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terça-feira, 30 de abril de 2019

O BRASIL NÃO É PARA PRINCIPIANTES



A frase que intitula esta postagem é atribuída ao saudoso maestro Antonio Carlos Brasileiro de Almeida Jobim — brasileiro até no nome —, mas eu vou mais além: governar este país é para poucos, e governá-lo bem, então, para muito poucos. Se Bolsonaro se enquadra nesta seleta confraria, bem, prefiro deixar o leitor tirar suas próprias conclusões. Vamos aos fatos.

Dentre outras coisa, o 38.º presidente do Brasil já nos deu a saber que não nasceu para ser presidente, mas para ser militar, embora tenha passado menos anos no Exército do que na política, para a qual entrou como vereador e se elegeu deputado federal sete vezes consecutivas. Ao longo de quase 30 anos de vida parlamentar, ele apresentou 172 projetos, relatou 73 e aprovou apenas dois, mas isso não vem ao caso. Na eleição de 2014, ao ver a calamidade em forma de gente derrotar o tucano corrupto, Bolsonaro resolveu disputar a Presidência — antes disso ele havia colocado seu nome à disposição do PP para concorrer com “a cara da direita”, mas foi ignorado pela própria legenda, que apoiou a campanha de Dilma. Durante a convenção partidária, lançou seu ultimato: “Ou o PP sai da latrina ou afunda de vez”. Graças à Lava-Jato, o PP afundou de vez; graças a sua pregação antipetista, o hoje presidente se reelegeu como deputado mais votado do Rio de Janeiro, saltando de 120,6 mil votos em 2010 para 464,5 mil em 2014.

No final de 2014, o hoje presidente rodou o país em carreatas, estampou camisetas e adesivos, posou para “selfies” com eleitores e ganhou um público jovem e ligado nas redes sociais — os “bolsomínions”, que são uma espécie de militantes petistas com o sinal político trocado. E o resto é história recente: com a população dividida em petistas-lulistas e antipetistas-antilulistas, o candidato de extrema direita obteve 55% dos votos válidos, derrotando a marionete de Lula por uma vantagem de quase 11 milhões de votos — que não vieram somente de bolsomínions, simpatizantes e admiradores, mas também de eleitores que não queriam (e continuam não querendo) ver o Brasil governado por um fantoche controlado remotamente por um presidiário. E isso com uma campanha espartana (que não usou o dinheiro do fundo partidário), feita por uma coligação raquítica e que dispunha de míseros 8 segundos de exposição diária no horário político obrigatório.

De estatista, o deputado-capitão passou a defensor da liberdade de mercado, selou pareceria com o economista liberal Paulo Guedes (seu Posto Ipiranga). Para compor a chapa como vice, convidou o senador Magno Malta, que errou feio ao declinar, pois não conseguiu se reeleger — mesmo com a maior verba partidária da sigla em seu estado, Malta obteve menos da metade dos 1.500 mil votos que esperava. A lista seguiu pelo general Augusto Heleno (que aceitou, mas não obteve sinal verde do PRP), pela advogada Janaína Paschoal (que recusou e acabou se elegendo a deputada estadual mais votada de São Paulo), pelo príncipe Luiz Philippe de Orleans e Bragança (que foi desconvidado quando se divulgou que teria sido filmado agredindo um morador de rua), chegando afinal ao general da reserva Hamilton Mourão — aquele que defendeu numa loja maçônica em Brasília, em 2017, a intervenção militar no caso de o Judiciário não conseguir expurgar os corruptos da política nacional (voltaremos ao general mais adiante).

Bolsonaro começou a campanha liderando as pesquisas — atrás somente do ex-presidente presidiário, cuja candidatura nunca passou de uma quimera. Houve um consenso de que o capitão teria atingido o ápice da popularidade e que a tendência natural seria de desidratação, mas o cenário mudou com o atentado em Juiz de Fora, que quase lhe custou a vida. No segundo turno, debilitado por duas cirurgias, permaneceu recluso no condomínio na Barra da Tijuca (onde morava antes de se mudar para Brasília), mas continuou subindo nas pesquisas. Mesmo liberado pelos médicos, preferiu (sabiamente) não participar de debates — algo inédito no segundo turno das eleições presidenciais no Brasil —, e mesmo entrincheirado em casa, com uma bolsa de colostomia presa ao abdome, defendendo-se e atacando através das redes sociais, alcançou a vitória mais improvável da história da democracia tupiniquim.

Para gáudio dos bolsomínions e apreensão dos que ajudaram a eleger o capitão por absoluta falta de opção, Bolsonaro vestiu a faixa e subiu a rampa do Palácio do Planalto sem tirar os pés do palanque. Seus primeiros 100 dias no cargo foram decepcionantes, sobretudo no que tange à reforma previdenciária (indispensável para o país e para a sustentabilidade do atual governo). Com o PT debilitado pela derrota, o presidente, três de seus filhos e alguns ministros de Estado pinçados lá do fundo baú da incompetência vem tomando para si a função da oposição, transformando o Planalto e se entorno numa usina de crises sem capacidade ociosa. O combustível da autossabotagem do governo é o caldeirão ideológico em que ele está mergulhado, no qual múltiplas correntes de direita se engalfinham por hegemonia e pelo controle da administração federal, ou setores dela. Seu lema: "se está ficando bom para todos, alguém precisa estragar algo".

O “caso Queiroz” é um bom exemplo — que ainda não produziu efeitos ainda mais deletérios porque novos fatos vêm se sobrepondo dia sim, outro também. Outro é a demissão de Gustavo Bebianno — o grande articulador da campanha do capitão — da secretaria-geral da Presidência, cuja permanência no governo se tornou insustentável depois de ter sido chamado publicamente de mentiroso pelo filho zero dois. Outro, ainda, remete ao “laranjal do PSL”, e haveria muitos mais, sem mencionar as estultices de um presidente que parece escolher os momentos mais impróprios para dizer o que não deve (haja vista a estúpida, despropositada e escandalosa queda de braço com o presidente da Câmara, que dificultou ainda mais a tramitação da PEC da Previdência).

Abril se despede e maio começa com um feriado prolongado no Congresso Nacional e um céu carrancudo, toldado pelas nuvens da indefinição. E as ingerências palacianas, como a que suspendeu o reajuste do preço do diesel a pretexto de evitar uma nova greve de caminhoneiros, e, mais recentemente, uma campanha publicitária do Banco do Brasil, não tem ajudado em nada, antes pelo contrário: há quem especule se não estaríamos numa situação melhor se o vice assumisse o comando desta nau de insensatos — o que não seria novidade, haja vista os governos de José Sarney, Itamar Franco e Michel Temer, mas seria a ironia das ironias, na medida em que muita gente se preocupava com a possibilidade de a vitória do capitão ressuscitar a ditadura militar (aquela que hoje sabemos nunca ter existido no Brasil). Igualmente curioso é o fato de o presidente ter recheado seu ministério de generais, e estes serem os ministros que menos têm dado motivos para preocupação. Coisas do Brasil.

Para muitos analistas, a incompatibilidade entre Bolsonaro e o cargo de presidente, com combinada com a atuação deletéria de sua prole, responde pelo fiasco do governo em seus primeiros 100 dias. Sobre a crise da vez — que envolve o general Mourão e Carlos Bolsonaro (sempre ele, embora não somente ele) —, há que ter em conta que ministros podem ser exonerados, bastando para isso uma simples publicação no diário oficial, mas nem filhos nem vice-presidentes são passíveis de demissão

Talvez por isso o capitão e o general tentam passar a impressão de que vivem um casamento sólido, visitado apenas por desavenças ocasionais e amenas, próprias das uniões estáveis e felizes. “Esse casamento é até 2022, no mínimo”, disse Bolsonaro em café da manhã com a imprensa na quinta-feira 25, no Palácio do Planalto. “Continuamos dormindo na mesma cama. Só tem briga para saber quem vai arrumar a cozinha”, divertiu-se Bolsonaro. “Ou cortar a grama”, emendou Mourão. Por trás das alegres metáforas matrimoniais, porém, a realidade que se esconde nos bastidores mostra que, das crises políticas que o governo enfrentou até aqui, a mais grave é esta, com hostilidades entre o presidente e o vice, ainda que amenizadas em público, se mostram em franca ebulição no âmbito privado.

Para além de zero dois, o pivô de mais essa controvérsia é o autodeclarado “intelectual” Olavo de Carvalho, ex-astrólogo, esotérico e ultraconservador famoso não só pelas teorias delirantes que oferece em um curso virtual de filosofia, mas por ser uma espécie de guru do clã Bolsonaro e de eminência parda neste governo. Dentre outros prodígios, o "professor" foi responsável pela indicação dos ministros Eduardo Araújo, das Relações Exteriores (que “balança mas não cai”) e Ricardo Vélez, da Educação (que felizmente já caiu). É certo que, pela essência da pregação e pelo histrionismo do pregador, o guru de botequim e seus apóstolos (olavetes) mas cedo ou mais tarde voltarão para o ostracismo com certas curiosidades folclóricas de onde vieram. Mas as rusgas entre o presidente e o vice podem ensejar situações delicadas e produzir efeitos nefastos, sobretudo num governo instável, incerto, que claudica com sérias dificuldades.

As divergências entre zero dois e o vice vieram à tona quando Carluxo postou um vídeo na conta do pai no YouTube — pois é, a versão bolsonariana do “menino de ouro” de Lula é fiel depositário das senhas do papai e de outros integrantes do clã —, onde o guru araque desfia críticas impiedosas aos militares, mas que tem como alvo o general Mourão, a quem o proselitista já chamou de “adolescente desqualificado”. Bolsonaro pediu que o vídeo fosse retirado do ar, mas aí o estrago já estava feito: tinha sido aberta a temporada de ataques ao vice-presidente. 

Na saraivada de tuítes que se seguiu ao episódio, Mourão foi acusado de se opor às propostas do presidente, de se aliar a adversários, de se aproximar de empresários importantes, de bajular a mídia, de se apresentar como sensato e transigente — tudo isso, segundo zero dois, planejado para se viabilizar como alternativa de poder. Para piorar, a exemplo do que se deu no episódio Bebianno, o presidente endossa as críticas públicas que o filho tem feito ao general. Ele não concorda com tudo, mas acha que seu rebento está mirando no alvo certo.

Desde a postagem do vídeo, Mourão começou a desconfiar de que os ataques tinham o aval do presidente. Contrariado, disse que, se aquilo continuasse, não descartava a saída extrema de renunciar. No governo, afirmou o general, tudo o que tem feito é tentar ajudar o presidente, e não o contrário. Mas Bolsonaro parece estar convencido do oposto. 

Na terça-feira 23, durante a reunião do Conselho de Governo, alguém elogiou o presidente e declarou que ele vencera sozinho uma eleição difícil, sem a ajuda dos políticos. “Não, teve o Mourão comigo”, ironizou Bolsonaro. Semanas atrás, irritado com algo que não deixou muito claro aos interlocutores, o presidente voltou a censurar o vice: “O negócio é o seguinte: o Mourão é general lá no Exército. Aqui quem manda sou eu. Eu sou o presidente”. E tampouco freou os filhos. Ao contrário, Carluxo, depois do vídeo de Olavo de Carvalho, intensificou os ataques. Eduardo também entrou na roda, declarando que o Mourão enseja a desconfiança de que poderia almejar um cargo mais alto da República. “No começo eu ouvia esse papo e achava besteira. Agora, já não sei mais”, afirmou o pimpolho de número 3.

Em um governo tão sectário na política e na ideologia, o amplo leque de ações do vice-presidente soa como provocação — ou, o que é pior, como conspiração. E os petardos que mantêm o fogo alto costumam ser disparados por assessores que, às vezes mais realistas que o rei, apostam no confronto. Tanto que foi zero dois quem publicou o vídeo na conta do pai, e foi o coronel Itamar, que cuida da rede social do vice, quem curtiu um comentário da jornalista Rachel Sheherazade, do SBT, que enfureceu Carluxo.

Observação: Na postagem do último dia 22, eu comentei que o vice-líder do governo na Câmara, por influência do guru de meia pataca, apresentou um pedido de impeachment contra o vice-presidente da República, alegando “conduta indecorosa, desonrosa e indigna” e “conspiração para conseguir o cargo de Bolsonaro”. Um dos argumentos sustentados pelo congressista patarateiro é um like de Mourão na publicação em que a jornalista Rachel Sheherazade dirigiu elogios ao vice-presidente e críticas ao titular. O general classificou como “bobagem” o pedido de impeachment e afirmou que "se prosperar, ele volta para a praia". Quanto ao dublê de pensador e astrólogo, talvez fosse melhor ele voltar a fazer mapa astral, chupar seu cachimbo lá em Richmond, na Virgínia, e palpitar menos no governo tupiniquim. Todo mundo sairia ganhando.

Se Carlos Bolsonaro fosse mulher, teríamos um caso clássico de Complexo de Édipo. No afã de proteger o papai, o filhote-pitbull extrapola, exorbita e ultrapassa todos os limites, começando pelo do bom senso. Sua cisma com Mourão começou no ano passado, depois do atentado contra Bolsonaro, quando insinuou que a morte do pai interessaria ao general. De lá para cá, vire e mexe ele volta à carga.

No domingo de Páscoa, zero dois postou um vídeo em que o guru do clã ataca os militares; no dia seguinte, Mourão ironizou as críticas e disse que Olavo deveria focar o que entende — astrologia. Na sequência, o pimpolho mostrou que o general curtiu um post da jornalista que classificou o presidente de “vinagre” e o vice de “vinho”. Depois postou o convite de uma palestra nos Estados Unidos para a qual o Mourão foi convidado e insinuou que o general foi chamado com a missão de falar mal do governo; em outro post, escarneceu de uma fala de Mourão sobre a crise na Venezuela (o general disse que a população do país tinha de estar desarmada para evitar uma guerra civil — “uma pérola!”, ironizou zero dois). Na sequência, compartilhou um vídeo que fala de uma suposta articulação política do PRTB, partido de Mourão, para ter independência do governo, e, poucas horas depois, uma entrevista em que Mourão diz que não iria comentar a decisão da Justiça de reduzir a pena de Lula, e um comentário do vice criticando o processo de “despetização” promovido no governo pelo ministro Onyx Lorenzoni. No mesmo dia, criticado pela ofensiva, zero dois escreveu candidamente que não se trata de atacar o general, mas apenas de estabelecer os fatos. E por aí segue a procissão.

No café da manhã da última quinta-feira, presidente e vice sentaram-se lado a lado, em cena de harmonia. Fizeram questão de dizer que Carlos tem o direito de expressar sua opinião. Mourão chegou a comentar que o fato de Carlos ser filho do presidente não o obriga a ficar “de bico calado”. Mas é uma ingenuidade achar que a crítica de zero dois seja comparável à de qualquer político, ainda mais quando o dito-cujo teve papel fundamental na campanha e exerce influência indiscutível sobre o papai presidente.

Conflitos entre titular e vice permeiam a história desta república desde as mais priscas eras. O primeiro presidente do Brasil, marechal Deodoro da Fonseca, desconfiava de Floriano Peixoto, que assumiria seu lugar nove meses depois da posse. Café Filho conspirava contra Getúlio Vargas. João Goulart não dava trégua a Jânio Quadros. Na redemocratização, Itamar Franco voltou-se contra Collor e Dilma, vejam só, acreditava que Michel Temer era o vice mais discreto e servil com que um presidente poderia contar — e deu no que deu. 

Para evitar novas crises, há que lavar a roupa suja em casa. A nação agradece.

segunda-feira, 15 de abril de 2019

SOBRE BOLSONARO, PAULO GUEDES, PETROBRÁS E CAMINHONEIROS


Em pouco mais de 3 meses, o governo federal já perdeu dois ministros e caminha para a terceira baixa. A primeira, articulada por zero dois — que é vereador no Rio, mas age como eminência parda no Planalto — foi a exoneração de Gustavo Bebianno da secretaria-geral da Presidência, e a segunda, de Ricardo Vélez do Ministério da Educação. A terceira, pelo frigir dos ovos e o andar da carruagem, deve ser a de Ernesto Araújo do Itamaraty.

A meu ver, nenhum desses atores fará a menor falta ao espetáculo tacanho que a atual gestão nos vem proporcionando. O que me preocupa é a possibilidade de Paulo Guedes abandonar o barco. No último dia 27, numa comissão do Senado, o ministro declarou, sem ser perguntado, que não tem apego ao cargo e que sairá de cena se notar que seu "serviço" não é desejado (volto a esse assunto mais adiante).

Na última sexta-feira, ao suspender o reajuste que a Petrobras havia anunciado para o óleo diesel e infligir à petrolífera uma perda de R$ 3,4 bilhões em valor de mercado, Bolsonaro testou mais uma vez a paciência de Guedes. Apesar do dia positivo no exterior, o Ibovespa caiu a 92.875 pontos — menor nível desde 27 de março, quando a preocupação era a reforma da Previdência —, e isso depois de ter quebrado a barreira dos 100 mil pontos no dia 19 de março passado.

A decisão do presidente foi uma consequência direta da pressão dos caminhoneiros. Relatórios da Abin indicavam uma “preocupação” com uma nova greve, e Bolsonaro foi convencido por assessores palacianos de que a paralisação traria mais problemas políticos do que uma intervenção no preço do diesel. Nesta segunda-feira, haverá uma reunião com ministros e pessoal da área técnica para discutir demandas dos caminhoneiros e propor à Petrobras a ampliação da rede de decisão de aumento de preços de combustíveis — hoje, o gerente executivo de comercialização da estatal tem alçada para definir reajustes de até 7%.

A política de reajustes diários implementada por Michel Temer desencadeou a greve do ano passado. O formato atual leva em consideração a cotação internacional do petróleo, o câmbio, o custo de importação do combustível e a margem de lucro da empresa. Como o preço caiu no último trimestre de 2018, a pressão dos caminhoneiros também amainou, mas voltou a orbitar os US$ 70 neste começo de ano — o mesmo patamar de maio do ano passado, quando eclodiu o protesto. Com isso, rumores de uma nova paralisação recomeçaram e não cessaram nem mesmo após o anúncio de ajustes mais espaçados e de um cartão de abastecimento a preços fixos. E a divulgação de um reajuste maior que a inflação acirrou os ânimos, levando Bolsonaro a interferir, até porque sua popularidade cadente não resistiria aos efeitos deletérios de outra greve daquela magnitude. Por outro lado, ao ceder à chantagem, a vítima assume o risco de novos achaques do chantagista, que aumentará cada vez mais suas exigências. Se às vezes é preciso dar os anéis para não perder os dedos, noutras se deve ser duro e tomar medidas duras para “colocar cada qual no seu quadrado”.  

Durante a campanha, Bolsonaro disse “estar na fase de namoro” com seu "Posto Ipiranga". Mais adiante, declarou-se “apaixonado” por Fernando Gabeira, que, com argumentação moderada, procurava pontes de entendimento. Na viagem a Israel, ao justificar que seu governo só levava um escritório a Jerusalém, disse estar “na fase de namoro”, à qual se sucederiam o noivado e o casamento. Na mesma viagem, falando sobre a ditadura (aquela que agora sabemos nunca ter existido), afirmou que “não foi uma maravilha, regime nenhum é”, e acrescentou: “qual casamento é uma maravilha?”. Na semana retrasada, durante um café da manhã com jornalistas, perguntado sobre a possível exoneração de Ricardo Vélez, respondeu: “Na segunda-feira vamos tirar a aliança da mão direita; ou vai para a esquerda ou vai para a gaveta”.

Segundo Josias de Souza, o "casamento hétero" que Bolsonaro diz manter com Paulo Guedes é o triunfo da esperança sobre a lógica, pois o presidente parece empenhado em reforçar a impressão de que a felicidade conjugal é uma utopia. Sua decisão sobre o aumento do diesel foi a segunda bola quadrada lançada nas costas do superministro em 100 dias de governo — a primeira foi a desavença gratuita que eletrificou as relações do Planalto com o presidente da Câmara, que não serviu senão como estorvo à tramitação da reforma da Previdência. No mais novo desafio à paciência do ministro, o presidente insinua que a felicidade conjugal só é possível a três. O intervencionismo do capitão trai o ultraliberalismo do velho de Chicago numa aventura extramatrimonial com os caminhoneiros: o telefonema ao presidente da Petrobras foi dado justamente quando seu ministro vendia o "novo Brasil" em Nova York.

Observação: Perguntado sobre o assunto, Guedes respondeu que passara o dia inteiro trabalhando e que não tinha informação suficiente. Questionado sobre ter sido consultado, disse simplesmente: “Eu tenho um silêncio ensurdecedor para os senhores”. Mesmo assim, ficou a impressão de "inferência razoável" a suposição de que Bolsonaro não consultou seu ministro antes de intervir na política de preços da petrolífera.

Ao perceber que a economia não aguenta desaforos, Bolsonaro tentou enquadrar seu ato institucional num ambiente de normalidade econômica: "Nossa política é de mercado aberto e de não intervenção na economia." Bolsonaro ensaiou a coreografia de um meia-volta, volver: "O presidente da Petrobras, após nos ouvir, suspendeu temporariamente o reajuste. Convoquei os responsáveis pela política de preços para reunião, junto com os ministros da Economia, Infraestrutura e Minas e Energia." Mesmo assim, o presidente produziu uma inarredável sensação de déjà-vu ao evocar o represamento dos preços de combustíveis e outras tarifas públicas do nada saudoso governo Dilma.

Outra greve de caminhoneiros poderia acelerar ainda mais a queda de popularidade do governo, mas intervenções como a de sexta-feira podem levar a equipe econômica a abandonar o barco. É imperativo, portanto, deixar patente que o episódio foi pontual e que as ingerências não se tornarão recorrentes — aliás, foi a mudança na política de preços para atender aos caminhoneiros que levou Pedro Parente a deixar a presidência da Petrobras, em junho do ano passado. O governo precisa usar de criatividade para reduzir a volatilidade do petróleo, quiçá criando um fundo de estabilização, flexibilizando os impostos, quebrando o monopólio de refino da estatal e/ou chamando a atenção dos governadores para o fato de que as alíquotas de ICMS são absurdas.

A despeito de repetir que não entende de economia — o que é a mais pura exaltação do óbvio —, Bolsonaro afirmou a jornalistas que quer ver detalhes de como é calculado o reajuste dos combustíveis e qual o custo de produção da Petrobras. Como dizia meu finado avô, muito faz quem não atrapalha.

quarta-feira, 20 de março de 2019

O GOVERNO, A OPOSIÇÃO, A CRISE E O ESCAMBAU



Uma observação feita com frequência durante os governos de Lula e Dilma era a de que nenhum dos dois tinha oposição uma anomalia de circo, como a mulher barbada e o bezerro de duas cabeças, pois todo o regime democrático tem de ter uma oposição, queira-se ou não. Até que foi notada, ao longo desse período, a sombra de um partido que fazia o papel de oposição. Mas era o PSDB, e aí é a mesma coisa que não haver oposição nenhuma. 

A principal preocupação dos tucanos era não falar mal de Lula, em nenhuma circunstância; conseguiram o prodígio de jamais aparecer em nenhuma das imensas manifestações de massa que, das ruas para o plenário do Congresso, acabariam levando ao impeachment de Dilma e aos sucessivos infortúnios que reduziram o PT ao seu atual estado de miséria extrema. Se Lula, mais o seu sistema de apoio, estão indo cada vez mais para o diabo, isso se deve exclusivamente a eles mesmos e aos atos que praticaram. Pois bem: o mundo gira, a vida passa, e onde está, hoje, a oposição real ao governo do presidente Jair Bolsonaro? Também não existe.

Existe, obviamente, uma espantosa gritaria contra tudo o que o governo fez, acha que deve fazer ou está fazendo; é possível que nunca tenha havido na história desse país tanta indignação por parte dos adversários em relação a quaisquer gestos do presidente e de sua equipe, por mais cômicos, banais e irrelevantes que possam ser. Condena-se tudo, quase sem exceção, incluindo-se aquilo que se imagina que estejam pensando. Mais aí é que está: isso não é oposição, ou oposição não é isso. Isso é fumaça de gelo seco, que ocupa a maior parte do noticiário sobre a vida nacional, os comentários dos influencers e a bulas de excomunhão expedidas pelos especialistas, mas se desmancha sozinha; não sai correndo atrás de ninguém, e nem machuca quem fica só olhando. A impressão é que o mundo vai acabar daqui a meia hora. Mas a meia hora passa e o mundo não acaba. Resultado: o governo Bolsonaro está morto, mas continua vivo.

O que há, na verdade, é gente falando mal do governo, por não gostar de nenhuma das posturas que o levaram a ser eleito. Não gostava antes da eleição; continua não gostando agora, e o mais provável é que não venha a gostar nunca. Mas isso é apenas liberdade de pensamento, que acaba vindo a público porque existe liberdade de expressão e por que essa liberdade se manifesta através de órgãos de comunicação onde Jair Bolsonaro e o seu mundo mental são detestados. Oposição é outra coisa. É o conjunto de forças organizadas, com projetos de governo, programas de ação e disciplina, capazes de levar a população às ruas, e não apenas os próprios “militantes”, vencer votações importantes no Congresso e representar, de verdade, a maioria dos cidadãos que não aprova o governo. Mais: oposição é algo que tem capacidade de ganhar eleições livres. Tem muito pouco ou nada a ver, portanto, com o bicho que está aí o PT, os partidos a seu serviço e os blocos que ficam na arquibancada gritando “juiz ladrão” sem mudar nunca o resultado do jogo.

É uma questão de ponto de vista, mas também de fatos. O que esperar de uma oposição cujo grande líder está na cadeia, condenado por corrupção em duas instâncias, sem que haja multidões na rua exigindo sua libertação? Como pode funcionar um partido cuja presidência está entregue à uma deputada que desistiu de defender seu cargo de senadora porque ficou com medo de perder uma eleição majoritária? Vale a pena perguntar, também, como pode dar certo uma oposição que não tem nenhum dirigente, um só que seja, com um mínimo de popularidade, influência junto ao público e capacidade de falar para a massa. O PT deposita suas esperanças, hoje, em enredos de escola de samba, em comitês da ONU ou na liderança de um artista de novela de segunda linha. Tem um aproveitamento de 100% na escolha do cavalo que perde: é a favor da ditadura da Venezuela, do imposto sindical ou do “desarmamento” da polícia, e contra a reforma da previdência, o pacote anticrime do ministro Sergio Moro e a Lava-Jato. Não tem um programa de governo compreensível para se contrapor ao de Bolsonaro. Seu único candidato para uma eleição nacional é Fernando Haddad. O MST nunca mais invadiu uma fazenda; seus assemelhados nunca mais invadiram um terreno de periferia ou um prédio abandonado. Não tem mais o dinheiro da corrupção que recebia das empreiteiras de obras públicas.

Mas não é fácil, no meio de toda a prodigiosa gritaria que anda solta por aí, identificar o que de fato está acontecendo com a administração pública deste país. A inclinação mais ou menos natural, diante dos arranques de cachorro atropelado que o Palácio do Planalto produz em série, dia sim dia não, é dizer: “Deus me livre”. Que raio esse homem, e os filhos desse homem, e os ministros-problema do seu governo, estão querendo? Por que não se calam, como o rei da Espanha sugeriu ao ditador da Venezuela anos atrás coisa que poderia ter lhe ajudado tanto, se ele tivesse ouvido um pouco? Porque não começam a trabalhar como gente adulta (e remunerada para isso), em vez de passar o dia mexendo com tuítes, redes sociais e o resto dessa vidinha que não soma um milésimo de centavo ao PIB?

Não estão disponíveis até o momento as respostas para nenhuma dessas perguntas. Também não colabora em nada para um melhor entendimento dos fatos a coleção de reações frequentemente histéricas com que o mundo político, os “formadores de opinião” e o resto do Brasil “importante” recebem cada suspiro do governo. Resultado: a montagem de um “climão” que funciona maravilhosamente bem para a proliferação epidêmica de bobagens que não ajudam em nada, e ao mesmo tempo atrapalham em tudo.

A única atitude sensata a tomar, ao que parece, é ficar frio e ficar frio por um bom tempo. Não adianta esperar que a fumaça evapore sozinha, porque ela não vai evaporar, não a curto prazo, e não enquanto continuarem fervendo a água; é possível, ou provável, que daqui a quatro anos a confusão permaneça muito parecida com a de hoje. A saída mais promissora, dentro das que podem ser acionadas na prática, é manter a calma e prestar atenção no monitor que informa os “sinais vitais”, como dizem os médicos. É aí que o cidadão pode saber onde realmente está. O primeiro deles é a inflação. Não há crise de verdade com inflação baixa e a inflação brasileira está baixíssima, vem caindo desde o ano passado, e tudo indica que vai continuar em queda. O preço da gasolina e do álcool, por exemplo: está abaixo do que estava no primeiro dia do ano e do novo governo. (Não é pouca coisa; imagine por um momento qual seria a sensação se o preço estivesse subindo.) É claro que inflação perto de zero não faz o desempregado arrumar emprego, mas é certo que torna possível a solução dos problemas; sem isso não adianta nem tentar. Outra realidade que a fumaceira não pode esconder é a cotação do dólar, que permanece mais ou menos estável. Confusão, mesmo, é dólar em disparada não adianta nada ignorar essa realidade ou dizer que ela não tem importância, pois não existe economia em colapso com câmbio parado.

A tela também está mostrando que, apenas no mês de janeiro, perto de 400.000 inscritos deixaram de receber os benefícios do Bolsa Família, por conta, basicamente, de desistências. Milhões de trabalhadores pararam de pagar o imposto sindical ao longo do primeiro ano de vigência da nova lei; a arrecadação dos sindicatos caiu em 90%, o que significa que mais de 3 bilhões de reais ficaram no bolso de quem trabalha, em vez de irem para o cofre dos dirigentes sindicais. Há economias com o corte de funcionários criados nos governos do PT, a suspensão, anulação ou cancelamento de contratos e outras despesas do governo. Não dá para saber ainda quanto dinheiro deixará de ser gasto, mas a sinalização dos primeiros dois meses de 2019 mostra que pode ser muito sobretudo quando se leva em conta a relutância natural das empreiteiras de obras, fornecedores e outros ladrões, em propor negócios escusos aos 100 ou mais generais e outros oficiais das Forças Armadas presentes nos escalões superiores da nova administração. Leilões para o setor de energia elétrica já estão marcados para este ano, ao contrário da prática de não marcar nada, vigente nos últimos dezesseis anos. Há uma reforma da Previdência que será aprovada. Há, enfim, muitos outros sinais no painel. É preciso olhar para eles.

Texto de J.R. Guzzo

sábado, 2 de março de 2019

DEBATE RASTEIRO — Artigo de J.R. Guzzo


Antes do texto de Guzzo, uma notícia importante: 

Morreu na tarde de ontem Arthur Araújo Lula da Silva, filho de Sandro Luiz Lula da Silva e neto do criminoso de Garanhuns. Um helicóptero da Polícia Civil transportou Lula da sede da PF em Curitiba para o aeroporto de Bacacheri, também na capital paranaense. Em seguida, o ex-presidente se deslocou para São Paulo em uma avião do governo do Paraná. O avião pousou na capital paulista às 8h30. Arthur morreu aos 7 anos de idade, vítima de meningite bacteriana. Lula, que foi condenado a 12 anos e 1 mês de prisão pelo TRF-4 no caso do tríplex, a 12 anos e 11 meses pela 13ª Vara Federal do Paraná no caso do sítio, e ainda responde a outras seis ou sete ações penais distribuídas pela JF do Paraná, de São Paulo e do DF, continua vivo, custando aos cofres públicos cerca de R$ 10 mil por dia para ser mantido numa sala VIP da Superintendência da PF em Curitiba. Pois é, meus caros, a vida nem sempre é justa.

Com a palavra, J.R. Guzzo:  

O Brasil dos nossos dias realmente elevou ao estado de arte, como se diz, a capacidade que as classes superiores desenvolveram nesses últimos tempos para transformar questões de desimportância ilimitada em motivo para discussões de altíssima tensão, nas quais se debate, desesperadamente, o destino final de tudo o que pode existir de essencial na existência humana. A mulher do empresário Nizan Guanaes, por exemplo, cometeu ou não crime de racismo ao utilizar os serviços profissionais de negras vestidas com o traje clássico de baianas, em sua recente festa de aniversário em Salvador? Quais os segredos de vida e morte que o ex-ministro Gustavo Bebianno, do qual nenhum cidadão comum jamais tinha ouvido falar até hoje, vai enfim “contar para todo mundo” — e provocar com isso a autodestruição imediata do governo? O vice-presidente da República, general Hamilton Mourão, já está marcando reuniões secretas com a CUT, a Conferência Nacional dos Bispos e o ex-presidente Fernando Henrique para acertar os detalhes finais do golpe de Estado que vai derrubar, a qualquer horinha dessas, o presidente Jair Bolsonaro? Viram o que saiu publicado na coluna do colunista A? E o que saiu publicado na coluna do colunista Z? Com a crise cada vez mais grave, quantos meses ainda pode durar este governo? E por aí se vai.

Nenhum desses portentos tem a mais remota possibilidade de resultar em qualquer tipo de coisa relevante, é claro, mas cada um deles faz um barulho danado até evaporar do noticiário, para dar lugar a outros vendavais da mesma qualidade. Aguarde a qualquer momento, portanto, mais uma crise fatal em Brasília — ou melhor, mais um “desdobramento” da crise que se instalou no governo desde o dia 1º de janeiro deste ano e até agora não foi embora. Já ouvimos, entre outras desgraças garantidas, que o presidente jamais conseguiria montar o seu ministério sem entregar a alma e o erário aos “políticos”. Anular o convite para o ditador da Venezuela vir à cerimônia de posse de Bolsonaro foi uma atitude “de altíssimo risco” do novo governo — o Brasil, com essa decisão tresloucada, estava se isolando do resto do mundo. Renan Calheiros iria ser eleito para a presidência do Senado e, a partir dali, formaria um vigoroso polo de “poder alternativo” ao governo; a “Resistência” encontraria nele o seu novo comandante. Outros terremotos, além desses? É só escolher no Google.

Fica a impressão, no meio de toda essa calamidade permanente, que a vida política brasileira está tentando, em pleno século XXI, operar num sistema de moto-contínuo — os fatos, aí, se criariam através da reutilização infinita da energia gerada pelo movimento desses próprios fatos. É a fantasia da máquina que funciona sozinha. O moto-contínuo, como se ensinava na escola, é um fenômeno cientificamente impossível, por violar as leis da termodinâmica. Mas isso aqui é o Brasil, e no Brasil todo mundo sabe que há uma porção de leis que não pegam — talvez seja o caso, justamente, da crise política que é apresentada todos os dias ao público. Um acontecimento ganha vida, prospera, desaparece e se reproduz num outro, o tempo todo; o mesmo processo se repete com esse outro acontecimento, e assim a coisa não para nunca. Não tem a menor importância a força real dos fatos apresentados à população, nem a constatação de que nunca resultam em nada de prático; eles existem porque são anunciados, e pronto.

A próxima catástrofe é a reforma da previdência que o governo acaba de apresentar à Câmara dos Deputados. Tanto faz o que vai realmente acontecer. Mesmo que as mudanças sejam aprovadas, você ouvirá que o governo sofreu mais uma derrota ou porque tal ou qual item não passou, ou porque o custo foi alto demais”, ou porque o ministro Zé falou uma coisa e o ministro Mané falou outra, e assim por diante. As verdadeiras questões que têm de ser resolvidas, enquanto isso, ficam voando no espaço sideral, inalcançáveis por um debate neurastênico, rasteiro e sem lógica.

domingo, 24 de fevereiro de 2019

FORO ÍNTIMO — AINDA SOBRE O REBOSTEIO BEBIANNO/BOLSONARO



Eu havia pautado para hoje o primeiro capítulo de uma sequência sobre o todo poderoso ministro supremo Gilmar Mendes, que anda “desgostoso” (entre aspas para indicar a ironia associada ao termo neste contexto) com auditores da equipe especial de fraudes da Receita Federal. Todavia, considerando que a audiência despenca aos finais de semana, que o imbróglio Bebianno ainda não foi totalmente digerido — embora o Planalto tente dar o caso por encerrado — e que a coluna de Roberto Pompeu de Toledo em Veja desta semana está imperdível, resolvi alterar a pauta (note que o fato de eu dizer que a coluna está imperdível não significa necessariamente que concordo com tudo que o colunista diz). Sem mais delongas, vamos ao que interessa:

Falta presidente à Presidência Bolsonaro. Falta presidente para pôr ordem no governo, na bancada do Congresso, na família. E falta presidente para dar vida à figura do presidente. Deixar-se fotografar como um molambo, com camisa do Palmeiras sob o paletó e chinelos deixando aparecer os dedos dos pés, em cerimônia no Alvorada, é o de menos. Pior é a sôfrega implicância com que, nos áudios divulgados por VEJA, fustiga o então ministro Gustavo Bebianno. Nas gravações, extraídas de conversas pelo WhatsApp, o ministro é a voz serena e racional; o presidente, a da provocação ressentida.

O vídeo em que Bolsonaro anunciou a demissão de Bebianno começava assim: “Comunico que, desde a semana passada, diferentes pontos de vista sobre questões relevantes trouxeram a necessidade de uma reavaliação. Avalio que pode ter havido incompreensões e questões mal-entendidas de parte a parte, não sendo adequado prejulgamentos de qualquer natureza”. De que se falava? Parecia que se tinha entrado no cinema com o filme começado. Seguia-se um parágrafo de elogios à atuação de Bebianno e só no fim, em poucas palavras, quase escondida, a comunicação da demissão.

No episódio Bebianno o governo exibiu suas fragilidades por dentro e por fora. No vídeo, o amontoado de considerações sem sujeito nem tema definidos (“necessidade de uma reavaliação”, “questões mal-entendidas”, “julgamentos de qualquer natureza”) encobre um silêncio ensurdecedor. Por que mesmo o ministro foi defenestrado? O estopim da crise teria sido o caso das candidaturas-fantasma no partido do governo, um episódio em que cabe uma barretada de admiração aos obstinados corruptos brasileiros, pelo senso de oportunidade; como a lei exige dos partidos um mínimo de 30% de mulheres em suas listas de candidatos a deputado, eles preenchem a cota apenas para amealhar boladas do fundo eleitoral e desviá-las para seus próprios fins.

Bebianno, como presidente nacional do PSL, teria culpa pelas falcatruas na agremiação. Mas, se é assim, por que não demitir também o ministro do Turismo, o mineiro Marcelo Álvaro Antônio, cujas digitais aparecem muito mais nitidamente em iguais procedimentos no seu estado? Foi a pergunta que a repórter Delis Ortiz fez ao porta-voz do governo, Otávio Rêgo Barros. Sua resposta: “O nosso presidente, ele demandou o tempo necessário para a consecução de sua decisão em função de vários atores, várias ações. Natural que, pensando em nosso país, isso se faça de modo mais consensual e mais maturado possível”. Dessa vez nem era chegar atrasado ao cinema. Era topar com outro filme. Comprou-se ingresso para Cidadão Kane e apareceu na tela De Pernas pro Ar 2!

“O senhor está bem envenenado”, diz Bebianno a Bolsonaro, a certa altura das gravações. Em entrevista à rádio Jovem Pan, o ex-ministro daria o nome do envenenador: “O senhor Carlos Bolsonaro fez macumba psicológica na cabeça do pai”. Carlos é o Zero Dois do presidente. A questão é de “foro íntimo”, acabou soltando o porta-voz da Presidência, em desesperada tentativa de escapar de mais inquirições sobre a saída do ministro. O foro íntimo é um lugar que abriga questões cabeludas. No caso, pode incluir o episódio em que o pai emancipou o filho Carlos, aos 17 anos, para que pudesse concorrer à Câmara dos Vereadores do Rio e derrotar a mãe. (Esta, apesar de divorciada, insistia em apresentar-se como representante do ex-marido.) Ou o episódio em que o filho, no desfile da posse, se aboletou atrás do pai no Rolls-Royce para, armado, reforçar a equipe de segurança.

Aos cinquenta dias do governo, evidencia-se que os bolsobrothers são um caso sério, o mais sério para o bom andamento da administração. Carlos, segundo contou Bebianno na Jovem Pan, chorou em seu ombro — dele, o ministro agora vilipendiado — quando o pai sofreu o atentado em Juiz de Fora. Seis meses depois, o Zero Dois posta no Twitter: “É uma mentira absoluta de Gustavo Bebianno que ontem teria falado três vezes com Jair Bolsonaro”, disparando o tirambaço que jogou Bebianno para fora da nau governamental. De fornecedor do ombro que substituiu o do pai na hora incerta, teria o ex-ministro virado o intruso que atrapalhava o acesso ao muito mais valioso ombro do pai? Eis-nos bem-arranjados, às vésperas da reforma da Previdência. Antes de pôr ordem na administração e na bancada, a família Bolsonaro precisaria pôr ordem em si mesma. Seria o caso de uma boa psicanálise. O diabo é que eles devem considerar a psicanálise um braço do marxismo cultural.

Como hoje é domingo e faltam poucos dias para o Carnaval, um pouco de descontração cai bem. Aliás, o país está numa merda que faz gosto, mas, diferentemente do que se viu nos últimos natais, no Carnaval a coisa muda. Mais do que causar espécie, essa idiossincrasia dos brasileiros reforça a impressão de que vivemos mesmo num país de merda (bom seria se fosse só impressão). Mas o aspecto que eu quero salientar é a pluralidade de acepções da palavra MERDA, que, a meu ver, é uma da mais ricas da língua portuguesa. Duvida? Então confira a seguir algumas de suas muitas aplicações:

1) Como indicação geográfica 1: Onde fica essa MERDA?
2) Como indicação geográfica 2: Vá a MERDA!
3) Como indicação geográfica 3: São 18h00; vou embora desta MERDA.
4) Como substantivo qualificativo: Você é um MERDA!
5) Como auxiliar quantitativo: Trabalho pra caramba e ganho uma MERDA!
6) Como indicador de especialização profissional: Ele só faz MERDA.
7) Como indicativo de MBA: Ele faz muita MERDA.
8) Como sinônimo de covarde: Seu MERDA!
9) Como questionamento dirigido: Fez MERDA, né?
10) Como indicador visual: Não se enxerga MERDA nenhuma!
11) Como elemento de indicação do caminho a ser percorrido: Por que você não vai a MERDA?
12) Como especulação de conhecimento e surpresa: Que MERDA é essa?
13) Como constatação da situação financeira de um indivíduo: Ele está na MERDA...
14) Como indicador de ressentimento natalino: Não ganhei MERDA nenhuma!
15) Como indicador de admiração ou de rejeição: PUTA MERDA!
16) Como indicador de espécie: O que esse MERDA pensa que é?
17) Como indicador de continuidade: Tô na mesma MERDA de sempre.
18) Como indicador de desordem: Tá tudo uma MERDA!
19) Como constatação científica dos resultados da alquimia: Tudo que ele toca vira MERDA!
20) Como resultado aplicativo: Deu MERDA.
21) Como indicador de performance esportiva: O Palmeiras não está jogando MERDA nenhuma!
22) Como constatação negativa: Que MERDA!
23) Como classificação literária: Eita texto de MERDA!
24) Como situação de “soberba/jactância”: Ela se acha e não tem MERDA NENHUMA!
25) Como indicativo de ocupação: O fato de você ter lido até aqui mostra que não está fazendo MERDA nenhuma.

Bom domingo a todos.

sexta-feira, 22 de fevereiro de 2019

A CRISE QUE NÃO EXISTE, BEBIANNO, BOLSONARO, LAMARTINE BABO E ENGELBERT HUMPERDINCK



Morre-se de várias coisas no jornalismo, menos de tédio”, dizia o saudoso Ricardo Boechat. E com efeito: dia sim, outro também a mídia leva ao ar uma nova novela ou um novo e emocionante capítulo de alguma novela que esteja em curso. Bons exemplos são tragédia em Brumadinho — note que até hoje a imprensa fala em “x” mortos e “y” desaparecidos, como se fosse possível haver sobreviventes — e o imbróglio Fabrício Queiroz/Flávio Bolsonaro — que promete novas emoções depois de ter sido temporariamente “esquecido” devido ao sucesso retumbante do curta-metragem produzido e dirigido por Carlos Bolsonaro, o vereador que deixou a Câmara para palpitar na transição do governo federal e, en passant, criar crises palacianas metralhando desafetos e pretensos usurpadores, traidores e o escambau. Aliás, dizem as más línguas que “o garoto” se escafedeu e levou com ele o primo que encarregara de ficar de olho no papai quando ele voltasse a verear na Cidade Maravilhosa. Quanta maldade!

Não estou pegando no pé dos Bolsonaros por simples implicância. Fazê-lo seria me rebaixar ao nível dos militantes da causa petista, que defendem caninamente seu eterno líder — um corrupto desprezível, mas que o fanatismo desbragado dessa caterva transmuda na quintessência da lisura, na figura de preso político condenado sem provas (a 25 anos, e isso é só o começo) e jogado no xadrez para não voltar a "espalhar o bem" entre os milhões de pobres, descamisados, desvalidos e desalentados deste grande país. Só falta essa escumalha dizer que o crápula de nove dedos está preso porque é preto e pobre. Se é que já não disse. Mas vamos ao que interessa. 

Bolsonaro foi eleito para fazer contraponto à corrupção metastática que se espalhou impiedosamente ao longo dos 13 anos e fumaça de gestões lulopetistas. Isto posto, não há como não ver com preocupação os desserviços produzidos pela ingerência da filharada real no governo federal.

Embora eu seja um admirador confesso do ex-juiz Sérgio Fernando Moro, não posso deixar de discordar — com todas as vênias de estilo — do que ele disse um dia depois de o porta-voz Otávio Rêgo Barros confirmar a exoneração de Gustavo Bebianno da Secretaria-Geral da Presidência da República. Litteris: "No mundo real não existe nenhuma crise dentro do governo. O governo está apresentando projetos", e desculpe se isso parece laudatório do atual governo, mas o governo tem sido absolutamente exitoso nas propostas e projetos que tem apresentado”. De qual "mundo real" estamos falando, ministro?

O governo parece ter "duas personalidades". Enquanto uma se esfalfa para formar maioria no Congresso para aprovar a reforma da Previdência (outra novela interminável) e as medidas de combate ao crime organizado e a corrupção, a outra age como o sujeito da velha piada da casca de banana. Vimos isso claramente nesse monumental rebosteio produzido pela denúncia da Folha e potencializado pelo filho do pai — pai que primeiro apoiou seu pitbull, mas logo se viu obrigado a se retratar e cobrir de elogios o desafeto que, num passe de mágica, passou de colaborador valioso a “homem bomba”, com potencial para despejar um caminhão de merda no ventilador palaciano... 

Observação: Numa conversa com o Presidente, o ministro Onyx Lorenzoni disse que Gustavo Bebianno se comprometeu com “Jorge” (Jorge Oliveira, subchefe de Assuntos Jurídicos da Casa Civil) a não fazer ataques a Bolsonaro depois de deixar o governo. “Ele disse ao Jorge: ‘O que eu tinha para fazer, eu fiz ontem, eu não dou mais nenhuma palavra, acabou tudo ontem. Eu tô te dando a minha palavra. Ok?’”, relata Lorenzoni no áudio. Diante da suposta promessa de Bebianno, Onyx cita uma nota publicada pelo jornal Folha de S. Paulo, segundo a qual o ex-ministro está “preparando documentos” sobre a campanha, republicada pelo O Antagonista, e afirma ao presidente que Bebianno pediu ao site que apagasse o conteúdo. A nota não consta mais entre as publicadas pelo O Antagonista. Em outro trecho da conversa, Bolsonaro demonstra preocupação com os processos judicias de cuja defesa Bebianno se encarregou gratuitamente:  “Se ele me cobrar individualmente o mínimo, eu to f…”, disse o Presidente. “Tem que vender uma casa minha no Rio para pagar.”

Ao longo da última semana, li notícias, opiniões e ilações sobre a tal “crise imaginária” que dariam um livro de boas 500 páginas, e até agora não sei se o mentiroso e vilão da história é Bebianno, Bolsonaro, ou se ambas as alternativas estão corretas. No mundo real, ninguém minimante racional acha que Jair Messias Bolsonaro, tendo sido deputado federal por quase 30 anos, tem um passado de monge budista. Quando mais não seja, seu temperamento explosivo e suas opiniões polêmicas lhe renderam duas ações penais por injúria e incitação ao crime de estupro. Detalhe: a tramitação desses processos foi sobrestada por determinação do ministro Luiz Fux, mas não devido ao suposto “viés bolsonarista” do magistrado, como querem fazer crer os esquerdistas incorrigíveis, mas porque a Constituição, em seu artigo 86, § 4º, impede que o Presidente da República, na vigência do mandato, seja responsabilizado por atos estranhos ao exercício das suas funções.

Observação: Jair Bolsonaro se tornou réu no STF em 2016 por ter dito, num bate-boca com a deputada petista Maria do Rosário, que "não a estupraria a porque ela era muito feia". Também em 2016, Jean Willis, então deputado pelo PSOL e hoje auto exilado na Espanha, cuspiu em Bolsonaro e afirmou que cuspiria de novo, quantas vezes quisesse. Apesar de sua fama de "truculento" o capitão disse que a cusparada foi um fato gravíssimo, mas nem por isso processaria o cuspidor (muitos teriam lhe quebrado as fuças, mas isso é outra conversa).

Desperdiçar o tempo precioso da nossa Suprema Corte — que já não prima pela celeridade — com esses “crimes hediondos” imputados a Bolsonaro é, a meu ver, um absurdo monumental, mas vivemos sob a égide do “politicamente correto”. Não estivessem providencialmente mortos, Lamartine Babo e Engelbert Humperdinck correriam o risco de terminar seus dias na cadeia; o primeiro por ter composto o samba ”O teu cabelo não nega”, e o segundo por ter escrito o conto de fadas Hansel e Gretel (ou Joãozinho e Maria, como os protagonistas foram batizados pelo tradutor), em cujo final, se não me falha a memória, os dois irmãozinhos queimam a bruxa malvada em seu próprio forno.  

Vamos combinar: amar os filhos — e até mesmo ouvi-los em questões políticas — é humano, mas deixar-se manipular por eles e deixá-los espalhar crises a seu talante, de acordo com seus interesses particulares é um perigo institucional. Como bem pontou Merval Pereira em sua coluna, o Presidente ainda tem popularidade suficiente para seguir em frente e se tornar um grande líder político, mas precisa sair da bolha radicalizada em que ele e seus filhos fazem questão de permanecer.

ObservaçãoMarcelo Álvaro Antonio, outro suposto laranjeiro do PSL, pediu ao STF que a corte avoque para si a investigação sobre as denúncias publicadas pelo jornal O Estado, que estão sendo apuradas no âmbito da Justiça Federal de Minas. O argumento é de que os fatos teriam ocorrido durante o mandato de deputado estadual, do qual Antonio se licenciou para assumir o ministério do Turismo. O pedido chegou no último dia 18 ao gabinete do ministro Luiz Fux, que foi sorteado para relatar a ação. Segundo Onyx Lorenzoni, o governo “observa” e “acompanha” a situação do ministro do Turismo, mas ainda não se cogita de sua exoneração. 

Bambalalão / Senhor capitão / Quem não aprende com os erros / Acaba de calças na mão. 

quinta-feira, 21 de fevereiro de 2019

CRISE? QUE CRISE?



Já nem sei quantas vezes modifiquei este texto ou adiei sua publicação, tantos foram os fatos e versões que se sucederam desde que a Folha denunciou a laranjada do PSL nas eleições, transformando o cenário político numa espécie de figura produzida num caleidoscópio. E se a novela Fabrício Queiroz/Flávio Bolsonaro — que ainda não terminou — já continha elementos bastantes para preocupar o núcleo do governo, este novo folhetim está aí para provar que nada é tão ruim que não possa piorar.

Até onde a vista alcança, a crise que culminou com a exoneração do secretário-geral da Presidência se deve em grande medida a Carlos Bolsonaro, que nunca simpatizou com Bebianno e sempre teve ciúmes de sua influência sobre o pai. A essa antipatia se acirrou o filho do capitão se viu sem cargo no governo, enquanto o desafeto ganhou um ministério. Aliás, de tudo que vi, li e ouvi sobre esse rebosteio, nada supera o tuíte do impagável J.R. Guzzo, que reproduzo a seguir:

 “Ninguém na oposição está conseguindo prejudicar mais o trabalho do governo do que os três filhos do presidente. Não importam as intenções de cada um, mas sua conduta pública; o que fazem está sabotando o país. Ou Bolsonaro faz os três se calarem, hoje, ou vira um banana completo.”   

Cabe ao Presidente da República escolher seus ministros e demiti-los a qualquer momento, a seu talante. Mas a demissão serôdia de Bebianno, oficializada quase uma semana depois de a Folha denunciar o laranjal do PSL, produziu uma crise que talvez não tivesse existido se Carlos Bolsonaro não se aproveitasse da situação para se vingar do desafeto, desmentindo as conversas que ele afirmou ter tido com o Presidente, como forma de minimizar o estrago produzido pela denúncia da Folha.

Bebianno foi um dos primeiros a vislumbrar o potencial da candidatura de Jair Bolsonaro, a quem auxiliou de diversas maneiras ao longo do trajeto que o levou o capitão da Câmara ao Planalto. Ele nega as irregularidades, afirmando que não, como presidente nacional do PSL, não escolheu as candidatas que receberam dinheiro do partido, já que isso é prerrogativa dos diretórios regionais. Se a mágoa pode transformá-lo em “homem-bomba”, bem, sabemos que conhecimento é poder

Pelo visto, nem a nota lacônica lida pelo porta-voz da Presidência, na última segunda-feira, agradecendo os valorosos serviços prestados pelo ex-ministro, nem o pronunciamento feito em seguida pelo próprio Presidente, que elogiou tanto a atuação de Bebianno na campanha quanto sua dedicação ao cargo que ocupou por 50 dias, tiveram o condão de evitar a sucessão de desdobramentos que a mídia vem explorando alegremente, com destaque para os áudios que Veja divulgou na última terça-feira, e que, salvo melhor juízo, desmentem a versão de Carlos Bolsonaro (endossada pelo próprio Presidente), sobre Bebianno não teria conversado com o chefe. A menos, naturalmente, que não se considere como conversa uma troca de mensagens feita pelo WhatsApp, mas isso seria flertar com o ridículo. A pergunta é: Quem mentiu em toda essa história? Responda quem souber.

Observação: O jornalista Augusto Nunes, durante a transmissão do programa OS PINGOS NOS IS, na Rádio Jovem Pan, assumiu a responsabilidade pela divulgação dos áudios com as conversas por WhatsApp entre Bolsonaro e Bebianno, que lhe foram repassados pelo próprio ex-presidente do PSL.

Sem passado político nem mandato popular, Bebianno só ganhou maior protagonismo devido aos recorrentes entreveros com zero dois, a quem o Presidente se refere carinhosamente como “meu pitbull” — aliás, Carluxo anunciou praticamente todos os ministros pelo Twitter, com exceção de Bebianno, com quem disputava desde a campanha o controle da comunicação digital do capitão. Por outro lado, sua exoneração preocupa políticos, militares e assessores mais próximos do núcleo do governo, que receiam ter suas conversas privadas vazadas para o público pelos filhos do capitão, que usam suas contas no Twitter como metralhadoras giratórias sem controle, mirando em qualquer um.  

Parafraseando o Major Olímpio, líder do PSL no Senado, “Bolsonaro precisa fazer uma modulação do papel de pai com o papel de Presidente, assim como seus filhos têm que fazer o mesmo. Qualquer espécie de confusão entre esses papéis pode ser realmente desgastante em alguns episódios. Mesmo assim, o senador afirma que a saída de Bebianno não deve atrapalhar a articulação política do governo para aprovar a reforma da Previdência e o pacote de medidas anticrime. Parafraseando a mim mesmo, urge livrar o governo dessa aura de pseudo realeza e conscientizar os pseudo príncipes de que eles devem cuidar de seus próprios mandatos e deixar o comando da nação a cargo de quem foi eleito para comandá-la.

Nesse meio tempo, a Folha critica a Globo e classifica o SBT e a Record de emissoras “chapa-branca”. Para quem aprecia esse tipo de "jornalismo", recomendo dar uma lida nesta matéria. Antes de encerrar, algumas linhas da lavra de Augusto Nunes e, em seguida, a opinião de Josias de Souza

"O preço pago por Jair Bolsonaro para livrar-se de um ministro que nada fez de errado merece ser festejado por quem torce para que o governo dê certo. Na semana passada, o vereador Carlos Bolsonaro, que desencadeou a crise ao chamar Gustavo Bebianno de mentiroso, foi enfim devolvido ao local do emprego. E reapareceu na Câmara Municipal do Rio depois de meses de sumiço. Levou com ele o primo Leonardo Rodrigues de Jesus, vulgo Leo Índio.

Desde 1º de janeiro, quando desfilou no Rolls Royce presidencial com os pés sobre o banco traseiro, Carlos Bolsonaro permaneceu 24 horas por dia ao lado do pai. Hospedado no Palácio da Alvorada, ia de manhã para o Palácio do Planalto e ficava até o fim do expediente acampado no gabinete presidencial. Essa rotina só foi interrompida com a viagem do chefe de governo a Davos.

Carlos não desgrudou do pai nem mesmo no período em que Bolsonaro permaneceu hospitalizado, recuperando-se da terceira cirurgia desde o atentado ocorrido em Juiz de Fora. Léo Índio, por sua vez, foi 58 vezes ao Palácio do Planalto nos 49 dias de novo governo. A menos que tenha usado a alcunha como currículo para virar assessor especial para questões indígenas, ele não ocupa nenhum cargo oficial. Carlos e Léo Índio sumiram do Planalto. São duas ausências que preenchem uma lacuna. Ou duas."

Segue o texto de Josias de Souza:

"O vídeo divulgado pelo Presidente após o anúncio oficial da exoneração de Bebianno foi gravado por exigência do ex-ministro. O teor do pronunciamento foi minuciosamente negociado, com direito rasgados elogios. Em troca do silêncio do ora desafeto, Bolsonaro ladrilhou com pedrinhas de brilhante o caminho percorrido por Bebianno desde a coordenação da campanha presidencial até a poltrona de ministro, passando pelo período em que exerceu o comando de um PSL cítrico. Apenas os dois conhecem na plenitude os segredos que compartilham, mas o desfecho da negociação sinaliza o potencial destrutivo de uma eventual inconfidência.

Numa articulação que teve o ministro Onyx Lorenzoni como principal intermediário, Bebianno esclareceu que não aceitaria calado a "humilhação" de ser exonerado sob as pechas de desleal, incompetente e corrupto. Inicialmente, Bolsonaro deu de ombros, mas as conversas do final de semana suavizaram suas convicções. O Bolsonaro implacável com "todos aqueles que tentam praticar corrupção no Brasil" perdeu-se em algum lugar no trajeto que separa o entrevistado da Record do leitor de teleprompter da última segunda-feira. Acabrunhado com o resultado de sua metamorfose, o ex-Bolsonaro se absteve de reproduzir nas redes sociais o vídeo de sua contrição, comportando-se como um Narciso que acha feio o que deixou de ser o espelho dos habitantes de sua bolha no Twitter."

quarta-feira, 20 de fevereiro de 2019

LULA E O DEDO PERDIDO


Complementando o apanhado das muitas “virtudes” que renderam ao ex-presidente presidiário duas penas que somam 25 anos de cadeia (e ainda falta julgar seis ou sete processos), cumpre lembrar que o cinismo, a cara de pau e a desfaçatez são a marca registrada do DEMIURGO DE GARANHUNS desde muito antes da fundação do PT. Na época, diziam ele e seus asseclas, era preciso criar um partido que fizesse diferença na política, “não roubando nem deixando roubar”. Sabe-se agora, porém, que estava em gestação uma colossal organização criminosa que rapinaria o Erário por mais de uma década.

Se Lula tirou milhões da miséria, como insistem em dizer os militantes petistas — que não veem provas contra o SUMO PONTÍFICE DA SEITA DO INFERNO nem que elas lhes mordam a bunda —, foi para azeitar seu espúrio projeto de se perpetuar no poder encher as burras — dele, de seus familiares, amigos, apaniguados e afins.

O PARTEIRO DO BRASIL MARAVILHA já era uma fraude nos anos 1960, quando perdeu o dedinho da mão esquerda num rocambolesco acidente de trabalho (que lhe rendeu uma indenização de 350 mil cruzeiros). Segundo ele disse ao jornalista Mário Morel em 1979, “um companheiro que estava cochilando largou o braço da prensa, que fechou e lhe amputou o dedo”, e que, como o acidente ocorreu de madrugada, “ele teve de esperar o dia amanhecer para ser levado ao Hospital Monumento” — o único que atendia ao IAPI (instituto de previdência social da época).

Naquela época, frisou o ENVIADO PELA DIVINA PROVIDÊNCIA PARA ACABAR COM A FOME, PRESENTEAR A IMENSIDÃO DE DESVALIDOS COM TRÊS REFEIÇÕES POR DIA E MULTIPLICAR A FORTUNA DOS MILIONÁRIOS , “a segurança do trabalho era quase inexistente”. O que não deixa de ser verdade: o número de irmãos do REDENTOR DOS MISERÁVEIS que sofreram algum tipo de lesão confirma o título de "campeão de acidentes de trabalho" que o Brasil detinha na década de 1970; Vavá (cuja morte o explorador de cadáveres não perdeu a chance de usar politicamente) por pouco não ficou sem uma das mãos quando trabalhava em uma algodoeira; Jaime, o mais velho, teve parte dos dedos decepados numa serralheria; Zé Cuia, mecânico de caminhão, amassou a mão em uma máquina. E por aí vai.

O EXTERMINADOR DO PLURAL é tão falso quanto uma nota de 3 reais. É um protótipo de “desempregado que deu certo”, alguém que não trabalha desde os 30 anos — Lula deixou de ser operário em 1980, quando fundou o PT, mas, como líder sindical, já não dava expediente em chão de fábrica desde 1972. Numa conta de padeiro, mais da metade dos gloriosos dias do PICARETA DOS PICARETAS foi dedicada à “arte da política”, não ao batente diário que consome o tempo de milhões de brasileiros. 

Nem mesmo a narrativa da ALMA VIVA MAIS HONESTA DO BRASIL sobre seu “acidente” resiste a uma análise mais detalhada. Mas o mais curioso, nesse caso, é que a Fris-Moldu-Car — empresa que funciona até hoje e continua dando calote nos funcionários — “se apropriou” dessa falácia para reivindicar “relevância histórica” e escapar da falência através da recuperação judicial, a despeito de o SUPER MACUNAÍMA ter iniciado sua carreira de torneiro mecânico em outra metalúrgica. Na verdade, ele já havia trabalhado em duas empresas antes de ingressar na Fris, e foi numa delas — a Metalúrgica Independência, que ficava no bairro paulistano do Ipiranga — que perdeu o dedo.

As chances de alguém perder o dedinho ao operar um torno mecânico, que já são remotas, caem para quase zero quando o operador é destro — e o CRIADOR DE POSTES SEM LUZ é destro. Vale a pena conferir o que diz Lewton Verri, ex-engenheiro sênior da CSN e especialista em metalurgia de produção que conheceu o molusco na década de 70 e o tem na conta de um sindicalista predador e malandro, que traía os “cumpanhêros” começando e encerrando greves para ganhar dinheiro em acordos espúrios (mais detalhes nesta postagem).

Golbery do Couto e Silva ex-chefe da Casa Civil em dois governos militares e artífice da “abertura lenta e gradual” disse certa vez a Emílio Odebrecht que O FILHO DE MÃE NASCIDA ANALFABETA QUE NEM PRECISOU ESTUDAR PARA FICAR TÃO SABIDO QUE FALTA PAREDE PARA TANTO DIPLOMA DE DOUTOR HONORIS CAUSA “nada tinha de esquerda e que não passava de um bon vivant”. E o tempo provaria que ele estava certo.

Longe de ser o que a construção de sua imagem pretendia que fosse, O METALÚRGICO QUE APRENDEU A FALAR COM TANTO BRILHO QUE BASTA ABRIR A BOCA PARA ILUMINAR O MUNDO DE MARILENA CHAUÍ jamais passou de alguém avesso ao trabalho, que sempre viveu de privilégios e mordomias conquistados através de contatos proveitosos e a poder da total ausência daquele conjunto de valores éticos e morais que permitem distinguir o aceitável do inaceitável.

O EGUN MAL DESPACHADO que emergiu das delações da Odebrecht, desnudado da roupagem de mito, de salvador da pátria, não passa de um prestador de serviços a corporações corruptas de todos os matizes e origens em troca dos prazeres da boa vida, entre os quais a delícia de desfrutar do poder de maneira indecorosa e ainda se passar por político habilidoso, honesto e provido de um senso de justiça social sem paradigma na história deste país. 

Por essas e outras, O PAI DA MENTIRA pode passar o resto de seus imprestáveis dias numa cela de cadeia. Lula lá!

segunda-feira, 18 de fevereiro de 2019

LARANJADA NO PSL E CRISE NO PLANALTO

ATUALIZAÇÃO (16h45): O governo está em compasso de espera para o desfecho que Jair Bolsonaro dará ao imbróglio iniciado na semana passada, envolvendo o ainda ministro da Secretaria-Geral da Presidência. A expectativa é de que o impasse seja resolvido ainda hoje, e que o capítulo final seja transmitido daqui a alguns minutos, durante briefing do porta-voz da Presidência. A conferir.

O imbróglio envolvendo Flávio Bolsonaro e seu ex-assessor Fabrício Queiroz quase subiu rampa do Planalto quando zero um resolveu pleitear foro privilegiado junto ao STF. Mas o pedido foi negado pelo ministro Marco Aurélio, que de vez em quando dá uma dentro, e a investigação foi enviada de volta ao MP-RJ. Tanto o senador quanto seu ex-assessor negam ter participado ou tido conhecimento de irregularidades no caso, mas, curiosamente, nenhum dos dois anjinhos compareceu aos depoimentos agendados pelos procuradores.

Uma vez empossado Presidente, Jair Bolsonaro não pode ser investigado por fatos ocorridos anteriormente ao mandato, de modo que a parte que lhe toca nesse furdunço — e que se resume basicamente ao depósito feito por Queiroz na conta da hoje primeira-dama — vai ter de ficar para depois. Quanto a Flávio, o mínimo que se espera dele são explicações convincentes — que ele vem se recusando a dar, talvez com a esperança de que um fato novo o tire do foco da mídia. Se seu desejo for realmente esse, o senador pode se considerar atendido: uma nova crise eclodiu no governo assim que a Folha denunciou a ação de laranjas do PSL nas últimas eleições.

Durante o período eleitoral, Gustavo Bebianno era o presidente nacional do PSL e, portanto, o responsável pelo repasse de verbas aos candidatos. Diante da denúncia da Folha, ele disse em nota que não escolheu as candidatas que disputaram as eleições nos estados, pois isso era atribuição dos diretórios regionais. Mais adiante, em entrevista ao Globo, minimizou a crise afirmando ter conversado sobre o caso com o Presidente Jair Bolsonaro. Luciano Bivar, que sucedeu a Bebianno na presidência nacional do PSL, confirmou a versão do antecessor, e com isso a crise passaria ao largo do Palácio do Planalto se Carlos Bolsonaro não a puxasse rampa acima e depositasse no colo do papai.

Carluxo jamais simpatizou com Bebianno e sempre teve ciúmes de sua influência sobre o pai. As rusgas começaram durante a campanha, quando o factótum tinha carta branca para tomar as decisões mais delicadas e o rebento, que tinha um palpite a dar sobre tudo, se via limitado a cuidar das redes sociais da família. Vencida a eleição, o poder do “cão de guarda” se sobrepôs ao do “pitbull”: o primeiro assumiu a Secretaria-Geral da Presidência da República, e o segundo, que aspirava ao comando da Secretaria de Comunicação, ficou sem cargo no governo. 

Na semana passada, porém, zero dois viu a chance de se vingar do desafeto: “Ontem estive 24 horas do dia ao lado do meu pai e afirmo: É uma mentira absoluta de Gustavo Bebbiano (sic) que ontem teria falado 3 vezes com Jair Bolsonaro”, postou o filho enciumado no Twitter, seguido de um áudio no qual se ouve o pai dizer: “Ô Gustavo, está complicado eu conversar ainda. Então, não vou falar, não vou falar com ninguém, a não ser estritamente o essencial. Estou em fase final de exames para possível baixa hoje, tá ok? Boa sorte aí”. E assim foi feita a merda.

Visando minimizar os danos, Bebianno disse que suas conversas com o Presidente se deram pelo WhatsApp, e não por telefone, “como talvez tenha imaginado o filho Carlos”. Mas o pitbull não recuou, e, para piorar, o próprio Bolsonaro sustentou que não havia conversado com Bebianno, o que desfez a impressão de que o filho estava criando um salseiro no governo por conta própria, mas ao mesmo tempo deixou claro que ambos cantavam em coro.

A perspectiva da exoneração do ministro causou mal-estar no Planalto, inclusive no núcleo militar do governo. No último sábado, depois de se reunir com Bolsonaro no Alvorada, Onyx Lorenzoni, evitou falar com a imprensa, mas sabe-se que ele foi encarregado de costurar uma “saída honrosa” para pôr fim à polêmica em torno da exoneração do colega. A ideia de compensar Bebianno pela saída do primeiro escalão com um cargo na máquina federal fora do Palácio, porém, foi descartada, já que o artigo 17 da Lei 13.303/2016 veta essa possibilidade. 

Bebianno está nitidamente magoado com Jair Bolsonaro, e não se descarta a possibilidade de ele “cair atirando" . Ao portal G1, o ministro disse que "não se dá um tiro na nuca do seu próprio soldado”, que "é preciso ter o mínimo de consideração com quem esteve ao lado dele o tempo todo", além de publicar nas redes sociais um texto sobre “lealdade”. A julgar pelo trailer, o filme pode ser assustador.

Entre os 22 ministros de Estado, nenhum compartilhou mais a intimidade do Presidente do que Bebianno, que atuou como faz-tudo durante a campanha e, antes disso, como advogado, ganhou a confiança do então deputado ao se oferecer para defendê-lo de graça de uma acusação de homofobia. Agora, pego no contrapé, ele diz não entender a violência com que vem sendo atacado e a facilidade com que foi abandonado pelo Presidente.

Não convide Carlos Bolsonaro e Gustavo Bebianno para a mesma festa. Desde a companha que o filho do Presidente vem atuando nos bastidores para minar o poder do advogado junto ao pai. A grande chance surgiu na semana passada, e deu no que deu.

Carluxo sempre foi genioso, beligerante e adepto a teorias conspiratórias. Já arreganhou os dentes para o general Mourão, insinuando pelo Twitter que vice estaria interessado na morte do titular. Sua relação com o pai chega a ser obsessiva. Em 2000, aos 17 anos, desbancou a mãe e se tornou o vereador mais jovem do Rio, mas sentiu-se usado pelo pai quando descobriu que ele apoiou sua candidatura para evitar a reeleição da ex-esposa. Pai e filho ficaram sem se falar por anos, e, para reconquistar o rebento, o primeiro passou a ser mais tolerante com os caprichos do segundo.

Na última sexta-feira, os vereadores cariocas encerraram o recesso, mas não se sabe se Carluxo deixará Brasília para reassumir seu mandato. No Planalto, a torcida para que isso aconteça é grande, sobretudo devido à quantidade de problemas que a relação entre pai e filho tem gerado. Pelo sim ou pelo não, o pitbull infiltrou um primo no Palácio e o encarregou de acompanhar de perto os passos do pai. Vamos ver até onde tudo isso vai levar.