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sexta-feira, 20 de agosto de 2021

NUNCA ANTES NA HISTÓRIA DESTE PAÍS...

 

Na cerimônia de posse de certo governador de São Paulo (não me lembro se Quércia ou Fleury), o fundador da construtora Camargo Corrêa foi saudado por um ex-governador: "Dr. Camargo, o senhor por aqui?" Sebastião Camargo respondeu: "Eu estou sempre por aqui, governador. Vocês é que mudam".

Governo probo, nunca houve no Brasil. Se o nepotismo é uma das muitas facetas da corrupção, então "essa senhora" desembarcou na Terra de Vera Cruz com Cabral (falo do Pedro Álvares, não do ex-governador do Rio). No epílogo da epístola em que deu conta do "descobrimento" a D. Manuel, o escriba Pero Vaz de Caminha anotou:

E desta maneira dou aqui a Vossa Alteza conta do que nesta terra vi. E se a um pouco me alonguei, Ela me perdoe. Porque o desejo que tinha de Vos tudo dizer, mo fez proceder assim pelo miúdo. E pois que, Senhor, é certo que tanto neste cargo que levo como em outra qualquer coisa que de Vosso serviço for, Vossa Alteza há de ser de mim muito bem servida, a Ela peço que, por me fazer singular mercê, mande vir da ilha de São Tomé a Jorge de Osório, meu genro, o que Dela receberei em muita mercê.”

Observação: o escriba estava preocupado com sua filha única, Isabel de Caminha, cujo marido, um certo Jorge de Osório, preso por roubo, fora degredado para a ilha de São Tomé, na África.

Como reza a sabedoria popular, o que começa mal tende a ficar pior. 

No início do século XIX, a iminente invasão de Portugal pelas tropas napoleônicas forçou a família real lusitana a vir de mala e cuia para o Rio de Janeiro. Com isso, o Brasil, que até 1815 foi mera colônia portuguesa, passou à condição de Reino Unido a Portugal e Algarves. E assim permaneceu até o célebre “Grito da Independência” — o tal brado heroico retumbante ouvido pelas margens plácidas do Ipiranga, que Osório Duque Estrada poetizou na letra do Hino Nacional Brasileiro, o pintor Pedro Américo imortalizou em seu tão célebre quanto fantasioso quadro, e os livros didáticos transformaram numa obra de ficção.

Proclamação da República, também cantada em verso e prosa com pompa e circunstância, foi o primeiro dos muitos golpes de Estado que estavam por vir. Entre o apagar das luzes imperiais, em 1889, e a posse de Prudente de Morais, em 1894, somente militares ocuparam o assento mais cobiçado do palácio presidencial — daí esse período ser chamado de República da Espada

O Marechal Deodoro da Fonseca — a quem coube desfechar o golpe de misericórdia no regime monárquico e entrar para a história como o primeiro presidente do Brasil — governou interinamente por cerca de dois anos. Promulgada a Constituição de 1891 e realizada uma eleição indireta, o fardado derrotou o candidato civil Prudente de Morais por 129 votos a 97. Mas sua gestão, marcada pelo autoritarismo, foi encerrada prematuramente por um levante da Marinha que ficou conhecido como Revolta da Armada

Tão logo passou de vice a titular, o também marechal Floriano Peixoto demitiu todos os governadores que apoiaram seu antecessor (e que defendiam a realização de nova eleição, à luz do previsto no art. 42 da Carta Magna). Graças a sua postura ditatorial — que se tornaria moda entre os mandatários tupiniquins — o "Marechal de Ferro" teve de debelar sucessivas rebeliões — como a Revolução Federalista e a Segunda Revolta da Armada — para se manter no poder. 

Observação: Em abril de 1892, diante de protestos de opositores e divulgação de manifestos na capital federal, Peixoto decretou estado de sítio, prendeu e desterrou desafetos para a Amazônia. Quando Rui Barbosa ingressou com habeas corpus no Supremo Tribunal Federal em favor dos detidos, Peixoto ameaçou os magistrados: "Se os juízes concederem habeas corpus aos políticos, eu não sei quem amanhã lhes dará o habeas corpus de que, por sua vez, necessitarão". O Supremo negou o habeas corpus por dez votos a um. 

Em novembro de 1894, muito a contragosto, o marechal passou o bastão para o paulista Prudente de Morais — que obteve 90% dos votos na primeira eleição direta da nossa história. A exemplo do que faria o General Figueiredo quase um século depois, Peixoto se recusou a transmitir pessoalmente o cargo a seu sucessor.   

Ao longo de 131 anos de história republicana (completados em novembro do ano passado), 38 presidentes chegaram ao poder pela via do voto popular, eleição indireta, linha sucessória ou golpe de Estado (como até o passado é incerto neste país, esse número varia de 35 a 44). Destes, oito foram de alguma forma apeados antes do fim do mandato. Dos cinco eleitos pelo voto direto desde o fim da ditadura, Collor e Dilma foram expulsos de campo antes do final do jogo.

O caçador de marajás de festim — que inaugurou a lista dos chefes do Executivo Federal depostos por crime de responsabilidade — colecionou 29 pedidos de impeachment, mas nunca foi chamado de genocida. 

ItamarFHCLula e Temer foram agraciados, respectivamente, com 4, 27, 37 e 33 pedidos de impeachment, mas concluíram seus mandatos sem jamais serem chamados de genocidas. 

A gerentona de araque, que foi expelida da Presidência porque estava quebrando o país, foi alvo de 68 pedidos de impeachment, mas ninguém jamais a acusou de genocídio.

Falando em genocídio, o relatório final da CPI já está sendo escrito e deverá ser concluído no mês que vem. O texto-base já possui mais de mil páginas — e pode crescer, a depender dos fatos e dados a serem obtidos pela Comissão. O grosso do material está nos anexos, que incluem documentos e os principais pontos de destaque dos depoimentos.

O relator deve sugerir a continuidade da investigação pelo Ministério Público por meio de inquéritos específicos para cada assunto trazido em destaque. Vários dos capítulos já elaborados dizem respeito ao chamado "gabinete paralelo da saúde" e incluem a transcrição e links de vídeos, áudios, declarações e documentos que, segundo Renan Calheiros, comprovam a atuação do órgão extraoficial. Um dos tópicos do relatório trará a afirmação de que quem se opôs ao gabinete paralelo — como Luiz Henrique Mandetta e Nelson Teich — acabou deixando o Ministério.

Já o general e ex-ministro Eduardo Pazuello será apontado por não se opor à atuação de médicos do suposto gabinete na elaboração de políticas públicas e por "colocar em prática" as orientações extraoficiais. Segundo o senador Randolfe Rodrigues, o documento deve imputar o estrelado crimes como "charlatanismo, prevaricação, advocacia administrativa e por atuar contra a ordem sanitária". Os parlamentares ainda discutem se incluem na lista corrupção passiva.

Haverá um destaque no relatório também com relação ao aplicativo "TrateCov", que, segundo Pazuello teria sofrido um ataque hacker — fato desmentido por uma auditoria técnica do TCU. Na redação, o aplicativo está sendo tratado como uma das políticas falhas do Ministério da Saúde que teriam utilizado a capital do Amazonas como "experimento" para as teorias do gabinete paralelo. Nesse contexto, a minuta de um decreto presidencial que pretendia alterar a bula da cloroquina sem o aval da Anvisa também deverá ser anexada ao texto. Todos esses fatos, envolvendo principalmente o general Pazuello, aparecerão como aspectos que prejudicaram o país na aquisição de vacinas contra a doença.

Com encerramento programado para setembro, a CPI convive com um paradoxo. Tomada pelo relatório final, a investigação parlamentar terá a aparência de uma iniciativa de sucesso. Considerando-se as consequências a serem produzidas pelas conclusões do documento, resultará em frustração. As pessoas que acompanharam os depoimentos pela televisão terão a impressão de que desperdiçaram seu tempo quando as conclusões da Comissão morrerem no arquivo de Augusto Aras — que, como Procurador-Geral da República, é responsável pela análise dos crimes comuns atribuídos a Bolsonaro — e no gavetão do deputado Arthur Lira — a quem, como presidente da Câmara, cabe lidar com a acusação da prática de crimes de responsabilidade, que, em tese, levariam ao impeachment.

Dois espetáculos não cabem ao mesmo tempo num só palco. Ou numa única conjuntura política. Dividido entre um e outro, o público tende a se dispersar. Antes do recesso parlamentar de julho, estava em cartaz a novela da CPI do Genocídio. Ao farejar o cheiro de queimado, Bolsonaro aproveitou o retiro dos senadores para intensificar as críticas às urnas eletrônicas e os insultos a ministros do STF, impondo a mudança do cartaz neste mês de agosto. Ao voltar do recesso, o G7, como ficou conhecido o grupo majoritário que controla os rumos da CPI, percebeu que a pior coisa do sucesso é ter que continuar fazendo sucesso.

Às voltas com um déficit de atenção da plateia, os senadores começaram a planejar o fechamento das cortinas. Enxugam a pauta de depoimentos. Esperam encerrar as oitivas em três semanas. Para evitar marolas, cancelaram a acareação que seria feita nesta semana entre o ministro Onyx Lorenzoni e o deputado Luís Miranda e relutam em aprovar novas convocações. No papel, a Comissão poderia funcionar até o início de novembro, mas tudo indica que o relatório final será entregue em meados de setembro.

Pretende-se indiciar Bolsonaro e outros investigados por transformar em política pública o tratamento da Covid com remédios ineficazes, apostar na imunização coletiva pelo contágio, negligenciar o colapso hospitalar de Manaus, retardar a compra de vacinas da Pfizer e do Butantan, firmar contrato irregular para a compra da vacina indiana Covaxin, abrir as portas do Ministério da Saúde para picaretas que ofereciam vacinas inexistentes (ou seja, a Comissão pretende acusá-lo de crimes comuns e crimes de responsabilidade).

O presidente continua cagando e andando para a CPI. Considera-se invulnerável. Para os crimes comuns, conta com a blindagem do procurador-geral. Para os crimes de responsabilidade, tem a proteção do deputado-réu que preside a Câmara e já mandou para o gavetão 133 pedidos de impeachment. Mantida a blindagem, Bolsonaro poderá repetir que não teve nada a ver com o caos sanitário.

Não há nada que a cúpula da CPI possa fazer para dissolver a cumplicidade de Lira com Bolsonaro. Mas, com honrosas exceções, é espantosa a inércia dos senadores em relação ao procurador-geral. A recondução de Aras ao cargo está pendente de votação no Senado. Em vez de articular a reprovação do dito-cujo, parte dos integrantes da Comissão se reuniram, na última terça-feira, com o procurador que Bolsonaro escolheu para lavar a sua louça por mais dois anos.

Renan Calheiros tornou-se a personificação do paradoxo vivido pela CPI. Há dois anos, quando o Senado aprovou a nomeação de Aras para comandar a PGR, o ora relator da Comissão não conseguiu conter o entusiasmo. Naquela época, o senador alagoano estava ao lado do primogênito do capitão, outro entusiasta da escolha de Aras. Freguês de caderneta da Lava-Jato, o Cangaceiro das Alagoas queria acertar as contas com a força-tarefa de Curitiba; denunciado pelo MP-RJ por peculato e lavagem de dinheiro, Flávio "Rachadinha" Bolsonaro estava à procura de blindagem.

A PGR — e, por extensão, o Ministério Público Federal — vive um apagão mental. Já se sabia que Aras trata Bolsonaro como um ser inviolável e imune (eufemismos para intocável e impune). Descobre-se agora que, para livrar o presidente-suserano de incômodos judiciais, o procurador-vassalo e sua equipe decidiram enquadrá-lo na categoria dos seres inimputáveis.

Bolsonaro obteve da PGR um salvo-conduto para delinquir. Pode tudo, inclusive arrancar máscara da cara de criancinha. PT e PSOL pediram no STF a abertura de inquéritos para apurar o desrespeito a leis estaduais e federal em aglomerações promovidas pelo mandatário durante passeios de moto com seus devotos no Rio de Janeiro e no Rio Grande do Norte. A subprocuradora-geral Lindôra Araújo (braço direito de Aras), a quem coube formular a manifestação da PGR, sustentou que Bolsonaro não infringiu medidas sanitárias nem colocou a vida de ninguém em risco.

Numa evidência de que a PGR opera em "modo Talibã", a subprocuradora aderiu ao negacionismo científico para dispensar Bolsonaro do mais comezinho cuidado sanitário. Anotou que, "em relação ao uso de máscara de proteção, inexistem trabalhos científicos com alto grau de confiabilidade em torno do nível de efetividade da medida de prevenção". 

No Rio Grande do Norte, Bolsonaro pediu a uma menina para retirar a máscara e arrancou o apetrecho da face de um menino. Para Lindôra, o presidente não teve a intenção de "constranger aquelas crianças". Segundo ela, "os infantes também não demonstraram, com atitudes ou gestos, terem ficado constrangidos, humilhados ou envergonhados na presença do presidente". Na avaliação da doutora, o presidente apenas interagiu com as crianças "de forma descontraída."

Como se sabe, Bolsonaro fez uma opção preferencial por exercer o cargo de presidente à margem da lei. Transgride até leis que sancionou. Como há males que vêm para pior, Aras e sua equipe promovem uma junção da ilegalidade com a impunidade.

Em seus deslocamentos eleitorais, Bolsonaro promove aglomerações proibidas por Estados e municípios. Ignora os poderes conferidos a governadores e prefeitos pela Constituição e reafirmados pelo STF. Por onde passa, discursa contra medidas sanitárias restritivas. Finge ignorar o fato de que sancionou em fevereiro do ano passado a "lei da pandemia", que prevê a adoção de providências excepcionais, como o isolamento e a quarentena. Em julho de 2020, Bolsonaro assinou a lei 14.019, que torna obrigatório o uso de máscaras de proteção individual em espaços públicos e privados. Em suma: além de cagar e andar para sua própria decisão, o capitão constrange o ministro Marcelo Queiroga com a cobrança de estudos para flexibilizar o uso da máscara. Agora, recebe salvo-conduto da Procuradoria para descumprir até a lei que avalizou.

Nos passeios de moto, Bolsonaro não percorre apenas o asfalto, mas o Código Penal, cujo artigo 268 estabelece pena de detenção de um mês a um ano para quem "infringir determinação do poder público destinada a impedir introdução ou propagação de doença contagiosa". No artigo 132, o diploma legal retrocitado sujeita a uma pena de detenção de três meses a um ano as pessoas que expõem a vida ou a saúde de terceiros a perigo direto e iminente.

Nesse contexto, não parece razoável que um país inteiro tenha que passar vergonha para que um procurador-geral e sua equipe ofereçam blindagem a um presidente da República que se converteu num infrator serial. Não resta aos relatores dos dois processos no STFRosa Weber e Ricardo Lewandowski — senão ignorar a manifestação de Lindôra e ordenar a abertura dos inquéritos.

Vivo, Darwin diria que a atuação da PGR não é apenas uma prova de que o ser humano parou de evoluir. Trata-se de uma evidência de que ele já faz o caminho de volta. No momento, o melhor lugar para se proteger de Bolsonaro é uma caverna nas montanhas do Afeganistão. Aliás, se o homem de Neandertal desconfiasse que o resultado da evolução seria bolsonaros, talvez não tivesse saído da caverna. Teria optado por uma versão pré-histórica do isolamento social.

Com Josias de Souza

sexta-feira, 31 de julho de 2020

A CULPA É DO CABRAL — FINAL


Sem Sergio Moro na Esplanada dos Ministérios, forçado a engolir o discurso em que condenava o toma-lá-dá-cá e vendo-se sem alternativa senão vender a alma ao Centrão para salvar o próprio rabo, Bolsonaro alinhou-se a parlamentares com culpa no cartório e magistrados garantistas de ocasião em prol da ressurreição da pouca vergonha que vigeu até 2014, quando político corrupto não era incomodado pela Justiça.

Alvo de investigações (a exemplo de seus três filhos com mandatos eletivos), o Messias que não faz milagres arquivou sob a letra "L" de lixo a cruzada contra a corrupção, juntamente com outras promessas feitas pelo candidato Bolsonaro que o presidente Bolsonaro resolveu não cumprir. Interessa-lhe mais é escudar-se de um possível (ainda que improvável) impeachment ou de uma (igualmente incerta, mas não descartada) denúncia no STF, donde a importância de cooptar os líderes do Centrão e manter o PGR motivado, usando como a cenoura que faz andar o muar a indicação do chefe do Ministério Público para a vaga de Celso de Mello no Supremo (mais uma promessa que só o tempo dirá se será cumprida).

Alguém deveria alertar o mandatário de que base programática não é base pragmática, articulação não é artimanha, coalizão não é conchavo, negociação não é negociata e, por último, mas não menos importante, promessa feita durante a campanha e não cumprida ao longo do mandato é estelionato eleitoral.

Quanto ao pedido de Caminha ao rei D. Manuel (assunto mencionado de passagem no post anterior), o exemplo do escriba e seu genro condenado vem à tona para comprovar que a corrupção, travestida de nepotismo, aportou na costa tupiniquim em abril de 1500. A semente da praga, jogada na terra onde em se plantando tudo dá, estaria no final da carta:

E desta maneira dou aqui a Vossa Alteza conta do que nesta terra vi. E se a um pouco me alonguei, Ela me perdoe. Porque o desejo que tinha de Vos tudo dizer, mo fez proceder assim pelo miúdo. E pois que, Senhor, é certo que tanto neste cargo que levo como em outra qualquer coisa que de Vosso serviço for, Vossa Alteza há de ser de mim muito bem servida, a Ela peço que, por me fazer singular mercê, mande vir da ilha de São Tomé a Jorge de Osório, meu genro, o que Dela receberei em muita mercê.”

Segundo os historiadores, o escriba estava preocupado com sua filha única, Isabel de Caminha, cujo marido, um certo Jorge de Osório, preso por roubo, fora degredado para a ilha de São Tomé, na África.

Observação: À época, vigiam em Portugal as Ordenações Afonsinas, de 1446, que haviam separado o direito canônico do direito temporal. Os delitos sujeitos ao degredo variavam da sedução de moça virgem ou viúva honesta até a adulteração de moeda. Roubo, lesões corporais, má-fé em transações comerciais também podiam levar o acusado a uma estadia forçada no ultramar (dependendo da gravidade do crime, o degredo era perpétuo ou por prazo determinado). Só a condenação às galés ou a pena capital eram penas mais pesadas que o banimento para a África e, mais tarde, para o Brasil, já sob as Ordenações Manuelinas (1521) e Ordenações Filipinas (1603).

Não se conhece a duração do castigo imposto a Jorge de Osório, nem quanto tempo cumpriu na ilha de São Tomé, ou mesmo se D. Manuel atendeu o pedido de Caminha (uma vez transitada em julgado, a sentença só podia ser comutada pelo monarca, que tinha poderes previstos em lei para conceder indulto aos apenados). Supondo que sim, o rei não precisou recorrer aos atos secretos atualmente em voga, já que as normas vigentes o autorizavam a fazê-lo abertamente. Bons tempos, aqueles.

O economista Rubem Novaes, que se demitiu da presidência do Banco do Brasil dias atrás, resume com a seguinte frase o ambiente político de Brasília: “Muita gente com rabo preso trocando proteção”. Segundo ele, a regra é "criar dificuldades para vender facilidades", e privilégios e compadrios campeiam soltos. 

O economista cita o presidente do PTB, Roberto Jefferson, como sendo hoje “o melhor cronista dos bastidores planaltinos”, e lembra que “não há nada mais permanente que um programa temporário de governo”. “Não podemos deixar que o esforço fiscal atual contamine o futuro; se o mercado perde a confiança na higidez das contas públicas, estamos fritos”, conclui.

Pois é.

domingo, 18 de março de 2018

TEMER E SUA EQUIPE DE NOTÁVEIS (CONTINUAÇÃO)



Desde maio de 2016, quando assumiu interinamente a presidência, poucos foram os momentos em que Michel Temer se viu distante de desgastes políticos envolvendo a Esplanada dos Ministérios. A partir dos primeiros anúncios sobre seu alto escalão ― uma equipe de notáveis, segundo o presidente ―, uma relação de controvérsias marcou sua gestão no campo ministerial. Aliás, logo de início ele anunciou que reduziria de 32 para 23 no número de pastas, mas voltou atrás diversas vezes, e hoje temos 29 ministérios, três a menos do que quando Dilma foi afastada.

Da tal equipe de notáveis ― que na verdade era uma notável agremiação de investigados, denunciados e réus na Lava-Jato ― o senador Romero Jucá foi o primeiro a cair, depois de comandar por apenas 11 dias o ministério do Planejamento. Jucá é também o primeiro político com foro privilegiado a se tornar réu no STF a partir das delações da Odebrecht, conforme eu comentei na postagem anterior e voltarei a comentar numa próxima publicação).

Criticado por ter montado um staff sem diversidade racial e de gênero, Temer ― que dizia não se preocupar em ser popular, mas sim em recolocar o país nos trilhos ― indicou mulheres para postos importantes, como Maria Silvia Bastos para chefiar o BNDES (ela se demitiu em maio de 2017) e Flávia Piovesan para a secretaria de Direitos Humanos (ela foi exonerada no fim de 2017). Aliás, a secretaria de Direitos Humanos (para que diabos precisamos disso?), depois de ganhar status de ministério, tornou-se palco da tragicomédia protagonizada pela desembargadora aposentada Luislinda Valois (que se demitiu no mês passado ― e não deixou saudades).

Quando Temer assumiu a presidência, a Lava-Jato (que completou 4 anos na última sexta-feira) soprava sua segunda velinha, e já havia inquéritos envolvendo “notáveis” como Romero Jucá, Henrique Eduardo Alves e Fábio Medina Osório. Em janeiro do ano seguinte, a homologação das delações da Odebrecht deu origem a mais uma centena de inquéritos e envolveu pelo menos 8 ministros, aí incluídos amigos próximos do presidente, como Eliseu Padilha e Moreira Franco. Mas a promessa de demitir ministros que fossem denunciados formalmente (detalhes no post anterior) foi solenemente ignorada depois que sua conversa de alcova com o açougueiro bilionário Joesley Batista veio a público. A partir de então, Temer mandou às favas os escrúpulos e acionou sua tropa de choque para comprar os votos necessários ao sepultamento das denúncias Janot. Conseguiu, mas a um preço absurdo, além de queimar seu capital político e se tornar um pato-manco, refém das marafonas do Congresso.

Entre este mês e o próximo, o presidente terá de substituir ao menos 10 ministros, para que eles possam disputar as próximas eleições. A julgar pelo imbróglio que se seguiu à nomeação da filha de Roberto Jefferson para a pasta do Trabalho, será um caminho espinhoso a trilhar.

Um levantamento feito pelo G1 revela que quase metade dos 54 senadores cujos mandatos terminam neste ano perderão o foro privilegiado se não se reelegerem. Dentre os emedebistas, cito o onipresente Romero Jucá ― ora réu no STF e alvo de pelo menos mais uma dúzia de inquéritos na Justiça ―, o atual presidente do Senado, Eunício Oliveira, seu antecessor, Renan Calheiros (que também é réu no STF), os ex-presidentes da Casa Garibaldi Alves Filho, Jader Barbalho e Edison Lobão (todos investigados na Lava-Jato), além de Valdir Raupp, que já é réu no Supremo, e Eduardo Braga.

Nas fileiras do PT, destaco Gleisi Hoffmann (presidente do partido e ré no STF) e seus esbirros Lindbergh Farias, Humberto Costa e Jorge Viana. No mesmo barco estão os presidentes do DEM, Agripino Maia, e do PP, Ciro Nogueira (além do líder do PP no Senado, Benedito de Lira, e do senador Ivo Cassol, já condenado pelo Supremo numa ação sem ligação com a Lava-Jato). Lídice da Mata e Vanessa Grazziotin, líderes do PSB e do PC do B, respectivamente, também estão no último ano do mandato e são alvo da Lava-Jato. 

Entre os tucanos, são investigados na Lava-Jato e correm o risco de perder o foro privilegiado o vice-presidente do Senado, Cássio Cunha Lima, o ex-presidente do partido, Aécio Neves, o atual ministro das Relações Exteriores, Aloysio Nunes (que foi candidato a vice-presidente da República em 2014, na chapa encabeçada por Aécio) e os senadores Ricardo Ferraço e Dalirio BeberTutti buona gente. Cabe a nós, eleitores, botar um ponto final nessa putaria franciscana.

E falando em "buona gente" e em suruba, volto a Romero Jucá na próxima postagem. Até lá.

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