Mostrando postagens com marcador cumprimento da pena após confirmação da sentença em segunda instância. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador cumprimento da pena após confirmação da sentença em segunda instância. Mostrar todas as postagens

sexta-feira, 2 de março de 2018

A LEI NÃO PODE PARAR NO TEMPO



Minha ideia era publicar hoje um texto em que venho trabalhando há dias, sobre a passagem de Michel Temer pela presidência da república, suas promessas, seus feitos, seus fracassos e sua possível candidatura à reeleição. Mas o tema é complexo, já que uma coisa puxa outra e... enfim, para quem escreve ― sobretudo para os mais prolixos, como eu ―, reduzir uma matéria dessas a meia dúzia de parágrafos é o mesmo que tentar colocar um elefante dentro de uma latinha de ervilhas (só a CICA algo parecido, com seu saudoso Extrato de Tomate Elefante, como você poderá conferir mais adiante). 

Passando ao que interessa ― antes que eu me desvie de vez do assunto ―, vou continuara editando meu texto sobre o presidente (já dizia Drummond que escrever é a arte de cortar palavras) e publicá-lo amanhã, ou talvez no domingo. Para hoje, selecionei uma artigo (um tanto longo, é verdade) que o jornalista Carlos Alberto Sardenberg publicou na edição de ontem de O GLOBO. Leiam, tirem suas conclusões e, ao final, não deixem de assistir ao comercial da CICA, que era veiculado no final dos anos 1960.

"Agora, nesse exato momento, eu até fico pensando se não seria bom prender já na primeira instância esses bandidos que andam por aí".
Não se trata de um voto em alguma corte superior, muito menos de um parecer juntado aos autos. Foi uma frase dita numa conversa rápida com jornalistas, na saída de um evento. Mas conhecendo-se o autor, a tirada ganha força especial.
Trata-se de Eros Grau, advogado e professor de Direito, como ele se apresenta hoje, e ex-ministro do Supremo Tribunal Federal, como todos conhecem. Ocorre que ele, se não quer apagar, pretende colocar em plano bem inferior sua passagem pelo STF. "Não me entusiasmo" (por ter sido ministro), comentou o jurista.
Entretanto, sua passagem por lá e sua frase mais recente, dita na última terça, em São Paulo, tiveram e têm enorme e muito atual importância. Ocorre que Eros Grau foi o autor, no Supremo, do voto que, em 2009, mudou o entendimento da corte sobre a execução da pena.
Até então, entendia-se que o condenado em segunda instância já poderia ser preso e assim iniciar o cumprimento da pena. Grau argumentou ― e formou maioria ― que o condenado só poderia ser preso depois de esgotados todos os recursos nas instâncias superiores.
Em 2016, com Grau já fora do Supremo, e por uma apertada maioria de 6 a 5, a corte voltou ao entendimento anterior: que a prisão após condenação em segunda instância é constitucional e não viola o princípio da presunção de inocência.
Mas o caso não morre aí. Há um debate nacional sobre a necessidade ou não de mudança desse entendimento. Debate que vai pegando fogo na medida em que Lula foi condenado na segunda instância e se aproxima o momento em que o TRF-4 irá julgar o último recurso e determinar a prisão do ex-presidente. Temos, portanto, uma questão em tese, de doutrina jurídica, e um caso político, especial, que é a situação de Lula.
O pessoal, digamos, assim, do "velho direito" brasileiro, do garantismo, acha que a prisão em segunda instância é um absurdo. Seguem o pensamento e a prática, como diz o jurista José Eduardo Faria, do direito romano-germânico, "bastante litúrgico, cheio de entraves burocráticos, cheio de sistemas de prazos e recursos que permitiam aos advogados discutir não grandes questões factuais, mas sim teses, pleitear vícios, aguardar que tais pleitos fossem julgados lentamente e, assim, obter a prescrição dos crimes dos seus clientes".
Dito de outro modo: se o condenado só puder ser preso depois de todos os recursos em última instância, isso significa no Brasil, sobretudo no Brasil dos mais ricos, que não vai em cana nunca mais (o grifo é meu).
Contra o garantismo, surgiu e se desenvolve no Brasil um novo direito penal econômico, praticado especialmente na Justiça Federal de primeira e segunda instância, pelo Ministério Público e por setores da Polícia Federal. Sim, estamos falando, entre tantos, de Sérgio Moro, em Curitiba, de Marcelo Bretas, no Rio, e dos desembargadores Thompson Flores, João Pedro Gebran, Leandro Paulsen e Victor Laus, em Porto Alegre.
Na linha do mensalão, essa turma, nos seus 45 anos, e seguindo a descrição de José Eduardo Faria, tem uma "visão mais americana, mais voltada a esse direito penal que vai direto ao foco, que trabalha com a identificação de atos que fogem a determinados padrões. Em geral, essa nova visão do direito penal é, de fato, sustentada por pessoas e equipes que entendem de contabilidade, que usam bem a tecnologia, que têm formação interdisciplinar, que sabem identificar procedimentos de ocultação de propriedades e de patrimônio. É uma turma capaz de descobrir os rastros deixados por documentos em vastas cadeias utilizadas para ocultar patrimônio ou dinheiro sujo".
Essa doutrina não nasceu por acaso, mas para responder à sofisticação global dos crimes de corrupção e lavagem de dinheiro, especialmente ligados ao tráfico de drogas e ao terrorismo. No caminho, apanhou sonegadores que escondiam dinheiro no caixa dois.
Essa doutrina começou a se introduzir no país com o julgamento do mensalão e se instalou com o petrolão, já então apoiada nos essenciais instrumentos da delação premiada e do acordo de leniência. Mudaram as circunstâncias, muda o crime, muda-se o direito penal, mudam-se as interpretações (o grifo é meu).
Com o entendeu Eros Grau. Com tantos bandidos por aí, pode ser o caso de prender esses bandidos da corrupção e do assalto ao Estado logo na primeira instância. Perguntado por um repórter se estava falando de Lula, o jurista respondeu: "Inclusive. Não tenha dúvida nenhuma porque se ele foi condenado depois de uma série de investigações e tudo é porque ele é um sujeito culpado". Grau não se julga contraditório. Ele entende que a mudança na realidade (na sociedade, nos costumes, na vida) exige nova interpretação da mesma lei.
O ministro Gilmar Mendes e seus seguidores falam com desprezo do "direito penal de Curitiba". Seria uma aberração. Mas há, sim, um novo direito, é praticado em Curitiba, e está colocando um monte de bandidos na cadeia. 


 Visite minhas comunidades na Rede .Link:

quarta-feira, 31 de janeiro de 2018

QUEM CONDENA CRIMINOSOS É A JUSTIÇA, NÃO AS URNAS



Depois que o TRF-4 confirmou a condenação de Lula, virtuais candidatos à presidência ― entre os quais Geraldo Alckmin e o improvável Michel Temer ― vêm dizendo que seria melhor que o demiurgo de Garanhuns fosse derrotado nas urnas, mas só o fazem porque estão de olho nos votos de parte dos seguidores da Seita do Inferno, que insistem na tresloucada teoria de perseguições, conspirações, golpes e asneiras que tais. Alguém deveria avisar a esses senhores que a prerrogativa de condenar e absolver réus em ações criminais é da Justiça, não das urnas, mesmo que o réu seja um ex-presidente da República e figure em primeiro lugar nas pesquisas de opinião pública sobre a sucessão presidencial (como eu costumo dizer, a cada segundo nasce um idiota neste mundo, e os que nascem no Brasil já veem com título de eleitor).

Uma vez condenado por um colegiado, Lula se tornou inelegível à luz da lei da Ficha-Limpa (volto a esse assunto oportunamente). E ainda que o entendimento do STF quanto ao cumprimento da pena após condenação em segunda instância não seja unânime ― a questão foi levada três vezes a plenário e o placar de 6 votos a 5 ainda pode mudar ―, a prisão do demiurgo de Garanhuns poderá ser decretada assim que o TRF-4 julgar os embargos declaratórios (recurso que não tem o condão de reverter a condenação), já que, após ratificarem a condenação, os três desembargadores da 8.ª Turma determinaram que a execução provisória da pena seja iniciada tão logo esgotada a jurisdição daquele Tribunal.

Observação: A defesa de Lula impetrou um habeas corpus preventivo no STJ, visando afastar a determinação da execução provisória da pena, mas, no início da noite de ontem, o ministro Humberto Martins, presidente em exercício daquela Corte, negou o pedido.

Na noite da última segunda-feira, durante um jantar promovido pelo site Poder360, a ministra Cármen Lúcia afirmou que “usar a situação do ex-presidente Lula para rever a decisão sobre o início da prisão dos condenados em segunda instância seria apequenar muito o Supremo”. Disse ela que o tema nem sequer foi discutido com outros ministros da Corte, que não há previsão para um novo julgamento e que é improvável que o Supremo reverta o entendimento atual de que condenados em segunda instância ficam automaticamente impedidos de concorrer a cargos públicos, independentemente de entrarem com recursos em tribunais superiores.

Com efeito, a imagem do STF ficaria profundamente arranhada se o entendimento vigente fosse modificado neste momento, pois deixaria nítido o favorecimento ao ex-presidente petralha. Se realmente for necessário reabrir os debates, que isso seja feito mais adiante, preferencialmente depois das as eleições, quando o cenário político já não estiver tão conturbado. Mesmo assim, o decano Celso de Mello tem puxado uma corrente de decisões monocráticas que de certa forma visam regulamentar o entendimento do Plenário, e os ministros Marco Aurélio, Gilmar Mendes e Ricardo Lewandowski vêm concedendo liminares para afastar a execução antecipada da pena, a pretexto de entendê-la inconstitucional. Vejamos isso melhor.

Segundo a Constituição, “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória” (Art. 5º, LVII). Esse é o fundamento do princípio da presunção de inocência (ou da não culpabilidade). Até fevereiro de 2009, o STF entendia que a interposição de recurso especial (ao STJ) ou de recurso extraordinário (ao STF) não impediria a execução provisória da pena de prisão, não havendo, portando, violação ao princípio da presunção de inocência, até porque os recursos especial e extraordinário não possuem efeito suspensivo. A título de ilustração, transcrevo abaixo trecho de uma decisão da 2.ª Turma do Supremo:

“(…) IV – O recurso especial e o recurso extraordinário, que não têm efeito suspensivo, não impedem a execução provisória da pena de prisão. Regra contida no art. 27, § 2º, da Lei 8.038/90, que não fere o princípio da presunção de inocência. Precedentes. V. – Precedentes do STF (…)”. (STF, Segunda Turma, AI-AgR 539291/RS, Rel. Min. Carlos Velloso, j. em 04.10.2005, DJ de 11.11.2005).

Mais adiante, em sessão plenária realizada em 2009, o STF alterou, por maioria, sua jurisprudência, passando a entender que a ausência de eficácia suspensiva dos recursos extraordinário e especial não seria obstáculo para que o condenado exercesse o direito de recorrer em liberdade. Com isso, prevaleceu o entendimento segundo o qual a prisão antes do trânsito em julgado da condenação somente poderia ser decretada a título cautelar. Em 2016, todavia, o STF resgatou o entendimento que vinha adotando até fevereiro de 2009, ou seja, de que a possibilidade de início da execução provisória da pena condenatória após confirmação da sentença em segundo grau não ofende o princípio constitucional da presunção de inocência (essa mudança na jurisprudência ocorreu no julgamento do HC 126.292, da relatoria do ministro Teori Zavascki).

De acordo com essa diretriz interpretativa, “a manutenção da sentença penal pela segunda instância encerra a análise de fatos e provas que assentaram a culpa do condenado, o que autoriza o início da execução da pena”. Aliás, Zavascki salientou em seu voto que se deve presumir a inocência do réu até que a sentença penal condenatória seja confirmada em segundo grau, a partir de quando exaure-se o princípio da não culpabilidade, até porque os recursos cabíveis da decisão de segundo grau ― ao STJ ou STF ― não se prestam a discutir fatos e provas, mas apenas matéria de direito. Além disso, citou a ministra Ellen Gracie, que, no julgamento do HC 85886, sentenciou: “em país nenhum do mundo, depois de observado o duplo grau de jurisdição, a execução de uma condenação fica suspensa aguardando referendo da Suprema Corte”.

Resumo da ópera: 1) A presunção de inocência exaure-se após a confirmação da sentença penal pelo tribunal de segundo grau; 2) Os recursos cabíveis da decisão de segundo grau, ao STJ ou STF, não se prestam a discutir fatos e provas, mas apenas matéria de direito.

Convenhamos que não faltam argumentos abalizados contra e a favor do cumprimento da pena após condenação em 2.ª instância. Por outro lado, seria calamitoso modificar o entendimento atual, considerando que vivemos num país onde os poderosos (economicamente falando) são useiros e vezeiros em se valer da vasta gama de recursos oferecidos pelas quatro instâncias do Judiciário para evitar a prisão até que a prescrição impeça a execução da pena (vejam, por exemplo, o caso de Paulo Maluf, ou de Luiz Estevão, que ingressou com nada menos que 120 recursos até ser preso).

Na avaliação do juiz Sérgio Moro, a decisão do Supremo (de 2016) fechou uma janela para a impunidade. A pergunta é: a quem interessa reabri-la?

Visite minhas comunidades na Rede .Link: