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segunda-feira, 5 de fevereiro de 2018

O DESTINO DE LULA NO STF



Em meados da década passada, quando informática vendia feito pão quente, eu comecei a escrever um manual prático de hardware  mas somente nas horas vagas, pois os artigos que publicava nas revistas especializadas é que pagavam as contas. Por isso, assim que eu concluía um capítulo do livro ― sobre processadores, placas de sistema, memórias, ou o que fosse ―, novos dispositivos tecnologicamente mais avançados me impunham um círculo vicioso infernal de atualizações. Faço essa remissão porque, ironicamente, a coisa se repete na esfera da política, onde a rapidez com que as mudanças ocorrem torna quase impossível acompanhar pari passu seus desdobramentos no caleidoscópico cenário tupiniquim. Dito isso, sigamos adiante.

A decisão unânime dos ministros da 8.ª Turma do TRF-4 deixou Lula com um pé na cadeia e outro na casca de banana. Embargos de declaração se prestam a esclarecer pontos obscuros ou controversos de uma decisão judicial, não tendo, portanto, o condão de anular ou promover qualquer modificação na condenação. Já a representação na ONU é mais uma chicana de Zanin, cujos efeitos ― isso se ela produzir algum ― seriam eminentemente políticos, pois o Comitê não é uma instância de julgamento (ele pode até sugerir mudanças para garantir que os direitos reclamados não sejam mais violados, mas não tem poderes para interromper o processo, evitar a prisão de alguém ou exigir a troca do juiz responsável pelo caso).

O pedido de habeas corpus preventivo ao STJ eram favas contadas, da mesma forma que seu resultado desfavorável ao postulante. No âmbito do STF, a ministra Cármen Lúcia não só se manifestou avessa à ideia de voltar a debater a prisão de condenados em segunda instância, como também reforçou o recado a Lula e sua defesa no discurso que proferiu durante a cerimônia de reabertura dos trabalhos do Judiciário (detalhes nesta postagem).

ObservaçãoEm artigo publicado na Folha, os ministros Luís Roberto Barroso, do STF, e Rogério Eschietti, do STJ, afirmam que um estudo considerando quase 69 mil decisões do STJ ― monocráticas e de colegiado ― ao longo de dois anos derruba o argumento de que recursos mudam os vereditos da segunda instância. A soma dos percentuais de absolvição e substituição de pena é de apenas 1,64%; portanto, seria "ilógico moldar o sistema em função da exceção, e não da regra (...) e o STF voltar atrás nessa matéria [execução provisória da pena após condenação em segunda instância] traria pouco benefício, já que a redução do risco de ser punido manteria a atratividade do crime, desestimularia a colaboração com a Justiça e, em vez de incentivar empreendedores honestos, continuaria a favorecer quem transgride as leis penais”.

Mudando de pato pra ganso: O TRF-1 derrubou a decisão do juiz federal Ricardo Leite, da 10.ª Vara Federal do DF, que havia determinado a apreensão do passaporte do ex-presidente. Em sua decisão, o magistrado disse que a viagem à África, dois dias depois da condenação de Lula no TRF-4, representaria risco de fuga, já que ele poderia pedir asilo político. Já o desembargador Bruno Apolinário classificou os argumentos como “impertinentes” e afirmou que o juiz de primeira instância agiu com “impulso de extrapolar o próprio âmbito de atuação para alcançar processos que lhe são estranhos”. No seu entender, tanto o TRF-4 quanto a 13ª Vara Federal de Curitiba, responsáveis pelos processos contra Lula no Paraná, “detêm competência legal para dispor sobre medidas assecuratórias de suas decisões e, ao que se sabe até aqui, nenhum deles ordenou qualquer providência de tal natureza, nem mesmo após a confirmação recente da condenação suportada pelo paciente, decerto por não terem vislumbrado a presença de motivos suficientes para tanto”.

Lula jamais fugiria; fugir seria reconhecer sua culpa; ele quer concorrer à presidência”, afirmaram os seguidores da Seita do Inferno. Mas, de um sujeito que transformou o esquife da mulher em palanque e o funeral em comício, que um dia depois de ser condenado pelo TRF-4 conclamou o enfrentamento político para defendê-lo, mesmo que para isso fossem necessárias ações ofensivas nas ruas, pode-se esperar qualquer coisa. 

Há quem diga que a apreensão do passaporte foi extemporânea e desnecessária, servindo apenas para acirrar ainda mais os ânimos da patuleia ignara e embasar sua teoria estapafúrdia de perseguição política. Nessa linha de raciocínio, somente com “grande exercício de imaginação” poder-se-ia concluir que Lula trocaria sua candidatura a mártir por uma biografia de fujão. Caberá ao tempo mostrar a quem assiste razão nesse imbróglio.

Voltando à vaca fria, na última sexta-feira a defesa de Lula ingressou com outro pedido de habeas corpus preventivo ― desta vez no STF ― postulando a liberdade de seu cliente até o esgotamento dos recursos em todas as instâncias da Justiça. No documento de 68 páginas endereçado à presidente Cármen Lúcia, os advogados voltaram a citar a “certeza da iminência” da ordem de prisão e pediram que seu apelo seja julgado pela 2.ª Turma da Corte. O recurso foi distribuído ao ministro Fachin, relator da Lava-Jato no Supremo, que poderá tomar a decisão monocraticamente ou levar o assunto ao colegiado.

Vale lembrar que 4 dos 5 integrantes da 2.ª Turma são contrários à execução da pena após a condenação em segundo grau, e que a banda de defensores do petralha rebateu a declaração de Cármen Lúcia ― de que levar as prisões em segunda instância a um novo julgamento no STF, apenas em função do caso de Lula, seria “apequenar” o Supremo.

Uma súmula editada em 2003 estabelece que o STF não pode analisar recursos ainda pendentes de julgamento em outro tribunal superior. Em casos assim ― como é o de Lula ―, diz a súmula que o pedido deve ser indeferido.

Observação: Uma súmula normatiza no Supremo uma determinada interpretação ― unânime ou majoritária ― que se torna recorrente em julgamentos de sucessivos casos análogos. Esse instrumento se destina a tornar pública uma nova jurisprudência e harmonizar a atuação Corte, uniformizando as decisões de seus 11 ministros.

A súmula que se aplica ao caso de Lula reza que "não compete ao STF conhecer de habeas corpus impetrado contra decisão do relator que, em habeas corpus requerido a tribunal superior, indefere a liminar". Trocando em miúdos, nos casos em que há apenas pronunciamento liminar [provisório] de outro tribunal superior, sem decisão definitiva, o Supremo não pode admitir a concessão de habeas corpus ― na verdade, nem deve nem analisar o mérito do pedido, a menos que se tratasse de uma situação totalmente heterodoxa, o que não parece ser o caso.

Os embargos declaratórios interpostos contra o acórdão que confirmou a condenação do petralha em primeira instância ainda não foram julgados. Os três desembargadores do TRF-4 deixaram claro que a execução da sentença se dará depois que for encerrada a fase de análise do recurso do condenado naquele Tribunal ― ou seja, sem prejuízo dos apelos que sua defesa encaminhará aos tribunais superiores, Lula pode ser preso no complexo-médico penal de Pinhais, na região metropolitana de Curitiba, que abriga os condenados da Lava-Jato.

Na 1.ª Turma do STF, respeita-se a súmula em questão. Excetuando-se o ministro Marco Aurélio Mello, os outros quatro ― Luís Roberto Barroso, Luiz Fux, Rosa Weber e até Alexandre de Moraes— costumam mandar para o arquivo recursos ainda sem decisão definitiva do STJ. Ocorre que o relator da Lava-Jato na Corte, ministro Edson Fachin, integra a 2.ª Turma, para a qual a súmula 691 só vale até certo ponto. Fachin pensa diferente, mas Gilmar Mendes, Dias Toffoli, Ricardo Lewandowski e, por vezes, até o decano Celso de Mello são mais concessivos ao julgar pedidos de habeas corpus.

À luz do histórico de suas decisões, Fachin deve indeferir o pedido de habeas corpus de Lula, mas a defesa do molusco pode solicitar que a decisão seja submetida à 2.ª Turma. Sabendo-se em minoria, o ministro deve transferir a decisão para o plenário da Corte, como já fez num caso bem menos rumoroso, envolvendo o ex-ministro petralha Antonio Palocci (adeptos da política de celas abertas, seus colegas de turma chiaram, mas o regimento interno autoriza o relator a aumentar número de ministros responsáveis pela decisão).

No caso específico de LulaFachin pode argumentar que um recurso que tem como pano de fundo a prisão de um ex-presidente da República é tão relevante que não pode ser analisado senão pelo plenário da Corte. O desenrolar dos acontecimentos mostrará se as decisões do STF se balizam pela justiça ou pelo compadrio. 

Para liberar Lula antecipadamente da cadeia, o Supremo terá de transgredir o postulado da hierarquia do grau de jurisdição: além de atropelar o STJ, mandará em definitivo à lata de lixo a súmula 691, uma jurisprudência de 15 anos. Nessa hipótese, não podendo elevar a própria estatura, a banda apequenada do Pretório Excelso rebaixará o pé-direito do plenário.

Com Veja.

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