A “Delação do Fim do
Mundo” ― acordo de leniência da Odebrecht
e delações de 77 executivos da alta cúpula da empreiteira ― deverá ser
homologado no mês que vem pelo ministro Teori
Zavascki, que trabalhará com sua equipe durante o recesso na análise da farta
documentação e dos 900 depoimentos gravados, que envolvem mais de 200
políticos, dentre os quais alma viva mais honesta do Brasil, sua carrancuda
pupila e sucessora e o atual presidente da Banânia. Céus e terras, tremei!
O fato de o nome do presidente ter sido suscitado nas
delações (só na confissão do ex-diretor de relações institucionais da Odebrecht, Cláudio Melo Filho, ele é mencionado 43 vezes) não melhora em nada
sua popularidade. Temer já era
rejeitado tanto pelos simpatizantes da petralhada, que o veem como traidor e
golpista, quanto pelos que comemoraram o final do governo petista ― afinal, o atual presidente não só foi vice da calamidade em forma de gente, mas também presidente
do PMDB, de longe o maior partido da
base aliada do governo petista, e o que mais corruptos abriga em suas fileiras
(em números absolutos).
Temer ascendeu à presidência porque a Constituição não nos dava outra opção para penabundar a imprestável
gerentona de araque e pôr fim aos desmandos lulopetistas. No entanto, gostemos
ou não, é ele quem está no timão e a quem compete evitar que esta Nau dos Insensatos se torne um Titanic de dimensões continentais ― uma
tarefa difícil, notadamente quando falta a seu executor respaldo popular e
sobram perrengues como a queda de 6 ministros em apenas seis meses de governo, a
oposição ferrenha e sistemática dos defensores do quanto pior melhor, as
limitações inerentes ao presidencialismo de coalizão, a sombra ameaçadora da Lava-Jato, o estremecimento das
relações entre os Poderes, e por aí vai.
Para muitos, o atual governo é uma decepção. Afinal, dizem eles, sete meses se passaram e o país não mudou,
a economia continua patinando, o desemprego, crescendo e o PIB, em patamares calamitosos, não dá sinal de recuperação. E se
inflação recuou, foi devido à recessão, não às medidas adotadas pela nova
equipe econômica ― que só deverão surtir efeitos no médio e no longo prazos. Mas
se esquecermos o micro por um instante e focarmos o macro, veremos que,
primeiro, atribuir a Temer a culpa por toda essa desgraça é injusto, pois quem abriu a Caixa
de Pandora foi Dilma; segundo, porque Brasil de 2016 está longe de ser o mesmo
país que era no apagar luzes de 2015. Senão, vejamos.
Como bem salientou J.R.
Guzzo em mais um análise memorável (publicada na edição de 28 de dezembro
da revista Veja), no final do ano passado tínhamos uma presidente encurralada no
Palácio do Planalto, sem autoridade, sem nexo e sem respeito; um presidente da
Câmara descrito como homem de poderes sobrenaturais, que ocupava uma posição
essencial para os destinos da nação; e um vice-presidente decorativo, mas que,
por suas celebradas habilidades no manuseio de parlamentares e políticos em
geral, era visto como uma ponte que poderia conduzir Dilma à salvação.
Isso sem mencionar um ex-presidente da República
que posava de gênio da política, sempre prestes a “virar o jogo” mediante
conchavos milagrosos ― e que meses depois tentaria nomear a si próprio ministro
da Casa Civil e, a partir daí, resolver a situação toda em seu benefício ―,
além de um cangaceiro presidindo o Senado e atuando como marechal de campo na
guerra para manter no comando a presidanta, seu abjeto antecessor e seu espúrio
partido. Mas não sobrou pedra sobre pedra de nada disso.
Ao longo de 2016, Dilma se tornou uma ex-presidente em
processo de inscrição no arquivo morto da política brasileira; o então
poderosíssimo presidente da Câmara está há dois meses no xadrez; o Cangaceiro
das Alagoas perdeu e recuperou o cargo, virou inimigo figadal da militância
vermelha e está a caminho do cemitério político; o gênio da política que ia
salvar a anta vermelha, o PT e os
aliados ― além de si mesmo, é claro ― está com cinco processos penais nas
costas, e o máximo que pode esperar do futuro próximo é não ir para a cadeia.
Sem falar que o então vice-presidente da República, ora promovido a titular,
passou de grande articulador político a traidor e demônio número 1 da esquerda,
e hoje tem como principal preocupação escapar do lamentável destino que teve a
sua antecessora.
Observação: Como ponderou Eugênio Bucci em sua coluna na revista Época, “2016 nocauteou as
esperanças de muita gente no Brasil, à esquerda e à direita. Para aqueles que
acreditavam em certos profetas do socialismo tropical, foi desalentador. A
ficha penal de seus caudilhos adorados já não deixa brechas para as desculpas
que vinham funcionando até pouco tempo atrás. Não adianta mais dizer que seus
ídolos são vítimas de perseguições caluniosas produzidas por um complô
reacionário contra os libertadores do povo brasileiro. As provas vão se
mostrando mais e mais irrefutáveis, impossíveis de negar. A corrupção primeiro
seduziu, depois dominou e, ao final, dizimou alguns dos nomes mais respeitados
da esquerda. Seus antigos seguidores, com a dor estampada no rosto, calam um
pranto silencioso na ressaca de uma tragédia moral. Buscam formas de recomeçar,
abrem janelas tristes para a imaginação machucada, tentam não desistir do
sonho, mas ficou difícil. A esperança, a que resta, já não vence o medo e a
vergonha.
Diante do que foi dito até aqui, o leitor pode até
argumentar que a situação não melhor. Mas em momento algum eu disse que as
coisas vão bem, até porque elas não vão. Eu disse que a situação mudou, o que
não é a mesma coisa. Todavia, não haverá uma nova Dilma depois de 2016, nem tampouco outro governo como o dela, e
basta olhar a coisa por esse ângulo para sentir uma sensação de alívio imensa e
imediata. Quando por mais não seja, o ano que ora se despede valeu pelo funeral
político dos que mandaram diretamente no Brasil durante mais de uma década,
embora muita gente ― a começar pelas forças que deixaram o governo ― tente
vender a ideia de que nada mudou, buscando levar os brasileiros a acreditar
numa coleção cada vez maior de impossibilidades materiais.
Faz parte desse múltiplo conto do vigário, por exemplo, a
noção de que as pessoas sejam capazes de ficar, ao mesmo tempo, contra Renan e a favor de Lula. Ou então indignar-se com Sérgio
Cabral e não levar em conta que ele foi um herói tanto de Lula quanto de Dilma ― homem de admirável coração, segundo um, ou o melhor
governador do país, segundo a outra. Dentro da mesma sequência de fábulas,
espera-se que levem a sério a informação de que o ex-presidente petralha vem
passando o chapéu por não dispor de recursos para custear sua defesa na
Justiça, já que continua um homem pobre ― mesmo tendo recebido dezenas de
milhões de reais de empreiteiras e outras em presas a título de remuneração por
palestras a que ninguém assistiu.
Enquanto se mantém por aí, a contrafação das realidades não
parece destinada a produzir efeito prático algum. O barulho vai continuar, é
claro, até porque é comum as pessoas gritarem mais alto quando percebem que têm
cada vez menos fatos a seu favor. Mas na prática não se vai muito além disso ―
barulho. Veja-se a situação da nefelibata
da mandioca, que até outro dia era presidente da República, e agora, como
se observou em mais de um espetáculo de profunda melancolia, pobre e
constrangedor, bate boca no ar com o repórter de um canal de TV árabe. Ou o
esforço que fazem os advogados de Lula
para destemperar o juiz Sérgio Moro
nas audiências, usando de linguagem agressiva e sem cabimento, à ausência de
argumentos realmente sérios para responder às denúncias feitas contra seu
cliente (afinal, é difícil defender o indefensável). Mas negar a verdade não
altera os fatos. Nem as populações muçulmanas vão pressionar o Brasil para
reabilitar a anta petralha, nem o magistrado responsável pelos processos da
Lava-Jato vai sair na porrada com os defensores do penta-réu, propiciando com
isso o milagre da anulação do processo inteiro ― “zerar tudo”, como sonham dez
entre dez acusados de corrupção perante a Justiça Penal Brasileira.
Lula e o PT vivem uma situação surreal. A
despeito de ter se tornado réu pela quinta vez (até agora) e de estar a um
passo de amargar sua primeira condenação, o molusco abjeto insiste em se
autodeclarar a alma viva mais honesta do
Brasil e afirmar que tudo que existe contra ele é fruto de uma descabida
perseguição do juiz Sergio Moro.
Seus seguidores, refratários aos fatos e divorciados da realidade, têm-no na
conta de candidato natural pelo PT
em 2018, ignorando solenemente o fato de que as sentenças que serão impostas a
seu amado líder torná-lo-ão inelegível não só nas próximas eleições, mas também
nas posteriores.
Observação: A condição de penta-réu, conferida a Lula no último dia 19, sepulta a narrativa
de que seu calvário judicial parte da República
de Curitiba ― embora esta tenha sido a segunda denúncia que o magistrado da
13º Vara Penal Federal do Paraná aceitou contra o petralha, outras três ações
em que ele é réu tramitam na Justiça Federal do DF, sob a batuta do juiz Vallisney de Souza Oliveira.
No mundo real, o sumo pontífice da Petelândia corre o risco
de não poder sequer ser candidato. Se o
STF
já decidiu que réus em ação penal não podem ocupar cargos na linha sucessória
presidencial ― e pariu aquela vergonhosa jabuticaba que criou a figura do “
meio senador” (mais detalhes
nesta postagem) a pretexto de preservar
a governabilidade do país ―, seria um contrassenso
Lula ser empossado presidente, caso viesse mesmo a concorrer e, por
absurdo, conseguisse se eleger. E como
se isso não bastasse para podar os delírios abilolados da tigrada vermelha, diferentemente
do que acontece no
STF, onde os
processos tramitam a passos de cágado paraplégico, as ações da
Lava-Jato levam, em média, 6 meses para
ser julgadas na
13ª Vara Federal Criminal
de Curitiba, e o
TRF da 4ª Região costuma levar o mesmo tempo para referendar as sentenças do juiz
Sergio Moro. Deu para entender ou quer que eu
faça um
Power Point?
Resumo da ópera:
Os desafios do Brasil para o próximo ano são imensos. O país precisa voltar a
crescer para elevar o padrão de vida material do seu povo e explorar nossa
energia criadora em sua plenitude. Precisa aprovar reformas estruturais para modernizar-se
e competir com qualidade no mundo globalizado. Precisa civilizar a vida
política, estabelecendo um padrão ético aceitável, e superar as feridas de uma
profunda divisão de ideologia e métodos. Precisa, enfim, reencontrar o caminho
da estabilidade institucional, arranhada nos últimos tempos.
Feliz ano novo a todos.