Dono de uma extensa lista de declarações polêmicas e
frequentemente criticado por exaltar a ditadura, Jair Messias Bolsonaro foi eleito Presidente da República com 55%
dos votos válidos — espantosamente conseguidos com uma campanha espartana (que
não usou o dinheiro do fundo partidário), feita por uma coligação raquítica e
que dispunha de míseros 8 segundos
de exposição diária no horário político obrigatório.
Trigésimo oitavo Presidente da República e o primeiro paulista eleito para o cargo
desde a redemocratização (*), Bolsonaro cursou a Escola Preparatória de Cadetes do Exército e se formou na Academia Militar das Agulhas Negras (ambas
no estado do Rio). Depois de 11 anos no exército — e de ter sido preso por 15
dias em 1986, depois de ter escrito um artigo publicado na revista Veja sob o título “O
salário está baixo” —, o então capitão passou para reserva e ingressou na
vida pública como vereador (na hipótese de não se eleger, pensou mesmo em trabalhar
como limpador de casco de navio, aproveitando o curso de mergulho que fizera
anos antes). Ficou dois anos na Câmara Municipal antes de vencer a primeira das
7 eleições para deputado federal que disputou. No Congresso, respondeu a sete
processos por quebra do decoro parlamentar — as ações por injúria, apologia ao
estupro e racismo repercutem até hoje (mais detalhes na postagem anterior).
(*) Quando se elegeram, FHC e Lula moravam em
São Paulo e SBC, respectivamente, mas o tucano é carioca e o petista,
pernambucano. Bolsonaro nasceu no
município, Glicério, no noroeste
paulista, foi registrado (dez meses depois) na cidade de Campinas e passou a
maior parte da infância e adolescência em Eldorado
Paulista — que fica no Vale do Ribeira — de onde saiu somente aos 18 anos.
Em 27 anos como deputado federal, Bolsonaro apresentou 172 projetos e foi relator em 73 deles, mas conseguiu
aprovar apenas dois. No plenário, estava sempre sozinho ou na companhia do
filho — o também deputado Eduardo Bolsonaro.
Nunca foi visto jantando no Piantella nem tomando uísque no Churchill (o
restaurante e o bar de Brasília onde os parlamentares mais enturmados costumam
confraternizar). Passou quase 3 décadas na Câmara como um membro do baixo-clero,
sem destaque, sem poder e sem uma turma para chamar de sua. Em meados de 2014,
então filiado ao fisiológico PP —
cuja bancada de 40 deputados era adestrada para apoiar qualquer um com chance
de vencer —, apresentou-se ao partido como opção para concorrer ao Planalto e foi solenemente ignorado. No da convenção partidária, lançou seu ultimato: “Ou o PP
sai da latrina ou afunda de vez”. Graças à Lava-Jato, o PP afundou
de vez; graças a sua pregação antipetista, o hoje presidente eleito se reelegeu
como deputado mais votado do Rio de Janeiro (saltando
de 120,6 mil votos em 2010 para 464,5 mil em 2014).
No fim de 2014, recém-eleito para o sétimo mandato
consecutivo, Bolsonaro percorreu o país, realizou carreatas, estampou
camisetas e adesivos, posou para “selfies” com eleitores e proferiu palestras.
Ganhou um público jovem e ligado nas redes sociais, que o apelidou de “mito” e distribuiu memes com frases do político. Ao se dar conta do enorme
potencial das redes sociais, o deputado-capitão pavimentou o caminho para a popularidade com
frases chocantes, inusitadas ou abertamente provocativas. Cada discurso que
embutia uma ideia polêmica ou preconceituosa corria a internet, gerando
milhares de comentários — contra ou a favor, tanto faz: “falem mal, mas falem
de mim”. Em 2016, trocou o PP pelo PSC, depois namorou com o PEN (que virou Patriota para acolhê-lo), rompeu ao descobrir que a sigla havia patrocinado
uma ação no STF questionando a
prisão em segunda instância (tema que interessava sobretudo a Lula e ao PT e feria de morte seu discurso antipetista) e
acabou se filiando ao então nanico PSL (que agora elegeu 52 deputados federais, 4 senadores e 3 governadores).
De estatista, Bolsonaro passou a defensor da liberdade de mercado, selou pareceria com o
economista liberal Paulo Guedes (seu
Posto Ipiranga) e, para compor a chapa
como, vice convidou o
senador Magno Malta — que errou feio
ao declinar, pois não conseguiu se reeleger; mesmo com a maior verba partidária da sigla em seu estado, obteve menos da metade dos 1.500 mil votos que esperava. A lista seguiu pelo general Augusto Heleno (que aceitou mas não obteve
sinal verde do PRP), a
advogada Janaína Paschoal (que
recusou e acabou se elegendo a deputada estadual mais votada de São Paulo), o príncipe Luiz Philippe de
Orleans e Bragança (que foi desconvidado quando se divulgou
que teria sido filmado agredindo um morador de rua) e finalmente o
general Mourão — aquele que defendeu
numa loja maçônica em Brasília, em 2017, uma intervenção militar no caso de o
Judiciário não conseguir expurgar os corruptos da política nacional.
Bolsonaro começou sua campanha liderando as
pesquisas — atrás somente do ex-presidente presidiário, cuja candidatura nunca
passou de uma quimera. Houve um consenso de que ele teria atingido o ápice da a
popularidade e que a tendência natural era de desidratação, mas o cenário mudou com o atentado
a faca durante um ato de campanha em Juiz de Fora (MG), que
quase lhe custou a vida. No segundo turno, debilitado pelas duas cirurgias a
que foi submetido, permaneceu recluso do no condomínio onde mora, na Barra (zona oeste
do Rio de Janeiro), mas continuou subindo nas pesquisas. Mesmo liberado pelos médicos,
preferiu não participar de debates (algo inédito no segundo turno das eleições
presidenciais no Brasil).
Entrincheirado em casa, com uma bolsa de colostomia
presa ao abdome, defendendo-se e atacando através das redes sociais, Bolsonaro construiu a vitória mais improvável
da história da democracia tupiniquim.
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