Antes de qualquer outra coisa, cumpre esclarecer que a charge
que ilustra esta postagem nada tem a ver com o texto, mas eu simplesmente não
resisti. Dito isso, vamos em frente.
Um amigo meu diz que está com a “síndrome do macaco” (vide imagem autoexplicativa no final desta
postagem). Vai ver esse troço é contagioso, pois também pra mim está
ficando cada vez mais difícil aturar as baixarias dessa campanha eleitoral, assistir
aos debates e não perder a paciência diante da avalanche de fake news espalhadas pelos adeptos de
ambos os postulantes e replicadas pelos sem-noção de plantão. Mas mais difícil
ainda é escrever sobre política num momento como esse. E não por falta de
assunto.
Torno a insistir que não concordo com tudo que Bolsonaro diz, mas sou totalmente
avesso à volta do PT ao poder, sobretudo
quando isso significaria ter no Planalto um fantoche que não é capaz de dar um arroto sem pedir autorização a um criminoso condenado e encarcerado
por ter rapinado o Erário a pretexto de levar adiante seu espúrio projeto de
poder. Em suma, é exatamente isso que uma eventual vitória de Haddad representaria, digam o que disserem
os 30% do eleitorado que apoiam esse total desatino. Mas não adianta chorar sobre o leite derramado. A
dicotomia começou por culpa vocês sabem de quem, com aquela história do nós
contra eles, cresceu em progressão geométrica e contaminou inexoravelmente a
sociedade como um todo e todas as esferas do poder — haja vista a cizânia que
se instalou entre os membros da nossa mais alta Corte de Justiça. Daí não ter
sido exatamente surpreendente o resultado do primeiro turno das eleições presidenciais,
no qual candidatos “mais de centro” e muito mais preparados foram preteridos pelo eleitorado. Agora é tarde, Inês é morta, e o que temos de
aturar até o dia 28 é a campanha do “votem
em mim não por mim mesmo, mas contra meu adversário”.
Ao PT, mergulhado
até os beiços em esquemas de corrupção, resta apontar os defeitos
do deputado-capitão, já que as próprias qualidades do partido caíram em
descrédito — aliás, guardadas as devidas proporções, em idêntica situação se
viram os advogados do ex-presidente petralha, que, sem elementos para
refutar as acusações, passaram a atacar o Judiciário, mas isso é outra
conversa. Sem demonstrar qualquer arrependimento de seus atos espúrios
— e olha que não foram poucos —, os petistas ficaram sem o suporte de um aliado
certo — o PDT de Ciro Gomes — e não conseguiram o
esperado apoio de Fernando Henrique
(aliás, só mesmo se o grão-tucano tivesse sangue de barata, depois de 15 anos sendo duramente
criticado e responsabilizado por uma falaciosa “herança maldita”
que jamais existiu fora do imaginário dar corja vermelha).
No outro canto do ringue, Bolsonaro, com uma imodéstia, digamos, desbragada, diz que já
está “com
uma mão na faixa”. Convém não contar com o ovo na cloaca da galinha nem
cantar vitória antes da hora, mas o fato é que, a julgar pelas pesquisas e,
principalmente, pelo resultado do primeiro turno (e aí não há que se falar em
margem de erro, embora estejamos no Brasil, e no Brasil nem o passado é previsível),
tudo indica que o prato da balança penderá para o lado do Capitão Caverna.
Observação: Para qualquer náufrago, jacaré é tronco: enquanto o
fantoche do presidiário de Curitiba fez o diabo para disseminar nas redes
sociais as imagens de um
menino apontando e atirando contra o pai — como forma de pregar o direito
à vida e exaltar o risco da morte se a política do adversário for para valer —, Bolsonaro não precisou fazer o menor
esforço para impulsionar o vídeo em que Cid
Gomes chama a atenção para “os babacas” do PT (se você ainda não viu, clique aqui
para acessar o post onde eu o incluí; são pouco mais de 4 minutos, mas que
valem cada segundo).
Para encerrar esta postagem (afinal, a “síndrome do macaco”
é inclemente), transcrevo mais um texto magistral do jornalista J.R. Guzzo, cuja leitura recomendo
enfaticamente:
As últimas pesquisas
de “intenção de votos” que estão circulando na praça dizem, em números
redondos, que Jair Bolsonaro está
com cerca de 60% das preferências do eleitorado, contra 40% de Fernando
Haddad. Mas esperem um momento: deve
haver alguma coisa errada aí. Até às vésperas da votação do primeiro turno,
todas as pesquisas (e a mídia insistia muito nesse ponto: todas
as pesquisas) garantiam que Bolsonaro
perderia de qualquer dos outros candidatos no segundo turno. Repetindo: de qualquer candidato.
Nove em cada dez análises se fixavam na
importância terminal desta informação vinda da ciência estatística. Podia se
contar com diversos cenários, mas uma coisa pelo menos estava certa, acima de
toda e qualquer dúvida: o candidato da direita iria perder a eleição no segundo
turno, seja lá o adversário que sobrasse para a disputa com ele. Até o Meirelles? Aparentemente, não chegaram
a medir a coisa nesses detalhes, mas as manchetes diziam que Bolsonaro perderia de todos os
candidatos no segundo turno, e como Meirelles
(ou o cabo Daciolo, ou o Boulos, ou o Amoedo, ou o Álvaro Dias
etc.) eram candidatos, sempre dá para dizer, tecnicamente, que até essas
nulidades ganhariam dele. Não aconteceu nada de extraordinário de lá para cá.
Porque, então, as pesquisas preveem agora exatamente o oposto do que previam
cinco minutos atrás?
Os institutos de
pesquisa fariam uma especial gentileza ao público se explicassem, em umas
poucas palavras compreensíveis, por que seus números devem ser levados a sério
no segundo turno, se mostram agora o contrário do que mostravam no primeiro.
Não conseguindo fazer isso, talvez ficasse mais simples dizer o seguinte às
pessoas: “Esqueçam o que a gente deu no primeiro turno. Era tudo chute”. Chute
ou torcida, tanto faz, porque uma coisa é tão ruim quanto a outra e, no fim das
contas, nenhuma das duas será cobrada. Como sempre acontece, se Bolsonaro ganhar mesmo as eleições, os
autores das pesquisas dirão que ficou provado o quanto eles acertaram — pois o
resultado que costuma sobrar na memória é o último.
Daqui a pouco, contando com
esquecimento geral por parte do público, estarão propondo novas profecias para
quem estiver interessado. E em 2022, ou já em 2021, prepare-se para ler que Lula está na frente de todo mundo com
50%, que Marina está subindo e Ciro Gomes começa a crescer. Bolsonaro, se for eleito agora e se
candidatar à reeleição, estará com 0%. Na reta final os números serão ajustados
de novo (“ocorreram mudanças no processo decisório”) e tudo continuará como
sempre foi.
As pesquisas
eleitorais de 2018 deixaram claro, mais que em qualquer eleição anterior, o
quanto elas são incapazes de medir aquilo que está realmente na cabeça do
eleitor. Foi um desastre. Dilma Rousseff
foi garantida como a senadora mais votada do Brasil e ficou num quarto lugar em
Minas Gerais. O senador de São Paulo Eduardo
Suplicy, outro “eleito” pelas pesquisas, foi exterminado após 27 anos de
Senado. Houve erros grotescos nas pesquisas para governador de Minas e Rio de
Janeiro — os que acabaram colocados em primeiro lugar tinham 1% dos votos, ou
nada muito diferente disso, até poucos dias antes da eleição. Geraldo Alckmin ficou com menos de 5%
dos votos. Marina Silva ficou com
1%. No Nordeste, que foi citado durante seis meses seguidos como o grande celeiro
de onde Lula poderia operar a sua
“volta”, o PT teve 10 milhões de
votos a menos que em 2014. Das sete capitais da região, perdeu em cinco.
Erros deste tamanho,
por mais que os institutos neguem, são sintoma de alguma coisa profundamente
errada no sistema todo. Como escrito acima, tudo isso tende a cair rapidamente
no esquecimento, sobretudo porque não há paciência para ficar discutindo um
assunto que não interessa mais até a próxima eleição. Mas o problema não vai
sumir só porque não se falará mais nele.
As pesquisas, com
certeza, não conseguiram captar as correntes que se movimentam no oceano da
internet e do mundo digital como um todo. Não entenderam nada sobre o peso que
as redes sociais tiveram no processo eleitoral. Seus questionários podem não
estar fazendo as perguntas certas, na maneira certa, na hora e no lugar certos.
Na disputa nacional, o papel da propaganda obrigatória na televisão, tido como
algo sagrado, mostrou que está valendo zero — e as pesquisas não estavam
preparadas para isso, nem para o efeito nulo dos “debates” entre candidatos na
TV, das opiniões dos comentaristas políticos e da orientação geral da mídia.
Está surgindo um mundo
novo por aí. Não será fácil para ninguém começar a entender como ele vai
funcionar. Uma boa razão, portanto, para começar já o esforço.