domingo, 17 de março de 2019

O JUDICIÁRIO A SERVIÇO DA JUSTIÇA


DE PAÍS DO FUTEBOL E DO CARNAVAL, O BRASIL ESTÁ SE TORNADO A NAÇÃO DO ENLUTADOS. ÀS TRAGÉDIA (ANUNCIADAS) DE BRUMADINHO E DO NINHO DO URUBU, SOMA-SE, AGORA, A CHACINA NA ESCOLA EM SUZANO. HAJA LÁGRIMAS. COMO SE NÃO BASTASSE, O PRÓPRIO JUDICIÁRIO, COM DESTAQUE PARA SUA ALTA CÚPULA, SE ARTICULA PARA SEPULTAR A MAIOR OPERAÇÃO ANTICORRUPÇÃO DA HISTÓRIA DESTA REPÚBLICA, QUE COMEMORA HOJE SEU QUINTO ANIVERSÁRIO (A LAVA-JATO, NÃO A REPÚBLICA). E O NOSSO PRESIDENTE, EM SUA INDEFECTÍVEL INCONTINÊNCIA TUITÁRIA, PARECE MAIS PREOCUPADO COM O GOLDEN SHOWER E OUTRAS BANALIDADES... OXALÁ O MINISTRO DA JUSTIÇA E OS PARLAMENTARES DE BEM (PARECE QUE AINDA RESTAM ALGUNS) CONSIGAM REVERTER ESSE CENÁRIO KAFKIANO. EU ESPERO ESTAR ERRADO, MAS ACHO QUE, SE DEPENDERMOS DAS MOBILIZAÇÕES POPULARES CONVOCADAS PARA ESTE DOMINGO, VAI FALTAR LENÇO DE PAPEL NO MERCADO. 

Confirmada a decisão de mandar para a Justiça Eleitoral todos os crimes conexos ao de caixa 2 — como corrupção, lavagem de dinheiro, peculato —, choveram críticas ao STF nas redes sociais. Mas de que adianta chorar o leite derramado? Foram 5 votos a favor e 5 contrários; o desempate ficou por conta do voto de Minerva do presidente da Corte, que (é claro) seguiu o entendimento do relator, ministro Marco Aurélio, a exemplo do que já haviam feito o decano Celso de MelloGilmar MendesRicardo Lewandowski e (esse, sim, me surpreendeu) Alexandre de Moraes

Paralelamente, Toffoli, anunciou que abriria processo contra o que chamou de “fake news” que atinjam a honra de membros do STF e seus familiares, no que foi enfaticamente elogiado pelo colega Gilmar. Mais cedo, o advogado Modesto Carvalhosa havia protocolado no Senado mais um pedido de impeachment de Gilmar Mendes. Para bom entendedor, pingo é letra.

Cabe ao presidente da Corte zelar pela “honorabilidade e segurança” dos colegas, bem como de seus familiares, mas não se deve confundir acusações falsas com fatos reais cuja divulgação possa constranger quem quer que seja; em outras palavras, para exigir respeito é preciso se dar ao respeito. Para além disso, parafraseando a impagável Copélia (personagem de Arlete Salles no humorístico global Toma lá, dá cá), "prefiro não comentar!". Um resumo brilhante dessa bizarrice foi publicado pelo igualmente brilhante José Nêumanne:

Seis ministros do STF atenderam a pleitos de impunidade de quem os nomeou para o ápice da carreira e mandaram as investigações do passado, do presente e do futuro de caixa 2 em crimes de corrupção e lavagem de dinheiro com benefícios em campanhas da Justiça Federal para a Eleitoral, que funciona de, com e para políticos profissionais. E o presidente do STF, Toffoli, aboliu República de 1889 para criar o império absolutista da “Suprema Corte”, com seus 11 membros e suas nobres famílias protegidas da língua do povo por inquérito sigiloso sob total controle dos togados, acima de devassas de corrupção da Receita e de policiais, procuradores e juízes federais da primeira instância e críticas.

O procurador Bruno Calabrich tuitou que a decisão de Toffoli é inconstitucional, pois “foro por prerrogativa de função é definido pelo agente, não pela vítima; investigação pelo Judiciário é inconstitucional (violação ao princípio acusatório)”. Inconstitucional ou não, foi um duro golpe na Lava-Jato, já que o resultado do julgamento abre uma janela para a impunidade, ao permitir que políticos que rapinaram o erário ou receberam propina, suborno e que tais se escudem no batido ramerrão do caixa 2 eleitoral.

É de conhecimento geral que o TSE tem sido historicamente condescendente com crimes eleitorais e que tem postergado indefinidamente suas decisões, talvez por falta de estrutura (e de disposição) para apurar tantos crimes com a desejável celeridade. Basta relembrar o célebre julgamento da chapa Dilma-Temer, em 2017, no qual os réus foram absolvidos por “excesso de provas”, conforme ironizou o relator do caso, ministro Herman Benjamim, do STJ.

Júlio Marcelo de Oliveira, procurador do Ministério Público de Contas junto ao TCU, também manifestou pelo Twitter sua discordância da afirmação de que o TSE é capacitado o bastante para lidar com os crimes comuns: “A Justiça Eleitoral é célere para processos relativos ao registro de candidaturas, mas não tem agilidade para julgar prestações de contas das campanhas. Até o início de 2018, apenas as contas dos dois candidatos que foram ao segundo turno em 2014 tinham sido julgadas”.

O resultado de 6 a 5 no plenário do Supremo demonstra, mais uma vez, que os ministros estão divididos e que o caso em tela não é simples como querem fazer crer os que acompanharam o relator. Gilmar Mendes, sempre “muito comedido”, disse em seu voto que “os procuradores da Lava-Jato adotam métodos de gangster”, além de os classificar de “gentalha despreparada, uns cretinos que não têm condições de integrar o Ministério Público”. 

De passagem, o ministro-deus atacou a criação de uma fundação privada para administrar parte da indenização bilionária que a Petrobras teve que pagar para suspender processos nos Estados Unidos: “Essa fundação seria a mais poderosa do Brasil, com recursos públicos, e tinha como objetivo financiar eleições futuras. Sabe-se lá o que podem estar fazendo com esse dinheiro.” Também a esse respeito eu prefiro não comentar, até porque, considerando como o ministro em questão vem se portanto, qualquer coisa que eu dissesse seria como chover no molhado. E já basta de inundações.

Luiz Fux, defendendo o raciocínio que norteou a outra corrente, afirmou que a Justiça Eleitoral costuma supervisionar apenas crimes menos graves ligados à eleição, como desacato a autoridades, agressões físicas, falsificação de documento, coação e transporte de eleitores, por exemplo. “Nunca se levou para a Justiça eleitoral corrupção, lavagem de dinheiro e organização criminosa.” Na mesma linha, Luis Roberto Barroso ponderou que afirmar que o TSE não está aparelhado para tal função não quer dizer que seu valor esteja sendo negado, ou sua ação caluniada.

É certo que investigados, denunciados e réus que não têm foro privilegiado — como Lula e os empresários corruptores — continuarão na mira de Curitiba. Mas a possibilidade de que todos os julgamentos da Justiça Federal sejam revistos é real. A procuradora-geral Raquel Dodge não acredita nessa hipótese, mas diz que é preciso ficar de olho nos acontecimentos.

Sobre a decisão do STF, o ministro da Justiça e Segurança Pública, Sérgio Moro, disse que “em termos de conveniência e oportunidade, se não de interpretação jurídica, a separação é a solução mais conveniente”. Da sua ótica, a Justiça Eleitoral, apesar de seus méritos, não está adequadamente estruturada para julgar casos criminais mais complexos, como de corrupção ou lavagem de dinheiro. Aliás, um projeto de Moro visa à separação do caixa 2 da corrupção, mas a aprovação cabe ao Congresso, e como boa parte dos parlamentares tem pendências com a Justiça, isso é o mesmo que dar a Herodes a chave do berçário, certo? Talvez não. 

Os deputados Kim Kataguiri e Jerônimo Goergen apresentaram à Câmara um projeto de lei para tirar da Justiça Eleitoral crimes comuns, como corrupção e lavagem, ligados a delitos eleitorais, como o caixa 2. Na visão dos parlamentares, o STF ignorou os apelos do Ministério Público e da população ao fixar a competência da Justiça Eleitoral nesses casos, “fulminando a evolução da histórica Operação Lava-Jato”. Na Câmara Alta, o senador Alessandro Vieira — o mesmo que apresentou o pedido de criação da CPI Lava-Toga — está em contato com lideranças partidárias para que uma proposta semelhante tramite em regime de urgência e possa ser votada já na próxima semana. A avaliação é de que, no Senado, o projeto possa avançar mais rápido, já que a Câmara terá de se debruçar sobre a reforma da Previdência.

Convém não contar com o ovo no c* da galinha, mas talvez ainda reste alguma esperança. Volto ao assunto na postagem de amanhã. Bom domingo a todos.