Lula é o protótipo do desempregado que deu
certo. Não trabalha desde os 30 anos (deixou de ser operário em 1980, quando
fundou o PT, mas, como líder sindical, já não pisava em chão de
fábrica desde 1972). Mais da metade de sua vida foi dedicada à “arte da política”,
e não ao batente diário que consome o tempo de milhões de brasileiros. Nem
mesmo sua narrativa sobre o “acidente” em que perdeu um dedo resiste
a uma análise mais detalhada.
Sem prejuízo de voltarmos a este assunto numa sequência
dedicada integralmente ao menino pobre que migrou para o sudeste fugido das
agruras da seca e da miséria, cumpre mencionar que as chances de alguém destro
(como é o caso de Lula) perder o dedo mínimo da mão esquerda
operando um torno mecânico são próximas de zero. Vale conferir o
que disse a propósito o ex-engenheiro sênior da CSN e
especialista em metalurgia de produção Lewton Verri, que conheceu o
dito-cujo na década de 70 e sempre o teve na conta de “um sindicalista
predador e malandro, que traía os ‘cumpanhêros’ começando e encerrando greves
para ganhar dinheiro em acordos espúrios”( clique aqui para
acessar uma postagem que revolve mais a fundo as vísceras desse caso espúrio).
Golbery do Couto e Silva — ex-chefe da Casa Civil em dois governos militares e arquiteto da “abertura lenta e gradual” que restabeleceu a democracia no Brasil — teria dito a Emílio Odebrecht que Lula nada tinha de esquerda e que não passava de um “bon vivant”. E o tempo demonstrou que ele estava coberto de razão.
Lula jamais foi o que a construção de sua
imagem pretendia que fosse, mas, sim, alguém avesso ao trabalho, que
vivia de privilégios e mordomias oriundas de contatos proveitosos e a poder da
total ausência do conjunto de valores éticos e morais que permitem distinguir o
aceitável do inaceitável.
Mesmo quando cumpria pena em Curitiba, o meliante continuava a entoar, como ladainha em procissão, a fábula da superioridade moral, insistindo que ninguém e mais honesto do que ele. Agora, com a ficha imunda lavada pelo STF, introduziu em sua abjeta cantilena um despudorado refrão que o reputa inocentado — quando na verdade o que a ala "garantista" da Corte fez (graças ao ministro Fachin, que anulou suas condenações em Curitiba para evitar que o ex-juiz Sergio Moro fosse declarado suspeito) foi determinar o reinício dos processos na Justiça Federal do Distrito Federal.
Ao longo dos últimos anos, Lula respondeu a
20 ações criminais e foi absolvido em apenas três. Outros 16 processos tiveram
sua tramitação interrompida por tecnicidades ou reviravoltas que resultaram no
arquivamento das ações. Ele ainda é réu numa ação que apura tráfico de influência
na compra de caças suecos, alvo da Operação Zelotes — que
ainda não havia sido julgada quando eu redigi esta postagem. Em um caso que
marcou as últimas derrotas da Lava-Jato, o
ministro Ricardo Lewandowski ordenou a suspensão de duas
investigações contra o “ex-corrupto”, afirmando que os processos usaram como
prova delações premiadas que haviam sido invalidadas.
Com base neste e em outros casos semelhantes, o PT lançou
uma peça publicitária intitulada “Memorial da Verdade”, na qual cita 19
ações em que Lula teria sido inocentado. O texto lista
processos em que o ex-presidente foi “inocentado” e três em que foi
“absolvido”. A diferença entre os termos utilizados, segundo o professor de
Direito Penal da FGV-Direito Rio Felipe Lima Almeida, deve-se ao
fato de as decisões da Justiça não tratarem, objetivamente, de inocentar réus e
acusados.
“A expressão ‘inocente’ não é técnico-jurídica.
Inocentes todos nós somos até que se tenha uma sentença condenatória transitada
em julgado, e realmente isso não existe em relação ao ex-presidente Lula”,
afirmou o professor. “Agora, trancamento de ação penal, arquivamento de
inquérito ou rejeição de denúncia, nessas situações nós não temos o
enfrentamento do mérito, então não há sentença do Estado dizendo que não houve
crime.”
Diferentemente da inocência, a absolvição é um elemento
jurídico registrado no Código de Processo Penal. Esse tipo de
decisão reconhece que as acusações apresentadas contra uma das partes em
determinado processo são improcedentes. A partir daí, o caso é encerrado e o
réu deixa a posição de suspeito.
Não se pode confundir um discurso político com um
discurso jurídico. Os 19 casos em que a defesa de Lula alega
inocência nas redes sociais são dois trancamentos de investigações, quatro
denúncias rejeitadas, quatro decisões anuladas — a partir do reconhecimento de
suspeição de Moro —, dois arquivamentos, uma prescrição
(impossibilidade de punir por causa da idade) e um reconhecimento de legalidade
nas palestras realizadas por Lula.
A divulgação das vitórias processuais de Lula coincide
com o momento em que o petralha lidera as pesquisas de intenção de voto. Em
relação ao que veicula o PT, as alegações mais questionáveis quanto
à inocência do flibusteiro envolvem os casos triplex do Guarujá, do sítio de
Atibaia e a compra de um terreno para o Instituto Lula, porque
todas foram anuladas com base em decisões do STF que
reconheceram a incompetência da 13ª Vara Federal de Curitiba para
julgar o réu e a parcialidade de Moro ao proferir as
sentenças.
Nessas situações, a validade das decisões foi desfeita, mas
dois desses casos ainda podem ser retomados, já que o próprio STF apontou
erros processuais, e não ausência de provas, como afirma a publicidade petista.
À exceção do processo sobre o sítio de Atibaia, cuja denúncia foi reapresentada
e rejeitada pela Justiça do Distrito Federal, nos outros dois casos há a
possibilidade (remota, é verdade) de que sejam reiniciadas.
Lula tem 76 anos, e o
prazo prescricional é reduzido pela metade quando o réu é septuagenário.
Assim, para que ele seja novamente julgado, condenado e preso, em considerando
a vasta gama de recursos possíveis nas quatro instâncias do Judiciário e as
nuances políticas que beneficiam criminosos de colarinho branco, seria preciso
que ele reencarnasse meia dúzia de vezes, e o dito popular que atribui
sete vidas aos gatos não contempla os gatunos.
As imagens da deusa Têmis que
decoram fóruns e tribunais mundo afora estão em pé. A estátua de pedra erigida diante
do STF está sentada. Como as demais, nossa deusa da Justiça tem os olhos
vendados e porta a indefectível espada. Mas sua balança foi
roubada por algum político que, graças ao foro privilegiado, ainda não foi
julgado. Em nossa suprema corte, uma decisão pode demorar duas
horas ou vinte anos, a depender de quem forem o réu e o ministro em cujas mãos estiver seu destino.
Como se pode inferir das representações da deusa mundo afora, a Justiça é cega, mas a impressão que se tem é que no Brasil ela é paga para não enxergar.
Com informações do jornal O Estado de S. Paulo.