sexta-feira, 28 de junho de 2019

LULA, O RECESSO DO JUDICIÁRIO E OUTRAS CONSIDERAÇÕES


O fato de Sérgio Moro ter aceitado ser ministro de Estado não significa que tenha condenado Lula com o propósito de abandonar 22 anos de magistratura para ocupar uma pasta na Esplanada dos Ministérios sob o comando de Bolsonaro — que em 2017, quando o ex-juiz da Lava-Jato proferiu a sentença nos autos da ação sobre o triplex no Guarujá, era apenas candidato a candidato e tinha tantas chances de vencer o pleito presidencial quando um camelo de passar pelo buraco de uma agulha. Mas o imprevisto sempre pode ter voto decisivo na assembleia dos acontecimentos.

Cristiano Zanin e companhia jamais tiveram argumentos sólidos para defender o indefensável, tanto é que todas as estratégias de que se valeram para absolver Lula e, mais adiante, libertá-lo da prisão fizeram água. Foram mais de 100 recursos e chicanas de todos os tipos, e mesmo assim a culpabilidade chapada do petralha foi atestada por 21 juízes. O autodeclarado preso político (que na verdade não passa de um político preso) está no xadrez há quase 450 dias, e a despeito do que afirma a constelação de criminalistas a seu serviço, jamais se viu na história do direito penal brasileiro outro caso em que o direito de defesa foi tão explorado por um réu quanto no processo sobre o  tríplex no Guarujá.  

“Quis o destino” que a narrativa asinina de perseguição política fosse inflada pela divulgação tendenciosa de supostas conversas comprometedoras mantidas entre Moro, Dallagnol e outros integrantes da Lava-Jato. Esse material vem sendo divulgado a conta-gotas pelo The Intercept Brasil e reverberado ad nauseam por boa parte da mídia, o que é música para os ouvidos da banda podre do Congresso, de membros “garantistas” da alta cúpula do Judiciário e para a defesa do petralha. No fim das contas, o que se tem é uma articulação espúria cujo propósito é inocentar o criminoso, desmoralizar a maior operação anticorrupção da história deste país e criminalizar o juiz e os procuradores federais que colocaram Lula na cadeia.      

O supremo togado Gilmar Mendes, que pediu vista do habeas corpus de Lula em dezembro, quando Edson Fachin e Cármen Lúcia já se haviam se posicionado contra o pedido da defesa, devolveu os autos tão logo os primeiros “diálogos tóxicos” foram vazados pelo Intercept. Na última terça-feira, depois de alegar que não haveria tempo para concluir o julgamento, ele abraçou alegremente a proposta de Zanin e votou pela concessão de uma liminar para soltar Lula e mantê-lo em liberdade até o que o mérito do recurso seja julgado.

Em seu voto, em vez de cingir-se ao motivo formal do habeas corpus — que é o fato de Moro ter aceitado ser ministro de BolsonaroMendes enfatizou a troca de mensagens, afirmando não haver como negar que as matérias “possuem relação com fatos públicos e notórios cujos desdobramentos ainda estão sendo analisados", e que tais revelações "podem influenciar o deslinde das circunstâncias". Disse ainda que a própria PGR estaria em dúvida sobre os diálogos, quando o que Raquel Dodge afirmou em seu parecer foi que o material não teve sua veracidade reconhecida, além de ter sido conseguido de forma ilegal.

O estratagema não funcionou: Edson Fachin, Cármen Lúcia e Celso de Mello votaram contra o pedido de liberdade provisória. O decano argumentou que o juiz pode usar seu "poder geral de cautela toda vez que se cuidar de algo favorável ao acusado", mas que, no caso de Lula, há "três títulos condenatórios emanados contra o paciente”, referindo-se às condenações em primeira, segunda e terceira instâncias do Judiciário tupiniquim. Mesmo sendo partidário do início do cumprimento da pena após confirmação da sentença condenatória por um juízo colegiado, Mello salientou que, no caso sub judice, já se cumpriu o requisito que deve ser definido mais adiante pelo plenário da Corte — da prisão após condenação em terceira instância, baseado na proposta de Dias Toffoli, que possivelmente prevalecerá, pois é pouco provável que o Supremo retroceda ao entendimento de que a prisão deve se dar somente após o trânsito em julgado da condenação (que no Brasil, como se sabe, é no dia de São Nunca). 

Enfim, Mendes e Lewandowski compraram a tese de suspeição de Moro, influenciados claramente pelos diálogos vazados de maneira espúria, conquanto afirmem ter votado apenas com base nos autos, mas foram vencidos e a decisão final, jogada para as calendas de agosto.

Observação: Vale relembrar que a prisão após a condenação em primeira instância era regra no Brasil até 1973, quando a Lei Fleury  criada sob medida para beneficiar o delegado do DOPS e notório torturador homônimo  passou a garantir a réus primários e com bons antecedentes o direito de responder ao processo em liberdade até o julgamento em segunda instância. Em 2009, durante o julgamento do Mensalão, o Supremo entendeu que a ausência de eficácia suspensiva dos recursos extraordinário e especial não seria obstáculo para que o condenado recorresse em liberdade, e assim a prisão antes do trânsito em julgado somente poderia ser decretada a título cautelar. Em 2016, porém, a Corte voltou a entender que a execução provisória da pena após a confirmação da sentença em segundo grau não ofende o princípio constitucional da presunção de inocência, até porque a manutenção da sentença penal pela segunda instância encerra a análise de fatos e provas que assentaram a culpa do condenado, o que autoriza o início da execução da pena (para mais detalhes, clique aqui).

Ao ESTADÃO, Mendes disse: “Acho que se estimulou muito esse jogo de espertezas institucionais, nessa busca de atalhos em nome supostamente de um combate à criminalidade, da correção de rumos. A própria ideia de força-tarefa já é uma ideia distorcida — por que não operar com as próprias pessoas que lá estão? Acho que vamos ter uma grande evolução e um grande aprendizado a partir desses episódios. Todos nós vamos ficar mais preparados e a própria legislação que virá em decorrência desses fatos todos será muito mais realista e talvez mais precisa, evitando essa discricionalidade abusiva (…). Temos um encontro marcado com as prisões alongadas de Curitiba, com vários desses modelos. Até hoje temos muitas discussões em torno dos acordos e tal, direito das pessoas de eventualmente se defenderem, tudo isso agora precisará ser devidamente disciplinado e regulado.”

De acordo com José Nêumanne, o cinismo de Gilmar Mendes (em seu Blog, o sempre inspirado jornalista paraibano grafa Gilmal Mendes) chegou aos píncaros, na sessão de terça-feira, quando ele fez menção a um possível desvio ético de Sérgio Moro com base nas revelações do mais novo arauto das teses de defesa do petralha. Ao forçar a chicana proposta Zanin, apelando para a idade avançada e os mais de 400 dias na cela VIP em Curitiba, o ex-advogado geral da União de FHC permitiu ao decano, que também defende o fim da prisão em segunda instância, encontrar um meio de não se responsabilizar pela possível convulsão social que possivelmente resultaria da libertação do corrupto mais notório deste país.

São atitudes assim que engrossam a já caudalosa enxurrada de razões pelas quais o Judiciário deixou de merecer o respeito e a confiança da sociedade brasileira. E como se o que foi dito até aqui não bastasse, o Supremo comprovou mais uma vez sua mediocridade ao decidir nada decidir, ou melhor, ao decidir pela metade: a 2ª Turma manteve Lula preso, mas abriu uma janela de oportunidade para que se venha a soltá-lo após o recesso. 

Com a lorota de que o paciente teria julgamento justo e, para tanto, deveria esperar o veredito solto, Gilmar, o inigualável, tronou-se mero auxiliar da defesa, e agora trabalha com a possibilidade de o decano — que repeliu a liminar e manteve Lula preso —, ao deixar claro que não estava antecipando seu voto quanto ao mérito, antecipou que pode votar diferente no julgamento final, o que configuraria suspeição se fossem seguidos à risca o estatuto do STF, a Lei Orgânica da Magistratura a própria Constituição.

Durante os quase 15 meses em que é hóspede da Superintendência da PF em Curitiba, Lula recorreu um sem-número de vezes contra a sentença que o tornou um presidiário. Com o Judiciário aberto, relembra Josias de Souza, o petista perdeu em julgamentos coletivos — ora por unanimidade, ora por maioria de votos. Se recorrer nas férias, a decisão colegiada será substituída pela de um plantonista, e Dias Toffoli não é um plantonista qualquer: antes de vestir toga, ele foi assessor da liderança do PT na Câmara, advogado eleitoral de Lula, auxiliar jurídico de José Dirceu na Casa Civil e advogado-geral da União no governo do agora presidiário petista (clique aqui e aqui para mais detalhes). 

A despeito desse histórico, Toffoli não hesitou há um ano em liderar, na 2ª Turma, a votação que abriu a cela de um José Dirceu já condenado em segunda instância a mais de 30 anos de cadeia. Melhor seria que os advogados de Lula não recorressem nas férias. Se recorrerem, Toffoli talvez devesse indeferir rapidamente o pedido. Deferindo, seria aconselhável que trocasse o terno por uma armadura. Se dissesse que concedeu uma liminar a Lula guiando-se apenas por sua consciência de juiz, cutucaria a opinião pública com o pé e passaria o resto da vida fugindo das mordidas. Coisa que o bom senso recomenda evitar.