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sexta-feira, 31 de outubro de 2025

DE VOLTA ÀS VIAGENS NO TEMPO — 51ª PARTE — SOBRE A SETA DO TEMPO

FUGIT IRREPARABILE TEMPUS.

A expressão arrow of time (flecha do tempo, numa tradução direta) foi cunhada pelo astrofísico britânico Arthur Eddington no final da década de 1920, mas a ideia de que o tempo é unidirecional remonta à Segunda Lei da Termodinâmica, proposta no século XIX, que trata da entropia — medida de desordem e aleatoriedade.

 

Em um sistema fechado, a entropia tende a aumentar com o passar do tempo. Quando um copo se quebra, por exemplo, seus cacos não se juntam espontaneamente. No entanto, a ideia de que a seta do tempo está intrinsecamente ligada à seta entrópica não é unanimidade entre físicos e cosmólogos. 


Alguns cientistas argumentam que, embora a entropia descreva fenômenos macroscópicos, em escalas microscópicas as interações fundamentais da física (como as equações da mecânica quântica e da relatividade geral) são majoritariamente simétricas no tempo. E mais: se pudéssemos reverter as velocidades de todas as partículas em um sistema, ele retornaria ao seu estado anterior. A unidirecionalidade do tempo emergiria apenas em sistemas complexos, com grande número de partículas. 


O fato de o Universo ter surgido de um estado de baixa entropia (Big Bang) pode explicar o aumento contínuo da desordem que observamos hoje e, consequentemente, a flecha do tempo. Mas o "porquê" dessa condição inicial permanece um mistério.

 

Nossa percepção é que o tempo flui do passado para o futuro. Nesse contexto, nossas lembranças pertencem ao passado, e nossas expectativas, ao futuro. Mas algumas teorias cosmológicas especulam sobre universos cíclicos, em que períodos de contração (grande colapso) sucedem à grande expansão. Nesses cenários, a seta do tempo poderia se inverter durante a fase de contração, o que significaria uma diminuição da entropia — lembrando que essas hipóteses são meramente teóricas.

 

Embora a Segunda Lei da Termodinâmica forneça uma explicação robusta para a direção observada do tempo, o debate em torno da natureza fundamental da seta do tempo e suas implicações cosmológicas continua sendo uma área vibrante de pesquisa — e um dos grandes mistérios da física. Uma equipe internacional liderada por físicos brasileiros demonstrou experimentalmente que o desenrolar contínuo do tempo do passado rumo ao futuro é um conceito relativo. Em seu artigo — ainda em revisão para publicação — os pesquisadores descrevem o experimento, detalham os resultados e explicam por que suas descobertas não violam a lei retromencionada.

 

A ideia de partículas emaranhadas (ou entrelaçadas) tornou-se conhecida graças aos esforços para transformá-las em qubits para computadores quânticos. Mas outra propriedade menos famosa das partículas subatômicas é o correlacionamento: quando correlacionadas, elas se ligam de modos que não ocorrem no mundo macroscópico. Os pesquisadores usaram esse correlacionamento para alterar a direção da seta do tempo. Após modificarem a temperatura dos núcleos em dois átomos de uma molécula de triclorometano (hidrogênio e carbono), deixando o núcleo de hidrogênio mais quente do que o de carbono, eles observaram que, quando os núcleos não estavam correlacionados, o calor fluía como esperado — do núcleo mais quente para o mais frio. No entanto, quando os núcleos estavam correlacionados, o núcleo quente ficou ainda mais quente, e o frio, ainda mais frio.


Como é a própria assimetria do fluxo de calor (ou seja, a entropia) que define a direção do tempo, a equipe concluiu que o experimento inverteu a seta do tempo — isto é, fez o tempo "correr para trás". Segundo os pesquisadores, esse resultado abre a possibilidade de controlar ou até mesmo inverter a seta do tempo, dependendo das condições iniciais. E não há violação da Segunda Lei da Termodinâmica porque ela pressupõe a ausência de correlações entre as partículas — exatamente o fator que permitiu a reversão observada.

 

Outros experimentos já demonstraram a reversão do fluxo temporal, alimentando novas discussões sobre a existência de uma fronteira a partir da qual o tempo deixa de fluir para o futuro. Embora não vejamos copos quebrados se desquebrando por aí, as leis fundamentais da física não pressupõem necessariamente uma única direção, já que as equações permanecem as mesmas, independentemente de o tempo avançar ou recuar.

 

Resumo da ópera: a seta do tempo é um conceito relativo, e se setas opostas podem emergir de sistemas quânticos abertos, então também seria possível — ao menos em tese — viajar para o futuro ou para o passado.


Continua...

quarta-feira, 29 de outubro de 2025

O TEMPO PERGUNTOU AO TEMPO QUANTO TEMPO O TEMPO TEM… (FINAL)

WE ARE ALL TIME TRAVELERS.

Se o futuro é uma possibilidade e o passado é uma lembrança, então o único estado de coisas que realmente existe é o presente. Mas como afirmar isso se a própria existência do tempo não é uma unanimidade entre os filósofos e cientistas?

Na visão do cosmólogo Carlo Rovelli, o tempo não é uma e linha reta pela qual as coisas fluem do passado para o futuro, mas uma variável resultante do aumento da entropia do cosmos ao longo dos últimos 13,8 bilhões de anos. 

Segundo o metafísico J. M. E. McTaggart, é possível atestar a inexistência do tempo usando somente o pensamento lógico e um baralho de cartas

Grande Pirâmide de Gizé foi erguida no presente do faraó Queóps, que para nós significa 4,5 mil anos atrás. Se a realidade depende do ponto de vista do observador, então o presente não é uma data fixa no calendário, e um ponto de vista objetivo deve excluir o presente, o passado e o futuro. Esse mesmo raciocínio se aplica quando alguém diz "eu" — se esse pronome designa sempre a pessoa que fala, então ele não existe objetivamente, da mesma forma que "aqui" e "lá".

Se, assim como o espaço, que compreende apenas relações entre lugares (afastamento/proximidade), o tempo comporta somente relações entre acontecimentos mensuráveis (anterioridade/posterioridade), uma descrição objetiva do mundo não comporta presente, passado e futuro.

CONTINUA DEPOIS DA POLÍTICA

Lula já se definiu como "metamorfose ambulante" — talvez “metástase fosse uma definição mais adequada, mas isso é outra conversa. 

Na última quinta-feira, discursando num evento do PCdoB, o molusco ensinou que a esquerda precisa "acreditar que o deputado é importante", lançando uma profusão de candidatos ao Legislativo. Passados apenas quatro dias, fez exatamente o oposto do que lecionou ao nomear Boulos para um ministério palaciano.

Na prática, ele condenou o deputado a permanecer em seu governo até o final, tirando das urnas o maior puxador de votos da esquerda — que chegou à Câmara com pouco mais de 1 milhão de votos — 55 mil a mais que Carla Zambelli e 259 mil a mais que Eduardo Bolsonaro. 

No discurso da semana passada, Lula ensinou que PT, PCdoB, PDT, PSB e também o PSOL, partido de

Em tese, o macróbio não precisaria puxar o tapete do PSOL para usufruir das conexões sociais de Boulos. Sua incorporação à caravana da reeleição não estava condicionada à obtenção de uma poltrona de ministro, mas o gesto sinalizou para os partidos aliados que ele continua cultivando um tipo muito peculiar de parceria: “todos no mesmo barco e cada um por si”.

Se, à luz da Teoria da Relatividade, dois acontecimentos simultâneos deixam de sê-lo quando um observador está parado e o outro, em movimento, então nem o presente nem o futuro são absolutos, pois variam de acordo com a posição do observador. Uma mesa ou uma cadeira são reais do ponto de vista físico, já que são objetos formados por átomos, elétrons e quarks. Mas nem tudo o que existe no mundo segue as leis da física clássica. 

Mesmo que não existam no mundo real, o passado e o futuro nos parecem tão reais quanto a mesa ou a cadeira, já que o presente delimita o que deixou de ser real de um lado (o passado) e o que ainda não é real (o futuro). No entanto, a metáfora do “rio do tempo” (vide capítulos anteriores) rejeita o paralelismo entre o "aqui" e o "presente", posto que este não pode ser subjetivo no mesmo sentido que aquele. 

Quando estamos aqui e vamos a algum lugar, esse lugar passa a ser nosso "aqui", e o lugar de onde saímos, nosso "lá". Mas isso não se aplica ao "agora", já que o presente nos é imposto, o passado está fora do nosso alcance. Já avançar rumo ao que consideramos como futuro não só é possível como necessário, mas não depende de nós, e sim da realidade do tempo.

Explicando melhor: a decisão de ir a um lugar no espaço depende de cada um de nós, mas é o tempo que determina o que acontece antes e depois, organizando os fatos de forma irreversível. Isso significa que podemos nos mover pelo espaço, mas não podemos controlar o fato de o presente acontecer agora e depois virar passado, que acontece conforme a ordem do tempo. É por isso que temos a impressão de que o tempo se desloca em relação a nós, de que ele está sempre em movimento, queiramos ou não.

Como vimos nos capítulos anteriores, as metáforas do rio do tempo e do trem do tempo têm cada qual seus defensores e detratores. Os partidários da primeira acreditam no presente, e os partidários da segunda acham que o presente é apenas uma ilusão subjetiva. Mas não dá para dizer quem está certo: por um lado, o que acontece agora nunca aconteceu e, portanto, é objetivamente real; por outro, dizemos que uma coisa acontece agora porque somos contemporâneos dela, e o que se nos apresenta como passado ou futuro é tão objetivamente real quanto o que é presente para nós.

Na imagem do trem do tempo os acontecimentos estão ligados entre si por relações imutáveis de simultaneidade, anterioridade e posterioridade, mas a descrição realista do mundo é inexoravelmente atemporal. O Natal de 2024 aconteceu antes do Réveillon de 2025, que precedeu ao Carnaval, à Páscoa e ao Dia das Crianças. Isso era verdadeiro no passado, é verdadeiro agora e continuará sendo verdadeiro para sempre — tão atemporalmente verdadeiro quanto o fato de dois e dois serem quatro tanto hoje como ontem. Mas como pode haver tempo se nada muda? 

Não faz sentido falar em mudanças se não se pode distinguir o que é do que foi e do que será, se tudo é fixo, imutável, invariável. Para quem vê o mundo de fora — ou seja, do ponto de vista eternalista de um Deus onisciente, que abarca tudo num único olhar —, o tempo não existe: se não estamos no mundo e pensamos fora dele, não há que falar em passado, em futuro, e tampouco em tempo.

Por outro lado, pensar em mudanças nos leva a mergulhar de novo no rio do tempo e admitir que tudo muda o tempo todo: o que é futuro se torna presente, e o presente se torna passado. Mas se há presente no mundo, e se ele não é somente uma ilusão devida à nossa posição na história, então o passado não é real, já que o presente cessa tão logo se torna passado. E o futuro é ainda menos real, pois sequer chegou a ser real. No entanto, se há somente o presente, como explicar as mudança? 

Um ser consciente do estado do mundo, mas que não tivesse memória do passado nem imaginação do futuro, saberia tudo da realidade presente, mas nada veria mudar. Para dizer que uma coisa muda, é preciso poder dizer que ela não era o que passou a ser. Mas a memória do passado e a imaginação do futuro não são características do mundo, e sim da nossa consciência. Num mundo em que o presente é real, ele é o único a existir, e isso nos leva a outra negação do tempo.

A imagem do trem do tempo nos permite pensar a realidade das relações entre os acontecimentos sem presente, passado nem futuro, na medida em que implica uma visão eternalista que não exclui o tempo. Em contrapartida, a imagem do rio nos permite pensar a realidade do presente, mas exclui a realidade do passado e do porvir, impondo uma visão presentista que nos impede igualmente de pensar o tempo.

Ainda que o tempo não seja somente uma ilusão — o que se admite apenas por amor à argumentação —, é impossível encerrá-lo num conceito sem esbarrar em dificuldades insuperáveis ou em contradições. E mesmo que o presente não seja uma ilusão, é impossível dizer se ele existe fora de nós ou por nós, se depende do mundo ou de nossa consciência. Já o futuro é, dos três modos da temporalidade, aquele que tem menos existência, seja por ainda não ser, seja por mudar o tempo todo.

Vivemos necessariamente no presente. O passado e o futuro não existem, o que existe é um presente relativo ao passado — a memória —, um presente relativo ao presente — a percepção — e um presente relativo ao futuro — a expectativa. Para a consciência, porém, há somente o presente, pois o passado não é senão a memória presente do passado, e o futuro não é senão a imaginação presente do futuro.

Por esse prisma, o futuro não difere do passado ou do presente — que também mudam o tempo todo —, mas existe somente em nossa imaginação, pois varia em função do nosso presente, que é o hoje, não o ontem nem o amanhã. Por acharmos o futuro demasiado lento e ao apressarmos seu curso, esquecemo-nos do passado, mas, imprudentes que somos, não pensamos no único tempo que nos pertence, sonhamos com o que não existe mais e evitamos refletir sobre o único que subsiste. Assim, em vez de vivermos, esperamos viver.

Quando nos lembrarmos desse presente no futuro, ele será o passado que traremos de volta ao presente, ou seja, outro presente. Mas viver no presente exige inevitavelmente considerar o futuro — ou seja, ver a água do futuro fluir em torno de nós. Para estarmos aqui, devemos olhar adiante, para além de nós, e a todo instante ver e prever o porvir. Viver no presente é querer, é desejar, é esperar outra coisa que não é o presente, é projetar-se no futuro. Por isso sabemos que morreremos um dia, embora nos seja difícil imaginar isso, e por pensamos que a morte é somente o nada, a ausência de consciência, temos medo de partir desta vida demasiado cedo, quando ainda estamos vivos, de ficar do mundo enquanto ele continua a avançar sem nós, que continuamos a desejar no presente outro futuro, pois viver é estar voltado sempre para o futuro imediato de nossas intenções, ainda que distante das nossas aspirações.

Talvez a imagem do rio seja ilusória, mas é uma ilusão vital. O futuro é seguramente uma ilusão, já que existe apenas em função da nossa imaginação, em nossos temores, esperanças, medos e desejos. Até porque só o presente existe, e é nele que vivemos, mesmo que não seja ele que nos faça viver. Se nos ocupássemos somente do que o presente nos dá, não viveríamos: apenas sobreviveríamos sem finalidade, sem memória nem desejo, sem qualquer razão para viver. 

Estamos condenados a viver no presente, mas dele nos libertamos pela imaginação do futuro que não existe, mas que nos faz existir, dando sentido à nossa existência. Um futuro que não é mais o que era, que está sempre por se reinventar. 

Essa é a verdadeira definição da liberdade humana.

segunda-feira, 27 de outubro de 2025

O TEMPO PERGUNTOU AO TEMPO QUANTO TEMPO O TEMPO TEM… (QUINTA PARTE)

WHAT'S DONE CANNOT BE UNDONE 


Como vimos nos capítulos anteriores, a ciência ainda não sabe ao certo se o tempo existe ou é apenas uma convenção que foi criada pelo homem para colocar alguma lógica no caos. Supondo que exista, que tipo de coisa é? Uma estrutura, uma substância ou uma metáfora? É ele que passa para nós ou somos nós que passamos por ele? 


Para tentar responder a essas perguntas, lembro inicialmente que o conceito de flecha do tempo — proposto pelo astrônomo britânico Arthur Eddington — se baseia no aumento irreversível da entropia para sustentar a unidirecionalidade do tempo.


CONTINUA DEPOIS DA POLÍTICA


Uma pane num data center instalado no estado americano da Virgínia desligou da tomada milhões de usuários da unidade de serviços em nuvem da Amazon na semana passada. O problema afetou aplicativos ao redor do mundo, tumultuou a rotina de mais de 500 empresas, inclusive no Brasil, e reforçou a percepção de que, como qualquer engrenagem medieval, sistemas sofisticados de dados também podem dar defeito — a diferença está no tamanho da encrenca.

O apagão fez lembrar o penúltimo tumulto na internet, no ano passado, quando o mau funcionamento da companhia CrowdStrike paralisou sistemas tecnológicos em hospitais, bancos e aeroportos ao redor do planeta.

A pergunta é: "onde é que isso vai acabar?" A resposta é: não acaba. Quanto maior o desenvolvimento tecnológico, maiores as perspectivas de desastre.


A entropia é a única lei da física com forte direcionalidade temporal que perde essa característica quando se fecha o foco em coisas muito pequenas. Em outras palavras, a "flecha" que avança do passado para o futuro surge somente quando nos afastamos do mundo microscópico em direção ao macroscópico.

 

Se compararmos o tempo a um trem que segue pelos trilhos em velocidade constante, hoje é o amanhã de ontem e o ontem de amanhã, o presente é o ponto transitório entre o passado e o futuro, e a sucessão dos eventos segue uma ordem linear, com o Réveillon antes do Carnaval e o Halloween antes do Natal, por exemplo. 


Ocorre que essa direção unívoca do tempo não se encaixa na física quântica, onde sistemas podem existir em múltiplos estados ao mesmo tempo até a medição, sem que haja uma definição clara e única de presente, passado ou futuro. A metáfora do Gato de Schrödinger ilustra essa ideia: o gato permanece vivo e morto simultaneamente até abrirmos a caixa e fazermos a observação. Então, se o sistema não segue a flecha temporal clássica nos seus estados definidos antes da observação, o presente pode estar em múltiplos pontos no tempo ou não estar restrito a um ponto temporal específico. 


Quanto a nós, nada indica a priori como ficamos. O que realmente importa é a relação entre os acontecimentos, de modo que podemos estar em qualquer ponto, vendo o mundo e seus acontecimentos passarem como um trem, ou imersos em um rio onde o tempo escoa do futuro para o passado enquanto ficamos presos ao “agora”, sem poder voltar a ontem e avançando para amanhã um dia de cada vez. No entanto, embora compartilhem da mesma topologia de tempo linear, unidirecional e sem lacunas, essas duas metáforas são contraditórias.


No caso do “trem”, a flecha do tempo impõe datações objetivas — o sábado vem antes do domingo, janeiro antes de fevereiro, etc. — e nos informa objetivamente sobre como os acontecimentos se situam uns em relação aos outros — antes, depois, e até mesmo simultaneamente. No caso do “rio”, as datações são relativas ao falante, com ontem, hoje, amanhã, presente, passado e futuro, e a flecha do tempo se limita a apontar a posição subjetiva que os eventos ocupam em relação a nós — ou seja, se eles existem enquanto falamos, anteriormente a nós e posteriormente ao nosso presente. 


No “trem”, o tempo parece seguir do passado para o presente e deste para o futuro; no “rio”, o futuro parece vir até nós, torna-se presente e se afasta como passado. Isso nos leva a duas perguntas: 1) Será que tempo é como a flecha que vemos passar ou como o rio em que estamos? 2) Será que o futuro é o que vem ao nosso encontro ou o que deixamos para trás? 


De certo modo, a resposta para a segunda pergunta está na primeira, onde há relações temporais (anterior, posterior, simultâneo), mas não há presente. Na segunda, embora haja propriedades temporais absolutas (presente, passado e futuro), estamos fora da flecha do tempo e dentro do rio do tempo


No trem, a flecha do tempo aponta a mudança das coisas, a sucessão dos acontecimentos; no rio, o mesmo presente tem sempre um conteúdo distinto, como se houvesse um ponto fixo em relação ao qual a flecha iria em sentido inverso, com os acontecimentos se tornando passado à medida que o tempo passa. Vemos o desenrolar do tempo a partir da posição fixa que ocupamos no presente — que é sempre o mesmo enquanto presente; mas sempre outro em seu conteúdo.

 

Isso nos leva às seguintes perguntas: O presente, o passado e o futuro existem objetivamente ou apenas subjetivamente? A ideia de que o passado é necessário e diversos futuros são sempre possíveis seria uma ilusão? Se o tempo não é o que pensamos, o que mais em nossa experiência pode ser apenas uma mentira bem contada?


É o que veremos no próximo capítulo.

quarta-feira, 22 de outubro de 2025

O TEMPO PERGUNTOU AO TEMPO QUANTO TEMPO O TEMPO TEM… (QUARTO CAPÍTULO)

WHAT'S DONE CANNOT BE UNDONE

Prosseguindo de onde paramos no capítulo anterior, se retirarmos todos os acontecimentos, restará somente o tempo em sua forma pura, sem conteúdo. Mas será que no próprio tempo existem presente, passado e futuro? 


Para tentar responder a essa pergunta, devemos ter em mente que o conceito de flecha do tempo, — proposto pelo astrônomo britânico Arthur Eddington com base na Segunda Lei da Termodinâmica — se baseia no aumento irreversível da entropia para sustentar a unidirecionalidade do tempo. 


Ocorre que a entropia é a única lei da física com forte direcionalidade temporal que perde essa característica quando trata de coisas muito pequenas — ou seja, a flecha do tempo só avança irreversivelmente do passado para o futuro quando nos afastamos do mundo microscópico em direção ao macroscópico.


CONTINUA DEPOIS DA POLÍTICA


Lula nasceu em 1945. Nos anos 1950, o Brasil de Getúlio Vargas tinha o rádio como grande meio de comunicação. Francisco Alves e René Bittencourt lançaram o disco com uma valsa que faria enorme sucesso na voz de um coro infantil: “Criança feliz, feliz a cantar, alegre a embalar, seu sonho infantil”. A alegria estava decretada no céu porque todos tinham percebido que Jesus havia sido criança. Mas a criança feliz mudou. 

A infância encolheu. Nossas avós brincavam com bonecas na idade em que as crianças de hoje já pensam em baladas. E encolheu também na demografia: o Brasil envelheceu, e há menos filhos por casal. Segundo nosso censo, em 2000, havia uma média de 2,43 filhos por casal; em 2020, o número caiu para 1,66. A família encolheu, e a geriatria tem mais nosso futuro do que a pediatria.

Antes, havia “adultos pequenos” sem roupas específicas, sem restrições como censura ou limites judiciais de responsabilização. O avanço da infância foi enorme desde o século 19. Efeitos? O Natal e a Páscoa foram “infantilizados”. Sai Jesus (recém-nascido ou recém-ressuscitado) e aumenta a imagem do Papai Noel e do Coelho. 

Sem rebentos, a festa em família parece estar esvaziada. As violências contra crianças foram condenadas e proibidas. A palmatória sumiu das escolas. O tapa materno ou paterno foram barrados pelo Estatuto da Criança e do Adolescente. A criança consome e é alvo de campanhas publicitárias. A pedagogia revestiu-se de positividade e a erotização de crianças choca a todos. No apogeu da proteção, começam a escassear as crianças em si. Resta saber quem habitará a redoma sagrada e protegida que nossa consciência edificou para as crianças.

No mesmo mês do “dia da criança” existe o dia do “idoso”. Mas a infância é idealizada, ao passo que a maturidade é evitada e disfarçada. Encurtamos a infância e ampliamos o ideal de juventude. Há poucas crianças, mas ninguém quer ser velho. 

Viramos imortais de pele boa porque estamos na “melhor idade”. Nesse ritmo, em 2055 o Brasil estará sem crianças e tomado por septuagenários felizes com o verão interminável tapado pela peneira da publicidade e da medicina. 

A criança era “feliz, feliz a cantar” em 1952. No ano anterior, a música mais cantada era Bota o retrato do velho outra vez (Haroldo Lobo e Marino Pinto), destacando a volta de Getúlio Vargas ao poder. Os autores exaltavam que “O sorriso do velhinho faz a gente trabalhar”. 

Sabem a idade do “velhinho” Getúlio ao ser eleito em 1950? Ele tinha 69 anos. Trump fez 79 anos no dia 14 de junho, e Lula completará 80 no próximo dia 27. Ambos os Macróbios almejam a reeleição. Somem os “babies” e ficam os “boomers”...

Pelo jeito que as melancias vão se ajeitando na carroça do tempo, logo não haverá crianças. Resta saber o que fazer com esta vida que teima em se alongar para um crepúsculo interminável... Esperança? Só com “meu bom Jesus, que a todos conduz”. 

Segundo a Bíblia, Jesus saiu da casa da mãe aos 30 anos — o primeiro “millennial”. Haja colágeno!

 

Se considerarmos o tempo como um trem que segue pelos trilhos em velocidade constante, do antes para o depois, o hoje é o amanhã de ontem e o ontem de amanhã. O presente é o ponto transitório entre o passado (ontem) e o futuro (amanhã), e a sucessão dos eventos segue uma ordem linear que conhecemos, como as datas do Réveillon, Carnaval, Páscoa, Corpus Christi e Natal, por exemplo. 


Vale ressaltar que essa direção unívoca do tempo não se encaixa na física quântica, onde sistemas podem existir em múltiplos estados ao mesmo tempo (superposição) até a medição, sem que haja uma definição clara e única de presente, passado ou futuro até que a observação ocorra. 


A metáfora do Gato de Schrödinger destaca isso ao sugerir que o estado do gato (vivo e morto simultaneamente) só se define quando abrimos a caixa e fazemos a observação. Assim, se o sistema não segue a flecha temporal clássica nos seus estados definidos antes da observação, o presente pode estar em múltiplos pontos no tempo — ou não estar restrito a um ponto temporal específico. Mas e quanto a nós? 


A priori, nada indica como ficamos. Como o que realmente importa é a relação entre os acontecimentos, poderíamos estar em qualquer ponto e ver o mundo e seus acontecimentos expostos diante de nós como se estivéssemos fora do tempo. Ou imersos no ˝rio do tempo˝, onde o tempo escoa ao redor de nós, do futuro que está adiante para o passado que está atrás, enquanto nós ficamos no presente, presos a esse ˝agora˝. 


Observação: Estar no rio do tempo significa envelhecer à medida que o tempo passa. O presente nunca é o mesmo, mas estamos presos a ele e não podemos voltar ao passado nem avançar para o futuro senão um dia de cada vez.


O trem e o rio compartilham da mesma topologia de tempo linear, unidimensional, unidirecional e sem lacunas. Mas há duas diferenças importantes. No caso do trem, a flecha do tempo impõe datações objetivas — o sábado vem antes do domingo, janeiro, antes de fevereiro, e assim por diante —, ao passo que no rio as datações são relativas ao falante — duas horas atrás, daqui a duas horas, ontem, hoje, amanhã,, presente, passado e futuro.


A flecha do tempo e o trem nos informam objetivamente sobre a relação entre os acontecimentos e a maneira como eles se situam uns em relação aos outros — antes, depois, e até mesmo simultaneamente. O rio nada nos diz sobre a relação entre os eventos, apenas sobre a posição subjetiva que eles ocupam em relação a nós — ou seja, se existem ao mesmo tempo em que falamos ou existimos, se existem anteriormente a nós, ou se existem posteriormente ao nosso presente.


Essas duas metáforas soam contraditórias. No caso do trem, o tempo parece seguir no sentido contrário ao do rio. Olhamos da esquerda (passado) para a direita (futuro), ou seja, os eventos seguem do passado para o presente e deste para o futuro, mas no rio o futuro vem até nós, torna-se presente e se afasta como passado. Isso nos leva às seguintes perguntas: 1) Seria o tempo como a flecha que vemos passar ou como o rio em que estamos? 2) O futuro é o que vem ao nosso encontro ou o que deixamos para trás? 


De certo modo, a resposta para a segunda pergunta está na primeira,, onde há relações temporais (anterior/posterior/simultâneo), mas não há presente. Na segunda há propriedades temporais absolutas (presente/passado/futuro), mas nós estamos fora da flecha do tempo e dentro do rio do tempo. 


O que chamamos tempo, na flecha, é o fato de as coisas mudarem ou os acontecimentos se sucederem. No rio, vemos o desenrolar do tempo a partir da posição fixa que ocupamos no presente — que é sempre o mesmo enquanto presente; mas sempre outro em seu conteúdo. 


O que chamamos ˝tempo˝, no rio, é o fato de o mesmo presente ter sempre um conteúdo distinto, como se houvesse um ponto fixo em relação ao qual a flecha iria em sentido inverso, com os acontecimentos se tornando passado conforme o tempo passa.


A partir daí se colocam duas questões: 1) Qual seria a melhor representação do tempo? 2) O presente, o passado e o futuro existem objetivamente ou apenas subjetivamente? 


Se não há passado nem futuro, a ideia de que o passado é necessário e de que diversos futuros são sempre possíveis é em si mesma uma ilusão devida à nossa condição de seres temporais. Mas isso é assunto para o próximo capítulo.

segunda-feira, 6 de outubro de 2025

DE VOLTA ÀS VIAGENS NO TEMPO — 51ª PARTE

A EXPERIÊNCIA É COMO UMA LANTERNA PENDURADA NAS COSTAS: ILUMINA APENAS O CAMINHO PERCORRIDO.

O tempo intriga a humanidade desde tempos imemoriais. Para Heráclito de Éfeso, "nenhum homem pode banhar-se duas vezes no mesmo rio" — mesmo porque nem o homem nem o rio são os mesmos no instante seguinte. Parmênides de Eleia acreditava que a verdadeira realidade seria imóvel e eterna, e as mudanças que percebemos não passariam de aparências. Já Aristoteles, mais prático, via o tempo como "o número do movimento segundo o antes e o depois" — ou seja, uma medida do movimento vinculada ao que acontece no mundo material.


CONTINUA DEPOIS DA POLÍTICA


A isenção/redução do Imposto de Renda para assalariados de baixa renda (se é que salário pode ser considerado como renda) era uma das promessas de campanha de Lula, e será sancionada pelo macróbio com pompa, circunstância e sonoridade de um décimo quarto salário. Na prática, a nova lei alivia a barra de mais de 90% dos brasileiros adultos no melhor estilo Robin Hood — ou seja, tirando dinheiro dos ricos para dar aos pobres. Outra promessa era reconstruir o país e pendurar as chuteiras no final de 2026. No entanto, uma vez eleito, macróbio jamais desceu do palanque, e segue candidatíssimo a um (nada improvável, infelizmente) quarto mandato. Se o Brasil fosse um país lógico, a minoria rica não teria tanto peso no Congresso. Mas o eleitorado pobre não perde oportunidade de perder oportunidades de votar em si mesmo — ou seja, em vez de homenagear sua própria realidade nas urnas, elege o privilégio dos outros. Foi por isso que, na véspera da votação o pecuarista Arthur Lira se sentiu à vontade para pensar alto com colegas ruralistas sobre a compensação de 10%. "Vamos compensar em cima de todo mundo? Vamos querer excepcionalizar advogado, engenheiro, arquiteto? Vamos encontrar outra solução?" Já se sabia que o IR é a forma que os governos encontraram para tirar dinheiro de quem não consegue escapar. O que a aprovação do PL na Câmara trouxe de novo é a percepção de que o grande erro da evolução da humanidade é a hipocrisia não doer.

 

Na Idade Média, os pensadores viam o tempo como um fio que se desenrola no tear da história, com início e fim determinados pela vontade de Deus — distinto, portanto, da eternidade perfeita e imutável de seu Criador. Santo Agostinho celebrizou o dilema: "O que é, pois, o tempo? Se ninguém me pergunta, eu sei; se quero explicá-lo a quem me pergunta, já não sei." Segundo ele, o passado só existe como memória, o futuro como expectativa e o presente, como um instante fugaz em que nossa atenção se detém. 

 

Renascimento e o avanço da ciência trouxeram novas perspectivas. Galileu enxergou o tempo como um elemento fundamental para descrever o movimento dos corpos, associando-o pela primeira vez a leis quantitativas, Newton o via como absoluto e independente, um pano de fundo imutável, e Leibniz, como algo relacional, fruto das conexões entre os eventos.


Einstein criou o conceito de espaço-tempo e postulou que nem o espaço é "uma caixa rígida e inerte que contém as coisas", nem o tempo "uma linha reta pela qual as coisas fluem numa sucessão de acontecimentos formados por passado, presente e futuro". 


Ainda que possamos viver baseados na ilusão útil do tempo ou acreditar que tudo não passa de uma sequência de momentos independentes, o relógio e o calendário regem nossas tarefas do dia a dia. Do fluxo heraclitiano ao espaço-tempo do maior físico de todos os tempos, o tempo segue como um mistério que nos cerca, nos envolve... e nos escapa.

 

Em Gênesis: a história do Universo em sete dias (2019) e em Tempo: O Sonho de Matar Chronos (2023), o físico Guido Tonelli combina filosofia, mitologias e ciência para mostrar que "não vemos o espaço-tempo oscilando em nosso dia a dia, mas ele flui diferente em distintas regiões do Universo, pois depende do local e da quantidade de massa ao redor". Assim, alguns segundos no horizonte de eventos de um buraco negro supermassivo, por exemplo, correspondem a séculos ou milênios para quem está na Terra. De acordo com Tonelli , "apenas tecnicidades nos impedem de dobrar o tempo a nosso favor" (obstáculo que, ainda segundo ele, pode vir a ser superado no médio prazo).

 

Tonelli não oferece uma definição precisa do que é o tempo, mas faz referências a cientistas que exploram as teorias mais modernas da mecânica quântica sobre o tema, como seu conterrâneo Carlo Rovelli, autor de best-sellers como Sete breves lições de física (2015) e reverenciado por suas pesquisas sobre a existência da "gravidade quântica em loop". 


"As teorias quânticas vão se tornar parte de nossa compreensão básica do mundo, mas levará tempo para isso acontecer, como demorou mais de um século para aceitarem o modelo heliocêntrico de Copérnico", disse Rovelli em entrevista à revista Crusoé, durante o lançamento do livro O Abismo Vertiginoso. Segundo ele, em vez de medida cronológica (como a calculada nos calendários), o tempo é uma variável que resulta do aumento da entropia do cosmos ao longo de seus bilhões de anos de existência.

 

Podemos comparar o passado a um lugar distante que gostaríamos de visitar. Mas uma viagem à Disneylândia depende basicamente de quanto podemos gastar, ao passo que viajar para tempos idos é bem mais complicado, ainda que seja uma possibilidade matematicamente plausível à luz da Relatividade Geral, segundo a qual a experiência do fluxo do tempo é relativa, como ilustra o célebre paradoxo dos gêmeos e comprovam diversos experimentos feitos com relógios atômicos em satélites artificiais e sondas espaciais, contrariando a ideia do "relógio mestre" de Newton. 

 

Ainda que a maioria das leis e equações usadas pelos físicos sejam simétricas no tempo e possam ser revertidas, faltam explicações concretas e consensuais sobre a possibilidade de voltar no tempo. Aliás, basta alguém falar nesse assunto para outro alguém abrir a torneirinha da entropia e aguar o chope. 


Talvez o tempo como o percebemos seja apenas uma ilusão resultante de nossa interação com o Universo em grande escala, mas basta remover certas suposições clássicas (como a ideia de um fluxo universal) para entender a física fundamental sem a necessidade de um tempo absoluto. 

 

Em outras palavras, o tempo é como um truque de mágica — real para quem assiste, mas sem existência própria nos bastidores do universo quântico. Nesse contexto teórico, ele deixa de ser uma variável contínua e absoluta e passa a emergir das relações entre os eventos quânticos.

 

Continua...