alvorada, ia de manhã para o Palácio do Planalto e ficava até o fim do expediente acampado no gabinete presidencial. Essa rotina só foi interrompida com a viagem do chefe de governo a Davos.

Carlos não desgrudou do pai nem mesmo no período em que Bolsonaro permaneceu hospitalizado, recuperando-se da terceira cirurgia desde o atentado ocorrido em Juiz de Fora. Léo Índio, por sua vez, foi 58 vezes ao Palácio do Planalto nos 49 dias de novo governo. A menos que tenha usado a alcunha como currículo para virar assessor especial para questões indígenas, ele não ocupa nenhum cargo oficial. Carlos e Léo Índio sumiram do Planalto. São duas ausências que preenchem uma lacuna. Ou duas."

Segue o texto de Josias de Souza:

"O vídeo divulgado pelo Presidente após o anúncio oficial da exoneração de Bebianno foi gravado por exigência do ex-ministro. O teor do pronunciamento foi minuciosamente negociado, com direito rasgados elogios. Em troca do silêncio do ora desafeto, Bolsonaro ladrilhou com pedrinhas de brilhante o caminho percorrido por Bebianno desde a coordenação da campanha presidencial até a poltrona de ministro, passando pelo período em que exerceu o comando de um PSL cítrico. Apenas os dois conhecem na plenitude os segredos que compartilham, mas o desfecho da negociação sinaliza o potencial destrutivo de uma eventual inconfidência.

Numa articulação que teve o ministro Onyx Lorenzoni como principal intermediário, Bebianno esclareceu que não aceitaria calado a "humilhação" de ser exonerado sob as pechas de desleal, incompetente e corrupto. Inicialmente, Bolsonaro deu de ombros, mas as conversas do final de semana suavizaram suas convicções. O Bolsonaro implacável com "todos aqueles que tentam praticar corrupção no Brasil" perdeu-se em algum lugar no trajeto que separa o entrevistado da Record do leitor de teleprompter da última segunda-feira. Acabrunhado com o resultado de sua metamorfose, o ex-Bolsonaro se absteve de reproduzir nas redes sociais o vídeo de sua contrição, comportando-se como um Narciso que acha feio o que deixou de ser o espelho dos habitantes de sua bolha no Twitter."