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terça-feira, 14 de dezembro de 2021

A MALDIÇÃO DA VICE-PRESIDÊNCIA — TERCEIRA PARTE

Sarney sempre foi um cacique da velha da política de cabresto nordestina, e só sobreviveu à ditadura porque se resignou a lamber as botas dos militares. A despeito dessa vassalagem, o último presidente-general da ditadura — que preferia o cheiro dos cavalos ao cheiro do povo e "daria um tiro no coco" se fosse criança e seu pai ganhasse salário-mínimo — se recusou a lhe transferir a faixa: faixa a gente transfere para presidente, não para vice, e esse é um impostor.

Observação: Anos depois, referindo-se ao político maranhense numa entrevista concedida à revista IstoÉ, also sprach Zaratustra, digo, assim disse Figueiredo: "Sempre foi um fraco, um carreirista. De puxa-saco passou a traidor. Por isso não passei a faixa presidencial para aquele pulha. Não cabia a ele assumir a Presidência".

A despeito de o "milagre econômico brasileiro" ser cantado em prosa e verso pelos saudosistas de plantão, Sarney herdou dos militares um país arrasado, com recessão, inflação, desemprego e dívida externa nas alturas. Todos os "pacotes de medidas econômicas" elucubrados durante sua gestão (por Dílson Funaro, Bresser Pereira e Maílson da Nóbrega) fizeram água numa questão de meses. 

Aos trancos e barrancos, o oligarca nordestino terminou o mandato (de 5 anos, sem direito a reeleição), mas deixou de herança a seu sucessor uma inflação que beirava 2000% ao ano. Tamanha era sua impopularidade ao deixar o governo que, para disputar uma cadeira de senador, Sarney teve de mudar o domicílio eleitoral para o recém-criado Estado do Amapá. 

Observação: O literato, acadêmico e político maranhense se aposentou da vida pública em 2014, aos 83 anos. Conta-se que certa vez, depois que um dilúvio assolou seu Estado natal, a então governadora Roseana Sarney telefonou ao pai para dizer que "metade do Maranhão estava debaixo d’água", e Sarney teria perguntado: "A sua ou a minha?

No apagar das luzes da desditosa gestão de Sarney, a récua de muares a que se convencionou chamar de "eleitorado", já então sob a égide de uma Constituição estalando de nova, foi às urnas pela primeira vez desde 1960 para escolher seu presidente. 

Disputaram a chamada "eleição solteira de 1989" nada menos que  22 candidatos, entre os quais figuravam monstros sagrados da política tupiniquim, como Ulysses Guimarães e Mário Covas. Graças ao dedo podre dos apedeutas votantes, o segundo turno reuniu o que havia (e continua havendo) de pior em termos de populismo e demagogia sórdida. Ao fim e ao cabo, o sacripanta de direita venceu o salafrário de esquerda.

Como dito linhas acima, naquela época o mandato presidencial era de 5 anos, sem direito a reeleição. Mas não há mal que sempre dure nem bem que nunca termine: em 1997, um FHC picado pela mosca azul usou e abusou de meios não exatamente ilibados — embora não inusitados à luz de como funciona a política no Brasil — para alterar a Constituição de maneira a implementar a reeleição de presidente e vice-presidente (apenas uma vez para um mandato subsequente, mas sem restrição para um pleito não consecutivo).

Como quem parte e reparte e não fica com a melhor parte é burro ou não tem arte, o tucano de plumas vistosas fruiu do desserviço que ele e seus cupinchas prestaram à Nação, mas também abriu espaço para o projeto de poder lulopetista, que durou exatos 13 anos, 4 meses e 11 dias (considerando os dois mandatos do ex-presidiário e os 5 anos e fumaça durante os quais sua sucessora incompetenta "fez o diabo" para destruir a economia nacional).

O Brasil daria um grande passo se aprovasse o fim da reeleição. A proposta de emenda constitucional está pronta para ser votada pelo Senado, mas é difícil construir esse tipo de ajuste quando todos os adversários do sultão do bananistão querem vencer a disputa em 2022. Como a política permite todos os tipos de sonhos, alguns já se enxergam eleitos e fazem planos para 2026, parecendo não se dar conta de que, por pior que seja o atual governo, o general da banda, aboletado na cadeira da Presidência, goza de uma situação mais confortável que a dos adversários.

Com a chave do cofre nas mãos e dois mandachuvas do Centrão lhe dando respaldo (por motivos que não vem ao caso discutir neste momento), o inferno é o limite para o capetão-negação exacerbar seu populismo eleitoreiro. E como desgraça pouca é bobagem, o leque de a janela de oportunidade para o impeachment do lunático despirocado fica mais estreita à medida que a eleição se aproxima.

Observação: Vale destacar que todos os presidentes que concluíram seus mandatos e disputaram a reeleição (FHC, Lula e Dilma) foram reeleitos. Isso não significa que esse "dogma" não possa ser quebrado, mas, sim, que, se a terceira via não se consolidar, teremos em 2022 uma reedição do pleito plebiscitário de 2018, com a diferença de que em 2018 não faltaram a Bolsonaro cabos eleitorais de peso, como Lula na cadeia, Haddad de bonifrate, a facada do maluco (que livrou o psicopata de participar dos debates), o estelionato eleitoral, o impulsionamento espúrio nas redes sociais, a confiança representada por Paulo Guedes na Economia e Sergio Moro na Justiça.

Sabíamos que Bolsonaro carecia de competência, preparo e envergadura para presidir o que quer que fosse, inclusive carrinho de pipoca em porta de cinema. Mas a perspectiva de ver o país ser governado por um criminoso condenado e preso... Enfim, apostamos nossas fichas e torcemos para a emenda não saísse pior que o soneto, mas diz um ditado que basta fazer planos para ouvir a gargalhada do diabo.

Observação: A expressão "pior a emenda que o soneto" surgiu quando Bocage recebeu de um jovem aspirante a poeta um soneto para correção, e o devolveu sem nenhuma marcação. Perguntado pelo pupilo se não havia nada a ser corrigido, o mestre respondeu que, dada a quantidade de erros, "a emenda ficaria pior que o soneto".

Parafraseando o "enviado pela Divina Providência para acabar com a fome, presentear a imensidão de desvalidos com três refeições por dia e multiplicar a fortuna dos milionários", nunca antes na história deste país o Palácio do Governo amargou um inquilino tão indiferente à dor alheia, que tanto despreza a Democracia e o Estado Democrático de Direito e odeia a liberdade de expressão, a imprensa e qualquer um que ouse discordar de sua elevada opinião. 

Do cruel “e daí?” ao “cale a boca”, passando pelo churrasco da morte (que depois fomos instados a acreditar que não passava de uma pilhéria), o Mefistófeles de botequim deixou de ser o palhaço negacionista da “gripezinha” para concorrer como franco-favorito ao título de Monstruosidade Pública Número 1 — embora estufe o peito e se jacte de ter sido eleito "personalidade do ano" pela revista Time.

Nos anos 1970, durante a ditadura militar, Pelé avisou: "os brasileiros não sabem votar". E o tempo demonstrou que ele estava coberto de razão. Da mesma forma que jabuti não sobe em árvore (se está lá, foi enchente ou mão de gente), político não brota em seu gabinete por geração espontânea (se está lá, é porque votaram nele). 

É impossível discordar de Pelé, mas sempre há quem se recuse a ver o que está bem diante de seu nariz — não por falta claridade, mas, sim, de acuidade visual. Para um um cego, tanto faz se a luz estiver acesa ou apagada. E não é preciso ser cientista político para ver que a agenda nacional ocupa, mal e parcamente, o primeiro ano e meio de mandato — no segundo ano, o presidente de turno se preocupa com os pleitos municipais, que servem de ensaio para a disputa presidencial que ocorrerá dois anos depois, e quando se vai ver, os quatro anos se foram e o mandato terminou.

Esperar demais das pessoas é carimbar o passaporte rumo à decepção, e achar que a liturgia do cargo transformaria em estadista um dublê de mau militar e parlamentar medíocre foi ignorar os ensinamentos da fábula do sapo e o escorpião. Governar vai muito além de ganhar eleições, notadamente em tempos de guerra. Parafraseando FHC — que não foi um estadista como manda o figurino, mas, noves fora o episódio lamentável da PEC da Reeleição, foi o presidente "menos pior" que tivemos desde a redemocratização —, “você não lidera dando ordens ao povo, mas fazendo com que o povo siga junto com você”.

Se a maioria apedeuta aprendesse a votar, a minoria pensante não seria obrigada a escolher, a cada eleição, de qual borda da Terra (plana) pular para o inferno. Infelizmente, esse tipo de situação se tornou regra na "Nova República" e, pelo visto, a próxima eleição não será exceção. Com base no que se vê até onde a alcança, a menos que a terceira via se consolide continuaremos navegando rumo a uma borrasca que tem tudo para se tornar a tempestade perfeita.

Continua no próximo capítulo.

domingo, 22 de agosto de 2021

O PIOR TIPO DE CEGUEIRA É A CEGUEIRA MENTAL

 

A CEGUEIRA É UMA QUESTÃO PRIVADA ENTRE A PESSOA E OS OLHOS COM QUE NASCEU

Com seu estilo característico de escrever e capacidade única para o uso de metáforas e simbolismos, José Saramago, Nobel de Literatura em 1998, descreveu em ENSAIO SOBRE A CEGUEIRA a situação ocorrida em uma comunidade após o aparecimento de uma infecção com transmissão rápida, que provoca cegueira nas pessoas.

Na obra, além de retratar de forma genérica vários tipos de pessoas que compõem uma sociedade que progressivamente vai ficando cega a tudo que ocorre ao seu redor, o escritor português elencou diversas frases que poderiam descrever nosso surreal cotidiano. Para não me estender demais neste preâmbulo, cito apenas três: "Se queres ser cego, sê-lo-ás"; "A pior cegueira é a mental, que faz com que não reconheçamos o que temos pela frente"; "A cegueira é uma questão privada entre a pessoa e os olhos com que nasceu." não há nada que se possa fazer a respeito."

A cegueira pode ser congênita ou adquirida, reversível ou irreversível. Segundo o Censo de 2010, um quarto da população brasileira tem algum tipo de deficiência, sendo a visual a modalidade mais comum (cerca de 20%). Se considerados aqueles que não conseguem ver de forma alguma ou que têm grande dificuldade, o índice cai para 3,4%. De acordo com a OMS, 2,2 bilhões de pessoas têm algum tipo de deficiência visual, sendo 1 bilhão com uma condição que poderia ser prevenida ou tratada, como catarata, opacidade da córnea; tracoma e deslocamento da retina (os dados são de 2019).

Quanto ao cego que não quer enxergar — que o senso comum aponta como "o pior cego" —, trata-se de um problema fácil de solucionar. Considerando que os efeitos tendem a desaparecer quando se lhes suprime a causa, basta anular a motivação — ou substitui-la por outra mais atraente.

Segundo os historiadores, a expressão "pior a emenda que o soneto" surgiu quando Bocage recebeu de um jovem aspirante a poeta um soneto para correção e o devolveu sem nenhuma marcação. Perguntado pelo pupilo se não havia nada a ser corrigido, o mestre respondeu que, dada a quantidade de erros, "a emenda ficaria pior que o soneto".

Dito isso, dou o preâmbulo por encerrado e passo ao mote desta postagem, começando por dizer que a eleição de Bolsonaro é o exemplo pronto e acabado da emenda que ficou pior que o soneto, já que, para evitar a volta do lulopetismo corrupto, abrimos a Caixa de Pandora — na qual, segundo a mitologia grega, Zeus teria trancafiado todos os males do mundo —, e assim demos azo ao bolsonarismo boçal. Mas de nada adiante chorar o leite derramado, ou por outra, mais vale acender a vela do que amaldiçoar a escuridão.

Falando em escuridão, quais seriam os motivos da cegueira do presidente da Câmara e do Procurador-Geral da República? Seria estupidez atribuir à estupidez o fato de um político experiente como o deputado-réu Arthur Lira manter sob o respeitável buzanfã 133 pedidos de impeachment do chefe do Executivo enquanto este último continua cometendo crimes de responsabilidade em escala industrial. Da mesma forma, seria ingenuidade atribuir à ingenuidade o fato de uma raposa velha como o jurista soteropolitano que comanda o Ministério Público Federal não se dar conta dos crimes comuns cometidos por Bolsonaro ao longo dos últimos 32 meses.

O problema, a meu ver, é que a Constituição Cidadã concentrou nas mãos de uma única pessoa — no caso o PGR — o poder de definir o destino de um presidente da República que viesse a cometer crimes comuns. E fez o mesmo no caso de crimes de responsabilidade, já cabe exclusivamente ao presidente da Câmara dos Deputados decidir se dá andamento ou manda para o arquivo eventuais pedidos de impeachment do chefe do Executivo (mais detalhes nesta postagem).

Por alguma razão, os constituintes não estabeleceram um prazo para os ocupantes dos cargos em questão se desincumbirem da missão que lhes seria conferida — o que, mais adiante, se revelaria um erro crasso. Aliás, ao discursar durante a promulgação da nova Carta, o próprio Ulysses Guimarães, então presidente da Câmara, assim se pronunciou: "A Constituição certamente não é perfeita. Ela própria o confessa, ao admitir a reforma."

Reza o artigo 5º da Constituição Federal que "Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes(...)". Mas nenhum de seus parágrafos, incisos ou alíneas dispõe o que se vê na prática, ou seja, alguns serem "mais iguais" que os outros.

Num passado não muito remoto, quando éramos felizes e não sabíamos, o parágrafo único do artigo 1º da Carta Magna estabelecia que "Todo o poder emana do povo e em seu nome deve ser exercido". Ao rascunharem a versão promulgada em 1988, os constituintes promoveram uma alteração sutil na redação do texto, que passou a ser "Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição."

Assim, passamos de suseranos a vassalos de nossos "representantes", que, em tese, exercem o poder em nosso nome, mas, na prática, fazem o que querem, como querem e quando querem, sem prestar contas a ninguém e, não raro, em benefício próprio, seja para aumentar a burocracia que os mantém, para angariar votos para a próxima eleição, para proteger os seus "companheiros representantes", e por aí segue a procissão.

Também em tese, cabe ao povo decidir, nas urnas, o destino dos políticos que mijam fora do penico. Na prática, no entanto, a teoria é outra. A pretexto de tornar as eleições "democráticas", o "direito de voto" é estendido a todos os brasileiros, o que seria louvável se a maioria do eleitorado tupiniquim não fosse composta por analfabetos, ignorantes, apedeutas e desinformados. E um título de eleitor, nas mãos de um descerebrado, é tão perigoso quanto uma caixa de fósforos nas mãos de um chimpanzé num paiol de pólvora.

Num país do futuro que nunca chega, onde até o passado é incerto, é o poste que mija no cachorro. Nesse "samba do crioulo doido", as leis são criadas por políticos que se elegem para roubar e roubam para se reeleger. Quando um "representante do povo" quebra o decoro parlamentar ou comete algum ato reprovável aos olhos de seus "representados", seus pares se apressam em mudar a lei para "transformar o errado em certo". Em suma: demos à chave do galinheiro a raposas que encarregam suas "irmãs" de investigar o sumiço das galinhas. Reclamar com quem?

A única maneira de despertar o "gigante adormecido" e evitar que ele tenha uma síncope ao tomar pé da situação seria devolver o Brasil aos silvícolas, pedir desculpas pelo estrago e começar tudo outra vez. Para limar do Executivo, do Legislativo e do Judiciário os usurpadores travestidos de representantes do povo, só mesmo uma nova Carta Magna, "menos cidadã e mais pé no chão". A que temos há 32 anos foi remendada mais de uma centena de vezes (em comparação, a Constituição dos EUA, promulgada dois séculos antes da nossa, tem apenas 7 artigos e recebeu 27 emendas ao longo das últimas 23 décadas).

Os constituintes de 1988 distribuíram diretos a rodo, mas jamais apontaram de onde viriam os recursos para bancá-los. No texto promulgado, a palavra "direito" é mencionada 76 vezes; "dever", em quatro oportunidades; "produtividade" e "eficiência" aparecem duas e uma vez, respectivamente. O que esperar de um país que tem 76 direitos, quatro deveres, duas produtividades e uma eficiência? Na melhor das hipóteses, uma política pública de produção de leis, regras e regulamentos que quase nunca guardam relação com o mundo real.

A atual pandemia sanitária e suas consequências deletérias em nossa já combalida economia, somadas à constante disputa entre os Poderes, à desmoralização do mundo político, à crise de representação e à disfuncionalidade crônica do Estado nascido dos sonhos dos constituintes de 1988, apontam para uma única solução: repensar os alicerces de nosso Estado Democrático de Direito, em especial no que concerne ao sistema político vigente, e adotar as medidas necessárias ao restabelecimento da normalidade e da pacificação institucional pelas quais anseia a sociedade (ou a parcela pensante da sociedade).

Pode-se argumentar que momento atual não seja o mais propício, e não há como discordar desse argumento. Mas é inevitável reconhecer que já passou da hora de considerarmos seriamente a possibilidade de reescrever a Constituição, visto que a atual, por sua ânsia de a tudo regular e prover, trava o desenvolvimento pleno da vida nacional.

Não há país que cresça quando a quase totalidade do Orçamento é consumida pela folha de pagamento do funcionalismo e benefícios e vinculações de toda sorte, e as crises fiscais são contornadas via aumento da carga tributária — o que atualmente é impensável e impraticável — ou por remédios institucionais cada vez menos eficazes. Para além disso, o atual sistema representativo está falido, com partidos políticos representam-se a si mesmos e mecanismos que favorecem o fisiologismo, o paternalismo e o patrimonialismo, mas nada dizem aos eleitores. O poder econômico quase sempre prevalece sobre o interesse dos cidadãos em geral, atrelando perigosamente a corrupção ao sistema político.

É certo que contexto atual não guarda a menor semelhança com o futuro imaginado pelos constituintes de 1988, que pretenderam assegurar o bem-estar e o desenvolvimento da nação por força de "cláusulas pétreas" que exaurem o Estado a pretexto de garantir direitos sociais. Direitos de quem, cara pálida? Só se for daqueles que "são mais iguais perante a lei que os outros".

Voltando mundo real, temos um presidente da Câmara mancomunado com o chefe do Executivo, que usa os pedidos de impeachment engavetados como a mitológica Espada de Dâmocles. E um procurador-geral que, de olho numa vaga no STF ou, no pior dos cenários, na recondução ao cargo para um segundo mandato, disputa com o antecessor que ocupou sua cadeira de 1995 a 2003 o título maior "engavetador-geral da República".

Diferentemente do têm dito alguns jornalistas e analistas políticos, não há limite para o número de reconduções do PGR ao cargo. Segundo o art. 128 § 1º, "O Ministério Público da União tem por chefe o Procurador-Geral da República, nomeado pelo Presidente da República dentre integrantes da carreira, maiores de trinta e cinco anos, após a aprovação de seu nome pela maioria absoluta dos membros do Senado Federal, para mandato de dois anos, permitida a recondução." (O grifo é meu).

Não existe pressuposto legal que obrigue o presidente da República a indicar o PGR a partir da "lista tríplice" do MPF, mas essa "praxe" vinha sendo observada desde 2002 — Bolsonaro ignorou-a em 2019, quando indicou Aras para o cargo, e tornou a ignorá-la este ano, ao indica-lo para um segundo mandato.

Outro absurdo: Pelas regras atuais, as vagas abertas no STF (por morte ou aposentadoria dos ministros) são preenchidas pelo inquilino de turno do Palácio do Planalto. Os requisitos constitucionais são: 1) ser brasileiro nato; 2) ter idade entre 35 e 65 anos; 3) possuir notável saber jurídico e reputação ilibada. O cargo não é exatamente vitalício, já que a aposentadoria dos membros da corte torna-se compulsória aos 75 anos de idade. Uma vez indicado pelo presidente, o felizardo é sabatinado pela CCJ do Senado e, caso seja aprovado (nunca houve reprovação desde a redemocratização), terá de obter pelo menos 41 votos favoráveis (dos 81 possíveis) no plenário do Senado. Após a aprovação, o Presidente da República assina um decreto de nomeação (que é publicado no Diário Oficial da União), habilitando seu protegido a tomar posse no cargo.

Tramitam na Câmara propostas de emenda à Constituição que mudam esses critérios (PEC 259/16 e apensados). Uma delas (PEC 225/19) prevê que os poderes Legislativo e Judiciário também indiquem ministros, em sistema de rodízio; e que o indicado seja juiz de segunda instância ou advogado com pelo menos 10 anos de prática, com mestrado na área jurídica. Além disso, o mandato, que hoje vai até a aposentadoria compulsória aos 75 anos de vida, passaria a durar 12 anos. Resta saber se e quando isso vai ser votado.

Para encerrar, resta dizer que Bolsonaro cumpriu parcialmente, na última sexta-feira (20). a promessa feita no sábado anterior. Parcialmente porque poupou o ministro Luís Roberto Barroso e limitou o escopo de seu pedido de impeachment ao também ministro Alexandre de Moraes, que o incluiu no rol de investigados do inquérito das fake news, mandou prender Roberto Jefferson e foi, digamos assim, o "mentor intelectual" da operação em que a PF cumpriu mandados de busca e apreensão em endereços do cantor Sérgio Reis e do deputado Otoni de Paula, ambos aliados do capitão. Isso sem mencionar que Moraes será o presidente do TSE por ocasião das eleições de 2022.

Ao longo de toda a semana passada, nosso glorioso mandatário ruminou seu ramerrão de que "o povo brasileiro não aceitará passivamente que direitos e garantias fundamentais [art. 5° da CF], como o da liberdade de expressão, continuem a ser violados e punidos com prisões arbitrárias, justamente por quem deveria defendê-los", deixou no ar a possibilidade de um "bastante provável e necessário contragolpe", falou diversas vezem em "ruptura institucional" e aludiu ao que chama de "poder moderador" das Forças Armadas — respaldando-se numa leitura arrevesada do artigo 142 da Constituição.

Num presidencialismo como o nosso, em que chefe de Estado e chefe de Governo coincidem, não existe poder moderador (já numa República parlamentarista, o chefe de Estado é moderador, e o primeiro-ministro governa). Ocorre que a redação do retrocitado artigo dá margem a mal-entendidos quando diz que as Forças Armadas "destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos Poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem". Numa ação impetrada pelo PDT, o ministro Luiz Fux decidiu que "a missão institucional das Forças Armadas (...) não acomoda o exercício do poder moderador entre os Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário". Nessa mesma decisão, Fux disse que o poder das Forças Armadas é "limitado", excluindo "qualquer interpretação que permita sua utilização para indevidas intromissões no independente funcionamento dos outros Poderes".

Em entrevista concedida à Folha em janeiro, o jurista Ayres Britto, ex-ministro e ex-presidente do STF, disse que "basta ser uma força armada para não ter direito de falar por último; o Judiciário fala por último por seu poder ser proveniente da fundamentação técnica de suas decisões, da sua imparcialidade", mas defendeu a discussão da questão do tal "poder moderador": "Se não houver essa discussão, as próprias Forças Armadas vão pensar que estão autorizadas a fazer o que Bolsonaro tem dito".

Até a última sexta-feira, Bolsonaro não havia confirmado presença na "manifestação gigante em defesa da democracia, liberdade e contra a interferência de alguns ministros na seara de outro Poder" marcada para o próximo dia 7. Todavia, em conversa com apoiadores, disse que discursará em Brasília, pela manhã, e em São Paulo, à tarde. Mas afirmou que "não serão palavras de ameaça a ninguém" e que a manifestação será "fotografia para o mundo".

Não é o que pensa Merval Pereira. Para o escritor, jornalista e analista político da Globo News que desde setembro de 2011 ocupa a cadeira nº 31 da Academia Brasileira de Letras —, Bolsonaro, diante de uma multidão pedindo a saída de ministros do STF, voto impresso e outras coisas, dificilmente conseguirá se controlar. Sobretudo depois da ação da PF contra Sergio Reis e Ottoni de Paula. Seria o cúmulo alguém incentivar revolução, invasão ao STF e quebra-quebra no Congresso sem arcar com as consequências, mas mais inconcebível ainda é o presidente tomar essa atitude, demonstrando total inconsequência, sem avaliar o que pode vir daí (ou avalie e ache que a arruaça irá favorecê-lo).

Quando a democracia está em perigo, é preciso agir. A polarização que tomou conta de uma parte da população brasileira tem sido alimentada por um presidente irresponsável, que se vale do cargo para testar os limitas da nossa democracia. Oxalá a coisa não saia de controle no dia 7 de setembro.

quinta-feira, 5 de agosto de 2021

O VERDADEIRO DESSERVIÇO E QUEM VERDADEIRAMENTE O PRESTA

 

O que a Psicologia chama de "lei do espelho" eu chamo de "medir os outros pela própria régua". É o que fazem as pessoas sem caráter ao projetar nas demais a própria vileza e lhes atribuir o comportamento que elas próprias adotariam se os papéis fossem invertidos.

Depois de protagonizar a patética live da última quinta-feira e incentivar manifestações em prol do retrocesso, digo, do voto impresso, Bolsonaro voltou a atacar o ministro Luís Roberto Barroso, presidente do TSE. Na véspera, o tribunal determinou a abertura de uma investigação para apurar as ameaças do capitão às eleições e o envio de uma notícia-crime ao STF, pedindo sua inclusão no inquérito das fake news (mais detalhes na nesta postagem).

Anteontem, dirigindo-se à seleta confraria que bate ponto dia sim outro também defronte ao Alvorada, Bolsonaro disse que Barroso "presta um desserviço à nação brasileira" e salientou que aquele "era o último aviso". Pelo visto, ou melhor, pelo dito, o capitão não só aposta na balbúrdia como se propõe a liderá-la: 

"Se preciso for, para dar um último alerta àqueles que não tem respeito para conosco, eu convidarei o povo de SP, a maior capital do Brasil a comparecer à Paulista para que o som deles, a voz do povo, seja ouvida por aqueles que teimam em golpear a nossa democracia. Se o povo lá disser que o voto tem que ser auditado, que a contagem tem que ser pública e que o voto tem que ser impresso na forma como se propõe a PEC da Bia Kicis, tem que ser dessa maneira".

Situações desesperadoras exigem medidas desesperadas. Em 2018, o repúdio de parte dos brasileiros ao lulopetismo corrupto tornou presidente um capitão reformado que deixou o quartel pela porta dos fundos e, em 27 como deputado federal, aprovou dois projetos e colecionou duas dúzias de processos.

Dizia o Conselheiro Acácio que "as consequências costumam vir depois", e o engenheiro aeroespacial Edward Aloysius Murphy, que "nada é tão ruim que não possa piorar". No caso em tela, a emenda ficou pior do que o soneto. 

Depois de ser eleito e empossado, o candidato que prometeu pegar em lanças contra a reeleição, a corrupção e a "velha política do toma-lá-dá-cá" transmudou-se numa usina de crises. Para não insultar a inteligência nem abusar de sua paciência do leitor, resumo a ópera dizendo simplesmente que "foi pior a emenda que o soneto".

Restam 16 meses de mandato e nenhuma dúvida de que Bolsonaro entrará para a história como o pior presidente que esta republiqueta de bananas amargou desde a redemocratização — e não por falta de concorrentes de peso. Sobram motivos para antecipar o fim dessa tortura — tanto por crime comum quanto por crime de responsabilidade —, mas seria preciso que Augusto Aras e/ou Arthur Lira cumprissem o papel que a Constituição lhes atribui.

A deposição do chefe do Executivo é um processo traumático, mas há situações em que manter o dito-cujo é ainda pior. Sobretudo quando se trata de alguém que jamais foi talhado para o cargo — como ele próprio reconheceu publicamente — e cuja incompetência o obrigou a "entregar a alma do governo ao Centrão". Um anormal que vive no mundo da lua, num universo paralelo ou num lugar qualquer onde não existe desemprego, inflação, CPI do Genocídio nem denúncias de corrupção (envolvendo, inclusive, sua conspícua filharada). 

Fica difícil saber o que é pior, ou — como disse a médica Luana Araújo, ainda que em outro contexto — escolher de que borda da terra plana pular. Quando o presidente chamou o senador Ciro Nogueira, um dos principais caciques do Centrão, para a Casa Civil, Ricardo Rangel escreveu em sua coluna

É incontornável: quanto maior o desgaste de Bolsonaro na CPI e nas pesquisas, maior a necessidade de apoio e o espaço ocupado pelo Centrão no governo. Nogueira andava afastado de Bolsonaro ultimamente. Resistiu a ceder a legenda ao presidente, reconheceu o direito de Renan Calheiros de ser relator da CPI, afastou-se das sessões da comissão para não defender o indefensável. Agora inverte a ponta e se joga de corpo inteiro nos braços de Bolsonaro, onde já está seu correligionário Arthur Lira, presidente da Câmara, que hoje bloqueia nada menos do que 126 pedidos de impeachment.

Com Ciro (e Lira), Bolsonaro aumenta o apoio parlamentar, reduz o risco de impeachment, encomenda uma legenda para 2022 e monta o quartel-general da campanha. Quem sabe até emplaca um candidato a vice. Ciro e Lira ganham vantagens e prometem boa vontade. Só. Por um preço. Por um tempo. O chiste do general Augusto Heleno ("se gritar pega Centrão, não fica um, meu irmão") vai se tornando literalmente verdadeiro. Está cada vez mais difícil encontrar no governo alguém que não esteja ligado ao Centrão — até os militares governistas se tornaram uma espécie de Centrão verde-oliva, e o próprio Heleno disse recentemente: Eu não tenho hoje essa opinião nem reconheço hoje a existência desse Centrão. A evolução de opinião faz parte da vida do ser humano. Faz parte do show, do show político”.

Bolsonaro entregou de vez a chave do galinheiro à raposa — há uma metáfora zoológica mais apropriada: a do capitalista abutre. O Centrão é um abutre com apetite insaciável, quer tudo isso e o céu também, tende a engolir o governo — que quanto mais frágil fica, mais cede, e quanto mais cede, mais frágil fica. 

Ao fim e ao cabo, o Centrão apoiará o presidente no que for bom para o Centrão e enquanto for bom para o Centrão. Até quando, não se sabe. Depende da economia, da pandemia, da CPI, das manifestações de rua, de muitos outros fatores. Até da chuva. O que se sabe é que carniça não é coisa que pare de apodrecer.

sexta-feira, 4 de julho de 2025

PALAVRAS E EXPRESSÕES QUE DEMANDAM ATENÇÃO — FINAL

DINHEIRO SÓ NÃO TRAZ FELICIDADE PARA QUEM NÃO SABE O QUE FAZER COM ELE.

 

Enquanto — Use somente enquanto (e não enquanto que).

 

Em que pese — Modernamente, essa locução dispensa a preposição a e o verbo concorda com o sujeito (em que pesem seus bons argumentos, mantenho meu ponto de vista). A regência clássica, com preposição e o verbo invariável, ainda é usada quando a expressão trata de pessoas (em que pese aos bolsonaristas, o "mito" não passa de um golpista). 

 

Estória — Por influência do inglês story, a palavra estória foi proposta para designar narrativa de ficção. Em 1943, a Academia Brasileira de Letras decidiu que história deve ser usada tanto para narrativas reais quanto fictícias.

 

Etc. — O termo etc. é a abreviação da locução latina et coetera, que significa e outras coisas. Recomenda-se que seja seguido de ponto e precedido por vírgula (militares, diplomatas, etc.), como fazem bons autores. No Português do Dia a Dia, do professor Sérgio Nogueira Duarte da Silva, consta que o uso da vírgula é facultativo, que não se deve usar o conectivo e antes, e que, caso o termo finalize uma frase, o ponto final não deve ser duplicado. Tampouco se usa etc. para pessoas (já foram presos Lula, Temer etc.) nem seguido de reticências.


CONTINUA DEPOIS DA POLÍTICA


Até onde minha memória alcança, o Brasil jamais teve um presidente que despertasse genuíno orgulho em seu povo, e tampouco teve um povo que não repetisse a cada eleição o que Pandora fez uma única vez. Mas a pior safra de mandatários veio com a redemocratização. Tanto é que foi preciso tirar Lula da prisão para impedir a mais que provável reeleição de Bolsonaro. Aliás, quem vota nesse tipo de gente não é vítima, é cúmplice. Mas isso é conversa para outro hora.

Missão dada, missão cumprida: o ex-presidiário "descondenado" venceu o pior mandatário desde Tomé de Souza por menos de 2% dos votos válidos, mas sua terceira gestão vai de mal a pior, como demonstram os índices de rejeição popular — os mais altos de toda a sua trajetória política. Só não se pode dizer que a emenda foi pior que o soneto porque, ao menos em tese, nada seria pior do que manter no poder o refugo da escória da humanidade. No entanto, como que se espelhando em seu antigo "poste" — que "fez o diabo" para se reeleger em 2014 —, Lula resolveu quebrar a economia em nome de um quarto mandato. 

Depois que o Congresso barrou o decreto presidencial que aumentava o IOF para bancar sua gastança populista e eleitoreira, o governo recorreu ao STF. “Se eu não for ao Judiciário, não governo mais”, vociferou o caga-raiva, acusando nas entrelinhas deputados e senadores de usurparem uma prerrogativa que caberia exclusivamente ao chefe do Executivo. 

Em tempos anteriores, Executivo e Legislativo divergiam. Agora, nem se falam mais. Lula acusa Hugo Motta de descumprir sua palavra — algo impensável e inaceitável em termos políticos, mesmo que o presidente da Câmara tenha levado ao plenário a questão do IOF e imposto ao governo uma derrota humilhante. Para piorar, ao contrário de Rodrigo Pacheco, que costumava servir de contrapeso às investidas de Arthur Lira contra o Planalto, Alcolumbre se associou a Motta para puxar o tapete de Lula a quatro mãos.

A verdade é que a normalidade nas relações entre Executivo e Legislativo deixou de existir há muito tempo. Hoje, dono de suas próprias emendas orçamentárias, cada deputado se sente livre para dar uma banana ao governo — e ao próprio partido: até os líderes de bancada têm dificuldades em falar por seus pares. É como se houvesse 513 partidos na Câmara e mais 81 no Senado. E, no meio desse caos, um presidente enfraquecido tenta governar com base no gogó, no improviso e em decisões judiciais sob medida, como aquela que o "descondenou" e reabilitou politicamente. E o povo que se exploda. Afinal, quem semeia ventos colhe tempestades.


Pronomes demonstrativos:

 

Aquele — Indica algo ou alguém afastado espacial e/ou temporalmente do falante e do ouvinte (aquele dia foi inesquecível), mas pode se usado para designar indivíduo cujo nome se ignora ou que não se possa ou deva nomear (aquele é um caso sério de político corrupto) e se referir a pessoa ou coisa genericamente mencionada (mulher boa é aquela que menos exige). Nos casos em que há dois antecedentes no discurso, refere-se ao primeiro — por oposição a este, que designa o mais próximo (pai e filho conhecem o seu ofício, aquele mais que este).

 

Esse — Designa pessoa ou coisa afastada do emissor da mensagem e próxima a seu receptor (essa cadeira está quebrada, sente-se na outra) ou algo ou alguém não diretamente ligado ou próximo, mas que o emissor pressupõe ser do conhecimento do receptor (esses políticos de hoje só sabem roubar). Pode também designar o que já foi antes mencionado (repouso e boa alimentação, esse é sempre um bom conselho), ser empregado junto a aposto de um termo já referido recentemente (Bolsonaro, esse grande golpista, vai acabar na cadeia), ou com referência a um tempo relativamente distante no passado ou no futuro, mas que foi referido anteriormente (passada essa hora de maior movimento, o trânsito fica uma beleza).

 

Este — Indica o que está próximo ao falante, no espaço, no tempo ou no discurso (este copo aqui é meu). Com substantivos que denotam tempo, indica o tempo presente ou o mais recente, se a frase é passada, ou o primeiro que virá, se a frase é futura (esta noite meus amigos virão à minha casa). Combinado com aquele ou esse, serve para fazer referência a duas pessoas ou coisas já mencionadas, indicando a última (Lula e Bolsonaro não devem disputar a próxima eleição, este por estar inelegível e aquele por estar muito velho).

 

Isso — Substitui o nome de algo que está afastado do falante e mais perto do ouvinte, ou de algo passado, mas relativamente recente, ou que foi mencionado antes (deixe-me ver isso que você tem nas mãos; isso foi ontem, hoje as coisas mudaram).

 

Isto — Indica algo que se acha mais perto de quem fala, ou, temporalmente, que é recente (tirem isto da minha frente!)

 

Face a — A expressão tradicional em português é em face de, mas não existe impedimento quanto ao uso da expressão em questão, já abonada pelos melhores dicionários e gramáticos.

 

Fazer as vezes de — Sem crase (embora fosse terceiro-secretário, fazia as vezes de chefe da missão).

 

Futuro do subjuntivo — Erros nesse tempo verbal são comuns, já que na maioria dos casos a conjugação é idêntica ao infinitivo (se eu quiser, se ela gostar, etc.). Mas há exceções (se o tempo se mantiver firme, e não se manter; se ninguém intervier, e não intervir, etc.) Via de regra, os infinitivos admitem tanto próclise quanto ênclise, mas o futuro do subjuntivo não é um infinitivo, de modo que são erradas construções como se ela não aceitá-lo (a única forma possível é se ela não o aceitar).

 

No caso dos verbos abundantes (como gastar, ganhar, aceitar, eleger, pagar, etc.), usa-se o particípio regular com os verbos ter e haver e o irregular com os verbos ser e estar (tinha ganhado, foi ganho; tinha aceitado, foi aceito, etc.) Alguns gramáticos sustentam que, com os verbos ter e haver, ambos os particípios são admissíveis. Note que isso não se aplica ao verbo chegar (jamais algo como ele tinha chego cedo).

 

Grosso modo — Significa aproximadamente, em geral, e deve ser grafado em itálico (por ser uma locução latina) e sem a preposição a. 

 

Há... atrás — Evite a redundância usando há dez anos ou dez anos atrás. A forma híbrida (há dez anos atrás) pode até ser admissível na linguagem oral, mas deve ser evitada na escrita formal. 

 

Informar — É possível informar alguém de algo ou informar algo a alguém (as mudanças foram informadas a todos; todos foram informados das mudanças).

 

Importa notar / importa assinalar — Expressões que, a exemplo de vale notarcumpre ressaltar, etc., nada acrescentam ao sentido do texto, razão pela qual devem ser evitadas.

 

Implicar — No sentido de acarretar, é transitivo direto (o combate à corrupção implica a adoção de medidas drásticas), mas a variante implicar em também ocorre, inclusive na norma culta.

 

Mais bem, mais mal — Antes de particípio, use as formas mais bem e mais mal (mais bem acabado, mais malsucedido, em vez de melhor acabado, pior sucedido.

 

Mandado / mandatoMandado é ordem (mandado de segurança) e mandato é poder (mandato parlamentar).

 

Nem — Conjunção aditiva que significa tampouco e dispensa a conjunção e (não houve danos estruturais nem estéticos). Note que ela pode preceder as locuções adverbiais nem mesmo, nem sequer e nem ao menos.

 

O fato de o, de a, de ele — O Acordo Ortográfico em vigor reafirma o preceito da gramática normativa que recomenda não ligar a preposição (por exemplo, “de”) a palavras que se lhe sigam quando antecedidas de verbo no infinitivo: "O fato de o país (e não "do país) ter crescido a taxas elevadas no período..."; "O fato de eles (e não "deles") ainda não terem respondido à consulta..."; etc.

 

Obedecer — Rege a preposição "a": Obedecer a alguém ou a alguma coisa (obedecer-lhe). "O parecer obedeceu à lógica"; todos lhe obedecem, etc. 

 

Outrossim – Advérbio em desuso, quando cabível, substitua por "do mesmo modo" ou "igualmente".

 

Parêntese — Usar nessa forma: um parêntese, os parênteses.

 

Pedir — A regência tradicional é pedir algo a alguém ("pediu ao assessor o relatório da reunião") ou pedir a alguém que faça alguma coisa ("pediu a todos que fizessem silêncio"). Portanto, evite usar a forma "pedir para".


Por conta de — Embora o uso dessa locução com o sentido de "por causa de" ser extremamente comum na fala e na escrita jornalística, ele ainda é considerado impróprio (ou pelo menos inadequado) do ponto de vista normativo. No entanto, essa prática está tão disseminada que muitos dicionários e manuais de estilo já admitem, embora com ressalvas em textos formais, acadêmicos ou jornalísticos de alto padrão. Portanto, para manter a elegância e a correção, prefira sempre por causa de ao indicar motivo e deixe por conta de para contextos financeiros ou de responsabilidade.

 

Precisar — É transitivo indireto: quem precisa, precisa de alguma coisa. Com verbos no infinitivo, a preposição pode ser dispensada: "precisamos agir com rapidez". 

 

Preferir — A regência culta tradicional admite apenas a preposição "a": "preferir uma coisa a outra". Vale o mesmo para o adjetivo preferível: "Isto é preferível àquilo."

 

Responder — Rege a preposição "a": "responder a uma mensagem" (e não "responder uma mensagem").

 

"Se" como indeterminador do sujeito  — Quando o pronome "se" é usado como indeterminador do sujeito, o verbo se mantém no singular: "Na Grécia antiga adorava-se a vários deuses"; “precisa-se de empregados"; "não se deu ouvidos às queixas". Apenas com verbos transitivos diretos é possível empregar o "se" como apassivador, o que permite conjugações como: "ouviram-se críticas", "nunca se viram tantos títulos"; "vendem-se casas", etc. Sem embargo, tanto as construções com "se" apassivador quanto aquelas com "se" indeterminador ("ouviu-se críticas" ou "ouviram-se críticas") têm emprego na norma culta.

 

Ter a ver / ter que ver – Ambas as expressões são corretas e podem ser usadas com o sentido de "ter relação com", "estar relacionado com", "dizer respeito a". Note que as expressões "nada há ver" e "nada haver" são inadmissíveis.

 

Ter de / ter que — Ambas as construções existem e são admitidas na norma culta; pode-se dizer indiferentemente "temos de enfrentar o problema" ou "temos que enfrentar o problema".

 

Tratar-se de — É sempre usado com sujeito indeterminado e, portanto, invariável: "Trata-se de opiniões, não de fatos". 

 

Todo, todo o – A diferenciação que se tentou criar entre as duas formas não existe na gramática tradicional nem tem respaldo na história ou nos usos da língua. Portanto, tanto faz usar "todo mundo" ou "todo o mundo", lembrando que no plural (como em "todas as pessoas") é preciso manter o artigo. 

 

Visar — É transitivo direto no sentido de validar, autenticar (um documento). Exemplo: "Visou o passaporte". Com o sentido de “objetivar”, é transitivo indireto e rege a preposição "a": "as providências visavam ao interesse dos alunos". Antes verbos no infinitivo, a preposição é dispensável ("visam reunir o maior número de assinaturas").

 

Vir a — A preposição usual é “a” (vir ao Brasil), embora, como com “chegar” e “ir”, também ocorra modernamente com a preposição “em” ("ele nunca tinha vindo aqui em casa"). Quando ao verbo "vir" se segue outro verbo, a preposição “a” é de rigor entre os dois verbos, com em "isso poderia vir a prejudicar as relações...", lembrando que em casos assim a locução "vir a" é dispensável ("isso poderia prejudicar..."). 

 

Zero — Use no singular, mesmo com o substantivo no plural ("zero graus", "zero chances", etc.) 

 

Fontes: Manual de redação oficial e diplomática do Itamaraty e Manual de comunicação da Secom do Senado Federal.