Se a popularidade de Jair
Bolsonaro está em declínio, como
afirma o Ibope (detalhes na postagem
da última sexta-feira), isso se deve em grande parte à ingerência da “família
real”: três dos filhos do presidente têm mandato, mas insistem em palpitar no
governo federal, e o caçula, de apenas 20 aninhos, já se mostra promissor.
Flávio, o zero
um, se notabilizou pelas suspeitas de mensalinho em seu gabinete na Alerj, e a exemplo de seu ex-assessor e
factótum da família, Fabrício Queiroz,
apresentou diversas “explicações plausíveis” para as irregularidades apontadas
pelo Coaf, mas nenhuma delas convenceu
ninguém além dos bolsomínions. O senador ainda tentou se escudar sob o foro
especial, mas foi abatido em seu voo de galinha pelo ministro Marco Aurélio — o magistrado adiantou
que o pedido teria como destino a lata
do lixo, e tão logo terminou o recesso do Judiciário, no dia 1ª de
fevereiro, determinou que as investigações ficassem a cargo do MP-RJ. Na semana passada, Flávio e seu partido apresentaram à Corregedoria-Geral do
Ministério Público representações disciplinares contra o MP-RJ, alegando atuação irregular dos
procuradores. Seria mais ou menos como atirar no mensageiro por trazer más
notícias.
Carlos, o zero
dois, especializou-se em tuitar vitupérios contra inimigos reais e imaginários e
em derrubar desafetos — como Gustavo
Bebianno, a quem chamou publicamente
de mentiroso (o pelotão de choque palaciano cortou um dobrado para evitar que o
ex-ministro revolvesse em público as entranhas da campanha presidencial, da
qual ele havia sido coordenador). Carluxo
vereador na Câmara Municipal do Rio, mas não sai de Brasília, de onde comanda
(não sei se oficial ou informalmente) as redes sociais do papai presidente. Rodrigo Maia desconfia que ele seja o
mentor dos ataques que passou a sofrer nas redes
sociais, o que é ruim, pois parece que relação entre o presidente da
Câmara e o chefe do Executivo desandou feito maionese batida com ovo gelado
(detalhes mais adiante).
Eduardo, o zero
três, que, como o pai, é fã de carteirinha de Donald Trump, foi promovido informalmente a chanceler durante a
visita oficial aos EUA. Em entrevista ao jornal O Globo, disse ser uma pessoa interessada em relações exteriores e negou
que tenha ofuscado Ernesto Araújo,
atribuindo à imprensa uma tentativa de desviar o foco do “sucesso” que foi a
viagem e de tentar desunir o “clã”. Disse também que "de alguma forma será
necessário usar força" para que Nicolás
Maduro deixe governo — eu também acho, mas isso não significa que o Brasil tenha
de se envolver militarmente nessa crise. O presidente voltou a dizer que não
apoia uma intervenção militar na Venezuela. "Tem gente divagando, tem
gente sonhando. Da nossa parte, não existe essa possibilidade". Mais
tarde, em entrevista à imprensa brasileira, zero três afirmou que a manchete do
jornal chileno foi exagerada e que ele não fez nada além de repetir a posição do
presidente Donald Trump.
Jair Renan, o zero
quatro, é o mais jovem e menos conhecido do Clã, mas já criou uma saia-justa
para o pai por ter namorado a filha do PM reformado Ronnie Lessa, apontado como executor da vereadora Marielle Franco (Lessa mora no mesmo condomínio em que Bolsonaro morava antes de se mudar para o Planalto, mas o
presidente disse que não o conhece), e outra ao postar no Instagram fotos e vídeos fazendo treinamento de tiro.
Observação: A afinidade dos Bolsonaros com armas de fogo não é nenhuma novidade, e o fato de o
filho caçula seguir a manada não teria nada de mais se seus instrutores não
fossem agentes da PF e o local das
aulas, a Academia Nacional de Polícia em
Brasília, cujas instalações são privativas para policiais. Zero quatro
morava em Resende (RJ) com a mãe até o fim de 2018, mas se mudou para Brasília
para ficar perto do pai. Pelo visto, o garoto promete.
“O bom político costuma ser mau parente”, dizia Ulysses Guimarães. No governo atual, porém,
questiúnculas domésticas são frequentemente confundidas com questões de Estado.
O presidente eleito parece ser o mandatário de direito, mas o poder de fato é
exercido por seus filhos. Como se não bastasse, o presidente da Câmara e o
ministro da Justiça “se estranham”, zero dois dispara farpas contra ele, e o
pai se mostra mais preocupado em tomar partido nessa guerra de egos do que em
serenar os ânimos e focar a reforma previdenciária.
No Chile, sem citar Maia
nominalmente, o presidente culpou a velha política pelos entraves na aprovação
da PEC. Maia retrucou que Bolsonaro precisa dizer o que é a nova
política e assumir ele próprio a articulação para a aprovação da reforma “em
vez ‘terceirizar’ a tarefa”. Disse também que só voltaria a agir pelas
tramitações depois que o presidente se apresentasse para tratar da situação. Num coletiva de imprensa, Bolsonaro comparou o comportamento do
deputado ao de uma namorada: "Você nunca teve uma namorada? E quando ela quis ir embora você não conversou? Estou a disposição do Rodrigo Maia para conversar com ele", disse. Maia, depois de ter dito que a página da disputa
estava virada, respondeu que não precisa se encontrar com ninguém, que cabe ao governo conseguir os votos necessário para a aprovação do projeto de reforma, que continua como grande defensor da proposta e que vai defendê-la na Câmara, mas que o papel de formar maioria é do governo e dos ministros. "Vou pautar (a reforma) quando o presidente disser que tem votos para votar. A responsabilidade do diálogo com os deputados daqui para frente passa a ser do governo. É ele que vai negociar com os deputados. A reforma da Previdência continua sendo a minha prioridade, mas essa responsabilidade de articular com os deputados para construir uma base sólida é do presidente da República, não do presidente da Câmara. Ele tem que articular diretamente, chamar os presidentes dos partidos, as bancadas, ou chamar e ver no que dá".
Salta aos olhos que, a despeito de todas as negativas, essa rusga pôs
em risco a articulação da PEC, assustou o mercado e reduziu o otimismo de
analistas políticos e econômicos com a aprovação daquela que é a considerada a
mais importante das reformas. Na semana passada, o Ibovespa, que havia superado a marca história dos 100 mil pontos,
desabou mais de 5% (só na última sexta-feira a queda foi de 3,1%). O presidente da CCJ
da Câmara só deve anunciar o nome do relator da reforma na comissão depois da
ida de Paulo Guedes ao colegiado,
que está marcada para amanhã. Os parlamentares esperam que ele detalhe a PEC e explique melhor o projeto de lei que
afeta os militares. Isso certamente não ocorreria se o governo estivesse articulado, mas o péssimo ambiente político dos últimos dias pôs em xeque a capacidade do Planalto de garantir a aprovação da reforma.
Citando a frase “Ave
Caesar, morituri te salutant”, o jornalista Alon Feuerwerker sugere que o Planalto espera que os deputados
votem medidas impopulares e morram nas eleições. Na sua avaliação, o presidente,
surfando no clamor por uma “nova política”, distribuiu os cargos entre os dele
e não dividiu poder com mais ninguém. Mas se os gladiadores romanos não tinham
opção além obedecer ao imperador e torcer para sobreviver até a luta seguinte,
os parlamentares têm a alternativa de simplesmente não fazer o que o governo deseja
e esperar o tempo passar. A boa vontade é limitada, o que introduz um vetor de
fragilidade potencial que começa a se manifestar nas pesquisas de popularidade.
Governos sem base própria enfrentam risco maior de colapso quando a
popularidade declina além de um patamar, até porque os políticos são dotados de
olfato sensível para o cheiro de sangue na água. Bolsonaro abre múltiplas frentes de atrito e é visto como mal menor
por boa parte do establishment. Então, basta esperar a hora em que o governo
vai precisar de apoio. A nova administração vem abrindo espaço inédito para
referências religiosas, particularmente cristãs. Talvez fosse o caso de a turma
dar uma folheada na Bíblia e estudar a interpretação de José para o sonho do Faraó com as vacas gordas e as magras.
Enfim, há quem diga que esse ambiente hostil será superado. “Faz parte do jogo. Maia está tentando se posicionar e ganhar um pouco mais de voz e
espaço neste momento. É fundamental que o presidente da Câmara esteja na
articulação e Bolsonaro sabe disso. É
claro que é um ruído desnecessário e que causa volatilidade, mas as pessoas se
esquecem de como foram os outros processos de mudanças na Previdência. Mesmo
com esses últimos dias, acho que haverá pouca desidratação da proposta e que
grande parte do texto original vai passar”, ponderou o economista da
PUC-Rio José Marcio Camargo. Tomara
que ele esteja certo.
Bolsonaro fará uma reunião nesta segunda-feira com os ministros Onyx Lorenzoni, Paulo Guedes, Santos Cruz e Augusto Heleno para discutir a crise política na relação entre o Executivo e o Legislativo. Tomara que o bom senso prevaleça.
ATUALIZAÇÃO: Contrariando as expectativas, o desembargador Ivan Athié determinou nesta tarde a soltura de Michel Temer, preso desde a última quinta-feira (clique aqui para ler a íntegra da decisão). O magistrado havia pedido que o caso fosse incluído na pauta de julgamento do tribunal na próxima quarta-feira, para que a decisão sobre o habeas corpus fosse colegiada, mas resolveu se antecipar: “Mesmo que se admita existirem indícios que podem incriminar os envolvidos, não servem para justificar prisão preventiva, no caso, eis que, além de serem antigos, não está demonstrado que os pacientes atentam contra a ordem pública, que estariam ocultando provas, que estariam embaraçando, ou tentando embaraçar eventual, e até agora inexistente instrução criminal, eis que nem ação penal há, sendo absolutamente contrária às normas legais prisão antecipatória de possível pena, inexistente em nosso ordenamento, característica que tem, e inescondível, o decreto impugnado”.
Bolsonaro fará uma reunião nesta segunda-feira com os ministros Onyx Lorenzoni, Paulo Guedes, Santos Cruz e Augusto Heleno para discutir a crise política na relação entre o Executivo e o Legislativo. Tomara que o bom senso prevaleça.
ATUALIZAÇÃO: Contrariando as expectativas, o desembargador Ivan Athié determinou nesta tarde a soltura de Michel Temer, preso desde a última quinta-feira (clique aqui para ler a íntegra da decisão). O magistrado havia pedido que o caso fosse incluído na pauta de julgamento do tribunal na próxima quarta-feira, para que a decisão sobre o habeas corpus fosse colegiada, mas resolveu se antecipar: “Mesmo que se admita existirem indícios que podem incriminar os envolvidos, não servem para justificar prisão preventiva, no caso, eis que, além de serem antigos, não está demonstrado que os pacientes atentam contra a ordem pública, que estariam ocultando provas, que estariam embaraçando, ou tentando embaraçar eventual, e até agora inexistente instrução criminal, eis que nem ação penal há, sendo absolutamente contrária às normas legais prisão antecipatória de possível pena, inexistente em nosso ordenamento, característica que tem, e inescondível, o decreto impugnado”.