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segunda-feira, 28 de janeiro de 2019

SOBRE BRUMADINHO, FLÁVIO BOLSONARO E OUTRAS CATÁSTROFES ANUNCIADAS



A catástrofe que se abateu sobre Brumadinho, a exemplo da que ocorreu em Mariana há pouco mais de 3 anos (ressalte-se que ninguém foi punido até agora) foi mais uma tragédia anunciada resultante da ganância desmedida de empresários e da inoperância do poder público. Prova disso é que o plano de contingência da Vale se limitava tocar uma sirene para alertar funcionários e moradores locais do risco iminente de uma barragem se romper, mas, espantosamente, nem isso funcionou. Em última análise, o que temos diante dos olhos é mais um instantâneo do nosso gigante adormecido, deitado eternamente em berço esplêndido, que parece não ter motivo para despertar. Dito isso, vamos em frente.

O imbróglio envolvendo Flávio Bolsonaro e Fabrício Queiroz é outra tragédia anunciada (detalhes nesta postagem), cujos novos desdobramentos complicam ainda mais a situação do filho do Presidente e respingam no próprio Presidente. E o que não falta é gente atrás de um "pezinho" para criticar tudo que Jair Bolsonaro faz, diz ou pensa.

Em tese, quem se encontra no olho do furação é Queiroz — espécie de factótum, que está para a família Bolsonaro como José Carlos Bumlai para a dos Lula da Silva. Semanas atrás, Flávio publicou no seu perfil no Twitter: "Pela enésima vez, não posso ser responsabilizado por atos de terceiros e não cometi nenhuma ilegalidade. O ex-assessor é quem deve dar explicações. Todos da minha equipe trabalham e a prova de que o gabinete funciona bem são minhas crescentes votações".

Os esclarecimentos que senador eleito deu até agora são tão inconsistentes quanto os de seu ex-funcionário. Um amontoado de meias-verdades misturadas com fatos reais e versões criadas por seus advogados. Se Flávio não tem nada a ver com o peixe — como ele próprio não se cansa de dizer —, então por que ainda não chamou o ex-assessor às falas, concitando-o a esclarecer de uma vez essa mixórdia? Essa é uma das muitas perguntas que carecem de resposta. Outra mais serão vistas no final desta postagem e algumas serão respondidas na próxima. Mas vamos por partes. 

Quando as tais movimentações atípicas na conta de Queiroz vieram a público, bastava o dito-cujo apresentar a tal “versão plausível” que seu ex-chefe disse ter ouvido dele. Em vez de atender às convocações da Justiça, porém, o ex-assessor se mocozou numa comunidade controlada pelas milícias em Rio das Pedras (RJ), onde sua família tem vans ilegais. Quando reapareceu — tão misteriosamente quanto sumira —, disse em entrevista ao SBT que nunca foi “laranja”, que sempre foi um cara de negócios, que comprava e revendia carros, e por aí afora. Mas a mim parece improvável que todos os funcionários lotados no gabinete do então deputado, que fizeram depósitos na conta Queiroz, tenham comprado os carros que ele supostamente revendia.  

Quando os fatos falam, as suspeitas calam. Mas nem Queiroz, nem seus familiares, nem Flávio Bolsonaro atenderam às convocações do MP-RJ. Às vésperas do réveillon, o pivô da história mal contada foi submetido a uma cirurgia para remover um tumor maligno. Três dias depois, apareceu sambando no quarto do hospital, em um vídeo em que viralizou nas redes sociais. Após ter recebido alta (no último dia 8), o sambista de enfermaria garantiu ter pago a conta com recursos próprios, mas não revelou o valor; prometeu esclarecer "em breve" as movimentações atípicas em sua conta, mas não especificou quando isso ocorreria. E exemplo de seu ex-chefe, não compareceu ao depoimento marcado para o último dia 10. 

As investigações foram suspensas pelo ministro supremo Luiz Fux no último dia 16. O magistrado acolheu uma Reclamação de Flávio Bolsonaro questionando a competência do MP e reivindicando foro privilegiado no STF. Em entrevista à Record, o senador eleito disse que não poderia ser investigado sem autorização do Supremo, mas que é o maior interessado em esclarecer tudo e não quer privilégio nenhum, apenas ser “tratado dentro da lei e da Constituição”. Aguarda-se para a próxima sexta-feira a decisão do ministro Marco Aurélio, sorteado relator da Reclamação, que definirá em qual instância do Judiciário as investigações terão prosseguimento (o ministro já ventilou que será o MP-RJ, mas a experiência ensina que não se deve confiar em barriga de criança, promessa de político e cabeça de juiz).

Abiscoitar parte do salário dos assessores é uma prática largamente utilizada por parlamentares. Segundo o Globo, a lista de funcionários fantasmas na Alerj inclui gente ligada ao PT, PP e MDB, um pastor evangélico, uma dona de salão de beleza e até um morador do município de Búzios, que fica distante 175 quilômetros da capital (mais detalhes neste vídeo). Claro que a habitualidade não torna o "pedágio" legal ou moralmente aceitável; aliás, o próprio Presidente afirmou que se o filho errou, deve pagar — mas depois abrandou o discurso e disse que estavam atacando “o garoto” para atingi-lo e a seu governo, que considera o episódio um “massacre”, e por aí vai.

Até aí eu concordo. Uma verdadeira caça às bruxas — fomentada em grande medida pela mídia e opositores do atual governo — está em curso. Mas volto a lembrar que os fatos precisam falar para as suspeitas calarem. Quem votou em Bolsonaro espera que ele cumpra suas promessas de campanha, sobretudo no que concerne ao combate à corrupção. Não fosse assim, teriam escolhido o fantoche do presidiário de Curitiba, a "personificação" da corrupção na política tupiniquim.  

Com a cirurgia a que Bolsonaro se submeterá nesta segunda-feira, é bem possível que a pressão sobre o Planalto diminua, permitindo desassociá-lo das suspeitas que pairam sobre "zero um". Mas há quem diga que não haverá trégua e que o Governo não pode dar declarações dúbias, sob pena de desgastar seu capital político. Acredito eu que, somada à tragédia de Brumadinho, a internação do Presidente deve mudar momentaneamente o foco da imprensa, mas há muitas perguntas sem resposta, e é fundamental que as respostas venham com a possível brevidade, pois já se fala até na renúncia renúncia de Flávio Bolsonaro (o senador eleito nega, naturalmente, mas onde há fumaça costuma haver fogo).

Talvez o prólogo deste governo não esteja saindo como como gostaríamos, mas o epílogo do capítulo da história que se está escrevendo precisa ser diferente.

Entre outras perguntas que carecem de resposta, enumero as as seguintes:

1) Se Flávio Bolsonaro realmente não tem nada a ocultar, por que não presta depoimento e põe fim à parte que lhe toca nesse imbróglio?

2) Em sendo apenas citado (e não formalmente investigado), por que ele não atende às convocações do MP-RJ?

3) Por que levou o caso ao STF, mesmo sabendo que a PGR pode ampliar o escopo das investigações e envolver o próprio Presidente?

4) Por que fez 48 depósitos de R$ 2 mil cada, em dinheiro, no autoatendimento da Alerj, quando poderia ter depositado o valor total, de uma só vez, na boca do caixa?

5) Ainda que sua versão sobre a origem do dinheiro tenha sido confirmada pelo comprador do apartamento que ele tinha na Barra, por que as datas não batem?

6) Como ele afirma que ganha mais como empresário do que como político se, para isso, sua franquia precisaria gerar um lucro muito superior à média do mercado (sem mencionar que os imóveis objeto de investigação foram comprados quando o "zero um" ainda não era franqueado da Kopenhagen)?

7) Como se explica o fato de o então deputado ter condecorado com a Medalha Tiradentes — a maior comenda do Legislativo do Rio — o miliciano Adriano da Nóbrega, hoje suspeito de participação no assassinato da vereadora Marielle Franco e do motorista Anderson Gomes, além de contratar para trabalhar no seu gabinete a mãe e a mulher desse sujeito (que está foragido da Justiça)?

Se alguém puder respondê-las, sou todo ouvidos. Senão, eu mesmo tentarei fazê-lo no post de amanhã.

terça-feira, 29 de janeiro de 2019

SOBRE O IMBRÓGLIO FLÁVIO BOLSONARO E A POSTURA BIZARRA DE ALGUMAS PESSOAS



Antes de retomar o fio da meada, chamo a atenção do leitor para mais um “formador de opinião” que, por não ver seu candidato no poder, bandeou-se para a ala do “quanto pior, melhor” (confira na imagem acima). Como já disse alguém, "tudo bem se você não quiser jogar no time, mas também não precisa torcer contra!"

Chega a ser constrangedora a impertinência midiática contra um governo que acaba de tomar posse. A Jair Bolsonaro atribui-se todo tipo de mazela, do pecado original ao assassinato de Abel por Caim, passando, naturalmente, pelo crime ambiental ocorrido no município mineiro de Brumadinho. Seu discurso em Davos foi duramente criticado, não só pela alegada “pobreza”, mas por ter durado apenas 6 minutos.

Bolsonaro deu seu recado, e Paulo Guedes supriu as lacunas. Seria muita ingenuidade esperar que o Presidente desse uma aula de Economia. Aliás, dependesse de sua oratória, o capitão reformado do exército e deputado do baixo-clero por 7 mandatos consecutivos jamais teria sido eleito comandante em chefe desta Banânia. Mas a malta de descontentes prefere alguém tipo Fidel Castro, que se consagrou por seus discursos de até 7 horas (e entrou para o Guinness World Records ao falar por 4 horas na ONU). Ou do falastrão de Garanhuns, ora promovido a presidiário de Curitiba.

Na visão míope e deturpada da valorosa esquerda tupiniquim (com todas as ironias de estilo), a delegação enviada por Israel  para ajudar nas buscas em Brumadinho trouxe “uma evolução da tecnologia existente na vara de Moisés, quando separou o Mar Vermelho”.  “Viva o poder da fé!”, ironizou o jornalista Luis Nassif. O esquerdista Carlos Latuff foi mais além em seu rancor com a aliança entre os governos Bolsonaro e Netanyahu, como se pode inferir da charge ao lado. Seria interessante ver a reação desses "engraçadinhos" se outro cartunista os associasse ao Estado Islâmico ou ao Hezbollah, por exemplo. 

Feitas essas observações, podemos seguir adiante.

No que concerne às perguntas que deixei em aberto no post anterior, não tenho resposta para a primeira, mas acho que se aplica ao caso o que cansei de dizer sobre o procedimento da defesa de Lula durante a instrução do processo do tríplex no Guarujá, ou seja, que é difícil explicar o inexplicável e defender o indefensável

Diz um ditado que “contra fatos não há argumentos”, e com isso respondo a segunda e a quarta perguntas. Mas vale acrescentar que a argumentação mirabolante da defesa estrelada do ex-presidente petralha não impediu que ele fosse condenado a 12 anos e 1 mês de prisão e nem que fosse devidamente encarcerado, ainda que numa espécie de “sala de estado maior” da Superintendência da PF em Curitiba.

Quanto à terceira pergunta, Flávio Bolsonaro dizia que não era investigado e que caberia a Queiroz se explicar ao MP-RJ, mas parece ter mudado de opinião. Semanas atrás, sua assessoria de imprensa publicou uma nota Instagram afirmando que, “ao ter acesso aos autos do procedimento”, o senador eleito verificou que era “objeto de investigação, o que atrai competência ao STF”. É possível que o relator da Reclamação, ministro Marco Aurélio, mantenha as investigações no âmbito do MP-RJ, pois o Supremo entende que só têm direito a foro especial naquela Corte deputados federais, senadores e outros figurões cujos atos pouco republicanos ocorreram durante e em decorrência do cargo. A conferir.

A quinta pergunta remete a 48 depósitos no valor de R$ 2 mil cada um. Em entrevistas, Flávio disse que o dinheiro era parte do sinal que recebeu pela venda de um apartamento — aliás, sobre outra movimentação considerada suspeita pelo Coaf, no valor de R$ 1.016.839 e referente a um título bancário da Caixa Econômica, ele alegou tratar-se do pagamento de um empréstimo tomado para a compra, na planta, do tal apartamento. Disse ainda que usou o caixa de autoatendimento da Alerj para escapar de filas e evitar que o dinheiro fosse contado na frente de várias pessoas. Uma sábia decisão; afinal, a segurança pública no Rio de Janeiro é aquela que sabemos. Acontece, porém, que o Banco Central exige informações quando o valor de um depósito em espécie ultrapassa R$ 50 mil, e no banco onde o senador eleito tem conta o preenchimento do formulário é exigido em depósitos a partir de R$ 10 mil. As conclusões ficam por conta de cada um.

No tocante à sexta pergunta, há realmente divergências entre as datas dos depósitos fracionados e a da escritura de venda do tal apartamento. O contrato firmado com o ex-atleta Fábio Guerra menciona que, além da permuta de dois imóveis, o comprador pagaria R$ 600 mil a Flávio. Os primeiros R$ 550 começaram a ser pagos em 24 de março de 2017 e os R$ 50 mil restantes, no ato da escritura, em 23 de agosto, mas não havia qualquer menção a dinheiro vivo, e os depósitos de R$ 2 mil cada foram efetuados entre junho e julho daquele ano.

Observação: Guerra afirmou que não sabe porque os depósitos foram fracionados, pois entregou valores superiores a R$ 20 mil. "O imóvel foi R$ 2,4 milhões, o (apartamento) que era dele aqui (comprado por Fábio). Eu dei o meu lá (na Urca). Está tudo na escritura por R$ 1,5 milhão. Dei uma sala comercial de R$ 300 mil, R$ 50 mil em cheque e R$ 550 mil foi feito em depósito e cerca de 100 mil em dinheiro que não foi feito de uma vez só”, afirmou ele ao Jornal Nacional. “Dei assim em dois ou três meses. Não dei R$ 100 mil de uma vez só. Vendi um imóvel no passado para poder pagar ele. Peguei parte em dinheiro (da venda) também e dei para ele”. Mas diz que não tem os recibos dos pagamentos feitos em espécie. 

Quanto à sétima pergunta, Flávio tem dito em entrevistas que ganha mais como empresário do que como deputado — ele é dono de 50% da Bolsotini Chocolates e Café, uma franquia da Kopenhagen, e sócio dos pais e dos irmãos Eduardo e Carlos na Bolsonaro Digital. O Coaf não registrou no relatório um centavo sequer recebido dessa empresa, mas, nos seis meses analisados, sua maior fonte de renda foram os salários de parlamentar — no total, ele recebeu R$ 131,5 mil. Somados aos R$ 120 mil recebidos da franquia, chega-se a um total de R$ 251,5 mil. O relatório não informa se detectou ou não a origem dos R$ 90 mil que fechariam a conta, mas o fato é que cota-parte do senador eleito (R$ 20 mil mensais, em média) no faturamento da loja de chocolates pode ser considerado um sucesso estrondoso: segundo fontes de mercado, o lucro médio de franquias da Kopenhagen fica entre R$ 8,4 mil e R$ 10,5 mil. VEJA procurou Alexandre Santini, sócio de Flavio nesse empreendimento, para saber se todo o lucro da empresa ficava com o político e por que a dupla embolsava bem mais que a média, mas não obteve qualquer explicação.

Observação: Segundo o Coaf, Flavio Bolsonaro movimentou R$ 632,2 mil (foram R$ 337,5 mil em créditos e R$ 294,7 em débitos)entre 1º de agosto de 2017 e 31 de janeiro de 2018, valor considerado incompatível com sua renda.

Para não espichar ainda mais este texto, a resposta à última pergunta e demais considerações terão de ficar para amanhã. Até lá.

terça-feira, 9 de abril de 2019

BOLSONARO, LUA-DE-MEL E PALANQUE


Vinicius de Moraes se casou nove vezes, Fábio Júnior, sete, e Jair Bolsonaro, três. Mas Bolsonaro teve quatro luas de mel, pois, no âmbito da política, essa expressão designa os primeiros 100 dias de governo, quando os deslizes do governante são mais facilmente perdoados, e seus defeitos, relevados pela maioria dos que elegeram o mandatário da vez.

É fato que este governo já começou com nuvens negras no horizonte, dada a espúria relação do clã presidencial — notadamente do filho Flávio — com o dublê de ex-policial militar e ex-assessor parlamentar Fabrício Queiroz. Mas uma sequência de intercorrências funestas — como o rompimento da barragem da Vale em Brumadinho; o incêndio no Ninho do Urubu; a conturbada exoneração de Gustavo Bebianno, as birras pueris entre Bolsonaro e Rodrigo Maia, só para relembrar as mais notórias — fez a mídia mudar o foco. A questão é que a vocação do presidente para se meter em enroscos é inata e não tem limites.

Bolsonaro passou do baixo-clero da Câmara à Presidência da República com o apoio de inúmeros brasileiros que teriam votado até no Tinhoso para impedir a vitória do patético boneco de ventríloquo comandado pelo presidiário mais famoso do Brasil (que completou um ano na cadeia no último domingo; que venham muitos outros). Não obstante, diferentemente dos “bolsomínions” — radicais de direita que, como petistas de sinal trocado, aplaudem tudo que seu líder diz ou faz —, os eleitores "involuntários" do deputado-capitão não estão satisfeitos com sua performance na nova função.

Como na fábula do velho, o menino e o burro, Bolsonaro foi, é e continuará sendo criticado, diga ele o que disser, faça ele o que fizer. O problema é que, enquanto sua tropa de choque se esfalfa para debelar os focos de incêndio, suas estultices põem mais lenha na fogueira. Quando mais não seja, isso contribui para a queda de popularidade deste governo: entre janeiro, 50% dos entrevistados avaliavam-no com ótimo ou bom; em março, eram apenas 38%. E o percentual dos que consideravam a gestão regular e passaram a classificá-la como ruim ou péssima cresceu 5% em relação a janeiro. No frigir dos ovos, cerca de 15 milhões de pessoas que votaram no candidato pesselista deixaram de considerar seu governo de maneira positiva. E não sem razão.

Nos primeiros 100 dias de governo, Bolsonaro enfrentou diversos episódios de desgaste político: a já mencionada investigação sobre milícias envolvendo o gabinete de zero um na Alerj, as candidaturas de laranjas de seu partido, os entrechoques entre militares e a ala do governo sob influência do escritor Olavo de Carvalho, a crise no MEC, a troca de farpas com o Congresso e a dificuldade no encaminhamento da reforma da Previdência. A economia segue em ritmo lento, e a taxa de desemprego cresceu em relação ao trimestre passado — está em 12,4%. Nove dos 22 ministros têm contas a acertar com a Justiça — um foi exonerado, e pelo menos outros três já deveriam tê-lo sido (detalhes na postagem anterior), sem mencionar a absoluta ausência de articulação política do Planalto, evidenciada ad nauseam na última quarta-feira, quando o ministro da Economia foi massacrado por uma caterva de parlamentares de esquerda (para os quais o fracasso daquele que derrotou o bobo-da-corte da Petelândia se apresenta como a única chance de retomarem o poder).

Observação: Bolsonaro ironizou o resultado das pesquisas. Segundo ele, não vale a pena perder tempo comentando os números de um órgão de pesquisas que vaticinou sua derrota no segundo turno, independentemente de quem fosse o adversário. Aliás, também segundo essa pesquisa, Dilma é quem teve numericamente a melhor avaliação a esta altura do mandato, com 47% de ótimo/bom em 2011. Mas não custa lembrar como o segundo mandato da ex-presidanta incompetenta terminou, sem mencionar que, se durar mais alguns anos, essa tragédia em forma de gente corre o risco de ser encarcerada, a exemplo de Lula, que está em cana há um ano, e de Michel Temer, que está em vias de voltar para lá. E a vez de Collor também há de chegar. Pelo visto, de todos os presidentes democraticamente eleitos pelo voto popular desde o fim da ditadura militar (aquela que hoje sabemos não ter existido), somente FHC escapa incólume (Itamar era vice promovido a titular, e já morreu; Sarney idem, embora tenha esquecido de deitar e venha pressionando um seu apadrinhado no STJ a votar favoravelmente ao recurso de Lula

Por mais que seja criticado se montar no burro, puxá-lo pela rédea ou carregá-lo nas costas, o capitão precisa descer do palanque. Uma coisa é a campanha, durante a qual conta a relação do candidato com os anseios, reais ou ilusórios, do eleitorado, e outra, bem diferente, é a tratativa institucional que norteia o funcionamento da interdependência entre os poderes da República. Bolsonaro ainda não subiu a rampa do Palácio do Planalto, e sua lua de mel terminou sem ganhos relevantes no desatamento dos nós da administração que impedem o Brasil de sair do atraso na economia, saúde, educação e segurança. Nenhuma de suas propostas andou — nem mesmo as medidas provisórias, entre as quis a da remodelação do Ministério da Economia e a liberação de auxílio de emergência às vítimas de Brumadinho, e isso num Parlamento que já aprovou até confisco da poupança.

ObservaçãoDora Kramer, sempre brilhante em sua coluna, relembra que, se o chefe do Executivo acha que pode atuar em desconexão com o Legislativo, é natural que a recíproca seja verdadeira. Donde os dois “trocos” que os deputados deram a Bolsonaro ao lhe infligir derrotas significativas com a aprovação do Orçamento impositivo e a rejeição do decreto que ampliava o escopo do sigilo a documentos oficiais. O cacoete de parlamentar meramente reativo, livre para provocar em seu nicho de atuação no baixo ­clero, parece ser o que impede Jair Bolsonaro de perceber que o início do período presidencial corresponde à entrada em cena do Congresso, à mudança da natureza do palco e, sobretudo, às demandas da plateia. Na campanha, candidatos falam à arquibancada; na Presidência, governantes precisam lidar com o pessoal das cadeiras e camarotes se não querem ver a partida ser encerrada antes do tempo regulamentar.

Ninguém esperava que o atual governo operasse um milagre que fizesse a economia bombar em três meses. Mas o mercado e o empresariado compraram o projeto liberalizante de Paulo Guedes, que prometeu recolocar o país na rota do crescimento. Seu plano econômico é encabeçado pela reforma previdenciária e complementado com uma série de privatizações, além de uma profunda reforma tributária, e cem dias talvez não bastem nem para começar a fazer isso tudo, mas são suficientes para revelar o engajamento do governo e sua capacidade de articulação para tirar os projetos do papel.

O empresariado ainda ampara o presidente, sobretudo por ter Paulo Guedes à frente da Economia e pelos bons serviços prestados por Tarcísio de Freitas na pasta da Infraestrutura (tais como os leilões de concessão de dois portos e de um novo trecho da Ferrovia Norte-Sul). Isso sem desmerecer a importância de Sérgio Moro, que, infelizmente, ainda não teve jeito de mostrar a que veio. Mas as pastas da Educação, das Relações Exteriores e dos Direitos Humanos são vistas como “caóticas” e “vergonhosas”. Para piorar o cenário, a bizarra queda de braço entre Bolsonaro e Rodrigo Maia, mesmo tendo sido superada, deixou sequelas funestas, como a redução no número de parlamentares que se declaravam favoráveis à reforma da Previdência (que caiu de 69% para 56%).

A exemplo de certo ex-presidente impichado — hoje senador por Alagoas e réu na Lava-Jato —, Bolsonaro iniciou seu mandato sem uma coligação partidária que lhe oferecesse apoio no Congresso (oxalá as semelhanças parem por aí). Seu governo não tem um partido coeso e integrado — o PSL até dispõe da segunda maior bancada da Câmara, com 54 deputados, mas isso é insuficiente numa Casa com 513 cadeiras. Demais disso, a maioria dos deputados pesselistas é estreante, sem traquejo nas dinâmicas do Legislativo, ao passo que os mais antigos se queixam de que a sigla não tem organograma nem regimento interno, e que seus deputados não conseguem entender o que estão votando sem assessoria técnica. 

Para um governo que se propõe a implementar reformas estruturais, é preciso muito mais capacidade de articulação (note que negociação não significa necessariamente corrupção). A retórica para agradar os bolsomínions (para quem o presidente está certíssimo, devendo mesmo esquecer o Congresso e falar diretamente com eles) atrapalha a relação com os demais eleitores, e a única maneira de estancar a perda de popularidade é com a retomada do crescimento. Mas Bolsonaro age com uma versão tupiniquim do seu ídolo norte-americano, que permanece há dois anos disparando mensagens pelo Twitter com o mesmo discurso hostil aos oponentes da época da campanha. Também nesse caso, as realidades são diferentes, a começar pelo fato de o homem da peruca laranja (sem qualquer intenção de fazer trocadilho com o laranjal do PSL) ter assumido o cargo com a economia em crescimento e um governo muito bem estruturado.

Faltam à Bolsonaro a contenção da retórica de palanque, empenho nas pautas fundamentais, disposição para ouvir e negociar, inclusive com opositores. Um governo popular e fraco, sem condições de implementar as medidas de que o país precisa para retomar o crescimento só interessa ao segmento radical e apodrecido da oposição — composto de devotos da seita do inferno cujo sumo pontífice, alvo de 10 processos, condenado em dois e às vésperas de um deles ser julgado pela terceira instância do Judiciário, completou, dias atrás, um ano como hóspede compulsório numa suíte máster da Superintendência da PF em Curitiba.

Que Deus nos ajude.

sábado, 13 de julho de 2024

O ESTADISTA E O DEMAGOGO.


O ESTADISTA GOVERNA PENSANDO NAS PRÓXIMAS GERAÇÕES. 
O POPULISTA GOVERNA PENSANDO NAS PRÓXIMAS ELEIÇÕES.

Atribui-se indevidamente a Charles de Gaulle a autoria da frase "le Brésil n’est pas un pays serieux", mas esse equívoco não torna esta banânia menos banânia. A versão oficial da descoberta do Brasil é uma fraude, a independência foi comprada, a Proclamação da República foi um golpe militar (o primeiro de muitos), 8 dos 38 chefes do executivo foram apeados do cargo prematuramente (começando por Deodoro da Fonseca) e 2 dos 5 presidentes eleitos diretamente desde a redemocratização acabaram impichados — seriam 3 se Rodrigo Maia e Arthur Lira tivessem cumprido seu papel constitucional. 
 
Nosso "melhor" presidente foi Tancredo Neves, que morreu sem tomar posse. Em 1989, após quase 30 anos de jejum de urna, nosso ilustríssimo eleitorado, podendo escolher entre 22 candidatos alguém como Ulysses Guimarães, Mario Covas ou Leonel Brizola, escalou para o embate final um caçador de marajás demagogo e populista e um ex-metalúrgico populista e demagogo. E o resto é história recente. 
 
Tenho saudades do PSDB 
— falo do partido de Mário Covas, Franco Montoro e Fernando Henrique, não da agremiação anedótica que tenta se reerguer das cinzas com a candidatura de José Luiz Datena à prefeitura de São Paulo, que chega a dar pena). Mas nem os tucanos, conhecidos por mijar no corredor quando há mais de uma banheiro, nem os paulistanos, que já votaram em rinoceronte para vereador e elegeram prefeitos do quilate de Jânio Quadros, Luíza Erundina, Paulo Maluf, Celso Pitta e Fernando Haddad, merecem alguém com histórico de recuos eleitorais como o do apresentador do Brasil Urgente.
 
Datena filiou-se ao PT em 1992 e subiu no palanque para apoiar Lula em 1989. Migrou para o PP em 2016, mas desistiu de disputar a prefeitura de Sampa quando veio a público um desvio de R$ 358 milhões da Petrobras para o partido. Ingressou PRP e desfilou por outros 7 partidos (DEM, MDB, PSL, UNIÃO, PSC, PDT e PSB) até finalmente pousar no ninho dos tucanos. 
Em 2018, já no DEM, candidatou-se ao Senado e chegou se afastar da TV, mas voltou atrás: "Pensei bem, refleti, conversei muito com a minha família, com Deus, com poucos amigos, e achei que ainda não era a hora." 

Em 2020, o apresentador foi cotado para vice na chapa de Bruno Covas, mas retirou a candidatura. Em 2022, recém-filiado ao PSL, trovejou: "Desta vez é pra valer!". Apesar de ter afirmado que só lhe interessava a Presidência, preferiu concorrer ao Senado com apoio de Bolsonaro — isso depois de declarar que não votou em ninguém depois de Lula, que "apoiou Bolsonaro o cacete". Chegou a liderar as pesquisas, mas anunciou sua desistência, desistiu de desistir e desistiu de desistir de desistir no último dia do prazo para deixar a TV. 
 
Se nada mudar até outubro, o embate final pela prefeitura de Sampa será entre  Ricardo Nunes e Guilherme Boulos. O primeiro foi promovido de vice a titular com a morte de Bruno Covas e postula a reeleição com as bênçãos do governador bolsonarista Tarcísio de Freitas; o segundo é o psicanalista das massas e eterno líder do MTST que conta com o apoio do xamã petista que, a exemplo da Carolina na canção de Chico Buarque, recusa-se a perceber que "o tempo passou na janela". Mas não é só.

Lula estimulou alta do dólar (que chegou a R$ 5,70) ao lançar dúvidas sobre a necessidade de cortar gastos e culpar o presidente do BC por todas as mazelas que enfrentando. Pressionado por Haddad, mudou o discurso, interrompendo a sangria do real. Para 53% dos 2 mil entrevistados ouvidos entre 5 e 8 de julho (muitos dos quais não são capazes de achar o próprio rabo usando as duas mãos e uma lanterna), as declarações irresponsáveis do xamã petista não foram a causa da alta dólar, mas 34% pensam o contrário e 13% não souberam responder (isso deixa claro em que plano o jogo político se desenrola no Brasil).
 
O discurso falacioso de Lula ressoou bem em boa parte da população. Para 87% dos entrevistados, os juros "estão muito altos" e 67%, acham que "o governo não deve satisfação ao mercado, mas aos mais pobres" (seja lá o que isso quer dizer). Interessa dizer que o fato de a maioria da população não entender o que aconteceu foi ótimo para o petista mas péssimo para o Brasil. O discurso que ele proferiu na posse da nova presidente da Petrobras deveria entrar para a história como uma das manifestações públicas mais fantasiosas e ofensivas já feitas por um presidente no Brasil. Não houve mentiras novas, mas a forma como as velhas falácias foram reunidas contribuiu para sintetizar o quadro lamentável em que o país se encontra desde que o demiurgo foi reconduzido ao Planalto após se livrar da prisão por corrupção.
 
“É sempre uma grande alegria voltar à Petrobras e ver essa empresa pujante, resistente a tantas tentativas de desmonte e dilapidação de seu patrimônio”, discursou o responsável maior pelas tentativas de desmonte e dilapidação do patrimônio da Petrobras. Segundo Lula, a culpa foi da Lava-Jato e da "elite política e econômica deste país" que não tem compromisso com a soberania do Brasil e a melhoria de vida do nosso povo". "Tentaram destruir a Petrobras antes mesmo de sua criação [...] a história jamais esquecerá os editoriais dos grandes veículos de comunicação que preferiam ver o petróleo brasileiro entregue de mão beijada a empresas estrangeiras", perorou sua excelência.
 
Lula reclamou das tentativas de privatizar a Petrobras e de mudar seu nome — o que seria, segundo ele, "negar sua origem 100% brasileira" 
—, comentou a perda de controle governamental sobre a Eletrobras e a Vale e associou a isso à demora para indenizar as vítimas das tragédias de Mariana e Brumadinho, disse que "numa empresa com muitos donos ninguém manda", e que ela "não cumpre o papel social que deveria cumprir". Em outras palavras, o que o presidente quer é ser "dono" de todas as empresas em que conseguir meter a mão.
 
Lula disse que patrocinou o maior ciclo de investimento da companhia (em 2003), exaltou as descobertas do pré-sal e louvou as ações dos governos petistas na área de petróleo. Acusou a Lava-Jato do desmonte e da privatização da Petrobras. "Se o objetivo fosse de fato combater a corrupção, que se punisse os corruptos, deixando intacto o patrimônio do nosso povo. Mas o que foi feito não foi isso. O que foi feito foi uma tentativa de destruir a imagem da empresa." Resta saber quais corruptos deveriam ser punidos depois ele próprio e mais de 100 condenados pela Lava-Jato se livraram das acusações por questões processuais. 

Observação: Ex-coordenador da força-tarefa no paraná, Deltan Dallagnol rebateu as acusações com números: "Nós punimos os corruptos: foram 533 acusados, mais de 250 condenações e um total de 2600 anos de pena. A Lava Jato recuperou mais de R$ 15 bilhões para a sociedade, sendo que R$ 6 bilhões foram devolvidos à Petrobras, que os seus governos petistas destruíram e rapinaram".
 
A alturas tantas, inebriado pela própria narrativa, Lula preparou o tereno para a própria defesa defendendo presidentes do passado. Mencionando o que chamou de "mentiras sobre a Petrobras", disse que Getúlio Vargas "se matou porque fizeram uma denúncia de corrupção contra ele, mas nunca provaram a corrupção que ele tinha feito", e que Juscelino Kubitschek "foi acusado de ter um apartamento em Copacabana, mas nunca se provou o apartamento do Juscelino". 
Na sequência, relembrou a derrota do Brasil para a Alemanha por 7×1 na final da Copa de 2014 e classificou-a como um castigo divino: "E Deus é justo, nós tomamos de 7 a 1 naquela Copa do Mundo da Alemanha. Já que é para castigar, vamos castigar". 
 
Lula é um castigo muito pior que o 7 a 1.

terça-feira, 5 de fevereiro de 2019

TRISTE DO PAÍS QUE PRECISA DE HERÓIS



Podem-se contar nos dedos os heróis nacionais tupiniquins. Além Joaquim José da Silva Xavier, mais conhecido como Tiradentes, resta quem? Há uma lista com 43 heróis e heroínas oficiais do Brasil, cujos nomes estão escritos em páginas de aço no Panteão da Pátria em Brasília, mas eles estão longe de ser, digamos, uma unanimidade: figuras Zumbi, Chico Mendes ou Deodoro da Fonseca mostram bem o tipo de qualidades requeridas para um cidadão receber o certificado de herói brasileiro.

O jornalista J.R. Guzzo, cuja coluna quinzenal é quase tudo que restou da revista Veja que ainda vale a pena ler, relembra que depois de Tiradentes não se produziu um único herói nacional que honre o título. No passado remoto, houve Anhanguera, Fernão Dias e Raposo Tavares, mas, se você lembrar esses nomes, a CNBB, o Papa Francisco e a Comissão de Direitos Humanos da ONU podem vir com acusações de genocídio contra os índios; melhor não mexer com isso. 

Por outro lado, dependendo da sua imagem nas classes intelectuais, liberais, progressistas etc., ser herói é uma das coisas mais fáceis desta vida: basta obter uma certidão de “pessoa de esquerda”. Assassinos patológicos como um Carlos Marighela, por exemplo, têm direito a estrelar, no papel de salvador do Brasil, filmes pagos com o dinheiro dos seus impostos. Um psicopata homicida como Carlos Lamarca chegou a ganhar uma estátua num parque florestal de São Paulo. A vereadora Marielle Franco jamais recebeu uma única citação por algo de útil que tenha feito em toda a sua vida política, mas, depois de ser assassinada “pelo fascismo”, passou a ser tratada como um dos maiores colossos da história nacional.

O herói dos comunicadores, neste momento, é o ex-deputado Jean Wyllys. A soma total das realizações de sua existência se resume a ter ganhado, anos atrás, o prêmio de um programa de televisão que compete com o que existe de pior na luta pela audiência das classes Y e Z. Outra foi cuspir, no conforto de quem está cercado por um bolo de gente, num colega na Câmara dos Deputados justamente o que acabaria se tornando o atual presidente da República, vejam só. Agora, alegando subitamente ameaças à própria vida na internet, Wyllys abandonou o mandato, os eleitores e suas promessas de “resistência” e fugiu para a Espanha. Pronto: virou herói instantâneo. Agredido mesmo nessa disputa foi Bolsonaro, vítima de uma tentativa de homicídio que quase lhe tirou a vida e acaba de exigir uma terceira cirurgia, com sete horas de duração. Mas o mártir é a figura que cuspiu.

Neste país do Deus me livre, o presidente que derrotou o fantoche do presidiário de Curitiba é malhado como boneco de pano em Sábado de Aleluia. No mês passado, durante o Fórum Mundial de Davos, ele foi criticado porque seu discurso durou apenas uns poucos minutos. Durante a campanha, foi criticado sistematicamente por não ter participado dos debates. Para seus detratores, o fato de estar evacuando numa aviltante bolsa de colostomia, resultado de um atentado que quase o matou, era uma questão de somenos. Chegaram mesmo a dizer que a facada foi encomendada pelo próprio Bolsonaro, como forma de alavancar sua campanha. Ou seja: rebaixaram uma clara tentativa de homicídio ao nível de um ataque pra lá de suspeito, desfechado contra um ônibus da caravana de Lula, quando o ícone da podridão petista ainda perambulava livremente pelo país, regurgitando sua cantilena vitimista para quem se dispusesse a ouvir.

Voltando ao discurso de Bolsonaro em Davos, enquanto um chefe de governo da Alemanha ou da Austrália, por exemplo, vai lá quando os seus assessores julgam conveniente, cumpre em 24 horas, ou menos, o programa definido por eles e volta para casa sem apresentar alguma demonstração concreta da possível utilidade pública de sua viagem aos Alpes Suíços — e menos ainda ser julgado pelos “resultados” que obteve —, o presidente do Brasil tem de “performar”, como gostam de dizer os executivos de hoje em dia. Começa a ser cobrado antes mesmo de desembarcar, e não tem mais sossego até esquecerem do assunto uns dias depois de sua volta à Brasília. 

Quantos bilhões de dólares em investimentos Bolsonaro conseguiu atrair para a economia brasileira? “Interagiu” direito com os líderes mundiais que estavam ao seu redor? Foi elogiado pelos sábios das ciências econômicas, políticas e sociais presentes? Já é muito difícil, em condições normais, atender às expectativas da banca examinadora, mas se o presidente da República se chama Jair Bolsonaro, como é o caso no presente momento da nossa história, aí você já pode esquecer: vai voltar de Davos com um zero no boletim, seja lá o que tenha feito ou deixado de fazer durante sua participação no evento.

Como na história do Velho, o menino e o burro (para relembrar essa fábula, siga este link), Bolsonaro será criticado “por ter cachorro e por não ter”. Entre tudo o que disse em sua estreia no cenário internacional, não conseguiu acertar uma. Levou uma comitiva pequena demais, o que, segundo a crítica, mostrou o seu pouco caso com a grandiosidade da conferência. Ficou num hotel excessivamente barato, o que seria um desprestígio para a majestade do Estado brasileiro. Foi almoçar num bandejão do centro da cidade, por 19 francos suíços; foi condenado pela prática de “demagogia barata”. Pior ainda: causou, potencialmente, prejuízos econômicos de valor inestimável para o Brasil, já que deveria ter aproveitado a hora do almoço para levar “grandes investidores”, etc., a algum restaurante de primeira classe e, assim, fechar negócios vitais para o interesse público nacional. Que investidores? Que negócios? Não foram fornecidas informações a respeito. Seu discurso foi acusado de ser “muito curto”, sem que os inquisidores especificassem qual seria a duração correta, em sua avaliação, da fala presidencial.

O conselho de sentença se manifestou particularmente chocado com o que considerou a “superficialidade” das palavras de Bolsonaro. Mas não se esclareceu, em nenhum momento, qual o nível de profundidade que o discurso deveria ter atingido, nem se fez qualquer comparação com os discursos dos quatro outros presidentes brasileiros que foram a Davos Fernando Henrique, Lula, Dilma e Temer. O que teria qualquer um deles dito de útil, inteligente ou inovador para escapar da reprovação por superficialidade? De FHC ninguém se lembra mais nada; Lula falou que os “países ricos” deveriam se comportar melhor com os países pobres, ou alguma coisa com esse grau de originalidade; Dilma, na prática, entrou muda e saiu calada o que com certeza foi uma grande sorte para todos, levando-se em conta as coisas prodigiosas que costuma dizer toda vez que abre a boca para falar em público —, e Temer revelou que era importante “fazer a reforma da previdência”— o que, francamente, não impressionou ninguém pela profundidade. Em suma: nada que se possa aproveitar nestes últimos 25 anos. Mas como Bolsonaro é Bolsonaro, sua participação foi julgada “um fiasco histórico”. Vejam que ele não foi poupado sequer da catástrofe ocorrida há pouco mais de uma semana em Brumadinho — resultado, segundo alguns falastrões de cabeça não pensante, da privatização da Vale nos anos 1990 e da insensibilidade do atual governo ao tema do meio ambiente. 

Observação: Tomando em consideração isso tudo, a melhor coisa que Bolsonaro fez em Davos foi não ter comparecido à entrevista coletiva à imprensa que estava no programa e na qual só iria receber perguntas com o teor de qualidade mental que se percebe acima. Com uma cirurgia altamente complicada para dali a três dias, preferiu repousar um pouco. O público não perdeu absolutamente nada com a sua decisão.

Magistrados dos tribunais das redes sociais, sem compromisso algum com a realidade e com os efeitos que possam causar aos outros, condenam sem julgar tudo, absolutamente tudo, que seus desafetos dizem ou fazem. Quando Lula “foi impedido” de comparecer ao enterro de Vavá — por uma série de motivos que não vou enumerar novamente porque já o fiz em três ou quatro postagens recentes —, a caterva esquerdopata só faltou dizer que Bolsonaro encomendou a morte do irmão de seu amado lidar apenas para impedi-lo de participar da cerimônia fúnebre. No entanto, depois de conseguir sinal verde do ministro Dias Toffoli, o sevandija vermelho desistiu ao saber que a reunião teria de acontecer numa base militar, sem a presença de manifestantes e da imprensa. Isso deixou claro como o dia que sua intenção era transformar em palanque o esquife do irmão, a exemplo do que havia feito com o da mulher em 2017.

Para os esquerdopatas de plantão e outros boçais, porém, as restrições impostas for Toffoli foram um “sequestro” dos direitos do ex-presidente, o que demonstra que as pessoas se impõem a obrigação de dar opinião sobre tudo, saibam ou não a respeito do que falam, tenham ou não informações mínimas sobre o assunto de que tratam.

Como bem pontuou Dora Kramer, o que se tem com isso é um misto de superficialidade e distorção, cujo resultado é um elogio permanente à ignorância. Seus autores são todos uns indignados de plantão, donos da convicção de que suas opiniões dão rumo ao mundo. Tomando emprestada de Nelson Rodrigues a expressão e pedindo licença para trabalhar no seu inverso, formariam com louvor na tropa dos imbecis da falta de objetividade.

Triste Brasil.

sexta-feira, 22 de fevereiro de 2019

A CRISE QUE NÃO EXISTE, BEBIANNO, BOLSONARO, LAMARTINE BABO E ENGELBERT HUMPERDINCK



Morre-se de várias coisas no jornalismo, menos de tédio”, dizia o saudoso Ricardo Boechat. E com efeito: dia sim, outro também a mídia leva ao ar uma nova novela ou um novo e emocionante capítulo de alguma novela que esteja em curso. Bons exemplos são tragédia em Brumadinho — note que até hoje a imprensa fala em “x” mortos e “y” desaparecidos, como se fosse possível haver sobreviventes — e o imbróglio Fabrício Queiroz/Flávio Bolsonaro — que promete novas emoções depois de ter sido temporariamente “esquecido” devido ao sucesso retumbante do curta-metragem produzido e dirigido por Carlos Bolsonaro, o vereador que deixou a Câmara para palpitar na transição do governo federal e, en passant, criar crises palacianas metralhando desafetos e pretensos usurpadores, traidores e o escambau. Aliás, dizem as más línguas que “o garoto” se escafedeu e levou com ele o primo que encarregara de ficar de olho no papai quando ele voltasse a verear na Cidade Maravilhosa. Quanta maldade!

Não estou pegando no pé dos Bolsonaros por simples implicância. Fazê-lo seria me rebaixar ao nível dos militantes da causa petista, que defendem caninamente seu eterno líder — um corrupto desprezível, mas que o fanatismo desbragado dessa caterva transmuda na quintessência da lisura, na figura de preso político condenado sem provas (a 25 anos, e isso é só o começo) e jogado no xadrez para não voltar a "espalhar o bem" entre os milhões de pobres, descamisados, desvalidos e desalentados deste grande país. Só falta essa escumalha dizer que o crápula de nove dedos está preso porque é preto e pobre. Se é que já não disse. Mas vamos ao que interessa. 

Bolsonaro foi eleito para fazer contraponto à corrupção metastática que se espalhou impiedosamente ao longo dos 13 anos e fumaça de gestões lulopetistas. Isto posto, não há como não ver com preocupação os desserviços produzidos pela ingerência da filharada real no governo federal.

Embora eu seja um admirador confesso do ex-juiz Sérgio Fernando Moro, não posso deixar de discordar — com todas as vênias de estilo — do que ele disse um dia depois de o porta-voz Otávio Rêgo Barros confirmar a exoneração de Gustavo Bebianno da Secretaria-Geral da Presidência da República. Litteris: "No mundo real não existe nenhuma crise dentro do governo. O governo está apresentando projetos", e desculpe se isso parece laudatório do atual governo, mas o governo tem sido absolutamente exitoso nas propostas e projetos que tem apresentado”. De qual "mundo real" estamos falando, ministro?

O governo parece ter "duas personalidades". Enquanto uma se esfalfa para formar maioria no Congresso para aprovar a reforma da Previdência (outra novela interminável) e as medidas de combate ao crime organizado e a corrupção, a outra age como o sujeito da velha piada da casca de banana. Vimos isso claramente nesse monumental rebosteio produzido pela denúncia da Folha e potencializado pelo filho do pai — pai que primeiro apoiou seu pitbull, mas logo se viu obrigado a se retratar e cobrir de elogios o desafeto que, num passe de mágica, passou de colaborador valioso a “homem bomba”, com potencial para despejar um caminhão de merda no ventilador palaciano... 

Observação: Numa conversa com o Presidente, o ministro Onyx Lorenzoni disse que Gustavo Bebianno se comprometeu com “Jorge” (Jorge Oliveira, subchefe de Assuntos Jurídicos da Casa Civil) a não fazer ataques a Bolsonaro depois de deixar o governo. “Ele disse ao Jorge: ‘O que eu tinha para fazer, eu fiz ontem, eu não dou mais nenhuma palavra, acabou tudo ontem. Eu tô te dando a minha palavra. Ok?’”, relata Lorenzoni no áudio. Diante da suposta promessa de Bebianno, Onyx cita uma nota publicada pelo jornal Folha de S. Paulo, segundo a qual o ex-ministro está “preparando documentos” sobre a campanha, republicada pelo O Antagonista, e afirma ao presidente que Bebianno pediu ao site que apagasse o conteúdo. A nota não consta mais entre as publicadas pelo O Antagonista. Em outro trecho da conversa, Bolsonaro demonstra preocupação com os processos judicias de cuja defesa Bebianno se encarregou gratuitamente:  “Se ele me cobrar individualmente o mínimo, eu to f…”, disse o Presidente. “Tem que vender uma casa minha no Rio para pagar.”

Ao longo da última semana, li notícias, opiniões e ilações sobre a tal “crise imaginária” que dariam um livro de boas 500 páginas, e até agora não sei se o mentiroso e vilão da história é Bebianno, Bolsonaro, ou se ambas as alternativas estão corretas. No mundo real, ninguém minimante racional acha que Jair Messias Bolsonaro, tendo sido deputado federal por quase 30 anos, tem um passado de monge budista. Quando mais não seja, seu temperamento explosivo e suas opiniões polêmicas lhe renderam duas ações penais por injúria e incitação ao crime de estupro. Detalhe: a tramitação desses processos foi sobrestada por determinação do ministro Luiz Fux, mas não devido ao suposto “viés bolsonarista” do magistrado, como querem fazer crer os esquerdistas incorrigíveis, mas porque a Constituição, em seu artigo 86, § 4º, impede que o Presidente da República, na vigência do mandato, seja responsabilizado por atos estranhos ao exercício das suas funções.

Observação: Jair Bolsonaro se tornou réu no STF em 2016 por ter dito, num bate-boca com a deputada petista Maria do Rosário, que "não a estupraria a porque ela era muito feia". Também em 2016, Jean Willis, então deputado pelo PSOL e hoje auto exilado na Espanha, cuspiu em Bolsonaro e afirmou que cuspiria de novo, quantas vezes quisesse. Apesar de sua fama de "truculento" o capitão disse que a cusparada foi um fato gravíssimo, mas nem por isso processaria o cuspidor (muitos teriam lhe quebrado as fuças, mas isso é outra conversa).

Desperdiçar o tempo precioso da nossa Suprema Corte — que já não prima pela celeridade — com esses “crimes hediondos” imputados a Bolsonaro é, a meu ver, um absurdo monumental, mas vivemos sob a égide do “politicamente correto”. Não estivessem providencialmente mortos, Lamartine Babo e Engelbert Humperdinck correriam o risco de terminar seus dias na cadeia; o primeiro por ter composto o samba ”O teu cabelo não nega”, e o segundo por ter escrito o conto de fadas Hansel e Gretel (ou Joãozinho e Maria, como os protagonistas foram batizados pelo tradutor), em cujo final, se não me falha a memória, os dois irmãozinhos queimam a bruxa malvada em seu próprio forno.  

Vamos combinar: amar os filhos — e até mesmo ouvi-los em questões políticas — é humano, mas deixar-se manipular por eles e deixá-los espalhar crises a seu talante, de acordo com seus interesses particulares é um perigo institucional. Como bem pontou Merval Pereira em sua coluna, o Presidente ainda tem popularidade suficiente para seguir em frente e se tornar um grande líder político, mas precisa sair da bolha radicalizada em que ele e seus filhos fazem questão de permanecer.

ObservaçãoMarcelo Álvaro Antonio, outro suposto laranjeiro do PSL, pediu ao STF que a corte avoque para si a investigação sobre as denúncias publicadas pelo jornal O Estado, que estão sendo apuradas no âmbito da Justiça Federal de Minas. O argumento é de que os fatos teriam ocorrido durante o mandato de deputado estadual, do qual Antonio se licenciou para assumir o ministério do Turismo. O pedido chegou no último dia 18 ao gabinete do ministro Luiz Fux, que foi sorteado para relatar a ação. Segundo Onyx Lorenzoni, o governo “observa” e “acompanha” a situação do ministro do Turismo, mas ainda não se cogita de sua exoneração. 

Bambalalão / Senhor capitão / Quem não aprende com os erros / Acaba de calças na mão. 

domingo, 17 de março de 2019

O JUDICIÁRIO A SERVIÇO DA JUSTIÇA


DE PAÍS DO FUTEBOL E DO CARNAVAL, O BRASIL ESTÁ SE TORNADO A NAÇÃO DO ENLUTADOS. ÀS TRAGÉDIA (ANUNCIADAS) DE BRUMADINHO E DO NINHO DO URUBU, SOMA-SE, AGORA, A CHACINA NA ESCOLA EM SUZANO. HAJA LÁGRIMAS. COMO SE NÃO BASTASSE, O PRÓPRIO JUDICIÁRIO, COM DESTAQUE PARA SUA ALTA CÚPULA, SE ARTICULA PARA SEPULTAR A MAIOR OPERAÇÃO ANTICORRUPÇÃO DA HISTÓRIA DESTA REPÚBLICA, QUE COMEMORA HOJE SEU QUINTO ANIVERSÁRIO (A LAVA-JATO, NÃO A REPÚBLICA). E O NOSSO PRESIDENTE, EM SUA INDEFECTÍVEL INCONTINÊNCIA TUITÁRIA, PARECE MAIS PREOCUPADO COM O GOLDEN SHOWER E OUTRAS BANALIDADES... OXALÁ O MINISTRO DA JUSTIÇA E OS PARLAMENTARES DE BEM (PARECE QUE AINDA RESTAM ALGUNS) CONSIGAM REVERTER ESSE CENÁRIO KAFKIANO. EU ESPERO ESTAR ERRADO, MAS ACHO QUE, SE DEPENDERMOS DAS MOBILIZAÇÕES POPULARES CONVOCADAS PARA ESTE DOMINGO, VAI FALTAR LENÇO DE PAPEL NO MERCADO. 

Confirmada a decisão de mandar para a Justiça Eleitoral todos os crimes conexos ao de caixa 2 — como corrupção, lavagem de dinheiro, peculato —, choveram críticas ao STF nas redes sociais. Mas de que adianta chorar o leite derramado? Foram 5 votos a favor e 5 contrários; o desempate ficou por conta do voto de Minerva do presidente da Corte, que (é claro) seguiu o entendimento do relator, ministro Marco Aurélio, a exemplo do que já haviam feito o decano Celso de MelloGilmar MendesRicardo Lewandowski e (esse, sim, me surpreendeu) Alexandre de Moraes

Paralelamente, Toffoli, anunciou que abriria processo contra o que chamou de “fake news” que atinjam a honra de membros do STF e seus familiares, no que foi enfaticamente elogiado pelo colega Gilmar. Mais cedo, o advogado Modesto Carvalhosa havia protocolado no Senado mais um pedido de impeachment de Gilmar Mendes. Para bom entendedor, pingo é letra.

Cabe ao presidente da Corte zelar pela “honorabilidade e segurança” dos colegas, bem como de seus familiares, mas não se deve confundir acusações falsas com fatos reais cuja divulgação possa constranger quem quer que seja; em outras palavras, para exigir respeito é preciso se dar ao respeito. Para além disso, parafraseando a impagável Copélia (personagem de Arlete Salles no humorístico global Toma lá, dá cá), "prefiro não comentar!". Um resumo brilhante dessa bizarrice foi publicado pelo igualmente brilhante José Nêumanne:

Seis ministros do STF atenderam a pleitos de impunidade de quem os nomeou para o ápice da carreira e mandaram as investigações do passado, do presente e do futuro de caixa 2 em crimes de corrupção e lavagem de dinheiro com benefícios em campanhas da Justiça Federal para a Eleitoral, que funciona de, com e para políticos profissionais. E o presidente do STF, Toffoli, aboliu República de 1889 para criar o império absolutista da “Suprema Corte”, com seus 11 membros e suas nobres famílias protegidas da língua do povo por inquérito sigiloso sob total controle dos togados, acima de devassas de corrupção da Receita e de policiais, procuradores e juízes federais da primeira instância e críticas.

O procurador Bruno Calabrich tuitou que a decisão de Toffoli é inconstitucional, pois “foro por prerrogativa de função é definido pelo agente, não pela vítima; investigação pelo Judiciário é inconstitucional (violação ao princípio acusatório)”. Inconstitucional ou não, foi um duro golpe na Lava-Jato, já que o resultado do julgamento abre uma janela para a impunidade, ao permitir que políticos que rapinaram o erário ou receberam propina, suborno e que tais se escudem no batido ramerrão do caixa 2 eleitoral.

É de conhecimento geral que o TSE tem sido historicamente condescendente com crimes eleitorais e que tem postergado indefinidamente suas decisões, talvez por falta de estrutura (e de disposição) para apurar tantos crimes com a desejável celeridade. Basta relembrar o célebre julgamento da chapa Dilma-Temer, em 2017, no qual os réus foram absolvidos por “excesso de provas”, conforme ironizou o relator do caso, ministro Herman Benjamim, do STJ.

Júlio Marcelo de Oliveira, procurador do Ministério Público de Contas junto ao TCU, também manifestou pelo Twitter sua discordância da afirmação de que o TSE é capacitado o bastante para lidar com os crimes comuns: “A Justiça Eleitoral é célere para processos relativos ao registro de candidaturas, mas não tem agilidade para julgar prestações de contas das campanhas. Até o início de 2018, apenas as contas dos dois candidatos que foram ao segundo turno em 2014 tinham sido julgadas”.

O resultado de 6 a 5 no plenário do Supremo demonstra, mais uma vez, que os ministros estão divididos e que o caso em tela não é simples como querem fazer crer os que acompanharam o relator. Gilmar Mendes, sempre “muito comedido”, disse em seu voto que “os procuradores da Lava-Jato adotam métodos de gangster”, além de os classificar de “gentalha despreparada, uns cretinos que não têm condições de integrar o Ministério Público”. 

De passagem, o ministro-deus atacou a criação de uma fundação privada para administrar parte da indenização bilionária que a Petrobras teve que pagar para suspender processos nos Estados Unidos: “Essa fundação seria a mais poderosa do Brasil, com recursos públicos, e tinha como objetivo financiar eleições futuras. Sabe-se lá o que podem estar fazendo com esse dinheiro.” Também a esse respeito eu prefiro não comentar, até porque, considerando como o ministro em questão vem se portanto, qualquer coisa que eu dissesse seria como chover no molhado. E já basta de inundações.

Luiz Fux, defendendo o raciocínio que norteou a outra corrente, afirmou que a Justiça Eleitoral costuma supervisionar apenas crimes menos graves ligados à eleição, como desacato a autoridades, agressões físicas, falsificação de documento, coação e transporte de eleitores, por exemplo. “Nunca se levou para a Justiça eleitoral corrupção, lavagem de dinheiro e organização criminosa.” Na mesma linha, Luis Roberto Barroso ponderou que afirmar que o TSE não está aparelhado para tal função não quer dizer que seu valor esteja sendo negado, ou sua ação caluniada.

É certo que investigados, denunciados e réus que não têm foro privilegiado — como Lula e os empresários corruptores — continuarão na mira de Curitiba. Mas a possibilidade de que todos os julgamentos da Justiça Federal sejam revistos é real. A procuradora-geral Raquel Dodge não acredita nessa hipótese, mas diz que é preciso ficar de olho nos acontecimentos.

Sobre a decisão do STF, o ministro da Justiça e Segurança Pública, Sérgio Moro, disse que “em termos de conveniência e oportunidade, se não de interpretação jurídica, a separação é a solução mais conveniente”. Da sua ótica, a Justiça Eleitoral, apesar de seus méritos, não está adequadamente estruturada para julgar casos criminais mais complexos, como de corrupção ou lavagem de dinheiro. Aliás, um projeto de Moro visa à separação do caixa 2 da corrupção, mas a aprovação cabe ao Congresso, e como boa parte dos parlamentares tem pendências com a Justiça, isso é o mesmo que dar a Herodes a chave do berçário, certo? Talvez não. 

Os deputados Kim Kataguiri e Jerônimo Goergen apresentaram à Câmara um projeto de lei para tirar da Justiça Eleitoral crimes comuns, como corrupção e lavagem, ligados a delitos eleitorais, como o caixa 2. Na visão dos parlamentares, o STF ignorou os apelos do Ministério Público e da população ao fixar a competência da Justiça Eleitoral nesses casos, “fulminando a evolução da histórica Operação Lava-Jato”. Na Câmara Alta, o senador Alessandro Vieira — o mesmo que apresentou o pedido de criação da CPI Lava-Toga — está em contato com lideranças partidárias para que uma proposta semelhante tramite em regime de urgência e possa ser votada já na próxima semana. A avaliação é de que, no Senado, o projeto possa avançar mais rápido, já que a Câmara terá de se debruçar sobre a reforma da Previdência.

Convém não contar com o ovo no c* da galinha, mas talvez ainda reste alguma esperança. Volto ao assunto na postagem de amanhã. Bom domingo a todos.

quarta-feira, 30 de janeiro de 2019

CIRURGIA DE BOLSONARO E O BRASIL DAS PERGUNTAS SEM RESPOSTA



Antes de retomar o assunto do post anterior (encerrar é maneira de dizer, pois outros desdobramentos estão por vir), achei por bem publicar que o ministro Sérgio Moro criou um grupo de trabalho para reavaliar normas do Banco Central sobre o combate à lavagem de dinheiro. A determinação está na Portaria 82, e visa fazer alterações na comunicação entre os bancos e o Coaf sobre suspeitas de lavagem de dinheiro. O ministro tomou essa decisão diante da estapafúrdia proposta do BC de excluir parentes de políticos da lista de monitoramento obrigatório das instituições financeiras e derrubar a exigência de que todas as transações bancárias acima de R$ 10 mil sejam notificadas ao Coaf.

Resta saber o que será feito em relação ao igualmente estapafúrdio decreto assinado pelo general Hamilton Mourão durante a viagem de Bolsonaro a Davos. Afinal, permitir que servidores comissionados classifiquem dados públicos como sigilosos amplia o número de pessoas que podem pedir sigilo e limita o acesso à informação. Aliás, a lei de acesso à informação, sancionada pela ex-presidanta Dilma em 2011, foi um dos poucos pontos positivos de sua desditosa gestão; que isso não seja mudado, agora, por um governo que se elegeu batendo o bumbo do combate à corrupção.

Mudando de um ponto a outro, a expectativa de que a mídia focaria Brumadinho nos dias subsequentes à tragédia se confirmou plenamente, e com isso a situação cada vez mais complicada do primogênito do Presidente Bolsonaro saiu de cena (ao menos temporariamente). Volto a dizer que os rolos do Zero Um despertam mais atenção do que os de outros 26 deputados estaduais que também serão investigados pela Receita porque respingam no Presidente — que se declarava amigo de Queiroz e até admite ter emprestado dinheiro ao factótum do Clã —, dando dimensão nacional ao que, de outra forma, seria apenas um escândalo local. Mas isso não muda o fato de que há muitas perguntas sem respostas. E quem votou em Jair Bolsonaro o fez para evitar que o Brasil voltasse a ser governado por um criminoso condenado e sua quadrilha, e portanto tem o direito de saber a verdade.

A cirurgia a que restabeleceu o trânsito intestinal do Presidente demorou mais do que o previsto devido a problemas de aderência, mas, para o desgosto de seus detratores e opositores, tudo correu bem. Bolsonaro deverá despachar do hospital assim que deixar a UTI, e, se não houver complicações, ter alta em até 10 dias. Mas é no mínimo curioso que a mídia, a despeito de acompanhar de perto a internação do Presidente e divulgar os boletins médicos quase que em tempo real, não disse uma única palavra sobre o atentado, sobre quem estaria por trás do ajudante de pedreiro Adélio Bispo de Souza e sobre quem está pagando seus advogados. Nem a Velhinha de Taubaté acreditaria na balela de que Bispo era um "lobo solitário" e que agiu de moto próprio por inconformismo político, como apontou o primeiro inquérito — um segundo inquérito foi instaurado para dar continuidade às apurações, e investiga uma possível participação de terceiros ou grupos criminosos ligados a partidos de esquerda.

Falando na patuleia imprestável, relembro que, durante a campanha, Bolsonaro foi duramente criticado por não ter participado dos debates. Mas somente quem já usou uma bolsa de colostomia sabe os transtornos que a situação gera, inclusive do ponto de vista psicológico. Muitos dos que condenaram o condenam por ter faltado aos debates já faltaram ao trabalho devido a uma simples dor de garganta, mas pimenta no rabo alheio é refresco. Ou, como dizia Lenin: "O ódio é a base do comunismo; as crianças devem ser ensinadas a odiar seus pais se eles não são comunistas". 

Tomara que a investigação do atentado não tenha o mesmo desfecho dos assassinatos de Toninho do PT, em setembro de 2001, e de Celso Daniel, em janeiro de 2002. Ou ainda o de Paulo César Siqueira Cavalcante Farias  — mais conhecido como PC Farias — , em junho de 1996. Os dois primeiros casos, se bem investigados, certamente revelariam as digitais de próceres do próprio PT. Já o do ex-tesoureiro da campanha de Collor cheira a queima de arquivo, pois PC conhecia melhor que ninguém os malfeitos praticados durante a gestão do caçador de marajás de festim — como diz um velho ditado, antes que o mal cresça, corta-se a cabeça

Para quem não se lembra, PC Farias se tornou uma espécie de factótum de Collor (mais ou menos como Palocci durante a campanha e no início do primeiro governo de Lula). Collor derrotou Lula no pleito presidencial de 1989 e três meses depois da posse já surgiam denúncias de corrupção, primeiro envolvendo apenas o segundo escalão, mas, quatro meses mais tarde, alcançando pessoas próximas ao Presidente. Foi então que nome de Paulo César Farias apareceu como intermediário de negócios entre o empresariado e o governo.

Collor só foi atingido diretamente pelas denúncias em 24 de maio de 1992, depois que seu irmão Pedro o acusou publicamente de manter uma sociedade com PC Farias, que seria seu testa-de-ferro nos negócios. A PF instaurou um inquérito e a PGR determinou a apuração dos crimes atribuídos ao chefe na nação, a sua superministra Zélia Cardoso de Mello, ao pau-pra-toda-obra PC Farias e ao piloto de avião Jorge Bandeira de Melo, acusado de intermediar a liberação de verbas no Ministério da Ação Social.

Guardadas as devidas proporções, Zélia era uma espécie de Dilma, mas em edição melhorada, até porque nada supera a nefelibata da mandioca como calamidade em forma de gente. A ministra foi a mentora intelectual do confisco da poupança dos brasileiros, teve um escandaloso affair com o ministro Bernardo Cabral — conhecido como Boto Tucuxi (que segundo o folclore paraense se metamorfoseia à noite num homem dançador, bebedor, galante e sedutor que encanta as caboclas ribeirinhas —, acabou se casando com Chico Anysio, que passou a ser conhecido como “o humorista que casou com a piada”.

Em agosto de 1992 o relatório final da CPI (instaurada a pedido do PT) apontou as ligações de Collor com o esquema de corrupção. Estimava-se então que US$ 6,5 milhões foram desviados para bancar gastos pessoais do presidente, o que é dinheiro de pinga em comparação com o que o PT e seus acólitos roubaram no Mensalão e no Petrolão. Mas aí vieram as famosas manifestações dos “caras-pintadas”, em apoio ao pedido de impeachment assinado pelo presidentes da Associação Brasileira de Imprensa e da Ordem dos Advogados do Brasil. Collor renunciou às vésperas do julgamento (que ocorreu em 29 de dezembro de 1992), visando preservar seus direitos políticos, mas foi condenado por 441 dos 480 deputados presentes e, como manda a Lei, tornou-se inelegível por oito anos.

Indiciado em 41 inquéritos criminais, PC Farias teve sua prisão decretada, mas fugiu no Morcego Negro, pilotado por Jorge Bandeira de Mello. Depois de várias escalas, desapareceu em Buenos Aires e só reapareceu quatro meses mais tarde, em Londres — 11 quilos mais magro e sem seus famosos bifocais. Enquanto se discutia sua extradição, o fujão tornou a fugir, mas foi capturado dali a três meses, depois que um turista brasileiro o viu andando pelas ruas de Bangcoc, na Tailândia. Foi extraditado, julgado e condenado a 4 anos de prisão por sonegação fiscal e 7 por falsidade ideológica. Cumpriu um terço da pena e, seis meses depois de obter liberdade condicional, foi assassinado, juntamente com a namorada Suzana Marcolino, em circunstâncias jamais esclarecidas, mas que sugerem claramente “queima de arquivo”.

A tese de homicídio seguido de suicídio foi endossada pelo legista Badan Palhares, mas desmontada por uma série de reportagens da Folha. Segundo o jornal, Suzana era mais baixa que PC, e a diferença de altura, associada à trajetória do tiro, inviabilizava a versão oficial (o próprio Palhares escrevera num artigo que, se a altura estivesse errada, seu laudo também estaria). Na avaliação do professor de medicina legal e coronel reformado da PM George Sanguinetti, um dos primeiros a contestar o suicídio, “passional não foi o crime, mas sim o inquérito”.

Os homicídios ocorreram na mansão de PC, numa praia de Maceió. Os corpos foram encontrados no dia 23 de junho de 1996 (com um tiro no peito de cada um), e ainda que a casa fosse guardada por 4 seguranças, ninguém ouviu os tiros “porque era época de festas juninas”.

Amanhã voltamos ao imbróglio Flávio Bolsonaro. Até lá.