Mostrando postagens com marcador Supremo. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador Supremo. Mostrar todas as postagens

sexta-feira, 28 de junho de 2019

LULA, O RECESSO DO JUDICIÁRIO E OUTRAS CONSIDERAÇÕES


O fato de Sérgio Moro ter aceitado ser ministro de Estado não significa que tenha condenado Lula com o propósito de abandonar 22 anos de magistratura para ocupar uma pasta na Esplanada dos Ministérios sob o comando de Bolsonaro — que em 2017, quando o ex-juiz da Lava-Jato proferiu a sentença nos autos da ação sobre o triplex no Guarujá, era apenas candidato a candidato e tinha tantas chances de vencer o pleito presidencial quando um camelo de passar pelo buraco de uma agulha. Mas o imprevisto sempre pode ter voto decisivo na assembleia dos acontecimentos.

Cristiano Zanin e companhia jamais tiveram argumentos sólidos para defender o indefensável, tanto é que todas as estratégias de que se valeram para absolver Lula e, mais adiante, libertá-lo da prisão fizeram água. Foram mais de 100 recursos e chicanas de todos os tipos, e mesmo assim a culpabilidade chapada do petralha foi atestada por 21 juízes. O autodeclarado preso político (que na verdade não passa de um político preso) está no xadrez há quase 450 dias, e a despeito do que afirma a constelação de criminalistas a seu serviço, jamais se viu na história do direito penal brasileiro outro caso em que o direito de defesa foi tão explorado por um réu quanto no processo sobre o  tríplex no Guarujá.  

“Quis o destino” que a narrativa asinina de perseguição política fosse inflada pela divulgação tendenciosa de supostas conversas comprometedoras mantidas entre Moro, Dallagnol e outros integrantes da Lava-Jato. Esse material vem sendo divulgado a conta-gotas pelo The Intercept Brasil e reverberado ad nauseam por boa parte da mídia, o que é música para os ouvidos da banda podre do Congresso, de membros “garantistas” da alta cúpula do Judiciário e para a defesa do petralha. No fim das contas, o que se tem é uma articulação espúria cujo propósito é inocentar o criminoso, desmoralizar a maior operação anticorrupção da história deste país e criminalizar o juiz e os procuradores federais que colocaram Lula na cadeia.      

O supremo togado Gilmar Mendes, que pediu vista do habeas corpus de Lula em dezembro, quando Edson Fachin e Cármen Lúcia já se haviam se posicionado contra o pedido da defesa, devolveu os autos tão logo os primeiros “diálogos tóxicos” foram vazados pelo Intercept. Na última terça-feira, depois de alegar que não haveria tempo para concluir o julgamento, ele abraçou alegremente a proposta de Zanin e votou pela concessão de uma liminar para soltar Lula e mantê-lo em liberdade até o que o mérito do recurso seja julgado.

Em seu voto, em vez de cingir-se ao motivo formal do habeas corpus — que é o fato de Moro ter aceitado ser ministro de BolsonaroMendes enfatizou a troca de mensagens, afirmando não haver como negar que as matérias “possuem relação com fatos públicos e notórios cujos desdobramentos ainda estão sendo analisados", e que tais revelações "podem influenciar o deslinde das circunstâncias". Disse ainda que a própria PGR estaria em dúvida sobre os diálogos, quando o que Raquel Dodge afirmou em seu parecer foi que o material não teve sua veracidade reconhecida, além de ter sido conseguido de forma ilegal.

O estratagema não funcionou: Edson Fachin, Cármen Lúcia e Celso de Mello votaram contra o pedido de liberdade provisória. O decano argumentou que o juiz pode usar seu "poder geral de cautela toda vez que se cuidar de algo favorável ao acusado", mas que, no caso de Lula, há "três títulos condenatórios emanados contra o paciente”, referindo-se às condenações em primeira, segunda e terceira instâncias do Judiciário tupiniquim. Mesmo sendo partidário do início do cumprimento da pena após confirmação da sentença condenatória por um juízo colegiado, Mello salientou que, no caso sub judice, já se cumpriu o requisito que deve ser definido mais adiante pelo plenário da Corte — da prisão após condenação em terceira instância, baseado na proposta de Dias Toffoli, que possivelmente prevalecerá, pois é pouco provável que o Supremo retroceda ao entendimento de que a prisão deve se dar somente após o trânsito em julgado da condenação (que no Brasil, como se sabe, é no dia de São Nunca). 

Enfim, Mendes e Lewandowski compraram a tese de suspeição de Moro, influenciados claramente pelos diálogos vazados de maneira espúria, conquanto afirmem ter votado apenas com base nos autos, mas foram vencidos e a decisão final, jogada para as calendas de agosto.

Observação: Vale relembrar que a prisão após a condenação em primeira instância era regra no Brasil até 1973, quando a Lei Fleury  criada sob medida para beneficiar o delegado do DOPS e notório torturador homônimo  passou a garantir a réus primários e com bons antecedentes o direito de responder ao processo em liberdade até o julgamento em segunda instância. Em 2009, durante o julgamento do Mensalão, o Supremo entendeu que a ausência de eficácia suspensiva dos recursos extraordinário e especial não seria obstáculo para que o condenado recorresse em liberdade, e assim a prisão antes do trânsito em julgado somente poderia ser decretada a título cautelar. Em 2016, porém, a Corte voltou a entender que a execução provisória da pena após a confirmação da sentença em segundo grau não ofende o princípio constitucional da presunção de inocência, até porque a manutenção da sentença penal pela segunda instância encerra a análise de fatos e provas que assentaram a culpa do condenado, o que autoriza o início da execução da pena (para mais detalhes, clique aqui).

Ao ESTADÃO, Mendes disse: “Acho que se estimulou muito esse jogo de espertezas institucionais, nessa busca de atalhos em nome supostamente de um combate à criminalidade, da correção de rumos. A própria ideia de força-tarefa já é uma ideia distorcida — por que não operar com as próprias pessoas que lá estão? Acho que vamos ter uma grande evolução e um grande aprendizado a partir desses episódios. Todos nós vamos ficar mais preparados e a própria legislação que virá em decorrência desses fatos todos será muito mais realista e talvez mais precisa, evitando essa discricionalidade abusiva (…). Temos um encontro marcado com as prisões alongadas de Curitiba, com vários desses modelos. Até hoje temos muitas discussões em torno dos acordos e tal, direito das pessoas de eventualmente se defenderem, tudo isso agora precisará ser devidamente disciplinado e regulado.”

De acordo com José Nêumanne, o cinismo de Gilmar Mendes (em seu Blog, o sempre inspirado jornalista paraibano grafa Gilmal Mendes) chegou aos píncaros, na sessão de terça-feira, quando ele fez menção a um possível desvio ético de Sérgio Moro com base nas revelações do mais novo arauto das teses de defesa do petralha. Ao forçar a chicana proposta Zanin, apelando para a idade avançada e os mais de 400 dias na cela VIP em Curitiba, o ex-advogado geral da União de FHC permitiu ao decano, que também defende o fim da prisão em segunda instância, encontrar um meio de não se responsabilizar pela possível convulsão social que possivelmente resultaria da libertação do corrupto mais notório deste país.

São atitudes assim que engrossam a já caudalosa enxurrada de razões pelas quais o Judiciário deixou de merecer o respeito e a confiança da sociedade brasileira. E como se o que foi dito até aqui não bastasse, o Supremo comprovou mais uma vez sua mediocridade ao decidir nada decidir, ou melhor, ao decidir pela metade: a 2ª Turma manteve Lula preso, mas abriu uma janela de oportunidade para que se venha a soltá-lo após o recesso. 

Com a lorota de que o paciente teria julgamento justo e, para tanto, deveria esperar o veredito solto, Gilmar, o inigualável, tronou-se mero auxiliar da defesa, e agora trabalha com a possibilidade de o decano — que repeliu a liminar e manteve Lula preso —, ao deixar claro que não estava antecipando seu voto quanto ao mérito, antecipou que pode votar diferente no julgamento final, o que configuraria suspeição se fossem seguidos à risca o estatuto do STF, a Lei Orgânica da Magistratura a própria Constituição.

Durante os quase 15 meses em que é hóspede da Superintendência da PF em Curitiba, Lula recorreu um sem-número de vezes contra a sentença que o tornou um presidiário. Com o Judiciário aberto, relembra Josias de Souza, o petista perdeu em julgamentos coletivos — ora por unanimidade, ora por maioria de votos. Se recorrer nas férias, a decisão colegiada será substituída pela de um plantonista, e Dias Toffoli não é um plantonista qualquer: antes de vestir toga, ele foi assessor da liderança do PT na Câmara, advogado eleitoral de Lula, auxiliar jurídico de José Dirceu na Casa Civil e advogado-geral da União no governo do agora presidiário petista (clique aqui e aqui para mais detalhes). 

A despeito desse histórico, Toffoli não hesitou há um ano em liderar, na 2ª Turma, a votação que abriu a cela de um José Dirceu já condenado em segunda instância a mais de 30 anos de cadeia. Melhor seria que os advogados de Lula não recorressem nas férias. Se recorrerem, Toffoli talvez devesse indeferir rapidamente o pedido. Deferindo, seria aconselhável que trocasse o terno por uma armadura. Se dissesse que concedeu uma liminar a Lula guiando-se apenas por sua consciência de juiz, cutucaria a opinião pública com o pé e passaria o resto da vida fugindo das mordidas. Coisa que o bom senso recomenda evitar.

segunda-feira, 17 de junho de 2019

BOLSONARO PATO MANCO?



Jair Bolsonaro foi eleito com os votos dos brasileiros que não queriam a volta do PT e que viam em Paulo Guedes uma garantia para o programa econômico liberal. Em seus arroubos mais megalômanos, o capitão acha que chegou aonde chegou por méritos próprios. Só que não. Mas isso não muda o fato de que ele foi eleito com o desafio de incorporar ao seu governo o que chama de "nova política", nem o ambiente hostil que lhe impede de consolidar uma base aliada.

Se continuar travando batalhas ideológicas sem sentido, Bolsonaro pode perder o poder para o Congresso e ver seu respaldo popular se reduzir aos bolsomínions — militância cega que vê no “mito” o que a patuleia desvairada vê no presidiário de Curitiba. O capitão já reconheceu que não foi talhado para o cargo, pois nasceu para ser militar, mas, depois que foi afastado do Exército por indisciplina, entrincheirou-se no baixo-clero da Câmara Federal, onde, ao longo de 27 anos, apresentou 172 projetos e relatou 73 e conseguiu aprovar apenas 2.  

Em 1986, quando tinha 31 anos, o capitão publicou na revista VEJA um artigo em reclamava do soldo (salário pago aos militares). A matéria lhe rendeu 15 dias de prisão e um processo por indisciplina. No ano seguinte, também em protesto contra os baixos salários, ele planejou explodir bombas de baixa potência em quartéis e academias. O assunto foi resolvido discretamente, e o insurreto foi absolvido de todas as acusações. Mas sua carreira militar terminou ali.

Devido a sua autodeclarada inaptidão para a Presidência, Bolsonaro dá ao Legislativo a oportunidade de usurpar o poder de fato do Executivo. Esse processo já está em curso, embora de modo dissimulado. Ao manejar mal a “caneta”, o presidente perde confiabilidade e cria um vácuo que, na política, nunca fica vago durante muito tempo. E ao acusar o Congresso de estar todo ele comprometido com o toma-lá-dá-cá da velha política, estimula os parlamentares a assumirem as rédeas da coisa pública — aqui entendida como aquilo que afeta a vida do povo brasileiro. Prova disso é que os presidentes da Câmara e do Senado se mostram mais engajados na reforma da Previdência do que o próprio Bolsonaro, tomando para si a responsabilidade da aprovação e avisando que ela se dará nos termos dos parlamentares.

Observação: Em entrevista à Globo, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, que foi lembrado de forma nada elogiosa nas manifestações do último dia 26, disse que falta ao Planalto um plano de governo, que a reforma previdenciária não é uma panaceia (*), que o país ruma para um “colapso social” e que nada está sendo feito para impedir que isso aconteça.

A reforma tributária também será tocada a partir de proposição apresentada no Legislativo, que vem se interessando por uma reformulação administrativa mais profunda que a parca extinção e/ou fusão de ministérios — objeto da MP 870, recentemente aprovada na Câmara e no Senado, e que, numa clara retaliação ao ministro Sérgio Moro, mandou para a pasta da Economia o Coaf. Cogita-se no Parlamento uma discussão sobre a inevitável reforma política, mas o Executivo não deu um pio a respeito. O assunto surgirá, ainda que no debate torto sobre o fim ou não da reeleição.

As pessoas que foram às ruas no domingo 26, atendendo ao chamado do presidente, deram uma demonstração de política real. Uma e outra sugerem a Bolsonaro que ele teria prevalecido num teste de forças que, na verdade, está apenas no começo, e no qual a caneta Bic presidencial é insuficiente para vencer. O tal “pacto” entre os Poderes não tem como existir, já o STF não pode se comprometer em aprovar algo que, mais adiante, será obrigado a julgar. E vale lembrar que a corte não é o ministro Dias Toffoli, que atualmente a preside, mas um conjunto de 11 ministros com têm ideias próprias (e nem sempre isentas ou sensatas) a respeito de quase tudo.

Na visão de Willian Waak, a ênfase retórica no “pacto” é, em parte, o resultado da percepção de Bolsonaro de que os termos da vitória eleitoral e “as ruas” lhe teriam permitido enfrentar os outros dois Poderes, e que levou o ministro Paulo Guedes a dizer que “não há antagonismo” entre eles (os Poderes) — frase que só provocou risadas entre seus pares no mundo real da economia e finanças. Tudo bem, reconheça-se que um dos pilares do governo não poderia mesmo declarar outra coisa em público, ainda que fosse para segurar o dólar.

“As ruas” — ou o que Bolsonaro entende por isso — teriam também dito ao presidente que ele não precisa se esforçar muito em conseguir uma base estável no Congresso, pois o ronco das multidões que o apoiam superaria, em caso de necessidade, os cochichos dos participantes do nefasto conchavo que o impede de realizar os anseios do povo. O problema aqui é o de desafiar um dado estrutural do sistema de governo brasileiro (admita-se, o pior do mundo), que obriga Executivo e Legislativo a se entenderem de alguma maneira. 

Bolsonaro está conseguindo o inverso do que pretende. O Congresso caminha com alarmante rapidez para fortalecer suas prerrogativas e com pautas próprias (na área tributária, por exemplo, como foi citado linhas atrás). Mais complicado ainda para o presidente, o mundo parlamentar se impressionou menos do que ele acredita com as manifestações de rua. Ao contrário, está tomando a guerra deflagrada pelo bolsonarismo nas redes sociais como incentivo para reduzir as prerrogativas do Executivo em dois setores-chave: alocação de recursos pelo orçamento e uso de medidas provisórias.

Ao aderir a simplificações brutais da (admita-se) complexa e dificílima relação com o Legislativo, Bolsonaro ignora um outro dado relevante da realidade dos fatos. Parlamentares reagem, sim, não só “às ruas”, mas, também, a uma série de pressões políticas, sociais, econômicas e regionais que os empurram, por exemplo, para a aprovação de alguma reforma da Previdência — é o que explica, em parte, o entendimento relativamente muito mais fácil entre o próprio Guedes e os presidentes das casas legislativas, que estabeleceram há tempos linha direta com importantes segmentos da atividade econômica. 

As elites da economia estão há tempos totalmente convencidas de que não há um plano B para a não aprovação de alguma reforma da Previdência. Mais ainda: clamam por algo que mexa com a sufocante questão dos impostos (nem estamos falando da carga). Alguma surpresa com o fato, mencionado acima, de o Legislativo querer seguir adiante com uma pauta “própria” de reforma tributária? Ou das expectativas dos agentes de mercado voltadas agora menos para Bolsonaro e mais para o Congresso?

Aos cinco meses de governo, amplia-se a noção de que a formação de uma base coesa e estável de Bolsonaro no Legislativo é uma quimera com chances pífias de se concretizar. O presidente atua como um competente gerador de crises, não se mostra disposto a liderar coisa alguma, e mais de uma vez deixou a própria bancada na mão. Ele confia estar na rota política correta, mas que é justamente a que vai diminuir drasticamente o poder da sua prosaica Bic. Talvez esteja na hora de usar uma Montblanc.

(*Na mitologia grega, Panaceia era a deusa da cura, mas o termo é usado popularmente para designar algo que remedeia qualquer doença, que é capaz de solucionar todos os males. Bom seria se a reforma de Previdência fosse realmente uma panaceia para as mazelas do Brasil, e melhor ainda sem também despachasse todos os petistas e congêneres para a Venezuela (com passagem só de ida) e fizesse com que locutores de comerciais de supermercados e lojas de departamento parassem de gritar.

sábado, 8 de junho de 2019

BOLSONARO, O ALTÍSSIMO, LULA, JUCÁ E A SURUBA




Jair Messias Bolsonaro vê o exercício da Presidência como missão divina. Em vista à Argentina, na condição de preposto do Altíssimo, ele abençoou por antecipação os portenhos que “votarem com muita razão e menos emoção” — o que significa reeleger Maurício Macri para evitar que a volta do kirchnerismo transforme aquele país numa segunda Venezuela. Legítimo representante de Deus ou não, o Messias deveria arrumar a própria casa antes de ministrar lições no exterior...

Lula não admite usar tornozeleira — segundo ele, isso é coisa pra pombo correio e pra bandido (?!). Menos de 24 horas depois, o criminoso reincidente tornou-se réu pela 10ª vez, numa ação penal aberta na última quinta-feira na Justiça Federal de Brasília.

 

Incorporado pelo eleitor de Roraima à tribo dos sem-foroRomero Jucá foi denunciado na última terça-feira pela força-tarefa da Lava-Jato, acusado de beliscar propina de R$ 1 milhão na Transpetro, uma subsidiária da Petrobras então presidida pelo amigo Sergio Machado.

A novidade é a mais eloquente evidência de que falharam todas as tentativas — de Jucá e seus assemelhados  de melar a força-tarefa de Curitiba. Vale a pena rever a transcrição da conversa vadia que Romero Jucá manteve com Sérgio Machado em 2016, antes do impeachment da nefelibata da mandioca:

— É um acordo, botar o Michel, num grande acordo nacional — disse Sérgio Machado.

— Com o Supremo, com tudo — respondeu Jucá, dando asas ao sonho peemedebista de passar uma régua nas apurações da Lava-Jato.

— Com tudo, aí parava tudo — animou-se Machado, cujas traficâncias já se encontravam sob o crivo do então juiz Sergio Moro.

— É. Delimitava onde está, pronto! — concordou Jucá, em cujos calcanhares de vidro a Procuradoria começava a agarrar.

Hoje, Temer é um colecionador de inquéritos e ações penais. Já passou um par de vezes pela cadeia, em prisões temporárias. Machado é um delator bem-sucedido. Não colocou os pés num xilindró. Desfruta gostosamente do exílio luxuoso de sua mansão em Fortaleza. E Jucá, que prepara para experimentar os rigores da primeira instância curitibana, definiu o que está por vir numa declaração de abril de 2017.

Num instante em que o Supremo estava prestes a limitar a abrangência do foro privilegiado, os caciques do Senado realizaram um movimento cenográfico. Colocaram para andar um projeto de lei que acabava com a prerrogativa de foro para todas as autoridades, exceto os chefes dos Três Poderes. Jucá disse na época: "Se acabar o foro, é para todo mundo. Suruba é suruba. Aí é todo mundo na suruba, não uma suruba selecionada."

Pois bem. Ex-líder de todos os governos que se instalaram no país desde a chegada das caravelas, Jucá será apresentado aos rigores de uma "suruba" que já encarcerou outros companheiros de (P)MDB. Noves fora Temer, que não chegou a esquentar lugar na prisão, encontram-se em cana Sergio Cabral, Eduardo Cunha e Geddel Vieira Lima.

Com Josias de Souza.
Incorporado pelo eleitor de Roraima à tribo dos sem-foro, Romero Jucá foi denunciado nesta terça-feira pela força-tarefa de Curitiba. É acusado de beliscar propina de R$ 1 milhão na Transpetro, uma subsidiária da Petrobras então presidida pelo amigo Sergio Machado. A novidade é a mais eloquente evidência de que falharam todas as tentativas de Jucá e seus assemelhados de melar a Lava Jato. Vale a pena rever a transcrição da conversa vadia que Romero Jucá manteve com Sérgio Machado em 2016, antes do impeachment de Dilma Rousseff: — É um acordo, botar o Michel, num grande acordo nacional, disse Sérgio Machado. — Com o Supremo, com tudo, respondeu Jucá, dando asas ao sonho pee... - Veja mais em https://josiasdesouza.blogosfera.uol.com.br/2019/06/04/sem-foro-juca-vive-o-que-chamava-de-suruba/?cmpid=copiaecola
Incorporado pelo eleitor de Roraima à tribo dos sem-foro, Romero Jucá foi denunciado nesta terça-feira pela força-tarefa de Curitiba. É acusado de beliscar propina de R$ 1 milhão na Transpetro, uma subsidiária da Petrobras então presidida pelo amigo Sergio Machado. A novidade é a mais eloquente evidência de que falharam todas as tentativas de Jucá e seus assemelhados de melar a Lava Jato. Vale a pena rever a transcrição da conversa vadia que Romero Jucá manteve com Sérgio Machado em 2016, antes do impeachment de Dilma Rousseff: — É um acordo, botar o Michel, num grande acordo nacional, disse Sérgio Machado. — Com o Supremo, com tudo, respondeu Jucá, dando asas ao sonho pee... - Veja mais em https://josiasdesouza.blogosfera.uol.com.br/2019/06/04/sem-foro-juca-vive-o-que-chamava-de-suruba/?cmpid=copiaecola

segunda-feira, 20 de maio de 2019

DE VOLTA À SUPREMA VERGONHA — PARTE FINAL



Sérgio Moro no STF é a expectativa dos apoiadores da Lava-Jato e dos 57 milhões de brasileiros que elegeram Bolsonaro presidente — e talvez até dos muitos eleitores que não votaram no capitão, mesmo temendo a volta do PT reencarnado num reles fantoche comandado remotamente por um não menos reles criminoso condenado. Por que, então, tanta celeuma por parte de analistas, comentaristas, especialistas e outros “istas”? Não houve nada parecido quando o caçador de marajás de araque vestiu com a suprema toga o primo Marco Aurélio Mello. Ou quando o grão tucano FHC promoveu seu então advogado-geral da União. Ou quando Lula guindou um advogado e militante que foi reprovado duas vezes seguidas em concursos para juiz de Direito. Ou quando a nefelibata da mandioca indicou Rosa Weber — que, a despeito de ser juíza de carreira, cortou um dobrado para responder as perguntas dos senadores na sabatino. Ou mesmo quando o vampiro do Jaburu promoveu seu amigo e então ministro da Justiça Alexandre de Moraes. Por que a "surpresa" agora, quando Bolsonaro, dentro dos limites do Estado Democrático de Direito, assume publicamente que irá atender uma demanda da expressiva maioria dos brasileiros? Responda quem souber!

Para concluir o que eu disse no último sábado, a aposentadoria compulsória de ministros de tribunais superiores e do TCU passou de 70 para 75 anos em 2015. A PEC da Bengala, como ficou conhecido esse projeto de emenda constitucional, visava evitar que a calamidade em forma de gente preenchesse outras cinco vagas ao longo do seu segundo mandato. O tempo provou que o açodamento dos parlamentares foi em vão — a dita-cuja foi penabundada em 2016 — e deletério — sem a mudança, já teríamos nos livrado de Celso de Mello, Marco Aurélio Mello, Ricardo Lewandowski e Rosa Weber (e de Teori Zavascki, caso o juiz não tivesse morrido a 18 meses de seu septuagésimo aniversário). Pelas regras vigentes, o atual presidente da Corte e seu fiel escudeiro Alexandre de Moraes continuarão ministros por mais um quarto de século (há outra PEC no Congresso buscando equiparar o mandato dos togados supremos ao dos senadores, que é de 8 anos, mas isso é outra conversa).

O STF foi recriado pela Constituição de 1988 — que o tempo mostraria ser a grande incentivadora do crime cinco estrelas, a maior ferramenta para promover a negação da justiça no Brasil. O próprio Ulysses Guimarães (que dorme com os peixes) reconheceu publicamente no discurso de promulgação as imperfeições da nova carta — que, para citar um exemplo, elevou a carga tributária dos 22,4% do PIB, em 1988, para os atuais 36% como forma de sustentar as novas obrigações do Estado (direitos básicos de cidadania, como educação, previdência social, maternidade e infância). Mas isso também é outra conversa.

Em cinco anos de atividade, a despeito de ser diuturnamente bombardeada, a Lava-Jato produziu resultados impressionantes. Em contrapartida, dos quase 200 casos que chegaram ao Supremo, 30% foram arquivados, tiveram denúncia rejeitada ou envolvidos absolvidos. Apenas 6 réus foram julgados e somente 2 restaram condenados sem prescrição. 

Sete dos atuais ministros foram nomeados durante os governos petistas, e o atual presidente da corte — que, nunca é demais lembrar, “bombou” não uma, mas vezes seguidas em concursos para juiz de primeira instância (sempre na etapa preliminar, que avalia apenas conhecimentos gerais e noções básicas do Direito) — vestiu a toga por cima da farda de militante aos 50 anos de idade, tornando-se o mais jovem membro do STF a presidi-lo (seu mandato irá até setembro de 2020, quando Luiz Fux assumirá o posto pelo próximo biênio).

O caminho que levou Toffoli ao Supremo é permeado de luzes vermelhas, a começar por sua nomeação na vaga aberta com a morte do ministro Menezes Direito, dada a pouca idade e o “invejável currículo” do indicado, abrilhantado por uma total inexpressividade no meio jurídico. A rigor, suas credenciais eram ter sido advogado do PT, assessor da Casa Civil de José Dirceu e advogado-geral da União no governo do comandante máximo da ORCRIM (clique aqui e aqui para mais detalhes), e sua indicação, mais uma demonstração cabal da falta de noção de Lula sobre a dimensão do cargo de ministro. 

Sem currículo, sem conhecimento, sem luz própria, o causídico militante que prestava serviços ao PT, uma vez no Supremo e sem os laços com a rede protetora do partido ou com os referenciais do padrinho, buscou apoio em Gilmar Mendes — que é quem melhor encarna a figura do velho coronel político. Assim, consolidado no novo habitat, passou a emular os piores hábitos do novo padrinho a arrogância incontida, a grosseria, a falta de limites, o uso da autoridade da forma mais arbitrária possível.

Dos 11 togados supremos, somente Rosa Maria Pires Weber e Luiz Fux são juízes de carreira. O decano José Celso de Mello Filho foi membro do MP-SP antes de ser indicado por Sarney, que aceitou a sugestão do então ministro da Justiça Saulo Ramos (que não guardou dele boas recordações). Gilmar Ferreira Mendes foi procurador da República de 1985 a 1988, adjunto da Subsecretaria-Geral, consultor jurídico da Secretaria-Geral da Presidência, subchefe para Assuntos Jurídicos da Casa Civil e advogado-geral da União no governo de FHC, que o indicou para o STF em 2002.

Enrique Ricardo Lewandowski foi advogado militante de 1974 a 1990 e secretário do prefeito peemedebista de São Bernardo Aron Galante, que o indicou a Orestes Quércia, que o guindou ao Tribunal de Alçada, passando, com a extinção deste, para o TJ-SP, na cota da classe dos advogados (quinto constitucional). Marco Aurélio Mendes de Faria Mello, ex-procurador do trabalho, é juiz de origem, não por mérito garantido por concurso público, mas pela influência do pai, Plínio Affonso Farias de Mello. O prestígio deste era tal nos sindicatos patronais fluminenses que o ex-presidente Figueiredo engavetou sua nomeação para o TRT-RJ até que Marco Aurélio completasse os 35 anos exigidos por lei. Dali ele foi foi guindado ao TST (graças ao poder paterno) e mais adiante ao STF (graças ao primo Fernando Affonso Collor de Mello).

Quanto aos demais, Carmen Lúcia Antunes Rocha era procuradora do estado de Minas Gerais; Luiz Roberto Barroso atuava na advocacia privada; Luís Edson Fachin era advogado e professor de Direito e Alexandre de Moraes pertencia a um grupo de procuradores que fizeram carreira na administração pública paulista no longo mandarinato tucano; na política, pretendeu concorrer ao governo de São Paulo, mas foi nomeado ministro da Justiça e guindado ao STF por obra e graça do MDB de Michel Temer, Romero Jucá, Renan Calheiros e Eduardo Cunha.

São esses, caros leitores, os responsáveis pelas decisões irrecorríveis que não se discutem, cumprem-se. Que recebem polpudos salários e gozam de toda sorte de mordomias para protagonizar espetáculos não raro dantescos e tomar decisões frequentemente estapafúrdias. Que tiram da cartola inquéritos pra lá de suspeitos. Que concedem habeas corpus humanitários a criminosos moribundos que, uma vez fora da cadeia, rejuvenescem como que por um milagre divino — basta lembrar o caso de Maluf, que estava à beira do desencarne e hoje passa muito bem, obrigado, em sua mansão nos Jardins (se o turco lalau está morrendo, deve ser de rir dos trouxas que acreditaram na Justiça Suprema).

A nós, que bancamos tudo isso com o suado dinheiro dos impostos, resta assistir, impotentes, a sessões supremas nas quais colossos do saber jurídico (com todas as ironias de estilho) confundirem recursos protelatórios e chicanas vergonhosas com o pleno direito à defesa que assiste aos réus, enquanto se banqueteiam nos intervalos com lagosta na manteiga queimada, bacalhau à Gomes de Sá, frigideira de siri, moqueca (capixaba e baiana), arroz de pato, carré de cordeiro, medalhões e “tournedos de filé”, tudo acompanhado de uísques e vinhos importados e premiados. Isso enquanto falta dinheiro para comprar giz para as escolas e gaze e esparadrapo para prontos-socorros e hospitais.

E viva o povo brasileiro. 

quarta-feira, 15 de maio de 2019

“GARANTISTAS” E A BANDA PODRE DO STF


No final da tarde de ontem, a 6ª Turma do TRF-2 concedeu uma liminar (decisão provisória) para que Michel Miguel Elias Temer Lulia e seu operador financeiro, coronel João Batista Lima Filho, fossem soltos. Ainda não me debrucei sobre os detalhes e não posso dizer que foi (ou que não foi) mais um desserviço prestado pela banda podre do nosso Judiciário. Saliento apenas que na decisão ficou estabelecido que os réus não podem mudar de endereço, ter contato com outras pessoas físicas ou jurídicas investigadas ou deixar o país. Temer foi proibido, ainda, de exercer cargos políticos ou de direção partidária. Para quem chegou de Marte recentemente, relembro que o vampiro emedebista e o coronel laranja-lima já haviam sido presos em março e soltos dias depois, graças a uma decisão monocrática de um magistrado que ficou afastado do cargo durante sete anos devido a uma ação no STJ por estelionato e formação de quadrilha (em 2004). Dito isso, passemos à postagem do dia.

Você sabe o que é um “garantista”? É muito provável que já tenha ouvido falar, pois a Justiça, as leis e o Código Penal passaram a ser conversa de botequim no Brasil desde que a Lava-Jato começou a incomodar a sério um tipo de gente que jamais tinha sido incomodado na vida. Cinco minutos depois de ficar claro que o camburão da polícia podia, sim senhor, levar para o xadrez empreiteiros de obras públicas, gigantes da alta ou baixa política e milionários viciados em construir fortunas com o uso do Tesouro Nacional, já estava formada uma esquadra completa de cidadãos subitamente preocupados com a aplicação da lei nos seus detalhes mais extremos — ou melhor, a aplicação daquelas partes da lei que tratam dos direitos dos acusados da prática de crimes. É essa turma, justamente, que passou a se apresentar como “garantista”. Sua missão, segundo dizem, é trabalhar para que seja garantido o direito de defesa dos réus até os últimos milímetros. Seu princípio essencial é o seguinte: todo réu é inocente enquanto negar que é culpado.

Essa paixão pela soberania da lei, que chegou ao seu esplendor máximo com os processos e as condenações do ex-presidente Lula, provavelmente nunca teria aparecido se o direito de defesa a ser garantido fosse o dos residentes no presídio de Pedrinhas, ou em outros resorts do nosso sistema penitenciário. Esses aí podem ir, como sempre foram, para o diabo que os carregue. Mas a criminalidade no Brasil subiu dramaticamente de classe social quando a Justiça Federal, a partir da 13ª Vara Criminal do Paraná, resolveu que corrupto também estava sujeito às punições do Código Penal. O código dizia que corrupção era crime, claro, mas só dizia — o importante, mesmo, era o que não estava dito. Você sabe muito bem o que não estava dito: que corrupção é crime privativo da classe “A” para cima, e, como gente que vive nessas alturas nunca pode ir para a cadeia, ficavam liberadas na vida real as mil e uma modalidades de roubar o Erário que a imaginação criadora dos nossos magnatas vem desenvolvendo desde que Tomé de Souza entrou em seu gabinete de trabalho, em 1549.

Outra classe, outra lei. Descobriu-se, desde que o Japonês da Federal apareceu para levar o primeiro ladrão top de linha da Petrobras, que no Brasil o direito de defesa deveria estar acima de qualquer outra consideração. Quem defende um corrupto, na visão do “garantismo”, deve ter mais direitos do que quem o acusa. Não se trata, é óbvio, de ficar dizendo que a acusação é obrigada a provar que o réu cometeu o crime. Ou que todo mundo é inocente “até prova em contrário”. Ou que ninguém é culpado enquanto estiver recorrendo da sentença. Ou que é proibido linchar o réu, ou dar à opinião pública o direito de condenar pessoas — e outras coisas que vêm sendo repetidas há mais de 200 anos. Nada disso está em dúvida. O que se discute, no atual combate à corrupção, é outra coisa: é a ideia automática, em nome do direito de defesa, de usar a lei para desrespeitar a lei. É compreensível que os criminosos se sirvam das leis para adquirir o direito de praticar crimes sem punição? Quando fica assim, não se pode conseguir nada melhor, realmente, em matéria de tornar a lei uma ficção inútil.

Existe, naturalmente, muita gente que tem uma argumentação honesta, inteligente e sensata em favor do direito de defesa — uma garantia essencial para proteger o cidadão da injustiça e das violências da autoridade pública. Mas é claro que o problema não está aí. O problema começa quando essas garantias da lei passam a ser usadas como incentivo ao crime. O mandamento supremo dos “garantistas” determina que é indispensável fazer a “defesa absoluta da lei”. Não importa quais venham a ser as consequências de sua aplicação; o que está escrito tem de ser obedecido. Mas quem realmente ameaça a lei, em primeiro lugar, é o crime, e não quem quer punir o criminoso. Quando a lei, na realidade prática, existe para proteger o crime, pois foi escrita com esse objetivo, defender a lei passa a ser defender o criminoso. Vêm daí, e de nenhum outro lugar, a quantidade abusiva de recursos em favor do acusado, a litigância de má-fé e a elevação da chicana, ou seja, da sacanagem aberta, ao nível de “advocacia”.

“Garantista” em guerra contra a Lava-Jato, em português claro, é quem joga esse jogo. Seu foco mais ativo são os escritórios de advocacia milionários que se especializam na defesa de corruptos. Seus anjos preferidos são os tribunais superiores. O mais valioso deles é a banda podre do STF.

Texto de J.R. Guzzo

sábado, 4 de maio de 2019

LULA, A CORAGEM DO JUDICIÁRIO DE MAMAR EM ONÇA E A FARRA SUPREMA COM DINHEIRO PÚBLICO NUMA REPUBLIQUETA À BEIRA DA FALÊNCIA



Considerando as decisões do juiz de primeiro grau, dos três desembargadores da 8ª Turma do TRF-4 e dos quatro da 5ª Turma do STJ, a derrota de Lula no tribunal superior fechou o placar em 8 para a Justiça e zero para o condenado. Mesmo assim, a autoproclamada alma viva mais honesta do Brasil continua batendo na mesma tecla — chegando mesmo a dizer que jamais trocaria “sua dignidade” pela liberdade. Que dignidade, cara pálida?

A despeito da culpabilidade chapada do ex-presidente — que, nunca é demais lembrar, é um político preso, e não um preso político —, a mudança na dosimetria causou espécie, até porque a turma do STJ que revisa as decisões do TRF-4 nos processos da Lava-Jato é conhecida como “câmara de gás”. Falou-se à boca pequena que os ministros foram pressionados por seus colegas supremos — capitaneados pelo infalível Gilmar Mendes — a “julgarem o recurso em vez de simplesmente chancelarem a decisão a quo.”

Em entrevista ao Blog do Nêumanne, ex-ministro da Justiça Miguel Reale Júnior, componente do trio que preparou a acusação que levou ao impeachment de Dilma Rousseff, explicou que “o regime semiaberto deixou de ser aplicado, como preveem o Código Penal e a Lei de Execução Penal, pois, por incúria da administração, não há presídios semiabertos, como colônias agrícolas ou agroindustriais, sendo cumprida a pena como se fosse prisão albergue. Mas na falta de presídios semiabertos, a única forma é aplicar o sistema aberto”.

Essa perspectiva da margem a especulações não só sobre o abrandamento do “gás” empregado pela “câmara” na pena, mas também sobre uma eventual combinação prévia desta. A unanimidade dos quatro ministros da turma ao reduzir — na mesma medida — a pena de Lula teria sido acertada pelo relator Felix Fischer, segundo Carolina Brígido escreveu em O Globo. O relator tem negado repetidas vezes em decisões monocráticas recursos da defesa do senhor réu, mas percebeu que três colegas queriam diminuir a punição, e no caso, se ficasse vencido no julgamento, perderia a relatoria não só do processo do ex-presidente, mas de toda a Lava-Jato no STJ, conforme o regimento da Corte. Disse ainda a jornalista que “nos bastidores as conversas de integrantes da 5ª Turma, entre si e com ministros do STF, levaram meses. Outro ponto que teria pesado na decisão de Fischer seria o fato de que uma decisão unânime da turma fortaleceria o tribunal, porque ficaria para o público a imagem de uma corte harmoniosa em relação a um tema tão controvertido”. Completando o quadro, no Supremo, ao qual certamente a defesa recorrerá, há chance de reduzir mais a pena se os ministros eliminarem o crime de lavagem de dinheiro da condenação (roteiro inspirado em precedentes).

De acordo com José Nêumanne, uma rápida consulta ao noticiário da época poderá ser útil para lembrar que, em formação anterior, o mesmo tribunal reduziu penas de petistas condenados no mensalão. A “fala do trono”, publicada sábado com destaque pelos jornais Folha de S.Paulo e El País, por mercê de Ricardo Lewandowski e Dias Toffoli, contra despacho de outro ministro, Luiz Fux, pode também levar a uma consulta aos arquivos.

Comemorando seu feito profissional, o representante do jornal espanhol, Florestan Fernandes Júnior, registrou em post no Twitter que “nem a gaiola em que foi trancado fez a ‘águia’ do sertão pernambucano perder seu esplendor”. Talvez a definição fosse mais precisa para se referir ao teor de telefonema de Lula à então ainda presidente Dilma em 4 de março de 2016, e levado a conhecimento público 12 dias depois, quando ele afirmou a respeito do tribunal que acaba de julgá-lo e do outro ao qual recorrerá: “Nós temos uma Suprema Corte totalmente acovardada, nós temos um Superior Tribunal de Justiça totalmente acovardado”.

Passados três anos, o sumo pontífice da seita do inferno tem bons motivos para se agarrar à esperança de ter perdoado pelo “Pretório Excelso” o que precisar que seja para voltar para casa. E descobriu no passado do STF provas de coragem que relatou, após enfrentar galhardamente o "rígido esquema de segurança" e ter dado "forte abraço" em Florestan e Mônica Bergamo: "O STF já tomou decisão muito importante. Essa Corte votou, por exemplo, células-tronco, contra boa parte da Igreja Católica. Já votou a questão Raposa-Serra do Sol contra os poderosos do arroz no Estado de Roraima. Essa mesma corte votou união civil contra todo o preconceito evangélico. Essa corte votou as cotas para que os negros pudessem entrar. Ela já demonstrou que teve coragem e se comportou". Publicado o recado, resta-lhe esperar que os ministros, do qual o PT nomeou sete, tenham coragem. A palavra é essa mesmo. Coragem de mamar em onça, como diria meu avô.

Todo somado e subtraído, com a redução concedida pelos ministros superiores, a pena do condenado ficou próxima da que foi aplicada pelo então juiz Sérgio Moro em julho de 2017 (de 9 anos e 6 meses), e os crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro no caso do triplex do Guarujá restaram sobejamente comprovados (em que pesem as “dúvidas seriíssimas“ do ministro Marco Aurélio). Quanto à progressão para o regime semiaberto, não é certo que o molusco poderá deixar a prisão para trabalhar durante o dia e voltar para sua cela à noite, já que o TRF-4 julgará em breve um recurso impetrado pela defesa do ex-presidente contra a condenação a 12 anos e 11 meses imposta pela juíza federal Gabriela Hardt, à época substituta de Moro na 13.ª Vara Federal do Paraná, no processo referente ao sítio de Atibaia. Em caso de nova condenação em segunda instância, o ex-presidente continuará preso, segundo entendimento do STF, ainda válido.

Não fosse pelo fato de (mais) um recurso estar em via de ser apreciado pela 2ª Turma do STF, o Brasil, que tem mais com que se preocupar, segue sua vida política e institucional normalmente; apenas o PT manteria seu destino atrelado ao de seu amado líder e insubstituível presidente de honra. Isso porque há no Supremo ministros coçando a mão para libertar o sacripanta vermelho. Senão vejamos: À luz da jurisprudência ainda vigente na Suprema Corte, que permite o cumprimento antecipado da pena após decisão emanada de um juízo colegiado, a ministra Cármen Lúcia, relatora de uma ação que pleiteia a libertação de todos os condenados pelo TRF-4 que têm recursos pendentes de apreciação nas cortes superiores, determinou que julgamento fosse feito em plenário virtual, mas seu colega garantista (e petista de quatro costados) Ricardo Lewandowski, que acontece de ser o presidente da 2ª Turma, decidiu puxar a encrenca para uma sessão presencial.

Ora — pondera Josias de Souza —, se está autorizado, por que desautorizar prisões como a de Lula antes mesmo de o Supremo julgar em sessão plenária, diante das lentes da TV Justiça, as três ADCs que questionam as prisões em segunda instância? Certos ministros parecem decididos a conspirar contra a supremacia do Supremo. Mas convém não dizer isso em voz alta, sob pena de virar alvo do inquérito secreto — que Dias Toffoli abriu de ofício e nomeou Alexandre de Moraes relator — para investigar “fake news” e ameaças dirigidas à nossa Suprema Corte — que merece o maior respeito, embora o mesmo não se aplique a alguns togados que apitam por lá. Aliás, falando em desrespeito, o TCU quer saber por que o Supremo decidiu fazer uma licitação de R$ 1,3 milhão para comprar medalhões de lagosta e vinhos importados — e somente os premiados — para as refeições servidas pela Corte. A investigação se baseou em reportagem publicada pelo jornal O Estado de S. Paulo no dia 26 de abril, segundo a qual a notícia teve "forte e negativa repercussão popular". O que não é de estranhar, convenhamos, considerando que os requintados itens que compõem as tais “refeições institucionais”, previstas no Pregão Eletrônico 27/2019, contrastam com a escassez e a simplicidade dos gêneros alimentícios acessíveis — ou nem isso — à grande parte da população brasileira que ainda sofre com a grave crise econômica que se abateu sobre o País há alguns anos.

O MP pede "medidas necessárias a apurar a ocorrência de supostas irregularidades nos atos da administração do Supremo Tribunal Federal que visam à 'contratação de empresa especializada para prestação de serviços de fornecimento de refeições institucionais, por demanda, incluindo alimentos e bebidas'". Da tribuna, o senador Jorge Kajuru criticou a proposta e informou que entregou duas representações ao TCU, uma para suspender o contrato imediatamente e outra para fazer uma auditoria nos últimos dez contratos firmados pelo STF. Na semana passada, o servidor público estadual Wagner de Jesus Ferreira, do TJ-MG, também entrou com uma ação popular na Justiça Federal do DF contra o pregão eletrônico do Supremo.

O menu exigido pela licitação dos ministros supremos — que sus excelências afirmam seguir o padrão do Itamaraty — inclui desde a oferta café da manhã, passando pelo "brunch", almoço, jantar e coquetel. Na lista estão produtos para pratos como bobó de camarão, camarão à baiana e "medalhões de lagosta". As lagostas, destaca-se, devem ser servidas "com molho de manteiga queimada". A corte exige ainda que sejam colocados à mesa pratos como bacalhau à Gomes de Sá, frigideira de siri, moqueca (capixaba e baiana) e arroz de pato. O cardápio ainda traz vitela assada, codornas assadas, carré de cordeiro, medalhões de filé e "tournedos de filé".

Os vinhos exigiram um capítulo à parte no edital. Se for tinto, tem de ser tannat ou assemblage, contendo esse tipo de uva, de safra igual ou posterior a 2010 e que "tenha ganhado pelo menos 4 (quatro) premiações internacionais". "O vinho, em sua totalidade, deve ter sido envelhecido em barril de carvalho francês, americano ou ambos, de primeiro uso, por período mínimo de 12 (doze) meses." Se a uva for tipo Merlot, só serão aceitas as garrafas de safra igual ou posterior a 2011 e que tenha ganho pelo menos quatro premiações internacionais. Nesse caso, o vinho, "em sua totalidade, deve ter sido envelhecido em barril de carvalho, de primeiro uso, por período mínimo de 8 (oito) meses". Para os vinhos brancos, "uva tipo Chardonnay, de safra igual ou posterior a 2013", com no mínimo quatro premiações internacionais.

Em sua representação, o subprocurador-geral do MP junto ao TCU, Lucas Rocha Furtado, afirma que a despesa "que se pretende realizar por meio daquela licitação encerra afronta ao princípio da moralidade administrativa" prevista na Constituição. "Não se pode exigir, pois, dos administradores públicos, simplesmente o mero cumprimento da lei. De todos os administradores, sobretudo daqueles que ocupam os cargos mais altos na estrutura do Estado, deve-se exigir muito mais. Dos ocupantes dos altos cargos do Estado, deve-se exigir conduta impecável, ilibada, exemplar, inatacável. A violação da moralidade administrativa importa em ilegitimidade do ato administrativo e, sempre que for constatada essa violação, deve ser declarada, quer pela via judicial, quer pela via administrativa, a nulidade do ato ilegítimo".

Os togados supremos costumam se colocar no Olimpo, mas precisam descer de lá. Alguém discorda?