Depois das mensagens de Moro, Bolsonaro, filhos de Bolsonaro, ministros do STF, deputados e senadores, o interesse por vazamentos caiu muito. O editor do Intracept estava desesperado.
— De que adianta fazer esse fuzuê todo? Dinheiro que é bom, nada! — desabafou. Precisamos nos reinventar. Precisamos monetizar nosso negócio.
Os hackers se entreolharam, sem saber o que dizer. Foi um estagiário quem teve a sacada.
— Brasília saturou. Vamos expandir. O negócio é hackear gente comum.
A ideia se provou genial. Seu chefe é um panaca? Hackeie o WhatsApp dele (“R$ 2 mil por 15 dias ou consulte tabela”). Sua namorada está te traindo? Hackeie o Snapchat dela. (“Só R$ 500 por 7 dias. O oitavo é grátis!”). E por aí foi.
Patrícia e Geraldo tinham vida de núcleo rico de novela. Apartamento com varanda gourmet, viagem com personal shopper, SUV coreana blindada. Casamento inabalável, todo mundo dizia.
Um dia Patrícia acordou, pegou o iPad para ver as notícias e, mesmo sendo muito equilibrada, não conteve o calor que lhe subiu até as orelhas. Estava lá, escancarada, a foto do marido e o título: “Intracept vaza WhatsApp de Geraldo Freire”.
Ele não era famoso nem nada. Mas de uns meses para cá era assim. Ninguém estava salvo. Patrícia não conseguia imaginar alguém capaz de uma maldade dessas com o marido — e com ela.
Porque não há dignidade que sobreviva a um vazamento do Intracept. Ainda por cima quando vão liberando um pouco por dia. Qualquer desculpa esfarrapada de um dia não se sustenta no outro. Toda semana tem um anônimo novo com a vida devassada.
Patrícia sempre acabava conhecendo alguém.
— Porque esse mundo é uma ervilha, né?
Só esse mês, no cabeleireiro, teve notícia de dois divórcios. Luciana, amiga íntima, teve as mensagens do Insta divulgadas. O marido a botou para fora de casa sem direito nem ao iPhone.
— Pede um novo para ele, safada! — gritou para o condomínio ouvir.
As conversas que vazaram eram comprometedoras demais: Luciana e um amigo do tempo de faculdade trocavam receitas de nhoque, ravióli, linguine, tudo com as respectivas fotos. Não tem casamento que resista.
Mas não era hora de pensar nos outros. Patrícia olhou para o marido que dormia com seu ronronar de homem de bem. Ela não teve coragem de clicar no link. Contou para a mãe pelo Facebook.
— Coisa de amante, filha. Batata. Sempre disse para você ficar esperta. Deu nisso — respondeu.
Patrícia balançou o marido até acordá-lo. Geraldo despertou com o iPad esfregando a ponta do seu nariz. Leu o texto ainda com os olhos melados de sono. Geraldo também sabia que não existe vida após vazamento. Era só ver Brasília. Virou uma cidade fantasma.
Ele se reagrupou.
— Amor, calma. Vamos superar isso juntos.
Patrícia concordou, chorando.
Aquela semana seria definitiva para o casamento, para o futuro dos dois. Combinaram de ler as mensagens juntos, para que Geraldo pudesse explicar qualquer mal-entendido.
E assim foi. A semana passou tensa, arrastada, discutindo a relação, é verdade, mas surpreendentemente, nenhuma mensagem comprometedora foi revelada. Patrícia mal podia conter o orgulho.
Geraldo era o assunto de todas as conversas no cabeleireiro, entre as amigas e até da sogra. Vazou até a mensagem com o agente de turismo sobre hotéis em Positano, estragando a viagem surpresa para o aniversário dela. Quando acabou a semana, o casamento estava mais forte do que nunca. Ela nunca desconfiou de nada.
Na segunda-feira seguinte, Geraldo pagou a outra metade do pacote Vazamento do Bem do Intracept.
— O negócio é esse mesmo! — vibrava o editor com a nova ideia do ex-estagiário, agora editor assistente — Tem que diversificar para sobreviver.
Diante dos vazamentos, poucos casamentos resistem. O de Patrícia até saiu fortalecido. Mas as mensagens sobre a viagem para a Itália estariam no contexto?
A novela continua: Hoje, na segundo capítulo da Santa
Inquisição, o ministro SérgioMoro deve ir à CCJ da Câmara para ser inquirido pelos
deputados sobre as revelações espúrias feitas pelo site esquerdista The Intercept. Prevê-se um ambiente ainda mais hostil do que da primeira vez, quando o ex-juiz da Lava-Jato foi interpelado
por quase 9 horas na CCJ do Senado. Na
Câmara, a oposição ao governo Bolsonaro é maior e mais atuante, mas Moro chega respaldado pelas manifestações de rua em seu apoio, ocorridas, no último
domingo, em dezenas de cidades brasileiras.
Ficou também para esta terça-feira
a apresentação final do relatório do deputado Samuel Moreira na comissão especial que analisa a reforma
da Previdência. Ainda há pendências importantes, como a inclusão ou não de
estados e municípios no projeto. A leitura do parecer final estava prevista
para a semana passada, mas não ocorreu porque Rodrigo Maia buscava costurar um acordo com os governadores.
No apagar das luzes do primeiro semestre,
atos em defesa do ex-juiz Sérgio Moro eclodiram nos 26 estados e no DF, com maior repercussão
em capitais como Rio, Sampa, BH, Recife e Salvador. Houve manifestações
também em apoio à Lava-Jato, à
reforma previdenciária e às medidas anticrime e anticorrupção, além de repúdio a
determinados políticos e membros do STF. Estima-se que a adesão tenha sido
menor do que no dia 26 de maio, mas é bom lembrar que esta foi a segunda vez, em
menos de 2 meses, que o povo saiu às ruas para “protestar a favor do governo”, o que é algo inusitado — pelo menos para mim, que nunca havia visto, em seis décadas de existência, protestos a favor
de alguma coisa.
Não se tem uma ideia precisa do número de manifestantes e de municípios participantes, já que as PMs estaduais deixaram de fazer essa contagem
e divulgar os resultados. É claro que os inimigos da Lava-Jato — parlamentares suspeitos, acusados, processados e
condenados pela operação — desdenharam os protestos, mas isso era esperado
e não quer dizer muita coisa. O fato é que os atos de domingo mostraram que as
tentativas — da esquerda em geral e do PT
em particular — de desestabilizar o ministro da Justiça têm produzido o efeito
inverso, pois abre a porta da política, através da qual Moro poderá se tornar
um competidor de peso.
Em sua participação no Jornal
da Gazeta da noite de ontem, José
Nêumanne sugeriu ao Congresso, que se jacta de representar a cidadania, e ao
STF, que considera como principal
missão corrigir decisões de juízes de instâncias inferiores e fazer ouvidos de
mercador à pressão popular, convocarem o
povo a defender suas prerrogativas institucionais nas mesmas ruas onde os atos
de 26 de maio e 30 de junho os recriminaram. Se políticos e magistrados não
gostaram de ser execrados nas passeatas em defesa de Moro e da Lava-Jato, por que Alcolumbre,
Maia e Toffoli não convocam o povo que os dois primeiros dizem representar
e o terceiro prefere não ouvir para desagravá-los em atos mais concorridos do
que os que consideram pífios? Se o fizerem, a PM nem precisará fazer a contagem, pois é provável que o número de policiais seja maior que o de manifestantes.Dito
isso, segue o baile.
Num país onde os ratos culpam o queijo, pode parecer natural
o Coringa querer ser solto porque o Batman conversou com o Comissário Gordon. Mas não tem nada de
natural na maneira como boa parte da imprensa, do Congresso e do Judiciário reage
aos vazamentos do Intercept Brasil.
A menos que seja natural defender a corrupção, prender o xerife e soltar os
bandidos.
Os novos trechos divulgados pelo site neste final de semana envolvem críticas
que procuradores do MPF supostamente
fizeram ao então juiz federal Sérgio
Moro. Essa “bomba” produziu orgasmos múltiplos na mais petista das
jornalistas da Folha e levou ao
delírio a patuleia em geral, os petistas em particular e uma porção de debiloides
fanáticos, para quem o fato de a
procuradora Monique Cheker não reconhecer a autenticidade dos diálogos não
passa de mero detalhe.
Ao Antagonista, Monique afirmou que jamais havia ouvido falar de Sérgio Moro ou tido qualquer contato com alguém do MPF/PR na época em que as supostas
conversas teriam ocorrido, e que não reconhece os registros
remetidos pelo Intercept, que possuem dados errados e alterações de conteúdo. Pelo Twitter, o ministro da Justiça disse que, se verdadeiras, as
mensagens não passariam de "supostas fofocas de procuradores, a maioria de
fora da Lava-Jato”, e salientou mais
uma vez a possibilidade de os diálogos terem sido adulterados: "o que se
tem é um balão vazio, cheio de nada".
Não é o que pensa muita gente, a começar pelo semideus
togado mato-grossense — brilhantemente definido pelo também ministro supremo Luís Roberto Barroso como “uma pessoa horrível, uma mistura
do mal com o atraso e pitadas de psicopatia“, e pelo jornalista J.R Guzzo como “uma fotografia ambulante do subdesenvolvimento brasileiro, mais um na
multidão de altas autoridades que constroem todos os dias o fracasso do país”.
Na última terça-feira, de seu trono no alto da versão tupiniquim do Monte
Olimpo, o obelisco do saber jurídico roubou o papel da defesa de Lula ao sugerir a soltura do petralha e
sua permanência em liberdade até o julgamento do mérito do HC baseado na suspeição do juiz de primeira instância responsável
pela condenação.
Na subida opinião do excelso ministro, o então juiz federal Sérgio Moro cometeu falhas funcionais
gravíssimas, que podem anular todas as atos processuais na ação sobre o tríplex
no Guarujá. Se você tem estômago forte, não deixe de assistir à entrevista que Mendes deu à Globo News um dia depois de a 2ª Turma do STF decidir nada decidir, mas ainda assim rejeitar a concessão da liminar
sugerida pelo ministro numa manobra indecente, mas não inédita, dada a semelhança com o salvo-conduto dado pelo plenário da Corte ao próprio Lula em março de 2018,depois de desistir de
prosseguir com o julgamento e, atendendo a um pedido verbal da defesa, conceder uma estapafúrdia liminar que impedia a prisão do petista até que o mérito do
recurso fosse julgado — o que veio a acontecer somente após os feriados da Semana
Santa.
Vamos combinar que essa caça às bruxas já está virando
palhaçada (detalhes no post anterior). Afinal, o que teria a ver a suposta “parcialidade”
de Sérgio Moro com o bloqueio de R$ 78 milhões de Lula, determinado recentemente pelo juiz Luís Antonio Bonat nos autos do processo que trata do terreno que a
Odebrecht se propôs a doar para
servir de sede ao Instituto Lula? E com
o fato de o MP, no recurso contra a
decisão da juíza-substituta Gabriela
Hardt nesse mesmo processo, pedir o aumento da penade 12 anos e 11 meses de prisão que foi
imposta ao molusco? E como Lula, o
desempregado que deu certo, teria acumulado patrimônio suficiente, como
sindicalista e político, para justificar um bloqueio dessa magnitude? E o que
tudo isso tem a ver com a suspeita de que Moro
e os procuradores, no caso do tríplex, considerando que a condenação foi
ratificada, por unanimidade, tanto pelo TRF-4
(que, de quebra, aumentou a pena) quanto pelo STJ (que a reduziu para algo próximo do que Moro havia estabelecido em sua decisão)? Vão insultar nossa
inteligência na ponte que os partiu!
Na entrevista à Globo
News, Gilmar traça um paralelo entre o material que vem sendo
vazado pelo Intercept com a
gravação da conversa de alcova entre o então presidente Michel Temer e o moedor de carne bilionário dono da JBS, publicada por Lauro Jardim em O Globo em maio de
2017. Data venia, uma coisa nada tem a ver com a outra.
Naquele caso de Temer, quem gravou
a conversa, ainda que à sorrelfa, foi um dos interlocutores. Quando a notícia
veio à público, todos sabiam disso. Mesmo assim, foram feitas perícias para
atestar a veracidade do conteúdo. Segundo Ricardo Molina, contratado pela defesa do então presidente para periciar os arquivos, mas que atuou mais como advogado do
vampiro do Jaburu do que como perito, a gravação era imprestável ―
dada a existência de mais de 70 “pontos de obscuridade” ― e o MPF, “inocente e
incompetente”.
Os peritos ouvidos pelo Jornal Nacional chegaram à conclusão de que toda a gravação
estava intacta― a exemplo do que a PF atestaria mais adiante ― eTemer só não foi afastado porque as marafonas da Câmara venderam
seus votos a peso de ouro, e ele empenhou as cuecas da nação para os comprar. Nem é preciso lembrar que desde o início do ano, quando deixou o Planalto
e perdeu a prerrogativa de foro, Temer
se tornou alvo de 11 ações criminais na Justiça Federal do Rio de
Janeiro, de São Paulo e do DF, chegando a ser preso preventivamente, em duas ocasiões,
por determinação do juiz Marcelo Bretas,
responsável pelos processos da Lava-Jato
no Rio.
Para encurtar a conversa, ideologias e paixões à parte, o bom
jornalismo é aquele que recorre a expedientes que facilitam a separação do joio
do trigo no noticiário. A prática de ouvir as partes citadas em reportagens
logo após os fatos revelados é ao mesmo tempo a oportunidade de dar voz ao
outro lado e uma defesa prévia para eventuais ações judiciais que vierem a
questionar a correção das notícias divulgadas.
Até agora, o Intercept
e seus parceiros não apresentaram nenhum atestado de autenticidade das
mensagens que obtiveram (criminosamente, uma vez que fruto de hackeamento
digital), o que reduz a cada dia a credibilidade dos diálogos reproduzidos. Essa
dúvida só será dirimida se e quando os diálogos vazados forem autenticados por
registro de fé pública — e o resultado, qualquer que seja, não afastará a
essência criminosa da maneira como os arquivos foram obtidos. Demais disso,
somente agentes que atuaram e atuam no combate à corrupção vêm sendo mirados
nesses ataques, numa evidente tentativa de desqualificar e desmoralizar a
Lava-Jato e outras medidas em curso de combate à corrupção.
Em contrapartida, eventuais vazamentos e delações premiadas
no bojo da Lava-Jato nunca
privilegiaram políticos ou partidos. Foram denunciadas quase todas as
organizações partidárias do espectro político brasileiro, do PT e seus
satélites ao PSDB, legenda tida tradicionalmente como opositora ao lulopetismo.
Dilma, em sua subida sabedoria, costumava a se referir aos vazamentos como “seletivos”,
quando seletiva, mesmo, é a espionagem dirigida exclusivamente a agentes da lei
que devassaram, investigaram, processaram, condenaram e até conseguiram repor
dinheiro roubado do erário.
O Intercept perdeu a credibilidade — se é que a teve em
algum momento — ao fatiar as “informações bombásticas” e disseminá-las a conta-gotas. Nos jornais que têm reproduzido com mais destaque o material divulgado pelo site,
o colunista Elio Gaspari referiu-se
explicitamente a esse erro de origem cometido pelo militante americano. No último dia 23, ele publicou: Osite Intercept Brasil deveria
divulgar todo o acervo de grampos que amealhou. A divulgação parcial e seletiva
dos grampos, acompanhada por insinuações ameaçadoras de Glenn Greenwald, é um feitiço que pode se virar contra o
feiticeiro. Antes da internet era comum que revelações jornalísticas fossem
expostas em séries, mas Greenwald
vem fazendo bem outra coisa, prometendo isso ou aquilo, às vezes em tom de vaga
ameaça. A divulgação de denúncias num regime de conta-gotas foi uma das piores
táticas dos procuradores da Lava-Jato”.
Greenwald não se
comportou em nenhum momento como repórter, mas, sim, como ativista político.
Isso, de per si, não significa que o material que divulgou não tem valor,
ou mesmo que o jornalista mente. Mas a maneira como escolheu divulgar esse material,
de forma unilateral, sem checagem, autenticação e, sobretudo, sem nenhum
cuidado em dar ao lado exposto o direito elementar de expor sua versão dos
fatos, torna sua história bastante suspeita. Isso para dizer o mínimo.
Segundo o Estadão,
a versão de integrantes da inteligência do governo dá conta de que já se
esgotou o arsenal do The Intercept
contra Moro, e que os próximos
capítulos seriam sobre conversas entre Dallagnol e outros procuradores. Com
efeito: no mais recente episódio dessa abominável novela, Greenwald primeiro atribuiu a nova troca de mensagens ao procurador
Ângelo Villela, depois disse que
seria Ângelo Augusto Costa. A
interlocutora, segundo Glenn, era Monique Cheker, a quem o americano
atribui lotação na Procuradoria em Osasco — local onde ela nunca trabalhou. Quem
tem lotação original em Osasco é justamente ÂngeloVillela, retirado
da matéria por “erro de edição”. Villela,
como é de conhecimento público, foi preso pela Operação Greenfield, do MPF
em Brasília, vendendo informações privilegiadas à JBS.
Não se trata, portanto, de erro de edição, mas de pura (e atrapalhada)
manipulação com nítido objetivo político.
O fato de Sérgio Moro
ter aceitado ser ministro de Estado não significa que tenha condenado Lula com o propósito de abandonar 22
anos de magistratura para ocupar uma pasta na Esplanada dos Ministérios sob o
comando de Bolsonaro — que em 2017,
quando o ex-juiz da Lava-Jato proferiu
a sentença nos autos da ação sobre o triplex no Guarujá, era apenas candidato a
candidato e tinha tantas chances de vencer o pleito presidencial quando um
camelo de passar pelo buraco de uma agulha. Mas o imprevisto sempre pode ter
voto decisivo na assembleia dos acontecimentos.
Cristiano Zanin e
companhia jamais tiveram argumentos sólidos para defender o indefensável, tanto é que todas as estratégias de que se valeram para absolver Lula e, mais adiante, libertá-lo da prisão fizeram água. Foram mais de 100 recursos e chicanas de todos os tipos, e mesmo assim
a culpabilidade chapada do petralha foi atestada por 21 juízes. O autodeclarado
preso político (que na verdade não passa de um político preso) está no xadrez
há quase 450 dias, e a despeito do que afirma a constelação de criminalistas a
seu serviço, jamais se viu na história do direito penal brasileiro outro caso
em que o direito de defesa foi tão explorado por um réu quanto no processo
sobre o tríplex no Guarujá.
“Quis o destino” que a narrativa asinina de perseguição política
fosse inflada pela divulgação tendenciosa de supostas conversas comprometedoras
mantidas entre Moro, Dallagnol e outros integrantes da Lava-Jato. Esse material vem sendo
divulgado a conta-gotas pelo The
Intercept Brasil e reverberado ad
nauseam por boa parte da mídia, o que é música para os ouvidos da banda
podre do Congresso, de membros “garantistas” da alta cúpula do Judiciário e
para a defesa do petralha. No fim das contas, o que se tem é uma articulação
espúria cujo propósito é inocentar o criminoso, desmoralizar a maior operação
anticorrupção da história deste país e criminalizar o juiz e os procuradores
federais que colocaram Lula na
cadeia.
Osupremo togado Gilmar Mendes, que pediu vista do habeas corpus de Lula em dezembro, quando EdsonFachin e Cármen Lúcia já se haviam se
posicionado contra o pedido da defesa, devolveu os autos tão logo os primeiros
“diálogos tóxicos” foram vazados pelo Intercept.
Na última terça-feira, depois de alegar que não haveria tempo para concluir o
julgamento, ele abraçou
alegremente a proposta de Zanin e votou
pela concessão de uma liminar para soltar Lula
e mantê-lo em liberdade até o que o mérito do recurso seja julgado.
Em seu voto, em vez de cingir-se ao motivo formal do habeas corpus — que é o fato de Moro ter aceitado ser ministro de Bolsonaro — Mendes enfatizou a troca de mensagens, afirmando não haver como
negar que as matérias “possuem relação com fatos públicos e notórios cujos
desdobramentos ainda estão sendo analisados", e que tais revelações
"podem influenciar o deslinde das circunstâncias". Disse ainda que a
própria PGR estaria em dúvida sobre
os diálogos, quando o que Raquel Dodge
afirmou em seu parecer foi que o
material não teve sua veracidade reconhecida, além de ter sido conseguido de
forma ilegal.
O estratagema não funcionou: Edson Fachin, Cármen Lúcia
e Celso de Mello votaram contra o
pedido de liberdade provisória. O decano argumentou que o juiz pode usar seu
"poder geral de cautela toda vez que se cuidar de algo favorável ao
acusado", mas que, no caso de Lula,
há "três títulos condenatórios emanados contra o paciente”, referindo-se
às condenações em primeira, segunda e terceira instâncias do Judiciário
tupiniquim. Mesmo sendo partidário do início do cumprimento da pena após
confirmação da sentença condenatória por um juízo colegiado, Mello salientou que, no caso sub judice, já se cumpriu o requisito
que deve ser definido mais adiante pelo plenário da Corte — da prisão após
condenação em terceira instância, baseado na proposta de Dias Toffoli, que possivelmente prevalecerá, pois é pouco provável
que o Supremo retroceda ao
entendimento de que a prisão deve se dar somente após o trânsito em julgado da
condenação (que no Brasil, como se sabe, é no dia de São Nunca).
Enfim, Mendes
e Lewandowski compraram a tese de
suspeição de Moro, influenciados
claramente pelos diálogos vazados de maneira espúria, conquanto afirmem ter
votado apenas com base nos autos, mas foram vencidos e a decisão final, jogada
para as calendas de agosto.
Observação: Vale relembrar que a prisão após a
condenação em primeira
instância era regra no Brasil até 1973, quando a Lei Fleury ― criada
sob medida para beneficiar o delegado do DOPS e notório torturador homônimo― passou a garantir a
réus primários e com bons antecedentes o direito de responder ao processo em
liberdade até o julgamento em
segunda instância. Em 2009, durante o julgamento do Mensalão, o Supremo entendeu que a ausência de eficácia suspensiva
dos recursos extraordinário e especial não seria obstáculo para que o condenado
recorresse em liberdade, e assim a prisão antes do trânsito em julgado
somente poderia ser decretada a título cautelar. Em 2016, porém, a Corte voltou
a entender que a execução provisória da pena após a confirmação da sentença em
segundo grau não ofende o princípio
constitucional da presunção de inocência, até porque amanutenção da sentença penal pela segunda instância encerra a
análise de fatos e provas que assentaram a culpa do condenado, o que autoriza o
início da execução da pena (para mais detalhes, clique aqui).
Ao ESTADÃO, Mendes disse: “Acho que se estimulou muito esse jogo de espertezas institucionais,
nessa busca de atalhos em nome supostamente de um combate à criminalidade, da
correção de rumos. A própria ideia de força-tarefa já é uma ideia distorcida —
por que não operar com as próprias pessoas que lá estão? Acho que vamos ter uma
grande evolução e um grande aprendizado a partir desses episódios. Todos nós
vamos ficar mais preparados e a própria legislação que virá em decorrência
desses fatos todos será muito mais realista e talvez mais precisa, evitando
essa discricionalidade abusiva (…). Temos um encontro marcado com as prisões
alongadas de Curitiba, com vários desses modelos. Até hoje temos muitas
discussões em torno dos acordos e tal, direito das pessoas de eventualmente se
defenderem, tudo isso agora precisará ser devidamente disciplinado e regulado.”
De acordo com José
Nêumanne, o cinismo de Gilmar Mendes
(em seu Blog, o sempre inspirado jornalista paraibano grafa GilmalMendes) chegou aos píncaros, na
sessão de terça-feira, quando ele fez menção a um possível desvio ético
de Sérgio Moro com base nas
revelações do mais novo arauto das teses de defesa do petralha. Ao forçar a
chicana proposta Zanin, apelando
para a idade avançada e os mais de 400 dias na cela VIP em Curitiba, o
ex-advogado geral da União de FHC permitiu
ao decano, que também defende o fim da prisão em segunda instância, encontrar
um meio de não se responsabilizar pela possível convulsão social que
possivelmente resultaria da libertação do corrupto mais notório deste país.
São atitudes assim que engrossam a já caudalosa enxurrada de
razões pelas quais o Judiciário deixou de merecer o respeito e a confiança da
sociedade brasileira. E como se o que foi dito até aqui não bastasse, o Supremo comprovou mais uma vez sua
mediocridade ao decidir nada decidir, ou melhor, ao decidir pela metade: a 2ª Turma manteve Lula preso, mas abriu uma janela de oportunidade para que se venha
a soltá-lo após o recesso.
Com a lorota de que o paciente teria julgamento
justo e, para tanto, deveria esperar o veredito solto, Gilmar, o inigualável, tronou-se mero auxiliar da defesa, e agora
trabalha com a possibilidade de o decano — que repeliu a liminar e
manteve Lula preso —, ao deixar claro
que não estava antecipando seu voto quanto ao mérito, antecipou que pode votar
diferente no julgamento final, o que configuraria suspeição se fossem seguidos
à risca o estatuto do STF, a Lei Orgânica da Magistratura a própria Constituição.
Durante os quase 15 meses em que é hóspede da Superintendência
da PF em Curitiba, Lula recorreu um
sem-número de vezes contra a sentença que o tornou um presidiário. Com o
Judiciário aberto, relembra Josias de
Souza, o petista perdeu em julgamentos coletivos — ora por unanimidade, ora
por maioria de votos. Se recorrer nas férias, a decisão colegiada será
substituída pela de um plantonista, e Dias
Toffoli não é um plantonista qualquer: antes de vestir toga, ele foi
assessor da liderança do PT na
Câmara, advogado eleitoral de Lula,
auxiliar jurídico de José Dirceu na
Casa Civil e advogado-geral da União no governo do agora presidiário petista (clique aquie aquipara mais detalhes).
A despeito desse histórico, Toffoli não hesitou há um ano em liderar, na 2ª Turma, a votação que abriu a cela de um José Dirceu já condenado em segunda instância a mais de 30 anos de
cadeia. Melhor seria que os advogados de Lula não recorressem nas férias. Se
recorrerem, Toffoli talvez devesse
indeferir rapidamente o pedido. Deferindo, seria aconselhável que trocasse o terno
por uma armadura. Se dissesse que concedeu uma liminar a Lula guiando-se apenas por sua consciência de juiz, cutucaria a
opinião pública com o pé e passaria o resto da vida fugindo das mordidas. Coisa que o bom
senso recomenda evitar.
A inquisição a que o Sérgio Moro foi submetido na última
quarta-feira, na CCJ do Senado, deve
se repetir na Câmara na próxima semana. Como era esperado, desafetos do ministro vêm se aproveitando da situação
— no STF, no Congresso e até mesmo
no interior do governo — para instigá-lo politicamente e, ao mesmo tempo,
pugnar por providências no âmbito dessas instituições. Criminalistas que
defendem os denunciados pelo MPF de
Curitiba e apenados pelo então juiz da 13ª Vara Federal do Paraná exploram os
diálogos para tentar anular condenações e processos pendentes, parecendo não se lembrar, muito convenientemente, de que o
material divulgado pelo site esquerdista The Intercept foi obtido de forma
criminosa e vem sendo divulgado a conta-gotas de maneira tendenciosa.
Imagina-se — porque ainda não há provas concretas — que o PT, a esquerda e até parlamentares
investigados, denunciados e réus na Lava-Jato
estejam por traz desse “escândalo” sensacionalista. Por uma série de motivos que já detalhei em outras postagens,
esse material, pela forma como foi obtido e publicado, deveria ter como destino
a lata do lixo, mas continua repercutindo, dando ânimo à oposição e robustecendo a narrativa que trata Lula como preso político e usa os “inocentes
úteis” como massa de manobra para promover manifestações de rua convocadas,
supostamente, em defesa da Educação, contra a reforma da Previdência ou por uma
greve geral.
A comprovação pelas investigações da PF de que a captação ilegal dos diálogos é apenas parte de uma ação
coordenada contra a Lava-Jato,
atingindo membros do Judiciário em diversos graus, deu nova conotação
política ao episódio. Silvio Meira,
um dos maiores especialistas em tecnologia da informação e professor emérito da
Universidade Federal de Pernambuco, diz que “ninguém fez isso sozinho, não aconteceu por acaso, tem um desenho por
trás. Havia gente que estava explicitamente dedicada, gastando imaginação,
competência técnica, tempo e dinheiro para chegar a essa informação”. Ensina o especialista que o Telegram, que passou a ser muito usado no Brasil depois que o WhatsApp ficou fora do ar por questões judiciais, pode ser seguro quando as mensagens são criptografadas, mas para isso é preciso que o usuário habilite a encriptação no seu terminal, ou elas seguem abertas e podem ser lidas por pessoas não autorizadas.
Abel Gomes, desembargador do TRF-2 que julga os processos da Lava-Jato no Rio, colocou o dedo na
ferida: “Por que os hackers têm mirado
apenas autoridades que deram decisões desfavoráveis aos investigados da Lava-Jato?” Também a juíza substituta Gabriela Hardt, que respondeu pela
13ª Vara Federal do Paraná no período entre a exoneração de Moro e a nomeação do juiz federal Luiz Antonio Bonat, foi hackeada e
denunciou que essa manobra ilegal contra membros do Judiciário é um atentado à
segurança do Estado brasileiro.
A origem do aplicativo também é um mistério. Telegram
é o nome da empresa russa criada pelos irmãos Durov — que também criaram o Facebook russo VKontakte. Numa operação um
tanto misteriosa, essa empresa foi vendida a outro grupo digital russo, após o que os
irmãos deixaram o país e foram para Berlim, de onde também saíram reclamando
que as autoridades alemãs não deram visto de trabalho para o seu time — time que
hoje ninguém sabe exatamente onde está (a empresa é tocada a partir de Dubai, os demais funcionários estariam
espalhados pelo mundo e o paradeiro da infraestrutura da companhia é incerto e
não sabido).
Ainda na avaliação de Meira,
essa crise chama a atenção para um problema brasileiro, qual seja o fato de que
as autoridades não disporem de um sistema de troca de mensagens ou telefone
protegido contra ataques de cibercriminosos. O uso do Twitter é um hábito que Bolsonaro
copiou de seu ídolo, Donald Trump, mas
o presidente norte-americano só usa o Twitter
oficial quando trata de assuntos do governo — até porque o uso de meios
particulares já deu muita dor de cabeça a Hillary
Clinton, que, quando secretária de Estado na gestão de Obama, usava seu endereço eletrônico privado mesmo para assuntos governamentais,
quando deveria usar o email oficial (@state.gov). Mas os EUA são os EUA e o Brasil é o Brasil. Nesta
republiqueta de bananas, o ataque em massa a diversos membros do MPF e do
Judiciário, notadamente no Paraná e no Rio, sugere uma monumental
conspiração com o objetivo de acabar com a Lava-Jato — operação que, nas palavras do ministro Edson Fachin, é uma realidade que mudou a
estrutura do combate à corrupção no Brasil.
No Jovem Pan Morning
Show desta quinta-feira, Caio Coppola ponderou que um Congresso com 3% de aprovação popular, infestado de
ratos, vermes e parasitas, não tem moral para atacar a conduta de Sérgio Moro. O que se tem, segundo ele,
é um homem honesto se explicando por crimes que não cometeu perante um conjunto
de especialistas na arte da corrupção. Caio sugere que Moro se dirija aos parlamentares — que, gostemos ou não,
foram eleitos e, portanto, representam os idiotas que votaram neles — pelos
nomes de código que os identificavam nas planilhas de propina do Setor de Operações Estruturadas da
Odebrecht, e lembra que, nos cinco minutos que teve para questionar o
ministro durante a sessão na CCJ, o senador Oriovisto Guimarães, do Podemos,
estabeleceu uma comparação entre ética e legalidade.
O pensamento ético, segundo o parlamentar, avalia as ações
humanas na perspectiva de “bem” e “mal”; no pensamento legal, a clivagem é
entre dentro e fora da lei. Para ele, o pensamento ético é permeado por
questionamentos e não é composto por certezas absolutas, que são mais filhas da
fé do que da razão. Em sua análise, a ética está “um degrau acima da lei” e, para ilustrar essa tese, cita a possibilidade de existirem “canalhas
legalistas” e o exemplo da escravidão, que era imoral, embora fosse legal. Disse ainda o senador que o país claramente se divide em dois momentos — antes e depois da Lava-Jato —, e que, além da atuação de
juízes, policiais e procuradores, a operação também é fruto da incapacidade do
brasileiro em continuar vivendo sob um regime patrimonialista, onde há
cumplicidade entre empresários e políticos corruptos. Por fim, ele citou o
jurista Luis Alberto Warat, que
separa neutralidade de imparcialidade e diz ser impossível haver neutralidade
por parte dos julgadores, e pediu a Moro
que respondesse se seus atos seguiram a
imparcialidade exigida constitucionalmente.
O ministro ponderou que as partes envolvidas no processo
legal são seres humanos que carregam em si valores e princípios “que vão sempre de alguma maneira influenciar
na tomada de atos e decisões no curso do processo”. Sobre a imparcialidade —
ou seja, a capacidade do magistrado de proferir decisões segundo as leis e
provas, independente de que sejam as partes —, Moro reafirmou que isso foi mantido na operação Lava-Jato desde o início. Em sua
réplica, o senador disse estar “plenamente convencido da imparcialidade de Sergio Moro”. Para não prolongar demais
esta postagem, veja detalhes no vídeo a seguir:
Até semanas atrás, o Telegram
era pouco conhecido no Brasil, mas ganhou notoriedade devido a esse furdunço
todo. O Intercept, que divulgou as supostas trocas de mensagens envolvendo o ministro, afirma que obteve os
diálogos de uma fonte anônima antes de possíveis invasões ilegais. De novo,
para não encompridar ainda mais este texto, vou deixar para abordar as
diferenças entre o Telegram e o Facebook numa próxima oportunidade.