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terça-feira, 12 de novembro de 2024

AS AVES QUE AQUI GORJEIAM NÃO GORJEIAM COMO LÁ


"O que é bom para os Estados Unidos é bom para o Brasil", disse Juracy Magalhães, que foi embaixador em Washington pelo marechal Castello Branco quando esta banânia era mais uma ditadura militar instalada sob o pretexto de salvar a América Latina do comunismo.

Para os que gazeteavam nas aulas de História, relembro que a renúncia de Jânio Quadros e a aversão dos militares ao vice João Goulart levaram ao golpe de Estado que prefaciou a ditadura que Bolsonaro sempre negou e seu vice classificou de ditamole. A vacância da Presidência foi declarada em 1º de abril de 1964, mas a História marca o evento no dia anterior, para evitar associações jocosas com o "dia da mentira".
 
Quando a Marcha da Família com Deus pela Liberdade escancarou o apoio civil ao golpe, o Congresso, ameaçado de fechamento, chancelou a derrubada de Jango e a "eleição" de Castello Branco, então chefe do Estado-Maior das Forças Armadas. Quem apoiou o golpe acreditando que a democracia seria restabelecida com eleições diretas no ano seguinte deu com os burros n'água: a ditadura se estendeu até 1985, com outros quatro generais se revezando no poder, num jogo de cartas marcadas onde o partido de oposição (MDB) era meramente figurativo.
 
Os milicos não retornaram para a caserna graças ao espírito democrático de Geisel e Figueiredo, mas devido às manifestações populares pelas Diretas Já. Todavia, embora Ulysses Guimarães, Mário Covas, Leonel Brizola e Ciro Gomes figurassem na lista dos 22 postulantes ao Planalto, o eleitorado brasileiro, sempre inclinado a fazer as piores escolhas, escalou para o embate final um caçador de marajás demagogo e populista e um ex-metalúrgico populista e demagogo. E o resto é história recente: a vitória de Collor e o "nós contra eles" de Lula pavimentaram o caminho para a polarização que, 29 anos depois, dividiria o país em sectários do lulopetismo corrupto e devotos do bolsonarismo boçal. 
 
Se dependesse de Bolsonaro — o filhote da ditadura que, segundo ele, deveria ter torturado e matado muito mais gente —, a democracia jamais teria sido restabelecida. Agora, estimulado pela vitória de seu ídolo — um criminoso condenado, já indiciado por tentar melar a eleição anterior e às voltas com inéditas pendências judiciais — o capetão declarou que "quase tudo o que acontece lá acontece aqui", que "partiremos para uma revolução em 2026" e que "podemos ter uma bancada enorme de senadores e deputados de outros partidos do nosso lado".
 
A torcida de Lula pela vitória de Kamala Harris foi desnecessária, pois ninguém ignorava sua aversão por Trump, e inútil, já que o poder o petista como cabo eleitoral tornou-se discutível até no Brasil. Compelido pelo fato consumado a parabenizar o eleito, disse o Sun Tzu de Atibaia que "o mundo precisa de diálogo e trabalho conjunto", esquecendo-se de lembrar (ou lembrando-se de esquecer) que Trump retornará ao poder com maioria no Congresso e uma Suprema Corte de viés conservador, e que sua coleção de processos judiciais já foi encostada no arquivo. Alguém deveria lembrar ao petista que Trump converterá a Casa Branca numa sucursal do inferno, e que o governo brasileiro terá que dialogar com o capeta, pois ignorar os fatos não faz a realidade desaparecer.
 
Como para comprovar o ditado "quem sai aos seus não degenera", Zero Um declarou que a "via crucis" que Trump enfrentou nos EUA é "muito parecida com a que seu pai está atravessando aqui", e que, "se descondenaram o Lula depois de tudo o que ele fez", não há motivo para a inelegibilidade de Bolsonaro não ser revertida. E Zero Três foi além: "Eu não vejo eles [o governo norte-americano] mandando recado para o TSE ou algo assim, mas o STF... um ou dois juízes que ficam mais à vontade para adotar suas políticas... eles vão ficar com o pé atrás."
 
"Há dois anos querendo me incriminar como golpista, vai à merda, porra...", disse Bolsonaro, referindo-se ao ministro Alexandre de Moraes, talvez com o intuito de manter na ponta dos cascos a récua de muares descerebrados que lhe babam os ovos. Mas a porca torce o rabo quando ele insinua que Trump gostaria de vê-lo anistiado. Cabe a Moraes autorizar ou não o mentor intelectual e principal beneficiário do 8 de Janeiro comparecer à posse de sua musa inspiradora, mas dois pedidos de devolução do passaporte já foram recusados, e tudo indica que desta vez não será diferente, com ou sem a ameaça de retenção do visto feita por um grupelho de congressistas trumpistas ao ministro do STF.
 
Pode-se gostar ou não de Trump, mas não se pode negar que ele é um fenômeno político. Já Bolsonaro não passa de uma imitação grosseira. O peruquento se manteve à tona por quatro anos, e agora está de volta, ao passo que o clone mal-ajambrado entrou para a História como o único presidente brasileiro que tentou a reeleição e foi barrado nas urnas — e, de quebra, corre o risco de acabar na prisão.
 
Se tiverem juízo, a PGR e o STF se apressarão em demonstrar que suas palmeiras não fornecem sombra para delinquente nem seus sabiás cantam mais afinados que os melros-azuis na terra do Tio Sam. As eleições foram usadas como pretexto para retardar seu indiciamento, mas agora não há motivo para que ele não se torne réu, seja julgado e sentenciado. Ao contrário do que disse o embaixador americano nos anos 1960, o que pode ser bom para os EUA pode não ser necessariamente bom para o Brasil.

sexta-feira, 11 de outubro de 2024

ELEIÇÕES LÁ E CÁ



O segundo turno das eleições municipais está marcado para domingo 27, e a eleição presidencial norte-americana, para primeira terça-feira do mês que vem. Disputam a prefeitura de Sampa Ricardo Nunes e Guilherme Boulos, e a Casa Branca, Donald Trump e Kamala Harris — que está 3 pontos percentuais à frente da calopsita alaranjada, segundo pesquisa do jornal The New York Times. 

Cá em Pindorama, prefeitos de municípios com mais de 200 mil eleitores, governadores de Estados e presidentes da República são eleitos por maioria absoluta (50% dos votos válidos + 1 voto). Quando nenhum candidato alcança esse quórum no primeiro turno, os eleitores voltam às urnas, três semanas depois, para escolher entre o primeiro e o segundo colocados, e vence aquele que obtiver mais votos. 
 
Lá na terra do Tio Sam o sistema eleitoral não é bipartidário. Existem dezenas de partidos políticos além do Democrata (liberal) e do Republicano (conservador), mas a maioria não figura nas cédulas da maioria dos estados, e alguns estados têm inclinação partidária definida — como o republicano Texas e o democrata Washington (não confundir com a capital federal). Candidatos "independentes" surgem de tempos em tempos — como o magnata texano Ross Perot em 1992 e o ex-prefeito de Nova York Michael Bloomberg, em 2020 —, mas isso é outra conversa.
 
Esse modelo foi criado no XVIII, quando ainda não havia eleições presidenciais diretas em nenhuma parte do mundo, visando garantir a união das ex-colônias britânicas, e é mantido até hoje para evitar que estados menos populosos sejam ofuscados numa eleição decidida pelo voto popular nos grandes centros urbanos. 
Na prática, porém, a disputa fica concentrada nos "swing states" — como Arizona, Geórgia, Michigan, Nevada, Carolina do Norte, Pensilvânia e Wisconsin —, que "oscilam" entre os candidatos democrata e republicano. 

Lá, existe a possibilidade de um candidato ser eleito com menos votos populares do que o adversário. Foi o que aconteceu em 2016, quando Donald Trump derrotou Hillary Clinton, em 2000, quando George W. Bush venceu Al Gore, e em 1888, 1876 e 1824. Isso porque o não é eleito pelo voto direto da população, mas por um Colégio Eleitoral formado por delegados eleitos pelos cidadãos de cada estado, que podem votar de modo independente, embora a maioria respeite a vontade popular e as diretrizes do partido. 

O candidato que obtém mais votos em um estado fica com todos os delegados daquele estado ("the winner takes all", como na canção imortalizada pelo ABBA), mas precisa de pelo menos 270 votos dos 538 possíveis (total que corresponde à quantidade de delegados estabelecida em 1964). Se esse quociente não for alcançado (ou se houver empate), o presidente é eleito pela Câmara dos Representantes, e o vice-presidente, pelo Senado, o vice-presidente.
 
Em nossas eleições municipais, os nobres vereadores e os insignes deputados estaduais, federais e distritais são eleitos com base num "sistema proporcional", que nada deve em obscuridade ao sistema norte-americano. A distribuição das vagas
 começa pelo quociente eleitoral — que é obtido mediante a divisão do número total de votos válidos pelo número de vagas em disputa (somente os partidos que alcançam esse índice mínimo têm direito a vagas) — e segue pelo quociente partidário — resultado da divisão do total de votos válidos que o partido recebeu pelo quociente eleitoral —, que determina a quantidade de vagas a que cada partido tem direito. 

Mais de 430 mil candidatos disputaram 58,4 mil cadeiras nas assembleias legislativas dos 5.569 municípios no último domingo, e haverá segundo turno para prefeito, no próximo dia 27, em 98 cidades com mais de 200 mil eleitores cadastrados. 

O sempre mui esclarecido eleitor paulistano (que já elegeu Celso PittaLuíza Erundina e Fernando Haddad, entre outras aberrações) escalou para o embate final o emedebista Ricardo Nunes e o psolista Guilherme Boulos, que obtiveram, respectivamente, 29,48% (1,8 milhão) e 29,07% (1,78 milhão) dos votos válidos no pleito mais acirrado desde a redemocratização. Pablo Marçal (PRTB) ficou em 3° lugar, 28,4% (1,72 milhão), a menos de 1 ponto percentual de ir para o segundo turno e menos de 60 mil votos atrás de Boulos. Seu crescimento assustador nas pesquisas só foi refreado pela propaganda eleitoral no rádio e na TV (Nunes era dono 65% do horário). 

Tábata Amaral (PSB) ficou com 9,91% (605,6 mil votos) e declarou apoio a NunesJosé Luiz Datena (PSDB), que já abandonou outras cinco candidaturas, teve 1,84% (112,3 mil votos, perdendo até para o vereador mais votado) e liquidou de vez o já moribundo partido dos tucanos. Brancos e nulos somaram 14,5% (quase 1 milhão de votos), e 2,5 milhões de eleitores (26,88%) não se deram ao trabalho de comparecer às urnas. 

Marçal, que tumultuou a corrida eleitoral com ataques e factoides — culminando com a publicação de um prontuário médico falso que pregava em Boulos a pecha de cocainômano — disse que ficou feliz com o resultado, que agora vai apoiar Nunes e que ainda não decidiu se disputar o Palácio do Bandeirantes ou a Presidência (que Deus nos livre de mais essa desgraça).

Nunes se elegeu vereador em 2012 e 2016, perdeu duas eleições para deputado federal (em 2014 e 2018), elegeu-se vice-prefeito em 2020 na chapa de Bruno Covas e ostenta no currículo uma investigação sobre a "máfia das creches", um B.O. de violência doméstica e um tiro disparado na década de 1980. O apoio do governador Tarcisio é seu maior trunfo, mas o incomível imbrochável insuportável — que continua livre, leve, solto e posando de cabo eleitoral de luxo — promete participar mais ativamente de sua campanha neste segundo turno.

Nunes precisa melhorar seu desempenho nos próximos debates e sabatinas se quiser abiscoitar as viúvas de Marçal e os 84,2 mil eleitores que votaram em Marina Helena (NOVO). Segundo o Datafolha, ele está 22 pontos à frente de Boulos e é menos rejeitado pelos paulistanos (21% a 58%). Cerca de 5% dos 1.200 entrevistados disseram que votarão em branco ou anularão o voto, e 3,4% não sabem ou não responderam.

Boulos é uma versão "despiorada" e escolarizada de seu padrinho político. Antes de virar coordenador do MTST (Movimento dos Trabalhadores sem Teto), ele cursou filosofia na USP, especializou-se em psicologia clínica pela PUC e fez mestrado em psiquiatria (também pela USP). Na política, disputou (e perdeu) a Presidência em 2018 e a prefeitura de Sampa em 2020, mas foi o deputado federal mais votado em 2022, apesar de colecionar polêmicas, processos judiciais e três detenções — o que não chega a surpreender, considerando que os paulistas concederam quatro mandatos consecutivos de deputado federal ao palhaço Tiririca.

Siamo fregatti! 

terça-feira, 8 de outubro de 2024

ANDROID X iOS

A VIDA É UMA PARTIDA DE XADREZ QUE CONTINUA APÓS O XEQUE-MATE.

 

Lançado pelo Google em 2008, o Android se tornou o sistema móvel mais usado em todo o planeta. Tamanha popularidade se deve, pelo menos em parte, ao código aberto, que dá maior liberdade para personalizar o celular. Ao contrário do iOS, que é um sistema proprietário, o sistema do robozinho verde permite a instalação de aplicativos de diversas fontes (APKs), bem como personalizar a aparência e as funções do dispositivo.

No Brasil, o Android marca presença em nove de cada dez smartphones de diferentes marcas e modelos, com recursos e preços adequados às necessidades e possibilidades de cada usuário. Mas nem tudo são flores nesse jardim: a diversidade de dispositivos e versões pode dificultar a atualização dos aplicativos, e a enorme quantidade de apps disponíveis torna o sistema mais vulnerável a infecções e ataques. 

CONTINUA DEPOIS DA POLÍTICA

Na pré-história dos anos 1980, quando o Brasil começou a retomar eleições diretas nos estados (1982), nas capitais (1985) e à Presidência da República (1989), a medição da vontade do eleitor era fruto do trabalho da imprensa, com repórteres à caça do "clima" país afora. Mais adiante, as pesquisas de intenção de voto tomaram conta da cena, e agora o que conta são números, tabelas, gráficos e recortes minuciosamente destrinchados a cada rodada, com rapidez e graus de certeza (mas não de acerto) impressionantes. 
Quando as pesquisas destoam da voz das urnas, chovem críticas, mas na eleição seguinte voltamos a nos guiar por elas, mesmo que o inesperado faça uma supresa
Em 2018, Em 2018, todas as pesquisas davam como certas a vitória de Haddad e a eleição de Dilma para o Senado. Bolsonaro foi eleito e a mulher sapiens amargou um vexaminoso quarto lugar. Eu havia cantado essa bola logo após o primeiro turno, não por ser clarividente, mas porque o capetão obteve quase o dobro dos votos do bonifrate de Lula, e todos os candidatos à Presidência que chegaram ao segundo turno na dianteira, até então, acabaram eleitos. 
Para supresa de ninguém, Tábata Amaral ficou em quarto lugar, com pouco menos de 10% dos votos válidos — e já declarou apoio a Boulos. Mas Datena obter apenas 1,84% dos votos dos votos válidos (menos que o vereador mais votado na cidade) foi tão surpreendente quanto Marçal ter ficado focinho a focinho com os dois primeiros colocados. 
A mim causou espécie a sobrevida que o "esclarecidíssimo" eleitorado paulistano concedeu ao "psicocandidatopata" que, no apagar das luzes da campanha, levou às redes um laudo mentiroso, supostamente assinado por um médico comprovadamente morto, para tentar pregar em Boulos a pecha de cocainômano. 
Numa única tacada, o despirocado se acorrentou a pelo menos quatro crimes: divulgação de fatos inverídicos, difamação eleitoral, falsificação de documento, uso de documento falsificado, e corre o risco de ir para o xilindró antes de Bolsonaro
Mas mais preocupante (embora nem um pouco surpreendente) foi o atestado de insanidade do eleitorado paulistano que as urnas emitiram neste domingo.  

Google oferece o Play Protect, que verifica os apps antes da instalação e garante que eles estejam livres de malware. Para checar seu aparelho, toque no ícone da Play Store, em sua foto de perfil, em Play Protect, no ícone da engrenagem, e então ative as opções Verificar apps com o Play Protect e Melhorar a detenção de apps nocivos.

A maioria dos malwares não vem da plataforma oficial do Google, mas de programas instalados por sites aleatórios. Se você fizer seus downloads somente da Play Store e da loja oficial do fabricante do aparelhos, as chances de ser pego no contrapé serão menores, sobretudo se você contar com a proteção de uma suíte de segurança responsável. 
 
As configurações do Android variam conforme a versão do sistema e o fabricante do celular. Assim, a interface de um aparelho da marca Samsung é um pouco diferente da interface de um Motorola ou um Huawei, por exemplo, já que cada fabricante obtém a base do sistema do Google e faz a personalização a seu talante. 

Resumo da ópera: 


O Android oferece mais liberdade para personalizar a interface e instalar aplicativos de diversas fontes e a gama de programas é imensa, mas a diversidade de dispositivos e versões pode dificultar a atualização e a compatibilidade de aplicativos, o risco de infecções por malware é maior e a qualidade dos dispositivos varia bastante entre os fabricantes. 


No iOS a otimização entre hardware e software enseja um desempenho mais fluido e eficiente, as atualizações de segurança são mais rápidas e abrangentes e o código proprietário deixa o sistema menos vulnerável a infeções e invasões, mas as opções de personalização são mais limitadas e os aparelhos custam mais caro. 


Em última análise, a escolha depende do perfil e das possibilidades de cada usuário. Se você gosta de personalizar o celular e quer ter acesso a uma grande variedade de aplicativos, o Android pode ser a melhor opção; se prefere um sistema mais simples, intuitivo e seguro — e seu orçamento permitir —, o iOS pode ser a melhor opção.

sábado, 5 de outubro de 2024

A CAIXA DE PANDORA — O MITO E A REALIDADE (CONCLUSÃO)

LASCIATE OGNI SPERANZA VOI CHE ENTRATE

 

No Brasil, os chefes do Executivo federal, estadual e municipal são eleitos em dois turnos. Caso nenhum candidato obtenha mais de 50% dos votos válidos no primeiro turno, os eleitores voltam às urnas para escolher entre os dois mais votados. 

No primeiro turno, um eleitor que não vota no candidato com quem tem mais afinidade porque o dito-cujo está mal colocado pesquisas eleitorais é um idiota. Mas o que esperar de um eleitorado com Q.I. de ameba e lobotomizado pela polarização?

Pesquisas de intenções de voto devem ser vistas com reservasEm 2018, todas apontavam a vitória de Haddad e a eleição de Dilma para o Senado, mas Bolsonaro foi eleito e a mulher sapiens ficou em quarto lugar. Dias após o primeiro turno, eu cantei essa bola. Não por ser clarividente, mas porque o capetão obteve quase o dobro dos votos do bonifrate de Lula, e todos os candidatos à Presidência que chegaram ao segundo turno na dianteira até então acabaram sendo eleitos. 
 
Pandora abriu sua caixa uma vez, mas os brasileiros borrifam desgraças em si mesmos a cada dois anos. Em 2018, preferindo errar com convicção a tentar acertar, despacharam Bolsonaro e Haddad para o segundo turno, embora pudessem testar Geraldo Alckmin (ainda tucano), Henrique Meirelles, João Amoedo, ou mesmo Ciro Gomes (afinal, situações desesperadoras justificam medidas desesperadas). E deu no que deu. 

Em 2022, podendo dar uma chance a Simone Tebet, Felipe D'Ávila ou Ciro, a récua de muares votou a escolher a execrável "dupla de dois". Lula, já "descondenado", não precisou de preposto e se beneficiou da gestão desastrosa de seu antecessor. E deu no que está dando: enviado pela terceira vez ao Planalto, o petista levou na bagagem a corja mensaleira e petroleira que havia submergido no auge da Lava-Jato. A (indi)gestão em curso só não é pior que a anterior porque nada pode ser pior que o refugo da escória da humanidade. Mas o páreo é duro. 

Diz a sabedoria popular que cada povo tem o governo que merece. Sob Bolsonaro, o "centrão" transformou a ocupação do Orçamento num processo de bolsonarização das instituições. Lula escapou do mensalão, tropeçou no Petrolão e foi libertado da prisão, mas segue refém do Imperador da Câmara. Tanto nhô-ruim como nhô-pior são meros agentes transmissores de um mal maior. 
 
Comparado aos vexames que Bolsonaro fez o Brasil passar no exterior, um espirro que Lula desse no microfone da ONU soaria como um esguicho de bom senso. Foi assim na cerimônia de abertura no ano passado, mas as diferenças ficaram menos evidentes neste ano. 

De volta ao mesmo púlpito, com o dedo e riste e a voz roufenha, o Sun Tzu de fancaria discursou como discursa para os ignorantes que o endeusam. Falou sobre meio ambiente enquanto as queimadas estragavam o ambiente inteiro de seu discurso. Não repetiu o ridículo de seu antecessor, que culpava os indígenas, a imprensa e as ONGs pelo fogo, mas foi compelido a reconhecer que os incêndios na Amazônia dizimaram cinco milhões de hectares só no mês de agosto. 
 
Lula lamentou a falta de perspectiva de paz na Ucrânia e a crise humanitária em Gaza e na Cisjordânia, lastimou a expansão do conflito para o Líbano, avaliou que resposta de Israel ao Hamas tornou-se "punição coletiva para o povo palestino" e voltou a criticar o embargo econômico dos EUA a Cuba. Mas não deu um único pio sobre as violações aos direitos humanos na Venezuela do tirante-companheiro Nicolás Maduro.
 
Lamúrias não ornam com a pretensão de liderar o debate sobre a emergência climática, e um chefe de Estado que silencia sobre as atrocidades cometidas em um país vizinho não pode ser levado a sério quando palpita sobre perversões que enxerga na Europa, no Oriente Médio e na América do Norte. Antes de atuar como professor do mundo, Lula deveria extrair lições de suas próprias contradições.
 
A raiz da degeneração da nossa democracia é profunda. Apesar dos avanços obtidos com a redemocratização, o Brasil não progrediu graças aos governantes, mas apesar delesA conivência, mesmo dos menos desonestos, permitiu que a corrupção se disseminasse por todas as esferas do poder

A vida ensina que a primeira regra dos buracos é "quem cair dentro de um deve parar de cavar", mas o povo brasileiro, habituado ao precipício, prefere jogar mais terra por cima. Brecht ensinou que o pior analfabeto é o analfabeto político, que se orgulha de ignorar a política sem se dar conta de que da sua ignorância nasce o político vigarista, pilantra, corrupto e lacaio dos exploradores do povo, e Churchill, que a democracia é "a pior forma de governo afora todas as outras".

A lição do dramaturgo alemão fazia sentido na época em que ele caminhava entre os vivos; hoje, qualquer pessoa que tenha dois neurônios funcionais percebe que não precisa dos políticos para viver e que viveria melhor sem eles. Quanto ao ensinamento do estadista britânico, quem apoiou as Diretas Já, festejou a vitória Tancredo, lamentou sua morte e se decepcionou com a redemocratização  como é o caso deste que vos fala  endossa o que disseram Pelé e Figueiredo sobre misturar brasileiros com urnas em eleições presidenciais.

Numa democracia de respeito, eleger o chefe do Executivo pelo voto direto é a expressão suprema da soberania popular; num país como o nosso, onde o voto é obrigatório dos 18 aos 70 anos, falar em "festa da democracia" é gozação. Nossas eleições deveriam ser uma ação de cidadãos racionais e interessados, mas nosso eleitorado jamais se notabilizou pela capacidade cognitiva e incorporou a desinformação e a ignorância que norteiam desde sempre seu comportamento nas urnas. E vale tudo para se aproveitar dos mais despreparados e menos qualificados, até mesmo levar urnas aos confins da selva amazônica para que silvícolas que sequer falam português exerçam o "sagrado direito do voto". 
 
Às vésperas de completar 18 anos, minha prioridade era a carteira de habilitação; alistamento militar e título de eleitor, meros inconvenientes que vinham no pacote da maioridade. Votei pela primeira em 1978, quando os generais ainda ditavam as regras e os governadores e parte dos parlamentares eram "biônicos" (indicados pela alta cúpula militar). 
Em 1989, votei em Mario Covas no primeiro turno e em Collor no segundo, mas só porque a alternativa era Lula, e Lula não era uma alternativa. 

Muita coisa mudou desde então, incluindo a mentalidade dos adolescentes. Mas esse empenho dos políticos pela participação dos "eleitores facultativos" é eminentemente oportunista, sobretudo em tempos de polarização, quando se mais com o fígado do que com a razão.
 
Às vésperas das eleições municipais, os paulistanos estão novamente numa sinuca de bico. Votar em Tábata Amaral é escolher o mal menor – a despeito do que eu disse sobre "voto útil", Datena tem menos chances de se eleger do que eu de ser ungido papa. A deputada
 está longe de ser a candidata dos sonhos dos paulistanos minimamente esclarecidos, mas votar nos afilhados de Bolsonaro e de Lulaou no franco-provocador despirocado Pablo Marçal, é insanidade em estado bruto. 

Sempre se pode votar em branco ou anular o voto, mas eu acho melhor aproveitar o fim de semana para tomar um chopp à beira-mar e acompanhar a apuração pela TV. 

Observação: O voto em branco indica que o eleitor não se identifica com nenhum candidatos, mas não é considerado na contagem. Já o voto nulo é um protesto mais explícito  mas é mito que 50% + 1 votos nulos anulam a eleição. Não comparecer às urnas, por sua vez, é uma forma de protestar contra o sistema como um todo, embora muitos a vejam como desinteresse ou alienação política.
 
Pandora abriu sua caixa movida pela curiosidade, mas os brasileiros o fazem por cegueira mental. Não há outra explicação para um ex-presidente semianalfabeto, que foi réu em duas dúzias processos criminais, condenado a mais de 20 anos de reclusão, solto e reabilitado politicamente graças a uma tecnicidade claramente fabricada por togas camaradas, voltar a presidir o país que ele e seus comparsas foram acusados de assaltar.
 
Nossa caixa de Pandora será reaberta amanhã (alea jacta est!). As pesquisas indicam que Nunes, Boulos e Marçal estão tecnicamente empatados. O
 tanto de votos que o franco-provocador obtiver espelhará o número de eleitores que, como ele, têm a cabeça cheia de merda. 

A exemplo do escorpião da fábula, Marçal é incapaz de agir contra sua própria natureza. A despeito da cadeirada, voltou a trocar insultos com Nunes, responder com embromação a indagações objetivas de especialistas e eleitores, cutucar Boulos e Datena com provocações subliminares e, numa tabelinha com Marina Helena, defender a atuação anticientífica de Bolsonaro na pandemia de Covid. Enquanto os prefeitáveis brigam entre si, dois milhões de cidadãos brasileiros residentes de São Paulo não têm o que comer. 

Nosso maior problema é o eleitorado (vide postagem anterior). Uma ampla reforma política ajudaria um bocado, mas como esperar que os fisiologistas corruptos que dominaram a "res publica" contrariem os próprios interesses? Qual força popular poderia, em nome da decência, reverter o fiasco da nossa democracia? Como diria Bob Dylan, the answer, my friend, is blowing in the wind.
 
Considerando que a esperança ficou presa no fundo da caixa, talvez seja a hora de votar nas putas. Está visto que continuar elegendo os filhos delas jamais fará com que o Brasil reencontre seu norte.

quarta-feira, 18 de setembro de 2024

DANDO NOME AOS BOIS



Patriotismo e chauvinismo parecem conceitos semelhantes à primeira vista, mas carregam diferenças profundas. Confundir um com o outro é como misturar alhos com bugalhos, capitão-de-fragata com cafetão de gravata ou a obra do mestre Picasso com a pica de aço do mestre-de-obras. Chamamos patriotismo a um sentimento baseado em valores nobres, voltado para o bem-estar do país. Já a palavra chauvinismo deriva do nome de um soldado francês, Nicolas Chauvin, famoso pela lealdade cega a Napoleão Bonaparte, donde o termo ser usado com o sentido de nativismo irracional, fanático, com pitadas de psicopatia. 


Como exemplo de patriotismo, cito as manifestações pelas Diretas-Já nos anos 1980; como exemplo de chauvinismo, a depredação das sedes dos Três Poderes protagonizada em 8 de janeiro de 2023 por uma récua de bolsonaristas lunáticos (com o perdão da redundância), que cantam o hino nacional para pneus, pedem ajuda a ETs e trotam para a Avenida Paulista sempre que seu "mito" sopra o berrante.

 

Em tempos de polarização, o que os peseudopatriotas chamam de patriotismo é na verdade um chauvinismo viceral, guiado pelo ódio a quem pensa diferente (veja-se o Brexit no Reino Unido e à invasão do Capitólio no EUA). No Brasil, esse fenômeno ganhou força durante a disputa presidencial de 2018 (não que campanhas eleitorais movidas pelo ódio sejam novidade nesta banânia), mas sua origem remonta ao final dos anos, quando Lula plantou a semente da cizânia com seu discurso de "noff contra eleff" (lembrando que os embates entre PT e PSDB eram mais ou menos civilizados). 


O detalhe — e o diabo mora nos detalhes — é que a raiva, quando industrializada, costuma ter um desfecho ruim. Jânio renunciou. Collor foi impichado. Bolsonaro perdeu a reeleição, ficou inelegível e vive sob a ameaça de uma sentença criminal (que, lamentavelmente, demora a acontecer). E a última pesquisa Quaest trouxe dados preocupantes para o Planalto e para o comitê eleitoral do PSOL em São Paulo: às vésperas do primeiro turno, a aliança de Boulos com Lula ainda não decolou — o apadrinhado atraiu apenas 43% dos eleitores paulistanos que votaram em seu padrinho na sucessão presidencial de 2022. 


Observação: Devido a essa "lulodependência", o vexame será compartilhado pelo padrinho se o afilhado não passar para segundo turno. Nessa hipótese, Lula perderia tanto para a direita representada por Tarcísio de Freitas, padrinho de Nunes, quanto para a ultradireita personificada em Marçal, que cresceu à revelia de Bolsonaro.

 

O cenário segue de empate triplo, mas Nunes e Marçal cresceram além da margem de erro, e Boulos ficou abaixo do patamar tradicional da esquerda (em Sampa), que gira em torno de 30%. Para agravar a situação, o ex-chefe do MTST vem perdendo terreno em áreas onde esperava crescer.


Em última análise, o mago memes e dos recortes foi enfeitiçado pelo próprio feitiço no debate da TV Cultura. Privado pelas artimanhas do sorteio de trocar farpas com os dois candidatos mais bem-postos nas pesquisas, Marçal esmerou-se nas provocações ao quinto colocado, levou uma cadeirada, tentou a administrar a agressão com método. Percebendo que seu plano de migrar da posição de encrenqueiro profissional para a de vítima havia micado, recalibrou rapidamente o discurso, queixou-se da falta de solidariedade dos adversários e declarou-se pronto para a guerra. Aprendeu da pior maneira um velho ensinamento de Tancredo Neves: a esperteza, quando é muita, engole o dono.

 

Costuma-se dizer que macaco esconde o rabo para falar mal do rabo alheio. Ao cobrar serenidade de Datena depois de fustigá-lo na noite de domingo, Marçal sentou-se no próprio cinismo. Vivo, Charles Darwin diria que a campanha municipal de São Paulo é a prova de que o ser humano não só parou de evoluir como fez o caminho inverso, rumo às cavernas.


Desde que Marçal revelou que se faz de idiota nos debates porque "o público gosta disso" aguardava-se um fato que justificasse o uso do ponto de exclamação que se escuta quando as pessoas dizem "não é possível!" Pois bem, o sinal foi dado: no debate Rede TV-UOL, constatada a impossibilidade de controlar quem age ou reage como se tivesse parafusos a menos, optou-se por banir o risco de que a patifaria resultasse num replay parafusando-se as cadeiras no chão. 


Se no último domingo a cadeira foi a grande vencedora, no debate de ontem quem se destacou foi a mediadora, que conduziu com firmeza as duas horas do programa. Nunes passou o debate inteiro — fora os instantes em que ele esteve se digladiando com Marçal — tentando grudar em Boulos a pecha de defensor da legalização das drogas; este, por sua vez, disse que Nunes a Marçal são faces da mesma moeda (porque buscam o vínculo com o bolsonarismo), mas que o primeiro é ruína e o outro, o abismo.

Nos embates anteriores adotou-se de tudo em matéria de endurecimento das regras — do puxão de orelhas à proibição do celular, passando pela expulsão da sala. Especula-se agora sobre o que virá depois da cadeira parafusada. Coleira? Focinheira? Jaula?
 
A conferir.