O ex-ministro Sepúlveda Pertence (aposentado do STF desde 2007) definiu a corte como um arquipélago de 11 ilhas incomunicáveis, mas há quem diga que ela está mais para um conjunto de onze estados soberanos, onde cada um declara guerra contra os outros, negocia alianças diplomáticas, estabelece uma política interna própria e — pasmem — tem “uma Constituição para chamar de sua”.
Sempre haverá maiorias vencedoras e minorias vencidas em colegiados. O problema é o colegiado funcionar na base da "lei de murici". De acordo com Felipe Recondo, autor de Tanques e Togas e Os Onze, para além de uma espécie de Paz de Vestfália, o STF precisa repensar a forma como seus membros são escolhidos (detalhes no capítulo de abertura desta sequência). E não há como discordar.
Alçado à presidência por um trapaça do destino, José Sarney nomeou Celso de Mello para o STF. Collor cobriu com a toga os ombros do primo Marco Aurélio Mello. Ambos os togados se aposentaram durante o governo de Bolsonaro, que os substituiu por Nunes Marques e por André Mendonça, visando, nas palavras do próprio capitão, "ter 20% dele no STF" (uma declaração inacreditável e inaceitável em democracia com um mínimo de vergonha na cara).
Fernando Henrique nomeou o Gilmar Mendes, e Michel Temer, para não acabar no xadrez, resolveu jogar seu xadrez e indicar Alexandre de Moraes para a vaga de Teori Zavascki, que morreu num trágico (e não muito bem explicado) acidente de avião, em janeiro de 2017. Os demais membros da corte foram nomeados durante as gestões petistas.
A escolha de um ministro não é uma decisão qualquer, como escolher uma gravata. Mas Bolsonaro indicou o desembargador piauiense por "afinidade". "Não vou botar uma pessoa só por causa do currículo", disse o então mandatário sobre o currículo anabolizado do apadrinhado — que também não viu problema nenhum em seu currículo. Faz sentido. Pode-se desconfiar de uma verdade, mas a mentira, como tal, será sempre rigorosamente verdadeira.
Há algumas esquisitices no STF — de ministro reprovado em concurso para juiz a ministro que mantém negócio privado. Com o ingresso de Nunes Marques, a supremacia do tribunal foi tisnada pelo currículo-tubaína do substituto do libertador de traficantes. Isso sem falar no segundo indicado por Bolsonaro, cumprindo a promessa de abrilhantar o tribunal com um ministro terrivelmente evangélico: "Imaginemos as sessões começarem com uma oração..."
Diferentemente de outras promessas de campanha — como acabar com a reeleição, apoiar a Lava-Jato e não se curvar à velha política do “toma-lá-dá-cá” — essa o genocida do Planalto cumpriu. E a aprovação do pastor presbiteriano pelo Senado foi comemorada com pulinhos, gritinhos de “Aleluia”, “Glória a Deus” e frases ininteligíveis pela primeira-dama, que, a exemplo do marido, não faz a menor ideia do que seja “liturgia do cargo”.
Como dizia Tom Jobim, o Brasil não é para amadores. Mas agora isto aqui está ficando esquisito até para os mais devotados profissionais.
Continua...