terça-feira, 2 de julho de 2019

O CORINGA QUER SER SOLTO PORQUE O BATMAN CONVERSOU COM O COMISSÁRIO GORDON



A novela continua: Hoje, na segundo capítulo da Santa Inquisição, o ministro Sérgio Moro deve ir à CCJ da Câmara para ser inquirido pelos deputados sobre as revelações espúrias feitas pelo site esquerdista The Intercept. Prevê-se um ambiente ainda mais hostil do que da primeira vez, quando o ex-juiz da Lava-Jato foi interpelado por quase 9 horas na CCJ do Senado. Na Câmara, a oposição ao governo Bolsonaro é maior e mais atuante, mas Moro chega respaldado pelas manifestações de rua em seu apoio, ocorridas, no último domingo, em dezenas de cidades brasileiras. 

Ficou também para esta terça-feira a apresentação final do relatório do deputado Samuel Moreira na comissão especial que analisa a reforma da Previdência. Ainda há pendências importantes, como a inclusão ou não de estados e municípios no projeto. A leitura do parecer final estava prevista para a semana passada, mas não ocorreu porque Rodrigo Maia buscava costurar um acordo com os governadores.

No apagar das luzes do primeiro semestre, atos em defesa do ex-juiz Sérgio Moro eclodiram nos 26 estados e no DF, com maior repercussão em capitais como Rio, Sampa, BH, Recife e Salvador. Houve manifestações também em apoio à Lava-Jato, à reforma previdenciária e às medidas anticrime e anticorrupção, além de repúdio a determinados políticos e membros do STF. Estima-se que a adesão tenha sido menor do que no dia 26 de maio, mas é bom lembrar que esta foi a segunda vez, em menos de 2 meses, que o povo saiu às ruas para “protestar a favor do governo”, o que é algo inusitado — pelo menos para mim, que nunca havia visto, em seis décadas de existência, protestos a favor de alguma coisa.

Não se tem uma ideia precisa do número de manifestantes e de municípios participantes, já que as PMs estaduais deixaram de fazer essa contagem e divulgar os resultados. É claro que os inimigos da Lava-Jato — parlamentares suspeitos, acusados, processados e condenados pela operação — desdenharam os protestos, mas isso era esperado e não quer dizer muita coisa. O fato é que os atos de domingo mostraram que as tentativas — da esquerda em geral e do PT em particular — de desestabilizar o ministro da Justiça têm produzido o efeito inverso, pois abre a porta da política, através da qual Moro poderá se tornar um competidor de peso.

Em sua participação no Jornal da Gazeta da noite de ontem, José Nêumanne sugeriu ao Congresso, que se jacta de representar a cidadania, e ao STF, que considera como principal missão corrigir decisões de juízes de instâncias inferiores e fazer ouvidos de mercador à pressão popular, convocarem  o povo a defender suas prerrogativas institucionais nas mesmas ruas onde os atos de 26 de maio e 30 de junho os recriminaram. Se políticos e magistrados não gostaram de ser execrados nas passeatas em defesa de Moro e da Lava-Jato, por que Alcolumbre, Maia e Toffoli não convocam o povo que os dois primeiros dizem representar e o terceiro prefere não ouvir para desagravá-los em atos mais concorridos do que os que consideram pífios? Se o fizerem, a PM nem precisará fazer a contagem, pois é provável que o número de policiais seja maior que o de manifestantes.Dito isso, segue o baile. 

Num país onde os ratos culpam o queijo, pode parecer natural o Coringa querer ser solto porque o Batman conversou com o Comissário Gordon. Mas não tem nada de natural na maneira como boa parte da imprensa, do Congresso e do Judiciário reage aos vazamentos do Intercept Brasil. A menos que seja natural defender a corrupção, prender o xerife e soltar os bandidos.

Os novos trechos divulgados pelo site neste final de semana envolvem críticas que procuradores do MPF supostamente fizeram ao então juiz federal Sérgio Moro. Essa “bomba” produziu orgasmos múltiplos na mais petista das jornalistas da Folha e levou ao delírio a patuleia em geral, os petistas em particular e uma porção de debiloides fanáticos, para quem o fato de a procuradora Monique Cheker não reconhecer a autenticidade dos diálogos não passa de mero detalhe.

Ao Antagonista, Monique afirmou que jamais havia ouvido falar de Sérgio Moro ou tido qualquer contato com alguém do MPF/PR na época em que as supostas conversas teriam ocorrido, e que não reconhece os registros remetidos pelo Intercept, que possuem dados errados e alterações de conteúdo. Pelo Twitter, o ministro da Justiça disse que, se verdadeiras, as mensagens não passariam de "supostas fofocas de procuradores, a maioria de fora da Lava-Jato”, e salientou mais uma vez a possibilidade de os diálogos terem sido adulterados: "o que se tem é um balão vazio, cheio de nada".

Não é o que pensa muita gente, a começar pelo semideus togado mato-grossense — brilhantemente definido pelo também ministro supremo Luís Roberto Barroso como “uma pessoa horrível, uma mistura do mal com o atraso e pitadas de psicopatia“, e pelo jornalista J.R Guzzo como “uma fotografia ambulante do subdesenvolvimento brasileiro, mais um na multidão de altas autoridades que constroem todos os dias o fracasso do país”. Na última terça-feira, de seu trono no alto da versão tupiniquim do Monte Olimpo, o obelisco do saber jurídico roubou o papel da defesa de Lula ao sugerir a soltura do petralha e sua permanência em liberdade até o julgamento do mérito do HC baseado na suspeição do juiz de primeira instância responsável pela condenação. 

Na subida opinião do excelso ministro, o então juiz federal Sérgio Moro cometeu falhas funcionais gravíssimas, que podem anular todas as atos processuais na ação sobre o tríplex no Guarujá. Se você tem estômago forte, não deixe de assistir à entrevista que Mendes deu à Globo News um dia depois de a 2ª Turma do STF decidir nada decidir, mas ainda assim rejeitar a concessão da liminar sugerida pelo ministro numa manobra indecente, mas não inédita, dada a semelhança com o salvo-conduto dado pelo plenário da Corte ao próprio Lula em março de 2018, depois de desistir de prosseguir com o julgamento e, atendendo a um pedido verbal da defesa, conceder uma estapafúrdia liminar que impedia a prisão do petista até que o mérito do recurso fosse julgado — o que veio a acontecer somente após os feriados da Semana Santa.


Vamos combinar que essa caça às bruxas já está virando palhaçada (detalhes no post anterior). Afinal, o que teria a ver a suposta “parcialidade” de Sérgio Moro com o bloqueio de R$ 78 milhões de Lula, determinado recentemente pelo juiz Luís Antonio Bonat nos autos do processo que trata do terreno que a Odebrecht se propôs a doar para servir de sede ao Instituto Lula? E com o fato de o MP, no recurso contra a decisão da juíza-substituta Gabriela Hardt nesse mesmo processo, pedir o aumento da pena  de 12 anos e 11 meses de prisão que foi imposta ao molusco? E como Lula, o desempregado que deu certo, teria acumulado patrimônio suficiente, como sindicalista e político, para justificar um bloqueio dessa magnitude? E o que tudo isso tem a ver com a suspeita de que Moro e os procuradores, no caso do tríplex, considerando que a condenação foi ratificada, por unanimidade, tanto pelo TRF-4 (que, de quebra, aumentou a pena) quanto pelo STJ (que a reduziu para algo próximo do que Moro havia estabelecido em sua decisão)? Vão insultar nossa inteligência na ponte que os partiu!

Na entrevista à Globo NewsGilmar traça um paralelo entre o material que vem sendo vazado pelo Intercept com a gravação da conversa de alcova entre o então presidente Michel Temer e o moedor de carne bilionário dono da JBS, publicada por Lauro Jardim em O Globo em maio de 2017. Data venia, uma coisa nada tem a ver com a outra. 

Naquele caso de Temer, quem gravou a conversa, ainda que à sorrelfa, foi um dos interlocutores. Quando a notícia veio à público, todos sabiam disso. Mesmo assim, foram feitas perícias para atestar a veracidade do conteúdo. Segundo Ricardo Molina, contratado pela defesa do então presidente para periciar os arquivos, mas que atuou mais como advogado do vampiro do Jaburu do que como perito, a gravação era imprestável dada a existência de mais de 70 “pontos de obscuridade” ― e o MPF, “inocente e incompetente”. 

Os peritos ouvidos pelo Jornal Nacional chegaram à conclusão de que toda a gravação estava intacta  ― a exemplo do que a PF atestaria mais adiante ― e Temer só não foi afastado porque as marafonas da Câmara venderam seus votos a peso de ouro, e ele empenhou as cuecas da nação para os comprar. Nem é preciso lembrar que desde o início do ano, quando deixou o Planalto e perdeu a prerrogativa de foro, Temer se tornou alvo de 11 ações criminais na Justiça Federal do Rio de Janeiro, de São Paulo e do DF, chegando a ser preso preventivamente, em duas ocasiões, por determinação do juiz Marcelo Bretas, responsável pelos processos da Lava-Jato no Rio.

Para encurtar a conversa, ideologias e paixões à parte, o bom jornalismo é aquele que recorre a expedientes que facilitam a separação do joio do trigo no noticiário. A prática de ouvir as partes citadas em reportagens logo após os fatos revelados é ao mesmo tempo a oportunidade de dar voz ao outro lado e uma defesa prévia para eventuais ações judiciais que vierem a questionar a correção das notícias divulgadas.

Até agora, o Intercept e seus parceiros não apresentaram nenhum atestado de autenticidade das mensagens que obtiveram (criminosamente, uma vez que fruto de hackeamento digital), o que reduz a cada dia a credibilidade dos diálogos reproduzidos. Essa dúvida só será dirimida se e quando os diálogos vazados forem autenticados por registro de fé pública — e o resultado, qualquer que seja, não afastará a essência criminosa da maneira como os arquivos foram obtidos. Demais disso, somente agentes que atuaram e atuam no combate à corrupção vêm sendo mirados nesses ataques, numa evidente tentativa de desqualificar e desmoralizar a Lava-Jato e outras medidas em curso de combate à corrupção.

Em contrapartida, eventuais vazamentos e delações premiadas no bojo da Lava-Jato nunca privilegiaram políticos ou partidos. Foram denunciadas quase todas as organizações partidárias do espectro político brasileiro, do PT e seus satélites ao PSDB, legenda tida tradicionalmente como opositora ao lulopetismo. Dilma, em sua subida sabedoria, costumava a se referir aos vazamentos como “seletivos”, quando seletiva, mesmo, é a espionagem dirigida exclusivamente a agentes da lei que devassaram, investigaram, processaram, condenaram e até conseguiram repor dinheiro roubado do erário.

O Intercept perdeu a credibilidade — se é que a teve em algum momento — ao fatiar as “informações bombásticas” e disseminá-las a conta-gotas. Nos jornais que têm reproduzido com mais destaque o material divulgado pelo site, o colunista Elio Gaspari referiu-se explicitamente a esse erro de origem cometido pelo militante americano. No último dia 23, ele publicou: O site Intercept Brasil deveria divulgar todo o acervo de grampos que amealhou. A divulgação parcial e seletiva dos grampos, acompanhada por insinuações ameaçadoras de Glenn Greenwald, é um feitiço que pode se virar contra o feiticeiro. Antes da internet era comum que revelações jornalísticas fossem expostas em séries, mas Greenwald vem fazendo bem outra coisa, prometendo isso ou aquilo, às vezes em tom de vaga ameaça. A divulgação de denúncias num regime de conta-gotas foi uma das piores táticas dos procuradores da Lava-Jato”.

Greenwald não se comportou em nenhum momento como repórter, mas, sim, como ativista político. Isso, de per si, não significa que o material que divulgou não tem valor, ou mesmo que o jornalista mente. Mas a maneira como escolheu divulgar esse material, de forma unilateral, sem checagem, autenticação e, sobretudo, sem nenhum cuidado em dar ao lado exposto o direito elementar de expor sua versão dos fatos, torna sua história bastante suspeita. Isso para dizer o mínimo.

Segundo o Estadão, a versão de integrantes da inteligência do governo dá conta de que já se esgotou o arsenal do The Intercept contra Moro, e que os próximos capítulos seriam sobre conversas entre Dallagnol e outros procuradores. Com efeito: no mais recente episódio dessa abominável novela, Greenwald primeiro atribuiu a nova troca de mensagens ao procurador Ângelo Villela, depois disse que seria Ângelo Augusto Costa. A interlocutora, segundo Glenn, era Monique Cheker, a quem o americano atribui lotação na Procuradoria em Osasco — local onde ela nunca trabalhou. Quem tem lotação original em Osasco é justamente Ângelo Villela, retirado da matéria por “erro de edição”. Villela, como é de conhecimento público, foi preso pela Operação Greenfield, do MPF em Brasília, vendendo informações privilegiadas à JBS

Não se trata, portanto, de erro de edição, mas de pura (e atrapalhada) manipulação com nítido objetivo político.