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domingo, 21 de julho de 2019

RIR PARA NÃO CHORAR


Depois das mensagens de Moro, Bolsonaro, filhos de Bolsonaro, ministros do STF, deputados e senadores, o interesse por vazamentos caiu muito. O editor do Intracept estava desesperado.
— De que adianta fazer esse fuzuê todo? Dinheiro que é bom, nada! — desabafou. Precisamos nos reinventar. Precisamos monetizar nosso negócio.
Os hackers se entreolharam, sem saber o que dizer. Foi um estagiário quem teve a sacada.
— Brasília saturou. Vamos expandir. O negócio é hackear gente comum.
A ideia se provou genial. Seu chefe é um panaca? Hackeie o WhatsApp dele (“R$ 2 mil por 15 dias ou consulte tabela”). Sua namorada está te traindo? Hackeie o Snapchat dela. (“Só R$ 500 por 7 dias. O oitavo é grátis!”). E por aí foi.
Patrícia e Geraldo tinham vida de núcleo rico de novela. Apartamento com varanda gourmet, viagem com personal shopper, SUV coreana blindada. Casamento inabalável, todo mundo dizia.
Um dia Patrícia acordou, pegou o iPad para ver as notícias e, mesmo sendo muito equilibrada, não conteve o calor que lhe subiu até as orelhas. Estava lá, escancarada, a foto do marido e o título: “Intracept vaza WhatsApp de Geraldo Freire”.
Ele não era famoso nem nada. Mas de uns meses para cá era assim. Ninguém estava salvo. Patrícia não conseguia imaginar alguém capaz de uma maldade dessas com o marido — e com ela.
Porque não há dignidade que sobreviva a um vazamento do Intracept. Ainda por cima quando vão liberando um pouco por dia. Qualquer desculpa esfarrapada de um dia não se sustenta no outro. Toda semana tem um anônimo novo com a vida devassada.
Patrícia sempre acabava conhecendo alguém.
— Porque esse mundo é uma ervilha, né?
Só esse mês, no cabeleireiro, teve notícia de dois divórcios. Luciana, amiga íntima, teve as mensagens do Insta divulgadas. O marido a botou para fora de casa sem direito nem ao iPhone.
— Pede um novo para ele, safada! — gritou para o condomínio ouvir.
As conversas que vazaram eram comprometedoras demais: Luciana e um amigo do tempo de faculdade trocavam receitas de nhoque, ravióli, linguine, tudo com as respectivas fotos. Não tem casamento que resista.
Mas não era hora de pensar nos outros. Patrícia olhou para o marido que dormia com seu ronronar de homem de bem. Ela não teve coragem de clicar no link. Contou para a mãe pelo Facebook.
— Coisa de amante, filha. Batata. Sempre disse para você ficar esperta. Deu nisso — respondeu.
Patrícia balançou o marido até acordá-lo. Geraldo despertou com o iPad esfregando a ponta do seu nariz. Leu o texto ainda com os olhos melados de sono. Geraldo também sabia que não existe vida após vazamento. Era só ver Brasília. Virou uma cidade fantasma.
Ele se reagrupou.
— Amor, calma. Vamos superar isso juntos.
Patrícia concordou, chorando.
Aquela semana seria definitiva para o casamento, para o futuro dos dois. Combinaram de ler as mensagens juntos, para que Geraldo pudesse explicar qualquer mal-entendido.
E assim foi. A semana passou tensa, arrastada, discutindo a relação, é verdade, mas surpreendentemente, nenhuma mensagem comprometedora foi revelada. Patrícia mal podia conter o orgulho.
Geraldo era o assunto de todas as conversas no cabeleireiro, entre as amigas e até da sogra. Vazou até a mensagem com o agente de turismo sobre hotéis em Positano, estragando a viagem surpresa para o aniversário dela. Quando acabou a semana, o casamento estava mais forte do que nunca. Ela nunca desconfiou de nada.
Na segunda-feira seguinte, Geraldo pagou a outra metade do pacote Vazamento do Bem do Intracept.
— O negócio é esse mesmo! — vibrava o editor com a nova ideia do ex-estagiário, agora editor assistente — Tem que diversificar para sobreviver.
Diante dos vazamentos, poucos casamentos resistem. O de Patrícia até saiu fortalecido. Mas as mensagens sobre a viagem para a Itália estariam no contexto?
Texto de Mentor Neto.

terça-feira, 2 de julho de 2019

O CORINGA QUER SER SOLTO PORQUE O BATMAN CONVERSOU COM O COMISSÁRIO GORDON



A novela continua: Hoje, na segundo capítulo da Santa Inquisição, o ministro Sérgio Moro deve ir à CCJ da Câmara para ser inquirido pelos deputados sobre as revelações espúrias feitas pelo site esquerdista The Intercept. Prevê-se um ambiente ainda mais hostil do que da primeira vez, quando o ex-juiz da Lava-Jato foi interpelado por quase 9 horas na CCJ do Senado. Na Câmara, a oposição ao governo Bolsonaro é maior e mais atuante, mas Moro chega respaldado pelas manifestações de rua em seu apoio, ocorridas, no último domingo, em dezenas de cidades brasileiras. 

Ficou também para esta terça-feira a apresentação final do relatório do deputado Samuel Moreira na comissão especial que analisa a reforma da Previdência. Ainda há pendências importantes, como a inclusão ou não de estados e municípios no projeto. A leitura do parecer final estava prevista para a semana passada, mas não ocorreu porque Rodrigo Maia buscava costurar um acordo com os governadores.

No apagar das luzes do primeiro semestre, atos em defesa do ex-juiz Sérgio Moro eclodiram nos 26 estados e no DF, com maior repercussão em capitais como Rio, Sampa, BH, Recife e Salvador. Houve manifestações também em apoio à Lava-Jato, à reforma previdenciária e às medidas anticrime e anticorrupção, além de repúdio a determinados políticos e membros do STF. Estima-se que a adesão tenha sido menor do que no dia 26 de maio, mas é bom lembrar que esta foi a segunda vez, em menos de 2 meses, que o povo saiu às ruas para “protestar a favor do governo”, o que é algo inusitado — pelo menos para mim, que nunca havia visto, em seis décadas de existência, protestos a favor de alguma coisa.

Não se tem uma ideia precisa do número de manifestantes e de municípios participantes, já que as PMs estaduais deixaram de fazer essa contagem e divulgar os resultados. É claro que os inimigos da Lava-Jato — parlamentares suspeitos, acusados, processados e condenados pela operação — desdenharam os protestos, mas isso era esperado e não quer dizer muita coisa. O fato é que os atos de domingo mostraram que as tentativas — da esquerda em geral e do PT em particular — de desestabilizar o ministro da Justiça têm produzido o efeito inverso, pois abre a porta da política, através da qual Moro poderá se tornar um competidor de peso.

Em sua participação no Jornal da Gazeta da noite de ontem, José Nêumanne sugeriu ao Congresso, que se jacta de representar a cidadania, e ao STF, que considera como principal missão corrigir decisões de juízes de instâncias inferiores e fazer ouvidos de mercador à pressão popular, convocarem  o povo a defender suas prerrogativas institucionais nas mesmas ruas onde os atos de 26 de maio e 30 de junho os recriminaram. Se políticos e magistrados não gostaram de ser execrados nas passeatas em defesa de Moro e da Lava-Jato, por que Alcolumbre, Maia e Toffoli não convocam o povo que os dois primeiros dizem representar e o terceiro prefere não ouvir para desagravá-los em atos mais concorridos do que os que consideram pífios? Se o fizerem, a PM nem precisará fazer a contagem, pois é provável que o número de policiais seja maior que o de manifestantes.Dito isso, segue o baile. 

Num país onde os ratos culpam o queijo, pode parecer natural o Coringa querer ser solto porque o Batman conversou com o Comissário Gordon. Mas não tem nada de natural na maneira como boa parte da imprensa, do Congresso e do Judiciário reage aos vazamentos do Intercept Brasil. A menos que seja natural defender a corrupção, prender o xerife e soltar os bandidos.

Os novos trechos divulgados pelo site neste final de semana envolvem críticas que procuradores do MPF supostamente fizeram ao então juiz federal Sérgio Moro. Essa “bomba” produziu orgasmos múltiplos na mais petista das jornalistas da Folha e levou ao delírio a patuleia em geral, os petistas em particular e uma porção de debiloides fanáticos, para quem o fato de a procuradora Monique Cheker não reconhecer a autenticidade dos diálogos não passa de mero detalhe.

Ao Antagonista, Monique afirmou que jamais havia ouvido falar de Sérgio Moro ou tido qualquer contato com alguém do MPF/PR na época em que as supostas conversas teriam ocorrido, e que não reconhece os registros remetidos pelo Intercept, que possuem dados errados e alterações de conteúdo. Pelo Twitter, o ministro da Justiça disse que, se verdadeiras, as mensagens não passariam de "supostas fofocas de procuradores, a maioria de fora da Lava-Jato”, e salientou mais uma vez a possibilidade de os diálogos terem sido adulterados: "o que se tem é um balão vazio, cheio de nada".

Não é o que pensa muita gente, a começar pelo semideus togado mato-grossense — brilhantemente definido pelo também ministro supremo Luís Roberto Barroso como “uma pessoa horrível, uma mistura do mal com o atraso e pitadas de psicopatia“, e pelo jornalista J.R Guzzo como “uma fotografia ambulante do subdesenvolvimento brasileiro, mais um na multidão de altas autoridades que constroem todos os dias o fracasso do país”. Na última terça-feira, de seu trono no alto da versão tupiniquim do Monte Olimpo, o obelisco do saber jurídico roubou o papel da defesa de Lula ao sugerir a soltura do petralha e sua permanência em liberdade até o julgamento do mérito do HC baseado na suspeição do juiz de primeira instância responsável pela condenação. 

Na subida opinião do excelso ministro, o então juiz federal Sérgio Moro cometeu falhas funcionais gravíssimas, que podem anular todas as atos processuais na ação sobre o tríplex no Guarujá. Se você tem estômago forte, não deixe de assistir à entrevista que Mendes deu à Globo News um dia depois de a 2ª Turma do STF decidir nada decidir, mas ainda assim rejeitar a concessão da liminar sugerida pelo ministro numa manobra indecente, mas não inédita, dada a semelhança com o salvo-conduto dado pelo plenário da Corte ao próprio Lula em março de 2018, depois de desistir de prosseguir com o julgamento e, atendendo a um pedido verbal da defesa, conceder uma estapafúrdia liminar que impedia a prisão do petista até que o mérito do recurso fosse julgado — o que veio a acontecer somente após os feriados da Semana Santa.


Vamos combinar que essa caça às bruxas já está virando palhaçada (detalhes no post anterior). Afinal, o que teria a ver a suposta “parcialidade” de Sérgio Moro com o bloqueio de R$ 78 milhões de Lula, determinado recentemente pelo juiz Luís Antonio Bonat nos autos do processo que trata do terreno que a Odebrecht se propôs a doar para servir de sede ao Instituto Lula? E com o fato de o MP, no recurso contra a decisão da juíza-substituta Gabriela Hardt nesse mesmo processo, pedir o aumento da pena  de 12 anos e 11 meses de prisão que foi imposta ao molusco? E como Lula, o desempregado que deu certo, teria acumulado patrimônio suficiente, como sindicalista e político, para justificar um bloqueio dessa magnitude? E o que tudo isso tem a ver com a suspeita de que Moro e os procuradores, no caso do tríplex, considerando que a condenação foi ratificada, por unanimidade, tanto pelo TRF-4 (que, de quebra, aumentou a pena) quanto pelo STJ (que a reduziu para algo próximo do que Moro havia estabelecido em sua decisão)? Vão insultar nossa inteligência na ponte que os partiu!

Na entrevista à Globo NewsGilmar traça um paralelo entre o material que vem sendo vazado pelo Intercept com a gravação da conversa de alcova entre o então presidente Michel Temer e o moedor de carne bilionário dono da JBS, publicada por Lauro Jardim em O Globo em maio de 2017. Data venia, uma coisa nada tem a ver com a outra. 

Naquele caso de Temer, quem gravou a conversa, ainda que à sorrelfa, foi um dos interlocutores. Quando a notícia veio à público, todos sabiam disso. Mesmo assim, foram feitas perícias para atestar a veracidade do conteúdo. Segundo Ricardo Molina, contratado pela defesa do então presidente para periciar os arquivos, mas que atuou mais como advogado do vampiro do Jaburu do que como perito, a gravação era imprestável dada a existência de mais de 70 “pontos de obscuridade” ― e o MPF, “inocente e incompetente”. 

Os peritos ouvidos pelo Jornal Nacional chegaram à conclusão de que toda a gravação estava intacta  ― a exemplo do que a PF atestaria mais adiante ― e Temer só não foi afastado porque as marafonas da Câmara venderam seus votos a peso de ouro, e ele empenhou as cuecas da nação para os comprar. Nem é preciso lembrar que desde o início do ano, quando deixou o Planalto e perdeu a prerrogativa de foro, Temer se tornou alvo de 11 ações criminais na Justiça Federal do Rio de Janeiro, de São Paulo e do DF, chegando a ser preso preventivamente, em duas ocasiões, por determinação do juiz Marcelo Bretas, responsável pelos processos da Lava-Jato no Rio.

Para encurtar a conversa, ideologias e paixões à parte, o bom jornalismo é aquele que recorre a expedientes que facilitam a separação do joio do trigo no noticiário. A prática de ouvir as partes citadas em reportagens logo após os fatos revelados é ao mesmo tempo a oportunidade de dar voz ao outro lado e uma defesa prévia para eventuais ações judiciais que vierem a questionar a correção das notícias divulgadas.

Até agora, o Intercept e seus parceiros não apresentaram nenhum atestado de autenticidade das mensagens que obtiveram (criminosamente, uma vez que fruto de hackeamento digital), o que reduz a cada dia a credibilidade dos diálogos reproduzidos. Essa dúvida só será dirimida se e quando os diálogos vazados forem autenticados por registro de fé pública — e o resultado, qualquer que seja, não afastará a essência criminosa da maneira como os arquivos foram obtidos. Demais disso, somente agentes que atuaram e atuam no combate à corrupção vêm sendo mirados nesses ataques, numa evidente tentativa de desqualificar e desmoralizar a Lava-Jato e outras medidas em curso de combate à corrupção.

Em contrapartida, eventuais vazamentos e delações premiadas no bojo da Lava-Jato nunca privilegiaram políticos ou partidos. Foram denunciadas quase todas as organizações partidárias do espectro político brasileiro, do PT e seus satélites ao PSDB, legenda tida tradicionalmente como opositora ao lulopetismo. Dilma, em sua subida sabedoria, costumava a se referir aos vazamentos como “seletivos”, quando seletiva, mesmo, é a espionagem dirigida exclusivamente a agentes da lei que devassaram, investigaram, processaram, condenaram e até conseguiram repor dinheiro roubado do erário.

O Intercept perdeu a credibilidade — se é que a teve em algum momento — ao fatiar as “informações bombásticas” e disseminá-las a conta-gotas. Nos jornais que têm reproduzido com mais destaque o material divulgado pelo site, o colunista Elio Gaspari referiu-se explicitamente a esse erro de origem cometido pelo militante americano. No último dia 23, ele publicou: O site Intercept Brasil deveria divulgar todo o acervo de grampos que amealhou. A divulgação parcial e seletiva dos grampos, acompanhada por insinuações ameaçadoras de Glenn Greenwald, é um feitiço que pode se virar contra o feiticeiro. Antes da internet era comum que revelações jornalísticas fossem expostas em séries, mas Greenwald vem fazendo bem outra coisa, prometendo isso ou aquilo, às vezes em tom de vaga ameaça. A divulgação de denúncias num regime de conta-gotas foi uma das piores táticas dos procuradores da Lava-Jato”.

Greenwald não se comportou em nenhum momento como repórter, mas, sim, como ativista político. Isso, de per si, não significa que o material que divulgou não tem valor, ou mesmo que o jornalista mente. Mas a maneira como escolheu divulgar esse material, de forma unilateral, sem checagem, autenticação e, sobretudo, sem nenhum cuidado em dar ao lado exposto o direito elementar de expor sua versão dos fatos, torna sua história bastante suspeita. Isso para dizer o mínimo.

Segundo o Estadão, a versão de integrantes da inteligência do governo dá conta de que já se esgotou o arsenal do The Intercept contra Moro, e que os próximos capítulos seriam sobre conversas entre Dallagnol e outros procuradores. Com efeito: no mais recente episódio dessa abominável novela, Greenwald primeiro atribuiu a nova troca de mensagens ao procurador Ângelo Villela, depois disse que seria Ângelo Augusto Costa. A interlocutora, segundo Glenn, era Monique Cheker, a quem o americano atribui lotação na Procuradoria em Osasco — local onde ela nunca trabalhou. Quem tem lotação original em Osasco é justamente Ângelo Villela, retirado da matéria por “erro de edição”. Villela, como é de conhecimento público, foi preso pela Operação Greenfield, do MPF em Brasília, vendendo informações privilegiadas à JBS

Não se trata, portanto, de erro de edição, mas de pura (e atrapalhada) manipulação com nítido objetivo político.

sexta-feira, 28 de junho de 2019

LULA, O RECESSO DO JUDICIÁRIO E OUTRAS CONSIDERAÇÕES


O fato de Sérgio Moro ter aceitado ser ministro de Estado não significa que tenha condenado Lula com o propósito de abandonar 22 anos de magistratura para ocupar uma pasta na Esplanada dos Ministérios sob o comando de Bolsonaro — que em 2017, quando o ex-juiz da Lava-Jato proferiu a sentença nos autos da ação sobre o triplex no Guarujá, era apenas candidato a candidato e tinha tantas chances de vencer o pleito presidencial quando um camelo de passar pelo buraco de uma agulha. Mas o imprevisto sempre pode ter voto decisivo na assembleia dos acontecimentos.

Cristiano Zanin e companhia jamais tiveram argumentos sólidos para defender o indefensável, tanto é que todas as estratégias de que se valeram para absolver Lula e, mais adiante, libertá-lo da prisão fizeram água. Foram mais de 100 recursos e chicanas de todos os tipos, e mesmo assim a culpabilidade chapada do petralha foi atestada por 21 juízes. O autodeclarado preso político (que na verdade não passa de um político preso) está no xadrez há quase 450 dias, e a despeito do que afirma a constelação de criminalistas a seu serviço, jamais se viu na história do direito penal brasileiro outro caso em que o direito de defesa foi tão explorado por um réu quanto no processo sobre o  tríplex no Guarujá.  

“Quis o destino” que a narrativa asinina de perseguição política fosse inflada pela divulgação tendenciosa de supostas conversas comprometedoras mantidas entre Moro, Dallagnol e outros integrantes da Lava-Jato. Esse material vem sendo divulgado a conta-gotas pelo The Intercept Brasil e reverberado ad nauseam por boa parte da mídia, o que é música para os ouvidos da banda podre do Congresso, de membros “garantistas” da alta cúpula do Judiciário e para a defesa do petralha. No fim das contas, o que se tem é uma articulação espúria cujo propósito é inocentar o criminoso, desmoralizar a maior operação anticorrupção da história deste país e criminalizar o juiz e os procuradores federais que colocaram Lula na cadeia.      

O supremo togado Gilmar Mendes, que pediu vista do habeas corpus de Lula em dezembro, quando Edson Fachin e Cármen Lúcia já se haviam se posicionado contra o pedido da defesa, devolveu os autos tão logo os primeiros “diálogos tóxicos” foram vazados pelo Intercept. Na última terça-feira, depois de alegar que não haveria tempo para concluir o julgamento, ele abraçou alegremente a proposta de Zanin e votou pela concessão de uma liminar para soltar Lula e mantê-lo em liberdade até o que o mérito do recurso seja julgado.

Em seu voto, em vez de cingir-se ao motivo formal do habeas corpus — que é o fato de Moro ter aceitado ser ministro de BolsonaroMendes enfatizou a troca de mensagens, afirmando não haver como negar que as matérias “possuem relação com fatos públicos e notórios cujos desdobramentos ainda estão sendo analisados", e que tais revelações "podem influenciar o deslinde das circunstâncias". Disse ainda que a própria PGR estaria em dúvida sobre os diálogos, quando o que Raquel Dodge afirmou em seu parecer foi que o material não teve sua veracidade reconhecida, além de ter sido conseguido de forma ilegal.

O estratagema não funcionou: Edson Fachin, Cármen Lúcia e Celso de Mello votaram contra o pedido de liberdade provisória. O decano argumentou que o juiz pode usar seu "poder geral de cautela toda vez que se cuidar de algo favorável ao acusado", mas que, no caso de Lula, há "três títulos condenatórios emanados contra o paciente”, referindo-se às condenações em primeira, segunda e terceira instâncias do Judiciário tupiniquim. Mesmo sendo partidário do início do cumprimento da pena após confirmação da sentença condenatória por um juízo colegiado, Mello salientou que, no caso sub judice, já se cumpriu o requisito que deve ser definido mais adiante pelo plenário da Corte — da prisão após condenação em terceira instância, baseado na proposta de Dias Toffoli, que possivelmente prevalecerá, pois é pouco provável que o Supremo retroceda ao entendimento de que a prisão deve se dar somente após o trânsito em julgado da condenação (que no Brasil, como se sabe, é no dia de São Nunca). 

Enfim, Mendes e Lewandowski compraram a tese de suspeição de Moro, influenciados claramente pelos diálogos vazados de maneira espúria, conquanto afirmem ter votado apenas com base nos autos, mas foram vencidos e a decisão final, jogada para as calendas de agosto.

Observação: Vale relembrar que a prisão após a condenação em primeira instância era regra no Brasil até 1973, quando a Lei Fleury  criada sob medida para beneficiar o delegado do DOPS e notório torturador homônimo  passou a garantir a réus primários e com bons antecedentes o direito de responder ao processo em liberdade até o julgamento em segunda instância. Em 2009, durante o julgamento do Mensalão, o Supremo entendeu que a ausência de eficácia suspensiva dos recursos extraordinário e especial não seria obstáculo para que o condenado recorresse em liberdade, e assim a prisão antes do trânsito em julgado somente poderia ser decretada a título cautelar. Em 2016, porém, a Corte voltou a entender que a execução provisória da pena após a confirmação da sentença em segundo grau não ofende o princípio constitucional da presunção de inocência, até porque a manutenção da sentença penal pela segunda instância encerra a análise de fatos e provas que assentaram a culpa do condenado, o que autoriza o início da execução da pena (para mais detalhes, clique aqui).

Ao ESTADÃO, Mendes disse: “Acho que se estimulou muito esse jogo de espertezas institucionais, nessa busca de atalhos em nome supostamente de um combate à criminalidade, da correção de rumos. A própria ideia de força-tarefa já é uma ideia distorcida — por que não operar com as próprias pessoas que lá estão? Acho que vamos ter uma grande evolução e um grande aprendizado a partir desses episódios. Todos nós vamos ficar mais preparados e a própria legislação que virá em decorrência desses fatos todos será muito mais realista e talvez mais precisa, evitando essa discricionalidade abusiva (…). Temos um encontro marcado com as prisões alongadas de Curitiba, com vários desses modelos. Até hoje temos muitas discussões em torno dos acordos e tal, direito das pessoas de eventualmente se defenderem, tudo isso agora precisará ser devidamente disciplinado e regulado.”

De acordo com José Nêumanne, o cinismo de Gilmar Mendes (em seu Blog, o sempre inspirado jornalista paraibano grafa Gilmal Mendes) chegou aos píncaros, na sessão de terça-feira, quando ele fez menção a um possível desvio ético de Sérgio Moro com base nas revelações do mais novo arauto das teses de defesa do petralha. Ao forçar a chicana proposta Zanin, apelando para a idade avançada e os mais de 400 dias na cela VIP em Curitiba, o ex-advogado geral da União de FHC permitiu ao decano, que também defende o fim da prisão em segunda instância, encontrar um meio de não se responsabilizar pela possível convulsão social que possivelmente resultaria da libertação do corrupto mais notório deste país.

São atitudes assim que engrossam a já caudalosa enxurrada de razões pelas quais o Judiciário deixou de merecer o respeito e a confiança da sociedade brasileira. E como se o que foi dito até aqui não bastasse, o Supremo comprovou mais uma vez sua mediocridade ao decidir nada decidir, ou melhor, ao decidir pela metade: a 2ª Turma manteve Lula preso, mas abriu uma janela de oportunidade para que se venha a soltá-lo após o recesso. 

Com a lorota de que o paciente teria julgamento justo e, para tanto, deveria esperar o veredito solto, Gilmar, o inigualável, tronou-se mero auxiliar da defesa, e agora trabalha com a possibilidade de o decano — que repeliu a liminar e manteve Lula preso —, ao deixar claro que não estava antecipando seu voto quanto ao mérito, antecipou que pode votar diferente no julgamento final, o que configuraria suspeição se fossem seguidos à risca o estatuto do STF, a Lei Orgânica da Magistratura a própria Constituição.

Durante os quase 15 meses em que é hóspede da Superintendência da PF em Curitiba, Lula recorreu um sem-número de vezes contra a sentença que o tornou um presidiário. Com o Judiciário aberto, relembra Josias de Souza, o petista perdeu em julgamentos coletivos — ora por unanimidade, ora por maioria de votos. Se recorrer nas férias, a decisão colegiada será substituída pela de um plantonista, e Dias Toffoli não é um plantonista qualquer: antes de vestir toga, ele foi assessor da liderança do PT na Câmara, advogado eleitoral de Lula, auxiliar jurídico de José Dirceu na Casa Civil e advogado-geral da União no governo do agora presidiário petista (clique aqui e aqui para mais detalhes). 

A despeito desse histórico, Toffoli não hesitou há um ano em liderar, na 2ª Turma, a votação que abriu a cela de um José Dirceu já condenado em segunda instância a mais de 30 anos de cadeia. Melhor seria que os advogados de Lula não recorressem nas férias. Se recorrerem, Toffoli talvez devesse indeferir rapidamente o pedido. Deferindo, seria aconselhável que trocasse o terno por uma armadura. Se dissesse que concedeu uma liminar a Lula guiando-se apenas por sua consciência de juiz, cutucaria a opinião pública com o pé e passaria o resto da vida fugindo das mordidas. Coisa que o bom senso recomenda evitar.

sexta-feira, 21 de junho de 2019

OS RATOS PONDO A CULPA NO QUEIJO — DURANTE QUASE NOVE HORAS UM GRUPO DE PARLAMENTARES COMPOSTO EM GRANDE PARTE POR VERDADEIROS ESPECIALISTAS NA ARTE DA CORRUPÇÃO EXIGEM QUE O EX-JUIZ SÉRGIO MORO DEFENDA SUA LISURA



A inquisição a que o Sérgio Moro foi submetido na última quarta-feira, na CCJ do Senado, deve se repetir na Câmara na próxima semana. Como era esperado, desafetos do ministro vêm se aproveitando da situação — no STF, no Congresso e até mesmo no interior do governo — para instigá-lo politicamente e, ao mesmo tempo, pugnar por providências no âmbito dessas instituições. Criminalistas que defendem os denunciados pelo MPF de Curitiba e apenados pelo então juiz da 13ª Vara Federal do Paraná exploram os diálogos para tentar anular condenações e processos pendentes, parecendo não se lembrar, muito convenientemente, de que o material divulgado pelo site esquerdista The Intercept foi obtido de forma criminosa e vem sendo divulgado a conta-gotas de maneira tendenciosa.

Imagina-se — porque ainda não há provas concretas — que o PT, a esquerda e até parlamentares investigados, denunciados e réus na Lava-Jato estejam por traz desse “escândalo” sensacionalista. Por uma série de motivos que já detalhei em outras postagens, esse material, pela forma como foi obtido e publicado, deveria ter como destino a lata do lixo, mas continua repercutindo, dando ânimo à oposição e robustecendo a narrativa que trata Lula como preso político e usa os “inocentes úteis” como massa de manobra para promover manifestações de rua convocadas, supostamente, em defesa da Educação, contra a reforma da Previdência ou por uma greve geral.

A comprovação pelas investigações da PF de que a captação ilegal dos diálogos é apenas parte de uma ação coordenada contra a Lava-Jato, atingindo membros do Judiciário em diversos graus, deu nova conotação política ao episódio. Silvio Meira, um dos maiores especialistas em tecnologia da informação e professor emérito da Universidade Federal de Pernambuco, diz que “ninguém fez isso sozinho, não aconteceu por acaso, tem um desenho por trás. Havia gente que estava explicitamente dedicada, gastando imaginação, competência técnica, tempo e dinheiro para chegar a essa informação”. Ensina o especialista que o Telegram, que passou a ser muito usado no Brasil depois que o WhatsApp ficou fora do ar por questões judiciais, pode ser seguro quando as mensagens são criptografadas, mas para isso é preciso que o usuário habilite a encriptação no seu terminal, ou elas seguem abertas e podem ser lidas por pessoas não autorizadas. 

Abel Gomes, desembargador do TRF-2 que julga os processos da Lava-Jato no Rio, colocou o dedo na ferida: “Por que os hackers têm mirado apenas autoridades que deram decisões desfavoráveis aos investigados da Lava-Jato?” Também a juíza substituta Gabriela Hardt, que respondeu pela 13ª Vara Federal do Paraná no período entre a exoneração de Moro e a nomeação do juiz federal Luiz Antonio Bonat, foi hackeada e denunciou que essa manobra ilegal contra membros do Judiciário é um atentado à segurança do Estado brasileiro.

A origem do aplicativo também é um mistério. Telegram é o nome da empresa russa criada pelos irmãos Durov — que também criaram o Facebook russo VKontakte. Numa operação um tanto misteriosa, essa empresa foi vendida a outro grupo digital russo, após o que os irmãos deixaram o país e foram para Berlim, de onde também saíram reclamando que as autoridades alemãs não deram visto de trabalho para o seu time — time que hoje ninguém sabe exatamente onde está (a empresa é tocada a partir de Dubai, os demais funcionários estariam espalhados pelo mundo e o paradeiro da infraestrutura da companhia é incerto e não sabido).

Ainda na avaliação de Meira, essa crise chama a atenção para um problema brasileiro, qual seja o fato de que as autoridades não disporem de um sistema de troca de mensagens ou telefone protegido contra ataques de cibercriminosos. O uso do Twitter é um hábito que Bolsonaro copiou de seu ídolo, Donald Trump, mas o presidente norte-americano só usa o Twitter oficial quando trata de assuntos do governo — até porque o uso de meios particulares já deu muita dor de cabeça a Hillary Clinton, que, quando secretária de Estado na gestão de Obama, usava seu endereço eletrônico privado mesmo para assuntos governamentais, quando deveria usar o email oficial (@state.gov). Mas os EUA são os EUA e o Brasil é o Brasil. Nesta republiqueta de bananas, o ataque em massa a diversos membros do MPF e do Judiciário, notadamente no Paraná e no Rio, sugere uma monumental conspiração com o objetivo de acabar com a Lava-Jato — operação que, nas palavras do ministro Edson Fachiné uma realidade que mudou a estrutura do combate à corrupção no Brasil.

No Jovem Pan Morning Show desta quinta-feira, Caio Coppola ponderou que um Congresso com 3% de aprovação popular, infestado de ratos, vermes e parasitas, não tem moral para atacar a conduta de Sérgio Moro. O que se tem, segundo ele, é um homem honesto se explicando por crimes que não cometeu perante um conjunto de especialistas na arte da corrupção. Caio sugere que Moro se dirija aos parlamentares — que, gostemos ou não, foram eleitos e, portanto, representam os idiotas que votaram neles — pelos nomes de código que os identificavam nas planilhas de propina do Setor de Operações Estruturadas da Odebrecht, e lembra que, nos cinco minutos que teve para questionar o ministro durante a sessão na CCJ, o senador Oriovisto Guimarães, do Podemos, estabeleceu uma comparação entre ética e legalidade.

O pensamento ético, segundo o parlamentar, avalia as ações humanas na perspectiva de “bem” e “mal”; no pensamento legal, a clivagem é entre dentro e fora da lei. Para ele, o pensamento ético é permeado por questionamentos e não é composto por certezas absolutas, que são mais filhas da fé do que da razão. Em sua análise, a ética está “um degrau acima da lei” e, para ilustrar essa tese, cita a possibilidade de existirem “canalhas legalistas” e o exemplo da escravidão, que era imoral, embora fosse legal. Disse ainda o senador que o país claramente se divide em dois momentos — antes e depois da Lava-Jato —, e que, além da atuação de juízes, policiais e procuradores, a operação também é fruto da incapacidade do brasileiro em continuar vivendo sob um regime patrimonialista, onde há cumplicidade entre empresários e políticos corruptos. Por fim, ele citou o jurista Luis Alberto Warat, que separa neutralidade de imparcialidade e diz ser impossível haver neutralidade por parte dos julgadores, e pediu a Moro que respondesse se seus atos seguiram a imparcialidade exigida constitucionalmente.

O ministro ponderou que as partes envolvidas no processo legal são seres humanos que carregam em si valores e princípios “que vão sempre de alguma maneira influenciar na tomada de atos e decisões no curso do processo”. Sobre a imparcialidade — ou seja, a capacidade do magistrado de proferir decisões segundo as leis e provas, independente de que sejam as partes —, Moro reafirmou que isso foi mantido na operação Lava-Jato desde o início. Em sua réplica, o senador disse estar “plenamente convencido da imparcialidade de Sergio Moro”. Para não prolongar demais esta postagem, veja detalhes no vídeo a seguir:


Até semanas atrás, o Telegram era pouco conhecido no Brasil, mas ganhou notoriedade devido a esse furdunço todo. O Intercept, que divulgou as supostas trocas de mensagens envolvendo o ministro, afirma que obteve os diálogos de uma fonte anônima antes de possíveis invasões ilegais. De novo, para não encompridar ainda mais este texto, vou deixar para abordar as diferenças entre o Telegram e o Facebook numa próxima oportunidade.