domingo, 5 de março de 2023

O OLIMPO DAS TOGAS (PARTE 3)


Supremo Tribunal Federal ocupa uma área de 14.000 metros quadrados na Praça dos Três Poderes e dispõe de 11 ministros e 2.800 funcionários. São 116 faxineiros, 24 copeiros e 27 garçons (daqueles que usam gravata borboleta e luvas brancas), além de 80 secretárias, quase 300 seguranças e 12 auxiliares de desenvolvimento infantil para os filhos dos servidores. Ao todo, são cerca de 800 terceirizados e 2 mil servidores requisitados e concursados, o que perfaz uma média de 222 servidores por gabinete e consome mais de R$ 1 bilhão por ano (dinheiro do contribuinte).

 

Uma vez empossado, o ministro ganha um espaçoso gabinete (o da presidência tem 100 m2), um batalhão de auxiliares, uma cadeira em uma das duas turmas e uma poltrona couro caramelo no plenário, de onde virá a condenar os pobres, absolver os ricos e, valendo-se da hermenêutica, soltar ex-presidentes corruptos, chefes de organizações criminosas e outros bandidos de estimação. Conforme o "paciente" e o magistrado encarregado do processo, uma decisão pode levar 20 horas ou 20 anos.

 

A exemplo das imagens da deusa Têmis que decoram fóruns e tribunais mundo afora, a guardiã do STF tem os olhos vendados e traz a indefectível espada, mas sua balança foi roubada há alguns anos por um deputado, e o processo ainda não foi julgado pela corte (talvez seja esse o motivo de nossa deusa da Justiça está sentada).  

 

Com seus paramentos, rapapés, salamaleques, linguagem empolada, citações em latim e outras papagaiadas, o Supremo exala o bolor dos tempos do império. Nas sessões plenárias, as togas trazem os votos prontos (o trabalho pesado é feito pelos auxiliares) e raramente mudam de opinião por conta das sustentações orais de advogados, membros da PGR e quem mais subir à tribuna para fazer solilóquios. Concluída a leitura do voto do relator — o que pode preencher uma sessão inteira —, os seus pares leem os seus, em ordem inversa ao tempo de casa (do novato ao decano).

 

Em vez de simplesmente acompanhar o relator — ou expor em poucas palavras os motivos da discordância —, alguns ministros se derramam em elucubrações não raro incompreensíveis (Celso de Mello Marco Aurélio, por exemplo, pareciam se expressar em javanês) enquanto os demais aguardam a vez navegando na Web ou tirando um cochilo.


O atual decano foi brilhantemente definido pelo jornalista J.R. Guzzo como uma "fotografia ambulante do subdesenvolvimento brasileiro, mais um na multidão de altas autoridades que constroem todos os dias o fracasso do país". Durante um memorável bate-boca, Luís Roberto Barroso qualificou o colega como "uma pessoa horrível, mistura do mal com o atraso e pitadas de psicopatia". Em outra ocasião, Barroso disse à Folha"No Supremo, você tem gabinete distribuindo senha para soltar corrupto, sem qualquer forma de direito e numa espécie de ação entre amigos.

 

Em 2017, durante sua passagem pela presidência do TSE, Gilmar foi o mentor da impostura travestida de julgamento da chapa Dilma-Temer e o responsável pelo voto que livrou a pele do vampiro do Jaburu por “excesso de provas”, como ironizou o relator do processo, ministro Herman Benjamim. Fiel a seu estilo (que prefiro não comentar), ele se empenhou pela anulação de condenações de réus da Lava-Jato como se travasse uma cruzada em defesa do império da impunidade

 

Em 2016, ao fundamentar seu voto sobre a prisão em segunda instânciaGilmar anotou: "Não se conhece no mundo civilizado um país que exija o trânsito em julgado; em princípio, pode-se executar a prisão com a decisão em segundo grau [...] uma coisa é ter alguém como investigado, outra coisa é ter alguém como denunciado, com denúncia recebida, e outra, ainda, é ter alguém com condenação...". Em 2017, ele admitiu que poderia mudar de posição se houvesse um novo julgamento, e dito e feito. Em 2019, sua excelência integrou a maioria que, por 6 votos a 5, proibiu o cumprimento antecipado da pena após a confirmação da sentença por um juízo colegiado.

 

Essa mudança de jurisprudência foi um exemplo lapidar da degradação imposta ao sistema de justiça pelo "garantismo" de juízes que se autoproclamam "defensores do direito de defesa", mas que garantem somente a impunidade. Em 2018, eu escrevi que "a insegurança jurídica promovida pelo Supremo descortinava um caminho perigoso para a sociedade, mas benéfico para Lula, pois o festival de atrocidades poderia anular sua condenação no caso do tríplex do Guarujá e, por tabela, livrá-lo da Lei da Ficha Limpa e permitir sua participação nas próximas eleições". E foi exatamente o que aconteceu.

 

Continua...