A inquisição a que o Sérgio Moro foi submetido na última
quarta-feira, na CCJ do Senado, deve
se repetir na Câmara na próxima semana. Como era esperado, desafetos do ministro vêm se aproveitando da situação
— no STF, no Congresso e até mesmo
no interior do governo — para instigá-lo politicamente e, ao mesmo tempo,
pugnar por providências no âmbito dessas instituições. Criminalistas que
defendem os denunciados pelo MPF de
Curitiba e apenados pelo então juiz da 13ª Vara Federal do Paraná exploram os
diálogos para tentar anular condenações e processos pendentes, parecendo não se lembrar, muito convenientemente, de que o
material divulgado pelo site esquerdista The Intercept foi obtido de forma
criminosa e vem sendo divulgado a conta-gotas de maneira tendenciosa.
Imagina-se — porque ainda não há provas concretas — que o PT, a esquerda e até parlamentares
investigados, denunciados e réus na Lava-Jato
estejam por traz desse “escândalo” sensacionalista. Por uma série de motivos que já detalhei em outras postagens,
esse material, pela forma como foi obtido e publicado, deveria ter como destino
a lata do lixo, mas continua repercutindo, dando ânimo à oposição e robustecendo a narrativa que trata Lula como preso político e usa os “inocentes
úteis” como massa de manobra para promover manifestações de rua convocadas,
supostamente, em defesa da Educação, contra a reforma da Previdência ou por uma
greve geral.
A comprovação pelas investigações da PF de que a captação ilegal dos diálogos é apenas parte de uma ação
coordenada contra a Lava-Jato,
atingindo membros do Judiciário em diversos graus, deu nova conotação
política ao episódio. Silvio Meira,
um dos maiores especialistas em tecnologia da informação e professor emérito da
Universidade Federal de Pernambuco, diz que “ninguém fez isso sozinho, não aconteceu por acaso, tem um desenho por
trás. Havia gente que estava explicitamente dedicada, gastando imaginação,
competência técnica, tempo e dinheiro para chegar a essa informação”. Ensina o especialista que o Telegram, que passou a ser muito usado no Brasil depois que o WhatsApp ficou fora do ar por questões judiciais, pode ser seguro quando as mensagens são criptografadas, mas para isso é preciso que o usuário habilite a encriptação no seu terminal, ou elas seguem abertas e podem ser lidas por pessoas não autorizadas.
Abel Gomes, desembargador do TRF-2 que julga os processos da Lava-Jato no Rio, colocou o dedo na
ferida: “Por que os hackers têm mirado
apenas autoridades que deram decisões desfavoráveis aos investigados da Lava-Jato?” Também a juíza substituta Gabriela Hardt, que respondeu pela
13ª Vara Federal do Paraná no período entre a exoneração de Moro e a nomeação do juiz federal Luiz Antonio Bonat, foi hackeada e
denunciou que essa manobra ilegal contra membros do Judiciário é um atentado à
segurança do Estado brasileiro.
A origem do aplicativo também é um mistério. Telegram
é o nome da empresa russa criada pelos irmãos Durov — que também criaram o Facebook russo VKontakte. Numa operação um
tanto misteriosa, essa empresa foi vendida a outro grupo digital russo, após o que os
irmãos deixaram o país e foram para Berlim, de onde também saíram reclamando
que as autoridades alemãs não deram visto de trabalho para o seu time — time que
hoje ninguém sabe exatamente onde está (a empresa é tocada a partir de Dubai, os demais funcionários estariam
espalhados pelo mundo e o paradeiro da infraestrutura da companhia é incerto e
não sabido).
Ainda na avaliação de Meira,
essa crise chama a atenção para um problema brasileiro, qual seja o fato de que
as autoridades não disporem de um sistema de troca de mensagens ou telefone
protegido contra ataques de cibercriminosos. O uso do Twitter é um hábito que Bolsonaro
copiou de seu ídolo, Donald Trump, mas
o presidente norte-americano só usa o Twitter
oficial quando trata de assuntos do governo — até porque o uso de meios
particulares já deu muita dor de cabeça a Hillary
Clinton, que, quando secretária de Estado na gestão de Obama, usava seu endereço eletrônico privado mesmo para assuntos governamentais,
quando deveria usar o email oficial (@state.gov). Mas os EUA são os EUA e o Brasil é o Brasil. Nesta
republiqueta de bananas, o ataque em massa a diversos membros do MPF e do
Judiciário, notadamente no Paraná e no Rio, sugere uma monumental
conspiração com o objetivo de acabar com a Lava-Jato — operação que, nas palavras do ministro Edson Fachin, é uma realidade que mudou a
estrutura do combate à corrupção no Brasil.
No Jovem Pan Morning
Show desta quinta-feira, Caio Coppola ponderou que um Congresso com 3% de aprovação popular, infestado de
ratos, vermes e parasitas, não tem moral para atacar a conduta de Sérgio Moro. O que se tem, segundo ele,
é um homem honesto se explicando por crimes que não cometeu perante um conjunto
de especialistas na arte da corrupção. Caio sugere que Moro se dirija aos parlamentares — que, gostemos ou não,
foram eleitos e, portanto, representam os idiotas que votaram neles — pelos
nomes de código que os identificavam nas planilhas de propina do Setor de Operações Estruturadas da
Odebrecht, e lembra que, nos cinco minutos que teve para questionar o
ministro durante a sessão na CCJ, o senador Oriovisto Guimarães, do Podemos,
estabeleceu uma comparação entre ética e legalidade.
O pensamento ético, segundo o parlamentar, avalia as ações
humanas na perspectiva de “bem” e “mal”; no pensamento legal, a clivagem é
entre dentro e fora da lei. Para ele, o pensamento ético é permeado por
questionamentos e não é composto por certezas absolutas, que são mais filhas da
fé do que da razão. Em sua análise, a ética está “um degrau acima da lei” e, para ilustrar essa tese, cita a possibilidade de existirem “canalhas
legalistas” e o exemplo da escravidão, que era imoral, embora fosse legal. Disse ainda o senador que o país claramente se divide em dois momentos — antes e depois da Lava-Jato —, e que, além da atuação de
juízes, policiais e procuradores, a operação também é fruto da incapacidade do
brasileiro em continuar vivendo sob um regime patrimonialista, onde há
cumplicidade entre empresários e políticos corruptos. Por fim, ele citou o
jurista Luis Alberto Warat, que
separa neutralidade de imparcialidade e diz ser impossível haver neutralidade
por parte dos julgadores, e pediu a Moro
que respondesse se seus atos seguiram a
imparcialidade exigida constitucionalmente.
O ministro ponderou que as partes envolvidas no processo
legal são seres humanos que carregam em si valores e princípios “que vão sempre de alguma maneira influenciar
na tomada de atos e decisões no curso do processo”. Sobre a imparcialidade —
ou seja, a capacidade do magistrado de proferir decisões segundo as leis e
provas, independente de que sejam as partes —, Moro reafirmou que isso foi mantido na operação Lava-Jato desde o início. Em sua
réplica, o senador disse estar “plenamente convencido da imparcialidade de Sergio Moro”. Para não prolongar demais
esta postagem, veja detalhes no vídeo a seguir:
Até semanas atrás, o Telegram
era pouco conhecido no Brasil, mas ganhou notoriedade devido a esse furdunço
todo. O Intercept, que divulgou as supostas trocas de mensagens envolvendo o ministro, afirma que obteve os
diálogos de uma fonte anônima antes de possíveis invasões ilegais. De novo,
para não encompridar ainda mais este texto, vou deixar para abordar as
diferenças entre o Telegram e o Facebook numa próxima oportunidade.