Podem-se contar nos dedos os heróis nacionais tupiniquins.
Além Joaquim José da Silva Xavier,
mais conhecido como Tiradentes, resta quem? Há uma lista
com 43 heróis e heroínas oficiais do Brasil, cujos nomes estão escritos em
páginas de aço no Panteão da Pátria
em Brasília, mas eles estão longe de ser, digamos, uma unanimidade: figuras Zumbi, Chico Mendes ou Deodoro da
Fonseca mostram bem o
tipo de qualidades requeridas para um cidadão receber o certificado de herói brasileiro.
O jornalista J.R.
Guzzo, cuja coluna quinzenal é quase tudo que restou da revista Veja que ainda vale a pena ler, relembra que depois
de Tiradentes não se produziu um
único herói nacional que honre o título. No passado remoto, houve Anhanguera, Fernão Dias e Raposo Tavares,
mas, se você lembrar esses nomes, a CNBB, o Papa Francisco e a Comissão de
Direitos Humanos da ONU podem vir com acusações de genocídio contra os índios;
melhor não mexer com isso.
Por outro lado, dependendo da sua imagem nas classes
intelectuais, liberais, progressistas etc., ser herói é uma das coisas mais
fáceis desta vida: basta obter uma certidão de “pessoa de esquerda”. Assassinos
patológicos como um Carlos Marighela,
por exemplo, têm direito a estrelar, no papel de salvador do Brasil, filmes
pagos com o dinheiro dos seus impostos. Um psicopata homicida como Carlos Lamarca chegou a ganhar uma
estátua num parque florestal de São Paulo. A vereadora Marielle Franco jamais recebeu uma única citação por algo de útil
que tenha feito em toda a sua vida política, mas, depois de ser assassinada
“pelo fascismo”, passou a ser tratada como um dos maiores colossos da história nacional.
O herói dos comunicadores, neste momento, é o ex-deputado Jean Wyllys. A soma total das
realizações de sua existência se resume a ter ganhado, anos atrás, o prêmio de
um programa de televisão que compete com o que existe de pior na luta pela
audiência das classes Y e Z. Outra foi cuspir, no conforto de quem está cercado
por um bolo de gente, num colega na Câmara dos Deputados — justamente o que acabaria
se tornando o atual presidente da República,
vejam só. Agora,
alegando subitamente ameaças
à própria vida na internet, Wyllys abandonou o mandato, os
eleitores e suas promessas de “resistência” —
e fugiu para a Espanha. Pronto: virou herói instantâneo. Agredido mesmo nessa disputa foi Bolsonaro, vítima de uma tentativa de
homicídio que quase
lhe tirou a vida e acaba de exigir uma terceira cirurgia, com sete horas de
duração. Mas o mártir é a figura que cuspiu.
Neste país do Deus me livre, o presidente que derrotou o
fantoche do presidiário de Curitiba é malhado como boneco de pano em Sábado de
Aleluia. No mês passado, durante o Fórum Mundial de Davos, ele foi criticado porque seu discurso durou apenas uns poucos minutos. Durante a campanha, foi criticado sistematicamente por não ter participado dos debates. Para seus detratores, o fato
de estar evacuando numa aviltante
bolsa de colostomia, resultado de um atentado que quase o matou, era uma questão de somenos. Chegaram mesmo a dizer
que a facada foi encomendada pelo próprio Bolsonaro, como forma de alavancar sua campanha. Ou seja:
rebaixaram uma clara tentativa de homicídio ao nível de um ataque pra lá
de suspeito, desfechado contra um ônibus da caravana de Lula, quando o ícone da podridão petista ainda perambulava livremente pelo
país, regurgitando sua cantilena vitimista para quem se dispusesse a ouvir.
Voltando ao discurso de Bolsonaro em Davos, enquanto um
chefe de governo da Alemanha ou da Austrália, por exemplo, vai lá quando os
seus assessores julgam conveniente, cumpre em 24 horas, ou menos, o
programa definido por eles e volta para casa sem apresentar alguma demonstração
concreta da possível utilidade pública de sua viagem aos Alpes Suíços — e menos
ainda ser julgado pelos “resultados” que obteve —, o presidente do Brasil tem de “performar”, como gostam de dizer os
executivos de hoje em dia. Começa a ser cobrado antes mesmo de desembarcar, e
não tem mais sossego até esquecerem do assunto uns dias depois de sua volta à
Brasília.
Quantos bilhões de dólares em investimentos Bolsonaro conseguiu atrair para
a economia brasileira? “Interagiu” direito com os líderes mundiais que estavam
ao seu redor? Foi elogiado pelos sábios das ciências econômicas, políticas e
sociais presentes? Já é muito difícil, em condições normais, atender às
expectativas da banca examinadora, mas se o presidente da República se chama Jair Bolsonaro, como é o caso no
presente momento da nossa história, aí você já pode esquecer: vai voltar de
Davos com um zero no boletim, seja lá o que tenha feito ou deixado de fazer
durante sua participação no evento.
Como na história do Velho,
o menino e o burro (para relembrar essa fábula, siga este
link), Bolsonaro será
criticado “por ter cachorro e por não ter”. Entre tudo o que disse em sua
estreia no cenário internacional, não conseguiu acertar uma. Levou uma comitiva pequena demais, o que, segundo a crítica, mostrou o seu pouco caso
com a grandiosidade da conferência. Ficou num hotel excessivamente barato, o
que seria um desprestígio para a majestade do Estado brasileiro. Foi almoçar
num bandejão do centro da cidade, por 19 francos suíços; foi condenado pela
prática de “demagogia barata”. Pior ainda: causou, potencialmente, prejuízos
econômicos de valor inestimável para o Brasil, já que deveria ter aproveitado a
hora do almoço para levar “grandes investidores”, etc., a algum restaurante de
primeira classe e, assim, fechar negócios vitais para o interesse público
nacional. Que investidores? Que negócios? Não foram fornecidas informações a
respeito. Seu discurso foi acusado de ser “muito curto”, sem que os inquisidores
especificassem qual seria a duração correta, em sua avaliação, da fala
presidencial.
O conselho de sentença se manifestou particularmente chocado
com o que considerou a “superficialidade” das palavras de Bolsonaro. Mas não se esclareceu, em nenhum momento, qual o nível
de profundidade que o discurso deveria ter atingido, nem se fez qualquer
comparação com os discursos dos quatro outros presidentes brasileiros que foram
a Davos — Fernando Henrique, Lula, Dilma e Temer. O que teria qualquer um deles
dito de útil,
inteligente ou inovador para escapar da reprovação por “superficialidade”? De FHC ninguém se lembra mais nada; Lula falou que os “países ricos”
deveriam se comportar melhor com os países pobres, ou alguma coisa com esse
grau de originalidade; Dilma, na prática, entrou muda e saiu calada — o que com certeza foi uma grande
sorte para todos, levando-se em conta as coisas prodigiosas que costuma dizer toda
vez que abre a boca para falar em público —, e Temer revelou que era importante “fazer a reforma da previdência”—
o que, francamente, não
impressionou ninguém
pela profundidade. Em suma: nada que se possa aproveitar nestes últimos 25
anos. Mas como Bolsonaro é Bolsonaro, sua participação foi julgada
“um fiasco histórico”. Vejam que ele não foi poupado sequer da catástrofe ocorrida há pouco mais de uma semana em Brumadinho — resultado, segundo alguns falastrões de cabeça não pensante, da privatização da Vale nos anos 1990 e da insensibilidade do atual governo ao tema do meio ambiente.
Observação: Tomando em consideração isso tudo, a melhor coisa que Bolsonaro fez em Davos foi não ter
comparecido à entrevista coletiva à imprensa que estava no programa — e na qual só iria receber perguntas
com o teor de qualidade mental que se percebe acima. Com uma cirurgia altamente
complicada para dali a três
dias, preferiu repousar um pouco. O público não perdeu absolutamente nada com a
sua decisão.
Magistrados dos tribunais das redes sociais, sem compromisso algum
com a realidade e com os efeitos que possam causar aos outros, condenam sem
julgar tudo, absolutamente tudo, que seus desafetos dizem ou fazem. Quando Lula “foi
impedido” de comparecer ao enterro de Vavá
— por uma série de motivos que não vou enumerar novamente porque já o fiz em três ou quatro postagens recentes —, a caterva esquerdopata só
faltou dizer que Bolsonaro encomendou
a morte do irmão de seu amado lidar apenas para impedi-lo de participar da cerimônia fúnebre. No entanto, depois de conseguir sinal verde do ministro Dias Toffoli, o sevandija vermelho desistiu ao saber que a reunião teria de acontecer numa base militar, sem a presença de
manifestantes e da imprensa. Isso deixou claro como o dia que sua intenção era transformar em palanque o esquife do irmão, a exemplo
do que havia feito com o da mulher em 2017.
Para os esquerdopatas de plantão e outros boçais, porém, as restrições impostas for Toffoli foram um “sequestro” dos direitos do ex-presidente, o que demonstra que as pessoas se impõem a obrigação de dar opinião sobre tudo, saibam ou não a respeito do que falam, tenham ou não informações mínimas sobre o assunto de que tratam.
Para os esquerdopatas de plantão e outros boçais, porém, as restrições impostas for Toffoli foram um “sequestro” dos direitos do ex-presidente, o que demonstra que as pessoas se impõem a obrigação de dar opinião sobre tudo, saibam ou não a respeito do que falam, tenham ou não informações mínimas sobre o assunto de que tratam.
Como bem pontuou Dora
Kramer, o que se tem com isso é um misto de superficialidade e distorção,
cujo resultado é um elogio permanente à ignorância. Seus autores são todos uns
indignados de plantão, donos da convicção de que suas opiniões dão rumo ao
mundo. Tomando emprestada de Nelson
Rodrigues a expressão e pedindo licença para trabalhar no seu inverso,
formariam com louvor na tropa dos imbecis da falta de objetividade.
Triste Brasil.