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domingo, 18 de setembro de 2022

CONTAGEM REGRESSIVA

 

Andrei Roman, CEO do instituto Atlas Político, disse que não acredita numa onda de crescimento de Bolsonaro na reta final da campanha. Segundo ele, o candidato à reeleição tem apenas 25% de probabilidade de vencer a disputa. 

Não fosse a alternativa, essa seria uma ótima notícia.
 
Bolsonaro confirmou presença no funeral de Elizabeth II. A cerimônia está marcada para amanhã. Bem que ele poderia ficar por lá — Londres é linda nesta época do ano.
 
A despeito do grande esforço feito para convencê-lo a segurar a língua neste 7 de Setembro, Bolsonaro incentivou suas plateias a vaiar integrantes do STF e ameaçou “enquadrar quem joga fora das quatro linhas da Constituição”. 

Comparado com os discursos golpistas de 2021, os deste ano foram café-pequeno. Mesmo assim, ficou evidente que o presidente não teve nenhum escrúpulo em usar a máquina pública em seu favor. As imagens mostram claramente que Bolsonaro sequestrou as comemorações, transformando o bicentenário da Independência em evento de campanha.

Diversos partidos acionaram o TSE, alegando que o desfile cívico-militar de Brasília e as apresentações de navios e paraquedistas no Rio de Janeiro se confundiram completamente com os comícios que vieram em seguida, configurando abusos de poder político e uso de recursos públicos em proveito próprio. O que eles pretendem é, obviamente, a inelegibilidade de Bolsonaro (o que poderia favorecer Simone ou Ciro, e, como diz o ditado, quem não tem cão caça com gato).
 
O TSE atendeu a um pedido da coligação que apoia o PT e determinou que o Bolsonaro e Braga Netto sejam impedidos de usar imagens dos atos de 7 de Setembro no horário eleitoral. Na decisão, o ministro Benedito Gonçalves também ordenou que a TV Brasil remova trechos de vídeo em que a cobertura do desfile do bicentenário da Independência foi usada para promover o candidato à reeleição. 
 
Segundo o Ipec (ex-Ibope), Lula segue na liderança, com 46% das intenções de voto. Bolsonaro tem 31%. Ciro Gomes apareceu em terceiro lugar, com 7%. Simone Tebet ficou em quarto lugar, com os mesmo 4% da pesquisa anterior. Felipe d’AvilaSoraya Thronicke também permaneceram com 1% cada. Vera Lúcia, Eymael e os demais postulantes delirantes não chegaram a pontuar.
 
O Instituto Paraná mostra Lula e Bolsonaro empatados no primeiro turno (dentro da margem de erro de 2,2 pontos percentuais). Ciro e Simone também aparecem tecnicamente empatados nessa pesquisa. Brancos e nulos somam 6%, enquanto os que não sabem/não responderam representam 4%. 

Já o Datafolha aponta que o capitão-tragédia é visto como o candidato que mais mente na campanha — o que comprova que o picareta dos picaretas mente melhor. 
 
Cá entre nós, se o eleitorado tivesse um pingo de vergonha na cara... bom, deixa pra lá.

quinta-feira, 30 de setembro de 2021

SOBRE POLÍTICOS E FRALDAS (FINAL)


O BRASIL É A MAIOR PIADA DE PORTUGUÊS DA HISTÓRIA

Precisamos estancar a sangria”, disse o ex-senador Romero Jucá, em momento realmente histórico da política brasileira, durante o governo Michel Temer. Pois foi isso, exatamente, que o engavetador-geral Augusto Aras fez: estancou a sangria.

Poucas vezes um mandarim da política de Brasília resumiu tão bem como Jucá os sentimentos verdadeiros dos seus pares. E poucas vezes um PGR fez com tanta perfeição o trabalho que os políticos brasileiros realmente esperavam dele.

É por essa razão, e nenhuma outra, que os fugitivos da lei penal ficam tão quietinhos quando o assunto é PGR. Os mais excitados ativistas em favor da “democracia”, e contra o genocida de direita, jamais deram um pio neste assunto. O genocida, aí, vira um grande homem.

Aras piorou notavelmente o seu desastre ao congelar investigações sobre o filho do presidente. Ele somente se manifestou em 3 ações que envolvem o governo Bolsonaro depois de levar uma carraspana da togada Cármen Lúcia, que, na última sexta-feira, mandou-o devolver, com ou sem parecer, os processos que aguardavam manifestação — as ações haviam sido enviadas ao órgão ministerial em fevereiro, abril e maio deste ano, e de lá para cá a AGU já tinha se manifestado. Aras se cala, consente e está mantido no cargo. “Governabilidade” deve ser isso aí.

ObservaçãoEsse não foi o único episódio em que ministros tomaram atitudes frente à demora da PGR em se manifestar em processos envolvendo Bolsonaro ou apoiadores do presidente. A mesma ministra Cármen Lúcia já havia cobrado celeridade do órgão em um pedido de investigação contra o capitão — ao determinar em 13 de agosto a prisão do ex-deputado Roberto Jefferson, o ministro Alexandre de Moraes mandou a PGR se manifestar até o dia 6 daquele mês, o que não foi feito. Também em agosto o ministro Dias Toffoli intimou a PGR a se manifestar sobre uma ação do senador Alessandro Vieira (que visa busca obrigar Bolsonaro a apresentar provas de supostas fraudes nas eleições de 2014 e 2018).

O estadista de fancaria que (ainda) ocupa o Palácio do Planalto rebaixou Brasil aos olhos da comunidade internacional em sua mais recente passagem por Nova Iorque. Esse episódio em particular deixou os cidadãos de bem em dúvida sobre ter vergonha ou nojo de ser brasileiro.

Semanas antes da viagem da comitiva presidencial aos EUA, o capitão tentou transformar o feriado de 7 de setembro num ensaio geral do seu golpe de Estado, mas conseguiu apenas avançar mais alguns passos rumo à ruptura institucional e fomentar protestos em que os organizadores sonham reproduzir as campanhas pelas Diretas Já. Infelizmente, as manifestações pró-impeachment do último dia 12 foram pífias. Tão pífias quanto a manifestação de Aras, que classificou a palhaçada de "festa da democracia".

Os discursos golpistas não derrubaram Bolsonaro, mas tiraram-lhe o benefício da dúvida sobre suas reais intenções. Ou alguém ainda acredita que haverá transição pacífica de poder se essa aberração permanecer no cargo até o final do ano que vem? A sociedade precisa se mobilizar.

O ministro Luiz Fux fez um dos discursos mais incisivos da história do STF, mas que deveria ter sido feito quando Bolsonaro participou de manifestações antidemocráticas na porta do QG do Exército. O tempo de falar acabou, ministro. É chegada a hora de agir.

Não restam dúvidas de que o maior obstáculo para a recuperação econômica do Brasil é o próprio presidente. No “day after” das manifestações, o Ibovespa despencou 3,78% — fazendo com que as empresas perdessem R$ 195 bilhões em valor de mercado — e o dólar aumentou quase 3% — a maior alta desde junho de 2020. Mas Bolsonaro também despencou no mercado futuro da política.

A tropa de choque do Centrão continua disposta a segurar o impeachment. Afinal, quanto mais o alienado se encalacra, mais sobe o preço cobrado pelas marafonas do Parlamento pelo aluguel da blindagem. No entanto, ainda que estejam felizes como pintos no lixo com os milhões do Orçamento que conseguem direcionar para seus estados, os centristas mantêm um olho no peixe e outro no gato. Para alguns, defender o atual governo está ficando desconfortável, e nada indica que a situação vá melhorar. E é público e notório que as carpideiras do Congresso carregam o caixão até o cemitério, mas não pulam para dentro da cova junto com o falecido.

Até junho, o avanço da vacinação e a recuperação da economia sugeriam núpcias prósperas e duradouras, mas muitos parlamentares — inclusive no PL, no Republicanos e no próprio PP, que é o núcleo do centrão bolsonarista —, já não sabem se marcarão ao lado de Bolsonaro na campanha de 2022.

De acordo com uma recente pesquisa Datafolha, 76% dos entrevistados acham que o presidente deve sofrer impeachment se descumprir ordem da Justiça. Como se não bastasse, a popularidade do mandatário nunca esteve tão baixa, o que leva os partidos da base do governo a fazer planos para desembarque caso a situação não melhore até março do ano que vem.

Bolsonaro sempre foi o maior adversário de seu próprio governo. O espetáculo golpista do último dia 7 alarmou o mundo e foi manchete na mídia internacional. Personalidades e ex-presidentes de mais de 25 países demonstraram preocupação com um possível retrocesso autoritário.

Dada a possibilidade de ruptura institucional, o governo americano emitiu um alerta de segurança a seus cidadãos no Brasil, já que não lhe passaram despercebidas as tentativas de Bolsonaro de se aproximar de antigos auxiliares de Donald Trump, como Jason Miller — que foi interrogado em Brasília pela PF no próprio 7 de setembro (no escopo do inquérito que apura a organização e o financiamento das manifestações antidemocráticas).

Entidades como CNBBOABABISBPCABC e a Comissão Arns também demonstram preocupação com "a apropriação da nossa data cívica por indivíduos obstinados em semear divisões entre os brasileiros, disseminando o ódio e a intranquilidade para dar passagem a um projeto político de viés personalista, declaradamente autoritário, que deve ser repudiado por toda a sociedade”.

E viva o povo brasileiro.

quarta-feira, 10 de agosto de 2022

A FESTA DA DEMOCRACIA

Numa democracia de respeito, a eleição presidencial pelo voto popular é a expressão suprema da soberania de seu povo. Não é o caso do Brasil, infelizmente. O eleitor tupiniquim, que jamais se notabilizou pela capacidade cognitiva, incorporou à desinformação e à ignorância que sempre nortearam seu comportamento nas urnas. 
 
Em momentos distintos da nossa história republicana, Pelé, o eterno rei do futebol, e João Figueiredo, o general-presidente que preferia o cheiro dos cavalos ao cheiro do povo, disseram que os brasileiros não estavam preparado para votar. Ambos foram muito criticados, mas o tempo demonstrou que eles estavam certos.
 
Está visto que, 
a exemplo do pleito presidencial de 2018, as eleições de outubro serão pautadas pelo fígado — isso se nossa democracia capenga sobreviver ao próximo 7 de setembro. A diferença é que as moscas mudaram de posição, mas a merda continua exatamente a mesma. E a volta do lulopetismo corrupto será um preço alto a ser pago pelo defenestramento do bolsonarismo boçal (reconheço que as alternativas não são grandes coisas, mas fazer sempre as piores escolhas é levar a burrice ao extremo).
 
A menos de um mês da comemoração dos 200 anos da Independência do Brasil (e a menos de dois meses do primeiro turno das eleições), Bolsonaro voltou a convocar os anormais a assistirem ao desfile que Marinha, Exército, Aeronáutica, Polícia Militar e Corpo de Bombeiros farão em Copacabana. O prefeito do Rio disse que a parada será na Avenida Presidente Vargas, no Centro, mas resta saber se o poder municipal poderá impedir a passagem de uma força armada brasileira em território nacional.
 
No ano passado, o Dia da Independência foi marcado por discursos golpistas, e nada sugere que neste ano será diferente. E anotem aí: se o TSE não impugnar as candidaturas de Roberto Jefferson — que tem o plano de disputar o Palácio do Planalto! —, de Daniel Silveira — que mira o Senado —, de Eduardo Cunha — postulante à Câmara —; e de Wilson Witzel — que sonha voltar ao Palácio Guanabara —, é provável que essa escumalha receba votos pra caramba.
 
Josias de Souza anotou em sua coluna no UOL que Bolsonaro gosta de fazer pose de valente em ambientes domesticados, como o cercadinho do Alvorada, nas lives de quinta-feira e no escurinho das conversas privadas. Convidado a expor suas ideias em debates francos ou sob os holofotes de um estúdio como o da TV Globo, ele foge do contraditório por medo de encontrar algum fantasma escondido na claridade, e se junta ao primogênito para executar a coreografia da empulhação. 
 
Coordenador da campanha do pai, o Zero Um foi às redes sociais para anunciar que "a entrevista de Bolsonaro ao Jornal Nacional no dia 22 estava confirmada", mas era apenas mais uma fake news da família real. A Globo não aceitou a condição imposta pelo presidente, que exigiu que a sabatina ocorresse no Alvorada. 
 
Observação: Desde 2014, por uma questão de isonomia, a Vênus Platinada decidiu que só faria entrevistas com presidenciáveis nos estúdios da própria emissora. Informado, Bolsonaro encontrou o pretexto que procurava para criar caso. Mais adiante, acossado pela péssima repercussão da fuga, o capitão deu meia-volta e informou que aceita comparecer. A conferir.
 
Numa disputa que tem tudo para ser decidida entre um presidente e um ex-presidente, é fundamental questionar ambos sobre as principais contradições e lacunas de seus discursos nas redes sociais. Lula disse que só compareceria se o rival também aparecesse, pois temia restar como alvo único dos demais postulantes ao Planalto. Bolsonaro, por sua vez, jamais se sentiu confortável diante do escrutínio da imprensa e do confronto com rivais políticos. Nos dois únicos debates a que compareceu em 2018 — na Bandeirantes e na Rede TV! — ele se mostrou acuado e foi reativo diante dos questionamentos. Se tivesse aceitado o convite para os demais, teria sido feito picadinho pela oratória de Ciro Gomes, que acabou em terceiro lugar na disputa.
 
O Brasil vive um momento de crise político-institucional, provocada pela insistência do presidente em acossar os demais Poderes e contestar a transparência do processo eleitoral. Esse tema precisa ser objeto de entrevistas e debates em que Bolsonaro seja confrontado com os dados que insiste em distorcer em ambientes controlados. A Quaest mostra que é decrescente a aderência desse discurso, mesmo entre os apoiadores do capitão. Ainda assim, debates e entrevistas servirão para desmentir a falácia que, pela insistência e por partir da autoridade máxima do país, ainda sensibiliza uma parcela significativa da sociedade.
 
A pesquisa da Quaest revelou também que o lulopetismo é mais radical que o bolsonarismo: 51% dos sectários do ex-presidiário disseram “desgostar” ou “odiar” Bolsonaro (eram 58% em junho); ao passo que 32% dos baba-ovos do capetão disseram repudiar o petralha (eram 25% em junho). Eu considero ambos abomináveis, mas ninguém me perguntou nada.
 
Bolsonaro precisa ser questionado sobre sua gestão na pandemia e aspectos relevantes de seu governo, como a redução da transparência sobre investigações e dados, a escalada da devastação da Amazônia e a corrupção no Ministério da Educação. Lula, por sua vez, precisa discorrer sobre suas ainda ambíguas propostas para a economia — foco de boa parte da desconfiança a respeito de sua candidatura. Há nuances sobre o que ele pretende fazer — em relação ao teto de gastos e às novas regras trabalhistas — que vão da revogação completa a alterações até aqui não especificadas. E o debate sobre a Lava-Jato também precisa ser feito para além da narrativa.
 
É positivo que a imprensa se ofereça saídas para fomentar o debate, e que os candidatos acenem com a disposição de debater. Atualmente, a cobertura da campanha está refém de ameaças intoleráveis à democracia por um lado e de propostas apenas superficiais no campo programático pelo outro. 
Nada que ajude a récua de muares, digo, o eleitorado a votar olhando para o futuro em vez de simplesmente escolher o que considera o mal menor.

Triste Brasil! 

quinta-feira, 19 de maio de 2022

O GOLPE DE BOLSONARO E O CASAMENTO DE LULA


No Ensaio sobre a cegueira, o Nobel de literatura lusitano José Saramago anotou que “a cegueira é um problema particular entre as pessoas e os olhos com que nasceram”. E com efeito. As eleições se aproximam, Bolsonaro sobe o tom, mas nem o Congresso, nem o TSE, nem o STF parecem ver o golpe como uma possibilidade real.

 

O Supremo — que o ex-ministro Sepúlveda Pertence definiu como uma arquipélago de 11 ilhas independentes e em constante conflito — é rápido no gatilho quando lhe convém. A depender do acusado e da toga sob a qual o processo está, a decisão pode sair em duas horas, dois anos ou duas décadas. 


Observação: Há no STF uma dezena de ações protocolados entre 1969 e 1987 — anteriores, portanto, à atual Constituição e ao ingresso do atual decano, que representa, juntamente com a PEC da Reeleição, a verdadeira herança maldita do governo FHC.

 

Depois que uma epifania revelou ao ministro Fachin — com seis anos de atraso — a incompetência da 13ª Vara Federal do Paraná para julgar os crimes do ex-presidiário Lula, o plenário do Supremo chancelou por 7 votos a 4 a decisão da 2ª Turma sobre a parcialidade do ex-juiz Sergio Moro. Mas não se viu essa mesma presteza por ocasião dos discursos golpistas de Bolsonaro no último Sete de Setembro. 

 

O ministro Luiz Fux, presidente das togas, deu um "puxão de orelha" no mandatário de fancaria. O senador Rodrigo Pacheco, presidente do Congresso, fez um pronunciamento ainda mais morno e insípido. Dias depois, Bolsonaro leu uma patética cartinha de desculpas, redigida pelo igualmente patético Vampiro do Jaburu, e a paz voltou a reinar em Brasília das Maravilhas.

 

A suprema pusilanimidade vai cobrar seu preço. Resta saber se ainda dá tempo de evitar que o sociopata e seus acólitos transformem a eleição numa batalha campal. O atual presidente da TSE (aquele da epifania) afirmou há alguns dias que “o Brasil não consente mais com “aventuras autoritárias”. Cerca de um mês antes, o ministro Barroso disse que as Forças Armadas estão sendo orientadas a atacar o processo eleitoral, e que existe uma tentativa de levar a corporação ao “varejo da política”. 


Por ordem de Bolsonaro o general Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira, que deixou o comando do Exército para assumir o Ministério da Defesa, divulgou uma nota chamando Barroso de “irresponsável”. Se levarmos em conta que o próprio Bolsonarochamou Barroso de “filho da puta”, o general até que foi gentil.

 

Em entrevista ao Roda Viva do último dia 16, Rodrigo Pacheco afirmou que há uma linha amarela pintada no chão que nenhum dos candidatos pode atravessar, e que “o resultado das urnas será respeitado por todos, inclusive pelas Forças Armadas”. Segundo ele, os militares não devem ter compromisso político eleitoral. Resta saber se ele combinou com Bolsonaro, seus ministros fardados e os comandantes das FFAA. 

 

Segundo a Folha, alguns presidentes de partidos e pré-candidatos à sucessão presidencial disseram ver os ataques de Bolsonaro ao sistema eleitoral e a ministros das cortes superiores como um comportamento golpista que precisa ser levado a sério. Procurados pela reportagem, os presidentes da Câmara, do Senado e do STF não se manifestaram. Líderes do PP e do PL (partidos que encabeçam o Centrão) e outros pré-candidatos se abstiveram de opinar. Entre as 13 entidades questionadas pela Folha, só duas responderam. 

 

Bolsonaro flerta com o golpismo desde a campanha de 2018. Já deixou claro que não aceitará outro resultado que não seja a sua vitória em outubro. Fux e o Pacheco se fingem de paisagem. A coalizão Pacto pela Democracia lançou o manifesto “Em defesa das eleições” para cobrar a mobilização de instituições em defesa do processo eleitoral. O documento foi entregue aos presidentes do STF e do TSE, mas não se sabe ao certo o que suas excelências fizeram com ele.

 

Em meio a esse cenário dramático, o queridinho do eleitorado (segundo todas as pesquisas), que "se casou eleitoreiramente" com o picolé de chuchu, contraiu núpcias com a socióloga Rosângela Silva, a Janja. Em se confirmando a vitória do petralha, o casamento representará uma bizarra transição da cadeia para o Palácio do Planalto. 

 

Janja e Lula começaram o relacionamento no fim de 2017. No período em que o hoje "ex-corrupto" ficou hospedado na Superintendência da PF de Curitiba, a namorada foi arroz de festa na vigília. Hoje, ela é figura central da campanha. Aparece nas viagens, nos comícios, nos encontros fechados e nos discursos do candidato. Tornou-se parte do marketing eleitoral de Lula, que contrapõe o amor de um candidato apaixonado ao ódio que o PT e seus sectários nutrem por Bolsonaro .

 

É falsa a percepção de que Lula fez uma pausa em sua campanha antecipada para se casar, tanto que inseriu suas núpcias no discurso e na coreografia da campanha. O movimento, que vinha sendo insinuado há semanas. tornou-se explícito no ato de lançamento da chapa Lula-Alckmin (outro casamento pra lá de bizarro, que, agora, deveria render ao petralha uma ação por bigamia). 


Ao discursar, o palanque ambulante declarou que “um cara que tem 76 anos e está apaixonado, que está querendo casar (sic), só pode fazer o bem para esse país”. Com essa retórica de conto de fadas, o molusco usa o casamento para contrapor a atmosfera de amor em que está envolto ao discurso de ódio do adversário.

 

Com objetivo de ser uma cerimônia íntima e pessoal, sem pinta de grande evento político, foi recomendado aos convidados que não ficassem falando no assunto — nem o local foi divulgado previamente. Mas comenta-se que mais de R$ 100 mil foram gastos só com bebidas. O espumante escolhido pelos noivos foi o Cave Geisse Brut, que custa em média R$ 130 a garrafa (podendo chegar a R$ 800, conforme a safra).

 

A julgar por seu comportamento, Janja não será uma primeira-dama decorativa. Ela opina, participa da rotina de Lula de uma maneira que os petistas que privam da intimidade do pajé do PT não estavam acostumados a ver. O casal deve passar a lua de mel em São Paulo, e a agenda externa deverá retomar na semana que vem, com viagem para o Rio Grande do Sul e Santa Catarina. 


Observando-se a movimentação, tem-se a impressão de que, se Lula realmente for eleito, muita gente sentirá saudades da discrição da ex-primeira-dama Marisa Letícia — sobre cuja sepultura o viúvo sapateou, usando como palanque o esquife da falecida.

 

Voltando ao que eu dizia no início deste post sobre a cegueira generalizada diante de um possível autogolpe de Bolsonaro, conta-se que o padre da única igreja de uma bucólica cidadezinha do interior era muito devoto e fervoroso. Um dia, a cidade foi inundada por um temporal diluviano. 


O prelado continuou no altar, rezando fervorosamente. Quando a água lhe chegou à cintura, um homem com uma canoa lhe ofereceu ajuda. “Não precisa, meu filho; Deus há de me ajudar”, disse o religioso. O homem se foi na canoa e o padre continuou a rezar. 


Com a água no beiço, o pároco se recusou a embarcar na lancha da Defesa Civil, afirmando novamente que Deus o salvaria. Minutos depois, já do alto torre, enjeitou a ajuda dos bombeiros, que tentaram resgatá-lo de helicóptero. Quando chegou ao Céu, o batina reclamou a Deus: 


Confiei tanto no Senhor! Por que me abandonou quando eu tanto precisava de Sua ajuda? 


E Deus respondeu: 


Mandei uma canoa e você não subiu; mandei uma lancha e você recusou; mandei um helicóptero e você não embarcou. Queria que eu fizesse o quê?

terça-feira, 18 de julho de 2023

VADE RETRO!


Empunhando a bandeira do "Mais Brasil, menos Brasília", Bolsonaro prometeu uma nova economia de mercado, com amplo programa de privatizações e pagamento da dívida pública, mas encerrou sua abjeta passagem pelo Planalto com 0% de crescimento do PIB


Logo no início do governo, o "mito" articulou a deposição do presidente da Venezuela através do manto da ajuda humanitária. Passados quatro anos e meio, Maduro continua governando o país vizinho (para gáudio de Lula, que o considera um monumento à Democracia), ao passo que o capitão está inelegível até 2030. Seu ministro da Justiça, Anderson Torres, e seu ajudante de ordens, Mauro Cid, seguem detidos.

 

À CPMI dos atos golpistas no último dia 11, Cid disse que é alvo de ao menos oito investigações criminais e que foi orientado por seus advogados a se manter em silêncio. A Advocacia do Senado acionou a 10ª Vara da Justiça Federal de Brasília contra o não-depoente por abuso do direito ao silêncio e "calar a verdade como testemunha". Sua defesa alegou que ele ficou em silêncio por ter sido constrangido pelos parlamentares, e  pediu que ação seja arquivada.

 

Desde que foi preso, em 3 de maio, o ex-ajudante do ex-mandatário recebeu 73 pessoas — entre as quais 41 militares. Outros visitantes ilustres foram Fábio Wajngarten, que tem interesse direto em seu depoimento à CPMI, e o coronel Jean Lawand Júnior, que também é investigado


Após tomar conhecimento do "número elevadíssimo de visitas", o ministro Alexandre de Moraes as restringiu à mulher, aos filhos e as advogados de Cid. A "farra das visitas" também é alvo de uma investigação da comissão parlamentar, que quer saber se Lawand visitou o preso antes ou depois de trocar mensagens com ele sobre um golpe de Estado e cobrar dele uma ação de Bolsonaro para impedir a posse de Lula.

 

Mesmo já declarado inelegível, Bolsonaro enfrenta outras 15 Ações de Investigação Judicial Eleitoral no TSE. A corte retomou no último dia 14 o andamento de duas delas — numa delas, o ministro-corregedor Benedito Gonçalves rejeitou o pedido de produção de provas feito pela defesa e determinou que o MPE se manifeste sobre a acusação por uso indevido de estrutura pública em ato de campanha; na outra, abriu novo prazo para que o investigado e outros que respondem solidariamente a ele por uso indevido dos meios de comunicação social e abuso de poder político se pronunciem. A depender do resultado dessas ações, a inelegibilidade do capetão pode se estender até 2031.

 

Bolsonaro sempre desdenhou de pandemia, mesmo depois das mais de 700 mil mortes ocorridas no Brasil — 10,5% das óbitos no mundo para uma população que corresponde a 2,7% da mundial. Seu ministro da saúde mais longevo — que não era médico, mas general da ativa e fiel seguidor do "um manda e o outro obedece defendeu enfaticamente o tratamento preventivo com cloroquina e outros fármacos comprovadamente ineficazes contra o SARS-CoV-2.

 

Nos discursos proferidos em Brasília e na capital paulista no 7 de Setembro de 2021, Bolsonaro atacou as instituições (notadamente o STF, com destaque para o ministro Alexandre de Moraes, a quem chamou publicamente de "canalha"). Em julho de 2022, convocou uma reunião com embaixadores para denegrir nosso sistema eleitoral. Nas comemorações de 7 de Setembro, voltou a defender o fechamento STF. Depois de sua derrota nas urnas, ocorreram várias tentativas de golpe de Estado — com direito a acampamentos defronte a quartéis e depredação das sedes do Poderes —, que só não foram adiante por falta de adesão da alta cúpula das FFAA. 

 

Somam-se a esses descalabros o patético autoexílio na Flórida (EUA), o escândalo das joias sauditas e a falsificação de cartões de vacina. Em março, Bolsonaro retornou ao Brasil para engordar as aposentadorias que recebe como militar da reserva e ex-deputado com o salário de R$ 41,6 mil, pagos com dinheiro do contribuinte pelo partido do ex-presidiário Valdemar Costa Neto, do qual o imbrochável ora inelegível figura como "presidente de honra". Mas o subprocurador-geral Lucas Furtado encaminhou uma representação ao TCU pedindo a suspensão cautelar desse pagamento, uma vez que usar recursos públicos para remunerar pessoa condenada pelo TSE à inelegibilidade configura "violação direta e mortal do princípio da moralidade administrativa".

 

Bolsonaro chegou ao Planalto travestido de representante da antipolítica, embora morasse no déficit público desde 1973. quando virou o soldado que o general Ernesto Geisel classificou posteriormente de mau militar. Enxotado da caserna, elegeu-se vereador, deputado federal e presidente da República. Ao longo dessa trajetória, ergueu o conglomerado da rachadinha e amealhou invejável patrimônio. 

 

Não há como negar a existência de um movimento conservador brasileiro, e que Bolsonaro, como líder radical, influenciará alguns eleitorados em cidades do país em 2024. Mas tudo indica que ele dificilmente voltará ao cenário das eleições presidenciais. 


Vade retro, Satanás!

quinta-feira, 16 de junho de 2022

A MENTIRA É UMA VERDADE QUE NÃO TEVE TEMPO DE ACONTECER



Mentir, todo mundo mente. Mas poucos mentem com maestria. Até porque mentir exige talento. Só mentiras sinceras convencem. 

 

Numa disputa de mentiras, vence quem mente melhor. Lula está à frente nas pesquisas porque acredita nas próprias mentiras. Bolsonaro convence a récua que o apoia, mas conta mentiras que não pode provar e as modifica ao sabor da conjuntura. Como fez dias atrás, ao dizer que o “acordo firmado com o ministro Alexandre de Moraes” depois dos discursos golpistas de 7 de Setembro envolvia o encerramento do inquérito das fake news. 

 

Michel Temer, autor do patético pedido de desculpas que convenceu os presidentes do Senado e do Congresso de que o chefe do Executivo estava “profundamente arrependido”, nega a versão do capetão. Segundo o Nosferatu do Jaburu — que também mediou o armistício —, as conversas se deram em alto nível, como cabia a uma pauta de defesa da democracia, e não houve condicionantes. Procurado pela Folha, o ministro Alexandre não se pronunciou. 


Observação: Bela Megale publicou em sua coluna que Bolsonaro tem se aproximado do ministro Luiz Fux. O capitão teria dito que, assim como ele, Fux não gostaria de ver o PT retornar ao poder. Procurado, Fux afirmou à coluna que “é um magistrado e que não pode ter lado e nem ideologia política”. Em meio a fake news e polarização a dar com o pau, poucos se lembram que ser contra a reeleição de Bolsonaro não significa necessariamente ser a favor de Lula, e querer ver o molusco abjeto varrido do cenário político não significa necessariamente apoiar o sociopata.

 

Quando há muitas versões para o mesmo fato, é impossível que todas sejam verdadeiras. O mentiroso patológico mais perigoso é o que acredita nas próprias fantasias. Lula é um caso emblemático, mas Bolsonaro não lhe fica atrás. Aliás, num ato falho de sincericídio, o próprio capitão reconheceu que não nasceu para ser presidente. Mas também já disse que estar na Presidência é uma missão divina e que “só Deus o tira da cadeira”. 

 

Em três anos e meio de gestão, Bolsonaro não entregou nada do que prometeu. Jurou que pegaria em lanças contra a corrupção, mas exterminou a Lava-Jato (porque, segundo ele, não tem mais corrupção no governo). Foi incapaz de tocar as reformas. Enterrou a economia (segundo ele, a culpa foi da pandemia, do STF, dos governadores e os prefeitos). Não foi capaz sequer de comprar uma vacina que lhe foi oferecida trocentas vezes, contribuindo para que milhares de brasileiros morressem feito moscas. Por pragmatismo, amancebou-se com o Centrão (que demonizou durante toda a campanha); por conveniência, prometeu acabar com a reeleição; por necessidade, virou pré-candidato — até porque a derrota nas urnas pode levá-lo do trono para o calabouço (e com a filharada a reboque). 

 

Quem elegeu Bolsonaro foi antipetismo. Sua candidatura não tinha uma proposta, só conceitos e valores, mas a maioria dos eleitores estava convencida de que elegê-lo era a única maneira de evitar a vitória do preposto do presidiário. Agora a situação se inverteu: o antibolsonarismo engrossou a ala dos que tendem a tapar o nariz e votar em Lula se esse for o preço a pagar para exorcizar o capetão e seu séquito. Nem todos engolem a narrativa falaciosa de que o petralha foi absolvido, mas quem não tem cão caça com gato — ou seria gatuno?

 

Bolsonaro continua atacando o sistema eleitoral e o TSE. Há quem acredite que ele será impedido de se candidatar, ou que será cassado antes do final da campanha ou depois de eleito (isso se for eleito). Toda essa provocação passa a sensação de que o napoleão do Planalto busca uma maneira de ser impedido de perder nas urnas. O problema é que Augusto Aras comanda a PGR e Arthur Lyra preside a Câmara. 


Um país com essa configuração dessas não passa de um arremedo de republiqueta de bananas.

 

Para encerrar, seguem algumas dicas para ser um bom Pinóquio:

 

— A mentira deve surgir casualmente e ser contada naturalmente, como um evento corriqueiro.

 

— A mentira precisa ter um fundo de verdade; não vá dizer que viu uma mula-sem-cabeça botando fogo pelas ventas, porque uma mula que não tem cabeça tampouco tem ventas.

 

— O mentiroso não pode vacilar nem (muito menos) se retratar. Uma vez dita, a mentira deverá ser sustentada até o mais amargo fim. Mas é importante saber improvisar, pois sempre pode aparecer um espírito-de-porco disposto a desmenti-lo. 

 

— É preciso ficar atento à reação dos ouvintes e, ao menor sinal de desconfiança, retrabalhar o enredo para torná-lo mais plausível. É indispensável manter a voz firme — se gaguejar, game over.

 

— A boa mentira não pode ser rastreável — depois do advento do Google, as histórias de pescador perderam muito de sua graça.


— Por último, mas não menos importante, seja parcimonioso. Se exagerar, vira político. 

domingo, 2 de janeiro de 2022

O CACHORRO LOUCO, A CAÇA ÀS BRUXAS E O FUNK DO DESPIROCADO


A penúltima crise produzida pelo ogro que alguns chamam de "mito" foi tratar a Anvisa como um conciliábulo e declarar aberta a temporada de caça às bruxas — consequência da impunidade a ele assegurada por Augusto Aras, na PGR, Arthur Lira, no comando da Câmara, e ministros pusilânimes ou lenientes do STF e do TSE, que, por alguma razão, não viram razão para tomar uma atitude, digamos, mais assertiva, nem mesmo depois dos discursos eminentemente golpistas de 7 de setembro.

Tanto o Judiciário quanto o Legislativo deveriam explicar por que garantem impunidade a um gestor que produz provas contra si mesmo toda vez que abre a boca (para espalhar fezes, como disse o senador Omar Aziz, depois de ser chamado pelo sultão do bananistão de “cara de capivara”). Como não explicaram, a ausência de punição produziu um fenômeno político novo: a lamentação depois do fato. 

Todos os brasileiros de bom senso lamentam que Bolsonaro tenha tratado a Anvisa como um antro de bruxarias numa live. E quem ainda dispõe de dois neurônios minimamente funcionais lastima também que apoiadores do sultão do bananistão se tornem perseguidores, forçando a direção da Anvisa a pedir proteção policial e renovar a requisição de investigação contra os caçadores de bruxas.

Em meio a tanto lamento, perde-se a noção do essencial: Bolsonaro instalou no Brasil uma espécie de manicomiocracia — um regime maluco em que servidores que cumprem o dever funcional de avaliar e aprovar vacinas são perseguidos por quem deveria homenageá-los. Não há justificativa plausível para a perseguição. Mas um caçador de bruxas não precisa justificar nada. Basta apontar o dedo e soltar os cachorros.

Costuma-se dizer que as instituições estão funcionando no Brasil. Mas essa afirmação é colocada em dúvida a cada novo surto de Bolsonaro. A PGR se limita a abanar o rabo para a insanidade; a cúpula do Congresso se esfrega no balcão de emendas; o Supremo late de vez em quando, mas não morde.

A impunidade transforma a insanidade do mandatário num processo de desmoralização institucional. Bolsonaro deixou de ser um presidente de reações imprevisíveis para se tornar um presidente tristemente previsível: depois de converter a alvissareira aprovação de uma vacina infantil contra a Covid num problema, sua insolência decidiu encrencar novamente com o Supremo.

O ministro Lewandowski intimou o governo a fornecer, em 48 horas, explicações sobre a inclusão da vacina infantil no Plano Nacional de Imunização. Em resposta, o governo pediu mais tempo. Enquanto a AGU preparava a resposta ao Supremo, o mandatário-suserano e seu ministro-vassalo da Saúde — uma patética versão 2.0 do anterior, e igualmente seguidor da norma explícita segundo a qual "um manda e o outro obedece" — jogavam lenha na fogueira.

Durante mais um passeio pelo litoral paulista, ao dizer que é o pai quem decide se a criança deve ou não ser vacinada, o Messias de festim cometeu duas impropriedades: 1) esqueceu as mães; 2) difundiu a falsa suposição de que crianças serão arrastadas a força, à revelia dos pais, para os postos de vacinação.

Industriado pelo chefe, o bonifrate da Saúde tirou da cartola uma consulta pública e a arguiu a necessidade de ouvir a opinião da câmara técnica de assessoramento sobre imunização. Esquece-se o cardiologista que 1) o povo não quer ser consultado, mas orientado; 2) os técnicos da câmara já avalizaram a vacinação das crianças de 5 a 12 anos. 

Ao empurrar uma providência óbvia com a barriga, o Planalto oferece a senha para que Lewandowski ordene a aquisição e distribuição da vacina, o que oferecerá a Bolsonaro material novo para repetir o velho lero-lero segundo o qual o Supremo retirou a pandemia da alçada do governo. Já se pode antever a declaração em que o capetão dirá que governadores e prefeitos são responsáveis pelos hipotéticos efeitos colaterais da vacina.

É tudo enfadonhamente previsível. Primeiro, Bolsonaro negou a pandemia. Era "alarmismo" da mídia. Depois, negou o vírus. Provocaria apenas uma "gripezinha". Na sequência, negou a vacina, que transformaria os "maricas" em "jacarés". Chegou mesmo a negar os mortos — esgrimindo documento falso do TCU e incitando seus devotos a invadirem hospitais — e o passaporte da vacina — sob o argumento de que é preferível morrer a perder a liberdade. Agora, nega necessidade de imunizar as crianças. Não é por acaso que a maioria dos brasileiros sinaliza nas pesquisas a intenção de negar votos ao negacionista.

O Brasil amarga duas patologias: a da Covid e a do ódio. Contra a primeira, o remédio é a vacina. Contra a segunda, há dois velhos imunizantes à disposição: sensatez e moderação. Bolsonaro não dispõe de nenhum dos dois.

Sempre que uma oportunidade de baixar a temperatura política lhe bate à porta, o capetão reclama do barulho. E eleva a fervura. Estimula divisões. Submetidos à sua dinâmica, cidadãos não se enxergam, não se ouvem. Tratam-se como inimigos. Muitos começam a se dar conta de que não são rivais. São brasileiros.

O lógico seria que, depois de eleito, o amálgama de mau soldado e parlamentar medíocre virasse um presidente de todos, inclusive dos que não votaram nele. Mas ele sempre fez questão de governar para um terço da população, espalhando raiva e desinformação.

Sem enxergar nada de muito atraente à sua frente, um pedaço do eleitorado observa o retrovisor. Materializa-se na política brasileira um fenômeno descrito no mesmo livro de Eclesiastes, no capítulo 1, versículo 9. Diz o seguinte: "O que foi tornará a ser; o que foi feito se fará novamente; não há nada novo debaixo do Sol."

Ao apostar na divisão, Bolsonaro como que convidou o eleitorado a reviver 2018 no ano de 2022, só que com o sinal trocado. O antipetismo ficou menor do que o antibolsonarismo. Estalando de pureza moral, o ex-presidiário de Curitiba, ora beneficiado pela anulação de sentenças por questões processuais, fala em ressurreição.

A pretexto de ironizar o jantar em que Lula e Alckmin desfilaram juntos, Bolsonaro deixou-se filmar dançando funk a bordo de uma lancha. A canção tem a suavidade de um porco-espinho. Num trecho, compara mulheres de esquerda a cadelas. Os filhos do presidente e seus devotos bolsonaristas cuidaram de espalhar as imagens pelas redes sociais.

A aparência de despreocupação se desfez em outras postagens dos filhos do presidente. Carlos e Flávio reproduziram um vídeo da campanha de 2018 em que Alckmin declara que, "depois de ter quebrado o Brasil, Lula diz que quer voltar ao poder", para "voltar à cena do crime." Em outro post, Eduardo perguntou por que Alckmin "se aproxima de um condenado".  

Os membros da família da rachadinha confundem amnésia com consciência limpa. Esquecem de lembrar — ou lembram de esquecer — que na mesma campanha de 2018 Bolsonaro agradeceu a Alckmin por ter "unido" em sua coligação "a escória da política". 

Estavam com Alckmin o PL de Valdemar Costa Neto, estrela do escândalo do mensalão; e o PP de Ciro Nogueira e Arthur Lira, destaques do petrolão. Hoje, o PL é o partido de Bolsonaro, e o PP tomou de assalto o Gabinete Civil e o balcão das emendas em troca segura os pedidos de impeachment contra o presidente.

O ano de 2022 mal começou e já exala um insuportável fedor de podre. O Brasil testemunhará uma campanha eleitoral violenta e suja. As ideias dos candidatos ainda não estão claras. Por ora, a única certeza disponível é a seguinte: seja quem for o próximo presidente, o Centrão estará fechado com ele.

Bom ano novo a todos.

segunda-feira, 15 de setembro de 2025

AINDA SOBRE A CONDENAÇÃO DOS ASPIRANTES A GOLPISTAS

NÃO HÁ MAL QUE SEMPRE DURE NEM BEM QUE NUNCA TERMINE.

Em 2015, Jair Bolsonaro começou a pavimentar o caminho que o levaria ao Palácio do Planalto. A dois meses do pleito de 2018, todas as pesquisas de intenção de voto apontavam a vitória da coligação da esquerda — embora o cabeça da chapa fosse ficha-suja e estivesse cumprindo pena de prisão. Mas quis o destino (ou alguém cujo nome permanece nas sombras) que um atentado a faca livrasse o então candidato do nanico PSL dos debates, evitando que ele fosse trucidado em rede nacional pela invejável oratória de Ciro Gomes.

 

A pouco mais de um mês do primeiro turno, o TSE rejeitou a quimérica candidatura do então presidiário mais famoso da história deste país. Como Jaques Wagner declinou do papel de bonifrate, o Partido dos Trabalhadores que nao trabalham anunciou oficialmente a substituição de Lula por Fernando Haddad. Mesmo assim, as empresas de pesquisa continuaram dando como certa a vitória de “Luladdad” e a eleição de Dilma para o Senado. 


A mulher sapiens ficou a ver navios, mas, com a volta de seu criador, foi recompensada pelo "golpe" (como a petralhada se refere ao impeachment da anta) com a presidência do Banco do Brics e um salário anual de meio milhão de dólares. Já o combo de mau militar e parlamentar medíocre, incompetente até para gerir um prosaico carrinho de pipoca, surfou na onda do antipetismo e derrotou a marionete de Lula no segundo turno por uma diferença de 10,8 milhões de votos válidos (houve 2,5 milhões de votos em branco e 8,6 milhões de votos nulos).

 

Depois de construir uma carreira parlamentar tão longa quanto inexpressiva, Bolsonaro forneceu a prova cabal de que o Brasil não é um país sério. Para mostrar que era amigo do mercado e obter o apoio dos empresários, o estatista que acreditava em Estado grande e intervencionista, que sempre lutou por privilégios para corporações que se locupletavam do Erário havia décadas, foi buscar Paulo Guedes, que embarcou em uma canoa que deveria saber furada. 

 

Para demonstrar que era inimigo da corrupção e obter o apoio da classe média, o deputado que, em sete mandatos, percorreu 8 partidos de aluguel e sempre foi adepto das práticas da baixa política e amigo de milicianos, foi buscar Sergio Moro, que embarcou em uma canoa que deveria saber furada. E para obter o apoio das Forças Armadas, o oficial de baixa patente, despreparado, agressivo e falastrão, condenado por insubordinação e indisciplina e enxotado da corporação, foi buscar legitimidade em uma fieira de generais, que embarcaram em uma canoa que deveriam saber furada. 

 

Não podia dar certo — como de fato não deu. O ora ex-presidente e futuro presidiário se revelou o pior mandatário desde Tomé de Souza. Sua admiração pela ditadura militar e vocação para tiranete se acentuaram ao longo de sua nefasta gestão. As “acusações” que o ministro demissionário Sergio Moro fez sobre ingerência política no comando da PF foram comprovadas na gravação da reunião ministerial de abril de 2020. O ministro Celso de Mello autorizou a abertura de um inquérito para apurar os fatos, mas a apuração virou pizza com sua aposentadoria do STF


A despeito de a CPI do Genocídio lhe imputar a essa criatura desprezível uma dezena de crimes associados às políticas públicas de combate à pandemia, e dos mais de 140 pedidos de impeachment protocolados, a inação de Rodrigo Maia, a cumplicidade de Arthur Lira e a subserviência abjeta de Augusto Aras asseguraram a permanência do estrupício no cargo até dezembro de 2022. 

 

Mandrião de quatro costados, o ex-presidente trabalhava, em média, 18 horas por semana a menos que um trabalhador celetista e 14 a menos que um servidor público federal da administração direta (conforme o estudo "Deixa o homem trabalhar?", de Dalson Figueiredo, Lucas Silva e Juliano Domingues). Em 2019, houve dias em que ele trabalhou 12 horas, mas cargas horárias superiores a cinco horas diárias só foram registradas em trânsito (como em 18 de novembro de 2021, na volta de Doha, no Catar, para Brasília). Se aplicado o mesmo critério, o tempo gasto com motociatas pelo país, comendo farofa nas ruas de Brasília ou passeando de jet-ski no Guarujá seria considerado jornada de trabalho. 
 
Observação: Bolsonaro gastou mais tempo em almoços (média de 1,3 hora) do que em reuniões com ministros de estado (menos de 1 hora). Durante a pandemia, participou apenas de cinco eventos envolvendo explicitamente o tema “vacina”, investindo, em média, 0,9 hora por compromisso — totalizando três almoços. Na manhã do dia 8 de julho de 2021, mês em que o Brasil ultrapassou as 500 mil mortes pela Covid, conversou durante 50 minutos com devotos no cercadinho defronte ao Alvorada (a maior parte do tempo foi gasta com piadas), e chegou a dizer que sua agenda andava “meio folgada”. 

 

Ao longo dos quatro anos em que conspurcou a Presidência, o "mito" dos anencéfalos reafirmou ad nauseam sua autoridade com frases como “quem manda sou eu”, “minha caneta funciona” e “não sou um presidente banana”. Na célebre reunião ministerial de abril de 2020, esbravejou: Não vou esperar foder [sic] a minha família toda, de sacanagem, ou amigos meus, porque eu não posso trocar alguém da segurança na ponta da linha que pertence à estrutura nossa. Vai trocar! Se não puder trocar, troca o chefe dele! Não pode trocar o chefe dele? Troca o ministro! E ponto final! Não estamos aqui pra brincadeira.” 


Em 2018, a parcela minoritária do eleitorado que apoiou o fantasioso "outsider anti establishment" o fez por absoluta falta de opção, e, portanto, não comemorou sua vitória, mas sim a derrota da marionete do então presidiário. Em 2022, esses "isentões" ajudaram a eleger Lula porque era imperativo evitar mais quatro anos (ou sabe Deus quantos) sob a batuta de um genocida golpista, e a quimérica terceira via — tida como a solução para furar a polarização, acabou virando parte do problema devido a egos avantajados, falta de projetos e carência de apoio popular.


O que Bolsonaro mais fez durante seu mandato — além de gozar férias paradisíacas no litoral paulista e em cidades turísticas da costa catarinense, promover motociatas e fazer campanha pela reeleição — foi atacar o TSE e o STF. Se o Brasil fosse uma democracia como manda o figurino, essa aberração teria sido deposta muito antes dos discursos golpistas do 7 de Setembro; numa republiqueta de bananas presidida por um ex-presidiário convertido em ex-corrupto por conveniência da alta cúpula do Judiciário, não chega a espantar que um pedido de desculpas mal ajambrado, rascunhado às pressas por um ex-presidente de nada saudosa memória, levasse muita gente a acreditar (ou a fazer de conta que acreditava) que o
 escorpião da fábula estava sinceramente arrependido.

 

Disse o poeta que  não há nada como o tempo para passar, e o Conselheiro Acácio, que as consequências sempre vêm depois. Inobstante a pressão dos aliados do capetão, do lobby abjeto do filho do pai, da ingerência igualmente abjeta de Donald Trump na soberania nacional e da ignóbil proposta de anistia que tramita no Congresso, Bolsonaro e sete cúmplices na tentativa de golpe de Estado foram condenados a pesadas penas privativas de liberdade. 

 

A inédita condenação dos militares graduados do “núcleo crucial da trama golpista” mostrou que o Brasil foi capaz de dar um passo à frente, mas os veredictos são meras reticências. Por mais que o voto teratológico de Fux (embora não inexplicável tenha reavivado as brasas da esperança do gado bolsonarista, quem enxerga as coisas como elas realmente são — e não como gostaria que fossem — sabe que as chances de reforma da decisão da Primeira Turma são quase inexistentes. Os bolsomínions mais radicais prometiam forrar as ruas caso o “mito” fosse condenado, mas o que se viu foram uns poucos gatos pingados em prantos, abraçados ridiculamente a bandeiras dos EUA e do Brasil. 

 

Uma vez publicado o acórdão, as defesas terão cinco dias para apresentar embargos declaratórios, que servem para esclarecer aspectos obscuros da decisão, mas costumam ser usados para protelar o trânsito em julgado. Já os embargos infringentes só são admissíveis, à luz da jurisprudência do STF, quando há quatro ou mais votos divergentes em decisões plenárias ou dois ou mais votos em decisões das turmas. No caso em tela, somente o ministro Fux divergiu do relator. 


Se algumas das defesas seguir por esse caminho, Moraes negará seguimento ao recurso; se os advogados ingressarem com embargos infringentes, caberá à própria Turma decidir manter ou não a decisão monocrática do do relator, e Dino, Cármen e Zanin certamente acompanhariam Moraes. Assim, as chances de o caso ser reexaminado pelo plenário da Corte são próximas de zero, e ainda que assim não fosse, nada garante que as demais togas divergiriam de Moraes, Dino, Cármen e Zanin.


Dito isso, resta aos sectários do Messias que não miracula apostar na anistia, que é outra miragem: se essa aberração for aprovada pela Câmara e pelo Senado, será vetada por Lula; se o Congresso derrubar o veto, o STF a julgará inconstitucional. Em última análise, a irresignação dos bolsonaristas serve apenas para acirrar a tensão entre os Poderes e carimbar na testa dos parlamentares a pecha de "Cupinchas do Trump".

 

A defesa de Bolsonaro já se equipa para pedir sua prisão domiciliar — que ele já vem cumprindo desde 4 de agosto por ter desobedecido medidas cautelares. Talvez o trânsito em julgado da condenação arraste gente para as ruas — como a prisão de Lula arrastou em abril de 2018. Mas o Brasil não parou em 2018 e não vai parar agora. Malafaia et caterva reuniram mais de 80 mil manifestantes no Rio e São Paulo no feriado da Independência, mas esse número está longe de representar a maioria dos brasileiros — que, aliás, é contra a anistia.


Segundo dados colecionados pelo Datafolha, 50% dos entrevistados defendem a prisão de Bolsonaro, 43% são contra e 7% responderam que "não sabem". É preocupante o fato de metade do eleitorado ter dificuldade para se situar no mundo e, pior se dar conta de estar sendo tratado como morador do fundo do quintal imaginário da calopsita laranja que pousou na Casa Branca. Também preocupante é o fato de o Congresso discutir a anistia de quem ainda nem foi preso. Governadores conservadores, supostamente democráticos, prometem indulto a Bolsonaro caso cheguem ao Planalto. Empresários fazem cara de nojo para o STF.


Ao evitar o golpe, o Brasil deu ao mundo a impressão de que superou a barbárie. Em editorial publicado neste sábado, o jornal francês Le Monde anotou que a condenação do núcleo crucial da tentativa de golpe é "uma prova de maturidade para um país que esteve submetido ao arbítrio e à brutalidade de uma ditadura militar". Tudo verdade. Mas quem presta atenção aos fatos percebe que, se os otimistas se descuidarem, o Brasil corre o risco retornar à selvageria antidemocrática sem atingir o estágio intermediário de algo que, no futuro, possa pelo menos ser chamado de bons tempos.


Incitado pelo traidor Eduardo Bolsonaro, o terror da Casa Branca pode aplicar mais sanções — que também não mudarão o curso das coisas. Ainda pode haver tumulto, já que os líderes do bolsonarismo não estão preocupados com o país, e sim com os próprios umbigos. Os aspirantes a herdeiros políticos do prisoner-to-be circulam como urubus em torno do moribundo, reivindicando um pedaço de seu legado eleitoral. Ainda haverá muito dedo no olho e gritaria, uma vez que os eleitores insistem em fazer a cada eleição, por ignorância, o que Pandora fez uma única vez por curiosidade.

 

Para concluir este romance, relembro a saga de um ex-estudante de São Petersburgo que escritor russo Fiódor Dostoiévski descreveu em Crime e Castigo, e que os criminosos sempre se baseiam na relação de custo-benefício. Bolsonaro e seus cúmplices assumiram o risco da prisão acreditando no antídoto da anistia que seus comparsas no Parlamento se esforçam para aprovar. No entanto, da mesma forma que cometeram erros elementares no planejamento do golpe, erraram ao não levar em conta outros efeitos da condenação. 

 

Depois do trânsito em julgado, o STM deve cassar as patentes dos militares condenados — incluindo Bolsonaro, que deixou a caserna pela porta dos fundos, mas, por força de lei, recebeu a patente de capitão. Infelizmente, ele não perderá suas remunerações de parlamentar aposentado e de ex-presidente. Dos demais militares condenados, somente Mauro Cid se manterá tenente-coronel, já que foi apenado com anos de prisão em regime aberto (mas já adiantou que pretende deixar o Exército e se mudar para os EUA).

 

Os danos qualificados e a destruição de bens tombados acarretaram penas privativas de liberdade e responsabilidade patrimonial solidária no valor de R$ 30 milhões. Todos os integrantes do núcleo crucial da tentativa de golpe — Bolsonaro e Ramagem em especial — devem permanecer inelegíveis por oito anos contados a partir do término do cumprimento das penas. Na testa de Bolsonaro — um péssimo militar, deputado antidemocrático e misógino e presidente inepto e de mentalidade golpista-fascista — o STF carimbou o fim de seu prazo de validade política.