Ricardo Boechat dizia que se pode morrer de várias maneiras no jornalismo, menos de tédio. Na madrugada da última quinta-feira, sua tese foi comprovada mais uma vez pela invasão da Ucrânia.
Conflitos como esse, sabemos como começam, mas não como nem quando terminam. E o mesmo se aplica a suas consequências. Como ensinou o Conselheiro Acácio (personagem do romance “O Primo Basílio”, de Eça de Queiroz), o problema com as consequências é que elas vêm sempre depois.
Contrariando a opinião de um sem-número de analistas de
internacional, Putin não estava blefando. E a escalada de suas ameaças levava
mesmo a crer que a invasão eram favas contadas. Infelizmente, as consequências
do desatino transcendem o leste europeu, mas ainda é cedo para avaliar o
tamanho da caca e como ela afetará a economia mundial (no mercado financeiro,
os índices despencaram, inclusive no Brasil, onde o dólar voltou a subir, pondo
fim a uma alvissareira sequência de quedas).
Assinado em 2014, o Acordo de Minsk visava pôr fim aos conflitos armados no leste da Ucrânia com o cessar-fogo imediato entre as regiões envolvidas na guerra civil, mas nunca foi implementado completamente, e a tensão aumentou com as movimentações militares da OTAN e da Rússia nas proximidades de Donbass.
Na última terça-feira (22), após o reconhecimento da independência da DPR e da LPR, Putin disse que o acordo estava morto. Na madrugada de anteontem, a despeito das lamentáveis (e lamentavelmente recorrentes) desgraceiras que a mídia canta em verso e prosa dia sim e outro também, a cobertura da guerra no leste europeu varreu da pauta assuntos que vinham ocupando o noticiário nos últimos dias, como a variante ômicron, o preço dos combustíveis e outras mazelas nacionais, entre as quais o fato de 2022 ser o segundo ano consecutivo sem carnaval no país do carnaval.
No que tange ao “Reinado de Momo”, foi durante o carnaval
2019 que um comentário infeliz de Bolsonaro trouxe à baila, com pompa e
circunstância, a expressão “Golden
Shower”. Mas essa não foi a primeira nem (muito menos) a última
estultice do dublê de mau militar e parlamentar medíocre que elegemos para
evitar que o país fosse presidido pelo fantoche do então presidiário mais
famoso de Pindorama (que hoje posa de “ex-corrupto” e detém a preferência de
nosso esclarecidíssimo eleitorado).
Bolsonaro tomou posse em meio à novela do caso Queiroz, mas o rompimento da barragem do Córrego de Feijão desviou o foco da mídia da maracutaia. Seguiram-se o incêndio no Ninho do Urubu, a exoneração de Gustavo Bebianno, a denúncia de estupro apresentada por Najila Trindade contra Neymar Cai-Cai, a Vaza-Jato de Verdevaldo das Couves e a malograda indicação de Eduardo Bananinha para ocupar a Embaixada do Brasil nos EUA.
Em
seus primeiros três meses de governo, o capitão esteve na Suíça, nos Estados Unidos, no
Chile e em Israel, deu uma passadinha rápida em casa (no Rio), e outra no
Hospital Sírio Libanês (em São Paulo). Em Brasília, foi ao cinema com a
primeira-dama e a ministra-pastora Damares Alves em plena manhã de
terça-feira (26 de março, que não era feriado no DF), em meio à articulação da reforma
da Previdência (que acabaria sendo aprovada apesar dele).
Poderíamos continuar indefinidamente a relembrar pronunciamentos infelizes do sultão do bananistão — a quem o senador Omar Aziz, então presidente da CPI do Genocídio, referiu-se como “"aquele carioca que tira proveito de funcionários do próprio gabinete" e que "só abre a boca para espalhar fezes" —, mas não faz sentido abusar da paciência do leitor. Passando ao carnaval, os primeiros casos de Covid-19 — que logo se multiplicariam e resultariam na maior pandemia sanitária depois da Gripe Espanhola — foram descobertos no apagar das luzes do primeiro ano do desditoso mandato do capitão cloroquina, e a identificação do primeiro caso em terra brasilis, já em 2020, aconteceu dias antes do início do Reinado de Momo.
Devido à magnitude da pandemia, "não houve carnaval" em 2021. No ano em curso, os foliões também não sairão às ruas, mas a data servirá de referência para situar no tempo a invasão da Ucrânia pela Rússia. Resta saber o que nos reserva o próximo Reinado de Momo, que se dará 52 dias depois da posse do próximo presidente desta banânia.
Pelo andar da carruagem, talvez seja melhor nem fazer previsões.
***
Dias atrás, em mais um périplo internacional bancado pelos contribuintes, Bolsonaro fez uma inoportuna e contraproducente visita dois populistas autoritários. O objetivo, evidentemente, era conseguir imagens para usar em sua campanha pela reeleição.
Para ser recebido pelo colega russo, nosso
mandatário submeteu-se a um distanciamento vigiado e realizou testes em série
contra Covid. Na fala de abertura que antecedeu sua conversa com Putin,
declarou-se solidário com a Rússia. Na sequência, ofereceu farto
material para memes nas redes sociais afirmando que, “coincidência ou não”,
Putin reduziu a presença militar na fronteira com a Ucrânia depois
da conversa que eles tiveram.
O ex-presidente norte-americano Donald Trump disse condenar
a ação de Putin, mas classificou-a de "genial". "O que deu
errado foi uma eleição fraudada e o que deu errado é um candidato que não
deveria estar lá e um homem que não tem noção do que está fazendo" , disse
o egun mal despachado, referindo-se a seu sucessor na Casa Branca. “Se
eu estivesse no cargo, isso seria impensável. Isso nunca teria acontecido”.
Biden, por sua vez, anunciou "sanções muito mais duras" do que as
estabelecidas em 2014, depois da anexação da Crimeia.
O Itamaraty afirmou por meio de nota que “o governo brasileiro tem acompanhado com grande preocupação os ataques da Rússia na Ucrânia” e que “apela à suspensão imediata das hostilidades e ao início de negociações conducentes a uma solução diplomática para a questão, com base nos Acordos de Minsk e que leve em conta os legítimos interesses de segurança de todas as partes envolvidas e a proteção da população civil”.
Bolsonaro não deu um pio sobre a guerra na manhã de ontem, quando
conversou com apoiadores no chiqueirinho defronte ao Alvorada, nem horas mais
tarde, no município paulista de São José do Rio Preto, onde participou de um
passeio de moto e discursou por 20 minutos. Diante do silêncio do
titular (que, calado, é um poeta), o vice disse aos jornalistas que “o
Brasil não concorda com uma invasão do território ucraniano”.
Pelo visto, Mourão e o chefe não rezam pela mesma cartilha também nessa questão. Ou então “faltou combinar com os russos”.
Enfim,
é Carnaval.