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quarta-feira, 30 de janeiro de 2019

CIRURGIA DE BOLSONARO E O BRASIL DAS PERGUNTAS SEM RESPOSTA



Antes de retomar o assunto do post anterior (encerrar é maneira de dizer, pois outros desdobramentos estão por vir), achei por bem publicar que o ministro Sérgio Moro criou um grupo de trabalho para reavaliar normas do Banco Central sobre o combate à lavagem de dinheiro. A determinação está na Portaria 82, e visa fazer alterações na comunicação entre os bancos e o Coaf sobre suspeitas de lavagem de dinheiro. O ministro tomou essa decisão diante da estapafúrdia proposta do BC de excluir parentes de políticos da lista de monitoramento obrigatório das instituições financeiras e derrubar a exigência de que todas as transações bancárias acima de R$ 10 mil sejam notificadas ao Coaf.

Resta saber o que será feito em relação ao igualmente estapafúrdio decreto assinado pelo general Hamilton Mourão durante a viagem de Bolsonaro a Davos. Afinal, permitir que servidores comissionados classifiquem dados públicos como sigilosos amplia o número de pessoas que podem pedir sigilo e limita o acesso à informação. Aliás, a lei de acesso à informação, sancionada pela ex-presidanta Dilma em 2011, foi um dos poucos pontos positivos de sua desditosa gestão; que isso não seja mudado, agora, por um governo que se elegeu batendo o bumbo do combate à corrupção.

Mudando de um ponto a outro, a expectativa de que a mídia focaria Brumadinho nos dias subsequentes à tragédia se confirmou plenamente, e com isso a situação cada vez mais complicada do primogênito do Presidente Bolsonaro saiu de cena (ao menos temporariamente). Volto a dizer que os rolos do Zero Um despertam mais atenção do que os de outros 26 deputados estaduais que também serão investigados pela Receita porque respingam no Presidente — que se declarava amigo de Queiroz e até admite ter emprestado dinheiro ao factótum do Clã —, dando dimensão nacional ao que, de outra forma, seria apenas um escândalo local. Mas isso não muda o fato de que há muitas perguntas sem respostas. E quem votou em Jair Bolsonaro o fez para evitar que o Brasil voltasse a ser governado por um criminoso condenado e sua quadrilha, e portanto tem o direito de saber a verdade.

A cirurgia a que restabeleceu o trânsito intestinal do Presidente demorou mais do que o previsto devido a problemas de aderência, mas, para o desgosto de seus detratores e opositores, tudo correu bem. Bolsonaro deverá despachar do hospital assim que deixar a UTI, e, se não houver complicações, ter alta em até 10 dias. Mas é no mínimo curioso que a mídia, a despeito de acompanhar de perto a internação do Presidente e divulgar os boletins médicos quase que em tempo real, não disse uma única palavra sobre o atentado, sobre quem estaria por trás do ajudante de pedreiro Adélio Bispo de Souza e sobre quem está pagando seus advogados. Nem a Velhinha de Taubaté acreditaria na balela de que Bispo era um "lobo solitário" e que agiu de moto próprio por inconformismo político, como apontou o primeiro inquérito — um segundo inquérito foi instaurado para dar continuidade às apurações, e investiga uma possível participação de terceiros ou grupos criminosos ligados a partidos de esquerda.

Falando na patuleia imprestável, relembro que, durante a campanha, Bolsonaro foi duramente criticado por não ter participado dos debates. Mas somente quem já usou uma bolsa de colostomia sabe os transtornos que a situação gera, inclusive do ponto de vista psicológico. Muitos dos que condenaram o condenam por ter faltado aos debates já faltaram ao trabalho devido a uma simples dor de garganta, mas pimenta no rabo alheio é refresco. Ou, como dizia Lenin: "O ódio é a base do comunismo; as crianças devem ser ensinadas a odiar seus pais se eles não são comunistas". 

Tomara que a investigação do atentado não tenha o mesmo desfecho dos assassinatos de Toninho do PT, em setembro de 2001, e de Celso Daniel, em janeiro de 2002. Ou ainda o de Paulo César Siqueira Cavalcante Farias  — mais conhecido como PC Farias — , em junho de 1996. Os dois primeiros casos, se bem investigados, certamente revelariam as digitais de próceres do próprio PT. Já o do ex-tesoureiro da campanha de Collor cheira a queima de arquivo, pois PC conhecia melhor que ninguém os malfeitos praticados durante a gestão do caçador de marajás de festim — como diz um velho ditado, antes que o mal cresça, corta-se a cabeça

Para quem não se lembra, PC Farias se tornou uma espécie de factótum de Collor (mais ou menos como Palocci durante a campanha e no início do primeiro governo de Lula). Collor derrotou Lula no pleito presidencial de 1989 e três meses depois da posse já surgiam denúncias de corrupção, primeiro envolvendo apenas o segundo escalão, mas, quatro meses mais tarde, alcançando pessoas próximas ao Presidente. Foi então que nome de Paulo César Farias apareceu como intermediário de negócios entre o empresariado e o governo.

Collor só foi atingido diretamente pelas denúncias em 24 de maio de 1992, depois que seu irmão Pedro o acusou publicamente de manter uma sociedade com PC Farias, que seria seu testa-de-ferro nos negócios. A PF instaurou um inquérito e a PGR determinou a apuração dos crimes atribuídos ao chefe na nação, a sua superministra Zélia Cardoso de Mello, ao pau-pra-toda-obra PC Farias e ao piloto de avião Jorge Bandeira de Melo, acusado de intermediar a liberação de verbas no Ministério da Ação Social.

Guardadas as devidas proporções, Zélia era uma espécie de Dilma, mas em edição melhorada, até porque nada supera a nefelibata da mandioca como calamidade em forma de gente. A ministra foi a mentora intelectual do confisco da poupança dos brasileiros, teve um escandaloso affair com o ministro Bernardo Cabral — conhecido como Boto Tucuxi (que segundo o folclore paraense se metamorfoseia à noite num homem dançador, bebedor, galante e sedutor que encanta as caboclas ribeirinhas —, acabou se casando com Chico Anysio, que passou a ser conhecido como “o humorista que casou com a piada”.

Em agosto de 1992 o relatório final da CPI (instaurada a pedido do PT) apontou as ligações de Collor com o esquema de corrupção. Estimava-se então que US$ 6,5 milhões foram desviados para bancar gastos pessoais do presidente, o que é dinheiro de pinga em comparação com o que o PT e seus acólitos roubaram no Mensalão e no Petrolão. Mas aí vieram as famosas manifestações dos “caras-pintadas”, em apoio ao pedido de impeachment assinado pelo presidentes da Associação Brasileira de Imprensa e da Ordem dos Advogados do Brasil. Collor renunciou às vésperas do julgamento (que ocorreu em 29 de dezembro de 1992), visando preservar seus direitos políticos, mas foi condenado por 441 dos 480 deputados presentes e, como manda a Lei, tornou-se inelegível por oito anos.

Indiciado em 41 inquéritos criminais, PC Farias teve sua prisão decretada, mas fugiu no Morcego Negro, pilotado por Jorge Bandeira de Mello. Depois de várias escalas, desapareceu em Buenos Aires e só reapareceu quatro meses mais tarde, em Londres — 11 quilos mais magro e sem seus famosos bifocais. Enquanto se discutia sua extradição, o fujão tornou a fugir, mas foi capturado dali a três meses, depois que um turista brasileiro o viu andando pelas ruas de Bangcoc, na Tailândia. Foi extraditado, julgado e condenado a 4 anos de prisão por sonegação fiscal e 7 por falsidade ideológica. Cumpriu um terço da pena e, seis meses depois de obter liberdade condicional, foi assassinado, juntamente com a namorada Suzana Marcolino, em circunstâncias jamais esclarecidas, mas que sugerem claramente “queima de arquivo”.

A tese de homicídio seguido de suicídio foi endossada pelo legista Badan Palhares, mas desmontada por uma série de reportagens da Folha. Segundo o jornal, Suzana era mais baixa que PC, e a diferença de altura, associada à trajetória do tiro, inviabilizava a versão oficial (o próprio Palhares escrevera num artigo que, se a altura estivesse errada, seu laudo também estaria). Na avaliação do professor de medicina legal e coronel reformado da PM George Sanguinetti, um dos primeiros a contestar o suicídio, “passional não foi o crime, mas sim o inquérito”.

Os homicídios ocorreram na mansão de PC, numa praia de Maceió. Os corpos foram encontrados no dia 23 de junho de 1996 (com um tiro no peito de cada um), e ainda que a casa fosse guardada por 4 seguranças, ninguém ouviu os tiros “porque era época de festas juninas”.

Amanhã voltamos ao imbróglio Flávio Bolsonaro. Até lá.

quarta-feira, 1 de abril de 2020

TEORIAS DA CONSPIRAÇÃO. OU NÃO... (PARTE 2)



Prosseguindo do ponto em que paramos no capítulo anterior, em agosto de 1992 o relatório final de uma CPI instaurada a pedido do PT apontou ligações do então presidente caçador de marajás de araque com o esquema de corrupção — que, ironicamente, começou com um prosaico Fiat Elba prata (vide foto) pago com um “cheque fantasma”. 

O carrinho ganhou notoriedade por ter sido o pivô das denúncias que resultaram no impeachment de Collor, iniciado por uma entrevista de seu irmão Pedro e finalizado por uma revelação do motorista Eriberto França. O primeiro detalhou um esquema de corrupção envolvendo PC Farias, e o segundo disse que havia usado dinheiro sujo não só comprar o Elba, mas também para pagar contas do presidente. Estimava-se na época que US$ 6,5 milhões teriam sido desviados para bancar gastos pessoais de Collor — o que é dinheiro de pinga em comparação com o que o PT e seus acólitos roubaram no Mensalão e no Petrolão, mas isso é outra história. 

Vieram, então, as famosas manifestações dos “caras-pintadas” em apoio ao pedido de impeachment assinado pelos presidentes da ABI e da OAB. Às vésperas do julgamento, que ocorreu em 29 de dezembro de 1992, Collor renunciou, numa tentativa desesperada de preservar seus direitos políticos, mas foi condenado por 441 dos 480 deputados presentes e, como manda a Lei, tornou-se inelegível por oito anos.

ObservaçãoComo nem todos são iguais perante a lei — ou nem sempre a lei é igual para todos —, Dilma perdeu o cargo quando foi impichada, mas preservou seus direitos políticos, graça a uma sórdida maracutaia urdida por Renan Calheiros, então presidente do Senado e do Congresso, e Ricardo Lewandowski, então presidente do Supremo Tribunal Federal Petista. E viva a Justiça brasileira!

Em junho de 1993, já indiciado em 41 inquéritos criminais, PC Farias teve sua prisão decretada, mas fugiu no Morcego Negro, pilotado por Jorge Bandeira de Mello. Passou 152 dias foragido, despistando seguidamente a Polícia Federal e a Interpol. Quatro meses depois de desaparecer em Buenos Aires, ele ressurgiu em Londres, 11 kg mais magro, sem seus famosos bifocais e disfarçado de príncipe árabe. Por incrível que pareça, tornou a fugir enquanto se discutia sua extradição, mas foi capturado dali a três meses, depois que um turista brasileiro o viu andando pelas ruas de Bangkok — onde finalmente foi preso

PC foi extraditado, julgado e condenado a 4 anos de prisão por sonegação fiscal e 7 por falsidade ideológica (enquanto Collor cumpriu sua quarentena, concorreu ao governo de Alagoas, perdeu, elegeu-se senador e renovou o mandato até 2023). Em dezembro de 1995, depois de cumprir dois anos da pena, foi posto em liberdade condicional. Na cadeia, ele havia conhecido Suzana Marcolino, que lhe fora apresentada por uma antiga funcionária de uma de suas muitas empresas. A partir de então, a moça (24 anos mais nova que ele) passou a ganhar joias, roupas caras, carro de luxo e uma generosa conta bancária. 

Suzana montou uma butique de grife em Maceió e passou a ser vista com frequência ao lado do namorado recém-liberto, a bordo de uma luxuosa BMW branca conversível. Apesar da resistência geral da família, o idílio entre os dois foi intenso, mas breve: apenas seis meses transcorreram entre a saída de PC da prisão e a fatídica manhã de domingo em que ele e a namorada foram achados mortos na casa de veraneio na praia de Guaxuma, em Maceió. 

Os corpos foram encontrados no dia 23 de junho de 1996 (com um tiro no peito de cada um), e ainda que a propriedade fosse guardada por 4 seguranças, ninguém ouviu os tiros “porque era época de festas juninas”. Um grupo de 11 peritos liderado pelo legista Badan Palhares, da Universidade Estadual de Campinas, concluiu que Suzana matara o namorado enquanto ele dormia, e, em seguida, se suicidara. 

Os seguranças responsáveis pela guarda da casa, em depoimento à polícia, disseram ter ouvido o casal discutindo no quarto logo depois do jantar, quando os convidados — o irmão Augusto Farias e a namorada — já haviam ido embora. Descobriu-se que o revólver encontrado junto aos corpos fora comprado por Suzana, com um cheque assinado por ela, uma semana antes do crime. Um exame comprovou ainda a existência de pólvora nas mãos da moça. Além disso, pessoas próximas a PC — que era chamado de “Morsa do Amor” por ser mulherengo e galanteador — disseram que ele andava traindo Suzana com Claudia Dantas, filha de um cacique político alagoano.

Quem é fã de séries policiais conhece a teoria do “triângulo do crime”, que é baseada em três pressupostos: motivo, técnica e oportunidade. Suzana satisfazia todos ele: o ciúme, o revólver e a alegada embriaguez de PC naquela noite. Mas muita gente não acreditou que o poderoso chefão do chamado “Esquema PC” tivesse sido assassinado pela namorada às vésperas de depor, no STF, em uma investigação sobre suposto pagamento de suborno a membros do governo. Como Bebianno, o ex-tesoureiro de Collor sabia demais — e a exemplo de Bebianno, havia anunciado que escreveria um livro detalhando todo o esquema.

Contrariando o laudo de Palhares e sua equipe, o coronel da PM e professor de Medicina Legal da Universidade Federal de Alagoas, George Sanguinetti, afirmou que, pela localização do ferimento, pela posição do corpo de PC, pela estatura de Suzana e pelo ângulo do disparo, “a única forma de ela ter apertado o gatilho era se estivesse levitando”, e que  “passional não foi o crime, mas sim o inquérito”.

Outras dúvidas começaram a pipocar quase simultaneamente pela imprensa. O corpos de PC e Suzana foram exumados e uma nova perícia confirmou a presença de pólvora nas mãos da suposta assassina, mas em pequena quantidade, e não foram encontrados resíduos de chumbo, bário e antimônio, elementos metálicos que integram as substâncias químicas iniciadoras da espoleta. 

O detalhe que mais chamou a atenção na “guerra dos laudos” foi a discussão sobre a altura real de Suzana. Conforme Palhares, ela media 1,67 metro; de acordo com o novo laudo, ela teria 10 centímetros a menos. Os legistas da segunda equipe recalcularam a trajetória da bala, tomando como base a marca que ela deixou na parede após transpassar o corpo de Suzana, e concluíram que, se ela estava sentada na cama, como indicava a primeira reconstituição, o tiro deveria ter passado à altura de sua cabeça, e não atingido o pulmão esquerdo, como aconteceu. Mesmo assim, o caso seguiu arquivado.

Em 1999, uma série de matérias publicadas pela FOLHA estampou oito fotos de Suzana ao lado de PC e de pessoas próximas a ela. Mesmo calçando sapatos de salto alto, a moça aparecia nas fotos um pouco mais baixa do que o namorado, que tinha apenas 1,63 metro. O caso foi reaberto e o irmão de PCAugusto Farias, e os quatro seguranças que guardavam a casa de praia onde o crime aconteceu foram indiciados. Augusto exercia mandato parlamentar, e seu processo remetido à PGR, que recomendou o arquivamento. O STF acatou a recomendação e o caso foi dado por encerrado.

Os quatro seguranças foram a júri popular, mas advogado contratado por Augusto Farias para defendê-los alegou falta de provas, e, em maio de 2013, todos foram absolvidos. Detalhe: o júri descartou a possibilidade de homicídio seguido de suicídio, alegando que “não há crime passional com único disparo, que o tiro deflagrado foi de profissional, e que Suzana jamais teria condições de ser a autora do disparo”. 

Segundo o laudo de Sanguinetti, havia uma hemorragia interna com 1 litro de sangue no pulmão esquerdo e meio litro no pulmão direito, levando à conclusão de que a motivação do crime foi realmente “queima de arquivo”, e que Suzana foi morta porque estava no lugar errado na hora errada. O celular da moça desapareceu e da cena do crime, e verdadeiro autor dos disparos permanece desconhecido até hoje.

Mais detalhes em Collor presidente: trinta meses de turbulências, reformas, intrigas e corrupção, do historiador Marco Antonio Villa, em Relato para a história, do próprio Fernando Collor, em Trapaça: Saga política no universo paralelo brasileiro, de Luís Costa Pinto, e em O pêndulo da democracia, de Leonardo Avritzer

quarta-feira, 28 de junho de 2023

COLLOR LÁ... PARTE 3

 

AtualizaçãoO julgamento que pode tornar Bolsonaro inelegível será retomado amanhã. Ontem, o ministro Benedito Gonçalves votou pela condenação do ex-presidente e pela absolvição de Walter Braga Netto, candidato a vice na chapa, por “não ter sido demonstrada sua responsabilidade” na acusação. Amanhã devem votar os ministros Raul AraújoFloriano de Azevedo MarquesAndré Ramos TavaresCármen LúciaNunes Marques e Alexandre de Moraes.

Nunca saberemos se Pedro Collor se insurgiu contra o irmão porque PC Farias pretendia lançar a Tribuna de Alagoas (que concorreria com a Gazeta de Alagoas, da família Collor) ou por ele ter "dado em cima" de sua mulher, Thereza, como consta do livro "Passando a Limpo — A Trajetória de um Farsante". Vale destacar que essa versão é contestada pela ex-primeira-dama, segundo a qual a ex-cunhada não "fazia o tipo" de seu marido; ele é que "fazia o tipo" dela. 
 
Observação: No livro Tudo o que eu vivi, Rosane Malta (como passou a assinar após o divórcio) trás a lume intrigas familiares, rituais macabros realizados na Casa da Dinda (inclusive com fetos humanos), a morte de PC Farias e o destino do dinheiro do esquema de corrupção. Consta que tinha planos de entrar para a política, mas deu com os burros n'água. Em 2020, o portal Extra publicou que ela estava vivendo um affair com o advogado que a estava ajudando a receber pensões alimentícias atrasadas

 

Em entrevista à Veja em maio de 1992, Pedro revelou que PC era o testa-de-ferro do presidente em um esquema de cobrança de propinas e arrecadação ilegal de recursos — que, como se descobriu mais adiante, chegou a movimentar US$ 1 bilhão entre propinas pagas por empresários e dinheiro desviado dos cofres públicos. 

A CPI instalada para apurar as denúncias confirmou que o ex-tesoureiro e fiel escudeiro do presidente agia em todos os níveis do governo, e que despesas pessoais do primeiro-casal eram pagas com cheques de contas fantasmas.
 
O caldo entornou quando veio à tona que o prosaico Fiat Elba dirigido por Eriberto França, motorista da então secretária particular do presidente, foram pago com cheque de uma das contas fantasmas. O depoimento de Eriberto revelou também que Ana Acioli (a tal secretária) e o próprio PC sacaram dinheiro de suas contas às vésperas do confisco imposto pelo Plano Collor. 
 
A defesa alegou que os recursos para pagamento das contas pessoais do primeiro-casal provinham de um empréstimo tomado no Uruguai para financiar a campanha do presidente, mas a CPI não engoliu essa versão e, após 85 dias de trabalho, a despeito de todos os esforços envidados pela tropa de choque comandada por Roberto Jefferson, aprovou (por 16 votos a 5) o relatório final do senador Amir Lando.
 
Collor foi afastado em 29 de setembro e cassado três meses depois. Nesse meio tempo, o helicóptero que levava Ulysses Guimarães e sua mulher, dona Mora, de São Paulo (SP) para Angra dos Reis (RJ) caiu no mar (os corpos jamais foram encontrados). De acordo com o livro de Rosane, essa foi a primeira manifestação do que ficou conhecido como "a maldição do impeachment" — uma série de mortes estranhas e trágicas de pessoas ligadas a Collor ou a seu afastamento da presidência.
 
Observação: Também segundo o livro, Mãe Cecília era frequentadora assídua do Alvorada, onde recebia as entidades que falavam com o presidente. Anos depois, em uma entrevista, a mãe de santo revelou que, aos poucos, os santos foram se acostumando com o bom e o melhor — só queriam champanhe e uísque importado e faziam questão de fumar charuto cubano. Collor bancava tudo isso, para que os trabalhos espirituais tivessem efeito.
 
Collor assumiu a presidência com 71% de aprovação e deixou o Planalto com 9%. Não conseguiu reaver seus direitos políticos, mas o STF arquivou o processo contra ele e PC por corrupção passiva. Depois das mortes do irmão e da mãe, ele se mudou para uma casa de frente para o mar em Miami, onde se autoexilou até 1998. Nesse meio tempo, PC Farias e a namorada, Susana Marcolino foram encontrados mortos, com um tiro no peito de cada um (embora a casa fosse guardada por 4 seguranças, ninguém ouviu nada "porque era época de festas juninas"). Após retornar ao Brasil, filiou-se ao PRTB e lançou sua candidatura à prefeitura de São Paulo, mas foi impugnado. Em 2000, foi denunciado por peculato, corrupção passiva e falsidade ideológica, mas o STF só julgou o processo em 2014, quando os crimes de corrupção passiva e de falsidade ideológica já estavam prescritos. 

De volta a Alagoas, ele disputou o governo estadual em 2002, mas foi derrotado por Ronaldo Lessa. Elegeu-se senador em 2006, voltou a disputar governo em 2010 (e foi eliminado no primeiro turno), renovou o mandato de senador em 2014, ameaçou concorrer à Presidência em 2018 (mas desistiu), lançou-se novamente candidato ao governo (e desistiu às vésperas do primeiro turno) e voltou à carga em 2022 (com o apoio Bolsonaro), mas terminou em terceiro lugar.

Collor entrou para o rol de investigados da Lava-Jato em 2015 e se tornou réu em 2017. Agora, 30 anos depois de seu impeachment, foi finalmente condenado pelo STF. A PGR pediu 22 anos prisão, mas a pena ficou em 8 anos e 10 meses (o crime de associação criminosa prescreveu, já que o réu tem 73 anos, e os prazos prescricionais correm pela metade para os septuagenários). Demais disso, terá de devolver R$ 20 milhões aos cofres públicos (em divisão solidária com outros dois condenados), pagar 90 dias-multa — cada dia-multa equivale a cinco salários-mínimos da época dos crimes, corrigidos pela inflação —, e ficará inabilitado para o exercício de cargo ou função pública pelo dobro do tempo da pena privativa de liberdade. 


Collor ainda não for preso porque cabem recursos (meramente procrastinatórios) ao próprio STF. Quanto às acomodações em que desfrutará suas férias compulsórias, o Código de Processo Penal prevê a possibilidade de cela especial para determinadas autoridades, mas somente em caso de prisão provisória. O réu em tela foi prefeito (biônico), deputado, governador, presidente da República e senador, mas tudo isso é passado. Pela letra fria da lei, ele deveria cumprir a pena em uma cela comum. Mas a lei... ora, a lei. 

 

ObservaçãoEm tese, o Rei-Sol (ou Réu-Sol) não terá direito a prisão domiciliar, já que essa regalia não é prevista em condenações a regime fechado. Mas não se espante se, a exemplo de Maluf e outros picaretas, ele alegar que está "debilitado por motivo de doença grave" e algum togado caridoso lhe conceder um "habeas corpus por motivos humanitários" (como fez Toffoli no caso de Maluf).


Triste Brasil!

quinta-feira, 6 de julho de 2023

COLLOR LÁ... FINAL

 

Ainda sobre o assassinato de PC Farias e Suzana Marcolino (detalhes no capítulo anterior), os peritos constataram que a moça usou o celular pelo menos três vezes na noite do crime — às 3h54min, às 4h57min e às 5h01min da manhã — para enviar mensagens ao dentista Fernando Colleoni, com quem tivera duas consultas na semana anterior. Ele não sabia de quem a moça era namorada e, depois da última consulta, levou-a para jantar. 
 
1) "Fernando, é a Suzana. Eu queria dizer que foi muito bom conhecer você e que não ia acreditar, sabia, que ia conhecer alguém igual a você, tão humano, profundo, tão lindo. Tenho certeza que vou lhe encontrar em algum lugar". 
 
2) ", novamente eu queria dizer que todo esse tempo, um dia só, um momento pra lhe conhecer, mas eu amo você, eu nunca vou esquecer você. Espero um dia encontrar você, nem que seja na eternidade, em algum lugar do outro mundo. Eu encontro você, tenho certeza absoluta".
 
No 
final da última ligação, ouve-se alguém abrir a porta e sussurrar: "O que você está fazendo? Depressa, se arruma, se arruma”. Especula-se que PC já estivesse morto quando essas ligações foram feitas, mas não foi possível descobrir quem seria esse terceiro elemento. Além disso, o celular de Suzana sumiu da cena do crime e jamais foi encontrado.

Ângela Maciel disse à Folha que sua prima Suzana comprou a arma porque estava sendo seguida nos dias que antecederam sua morte. Em 1996, o revólver foi vendido ao policial militar José Adolfo da Silva pela empresa Amadeo Rossi, e foi revendido várias vezes até chegar às mãos de Suzana. Duas décadas depois, a Justiça alegou que parte do armamento guardado na central de custódia de armas e munições do fórum de Maceió havia desaparecido, inclusive a arma do crime. Mas a pergunta que se coloca é: por que Suzana mataria PC "por se sentir rejeitada" se já estava apaixonada por outra pessoa? 
 
Palhares sempre sustentou a tese do assassinato seguido do suicídio. Quando apresentado às contradições de seu laudo, defendia veementemente suas hipóteses, ignorando as conclusões que surgiam com as novas investigações. Denúncias de que seu laudo foi encomendado para que a tese de crime passional fosse sustentada vieram à tona através de políticos e pessoas que acompanharam o caso. A família das vítimas nunca engoliu essa versão — noves fora Augusto Farias (suspeito de estar envolvido na morte do irmão). 

ObservaçãoAntes mesmo de os corpos serem removidos, Augusto e a polícia alagoana passaram a tratar o caso como crime passional. Com base nos relatos de testemunhas, muitas delas ignoradas pela polícia alagoana, e nos estudos feitos por peritos e legistas de todo o País, as reportagens mostravam que PC e Suzana foram vítimas de um duplo homicídio e que a cena do crime fora alterada para dificultar as investigações. 

O ex-governador de Alagoas Geraldo Bulhões chegou a dizer Palhares recebeu R$ 400 mil do deputado para produzir um laudo falso. O legista movimentou R$ 2,7 milhões entre 1995 e 1999 — período em que seus rendimentos somaram cerca de R$ 1 milhão — e foi apontado pela comissão como suspeito de produzir outros laudos falsos para o crime organizado em troca de dinheiro.

Todos os investigadores que contestavam o laudo de Badan Palhares disseram ter sofrido ameaças. O promotor do caso, Luiz Vasconcelos, afirmou ter recebido um telefonema ameaçando-o de morte caso ele não arquivasse o processo. Sanguinetti também sofreu ameaças e passou a ser escoltado por sete seguranças armados.

Em 1999, a CPI do Narcotráfico foi criada para investigar roubos de carga e laudos periciais falsos para favorecer criminosos.  A comissão encontrou indícios de que Augusto e seus comparsas teriam planejado a morte de PCSanguinetti ouviu do ex-tenente-coronel da PMManoel Francisco Cavalcanti que o deputado o havia contratado para matar o irmão. Um dos investigadores do caso disse que o ex-PM contou-lhe a mesma versão sobre a suposta “encomenda.
 
Baseado nos laudos que contestavam a versão oficial e nas investigações realizadas pela CPI, o promotor responsável pelo inquérito indiciou Augusto Farias como mentor intelectual e os seguranças que guardavam a casa de praia como autores e coautores do crime. Ninguém escutou os tiros, mas, nos testes realizados a posteriori, todos 
 inclusive os repórteres que se encontrava do lado de fora da propriedade — ouviram claramente os estampidos.

Segundo o promotor, um dos seguranças confidenciou ao padrasto de Suzana que a moça estava viva — apavorada, encolhida em um canto do quarto, mas viva — às 6h da manhã. Quando deparou com o corpo de PC, ele saiu para telefonar. Segundo declarações da mãe e do padrasto de Suzana, o segurança disse que gostava muito dela e que jamais a teria matado, mas, durante a investigação, ele negou que essa conversa tenha ocorrido.
 
Observação: Leonino Tenório Carvalho, jardineiro da casa de praia de PC, queimou o colchão onde o patrão e a namorada foram encontrados mortos. Genival da Silva França, garçom de PC, confirmou ter recebido a ordem para destruição das provas e alegou que a autorização para queima do colchão foi dada pelo primeiro delegado do caso, Cícero Torres (que foi afastado das investigações após o laudo usado como base para definir crime passional ter sido contestado).
 
De acordo com o delegado federal aposentado Paulo Lacerda, a fortuna deixada por PC girava em torno de US$ 400 milhões. Como deputado, Augusto Farias gozava de foro privilegiado. Em 2002, o processo contra ele foi arquivado pelo STF, mas os 
seguranças foram levados a júri popular em 2013.

Os jurados entenderam que houve o crime de duplo homicídio — e não de suicídio, como queria a defesa — mas os réus, acusados de duplo homicídio triplamente qualificado por não terem impedido as mortes, foram absolvidos por "clemência dos jurados" (!?). O MP-AL recorreu do veredito, alegando que houve quebra de incomunicabilidade entre os jurados e que um deles foi ameaçado. Em dezembro de 2018, por unanimidade, o TJ-AL negou recurso, e em abril de 2019 foi determinado o cumprimento da sentença de absolvição

Na avaliação do legista Sanguinetti, foi um crime de profissionais. "Usaram Suzana para fundamentar o crime passional. Conheço casos em Alagoas que, quando se vai matar alguém, já se sabe até quem vai responder pelo crime. Quem tem poder politico e financeiro fica a salvo". Para o promotor Marcos Mousinho, a atuação dos peritos responsáveis pela investigação foi claramente direcionada para comprovar a tese da defesa. 
 
Ao fim e ao cabo, os segredos da Morsa do Amor foram enterrados junto com seu corpo.

terça-feira, 4 de julho de 2023

COLLOR LÁ... PARTE 5


Frases:
 
"Tentaram me matar em Juiz de Fora há pouco tempo com uma facada na barriga, e hoje levei uma facada nas costas com a inelegibilidade por abuso de poder político" — Jair Messias Bolsonaro.

"Não querem calar um homem, querem calar um povo" — Flávio Bolsonaro, o filho do pai.

"Preciso continuar viajando para 'passar a ideia' de que o governo está trabalhando e realizando" — Luiz Inácio Lula da Silva.

É o fim da picada!

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Fernando Collor de Mello foi o primeiro presidente da nova república eleito pelo voto popular. Após ser acusado de envolvimento no famigerado "esquema PC" pelo irmão caçula, ele se tornou o primeiro presidente impichado, e, três décadas depois, o primeiro ex-presidente condenado pelo STF. Um currículo e tanto. 

Em entrevista a Veja em maio de 1992, Pedro Collor afirmou que seu relacionamento com o irmão azedou porque Paulo César Farias vinha "tentando destruir" a Gazeta de Alagoas, que foi ameado de morte pelos irmãos de PC e que achava que o mandante era o presidente: "É típico do Fernando usar instrumentos; ele não ataca."

Tesoureiro de campanha e achacador-mor da república durante o governo CollorPC foi indiciado em 41 inquéritos e teve a prisão decretada (em junho de 1993), mas fugiu em seu learjet Morcego Negro — que, segundo os serviços antidroga da Itália, era usado por traficantes de drogas durante o governo Collor. Depois de passar 152 dias despistando seguidamente a Polícia Federal e a Interpol, o testa de ferro de Collor foi reconhecido em Buenos Aires, mas escapou da polícia. Foi visto em Londres meses depois, 11 kg mais magro, sem os indefectíveis bifocais e disfarçado de príncipe árabe), mas tornou a fugir enquanto se discutia sua extradição. Acabou sendo capturado na Tailândia, graças à denúncia de um brasileiro que o viu caminhando pelas ruas de Bangkok.
 
Em 1994, PC foi condenado a quatro anos de prisão por sonegação de impostos e a sete anos, em regime semiaberto, por falsidade ideológica. Um ano depois, passou a cumprir a pena em regime aberto e engatou um namoro com Suzana Marcolino, a quem mimava com joias, roupas caras, carro de luxo e uma generosa conta bancária. Apesar da resistência das famílias, o idílio foi intenso, mas breve: apenas seis meses transcorreram entre a saída de PC da prisão e a noite de 22 de junho de 1996, quando ele e a namorada foram na casa de veraneio na praia de Guaxuma, a 10 km do centro de Maceió. 

Os corpos foram encontrados na manhã seguinte, com um tiro no peito de cada um. Embora a propriedade fosse vigiada por quatro seguranças, ninguém ouviu os tiros "porque era época de festas juninas" (!?). O grupo peritos liderado pelo legista Badan Palhares, da Universidade Estadual de Campinas, concluiu que PC foi morto pela namorada enquanto dormia, e que a moça se suicidou em seguida. Em depoimento à polícia, os seguranças disseram que ouviram o casal discutir depois do jantar, assim que os convidados (o irmão Augusto Farias e respectiva namorada) foram embora. 
 
Quem assiste a séries policiais conhece a teoria do “triângulo do crime”, que é baseada em três pressupostos: motivo, técnica e oportunidade. Suzana satisfazia-os todos: o ciúme, o revólver e a alegada embriaguez de PC naquela noite. Segundo as investigações, a arma encontrada junto aos corpos fora comprada semanas antes pela própria Suzana, e havia resíduos de pólvora nas mãos da moça quando os corpos foram encontrados. 

Pessoas próximas ao casal disseram que a "Morsa do Amor" vinha traindo Suzana com Claudia Dantas, filha de um cacique político alagoano. Mas é bom lembrar que PC deveria depor dali a alguns dias numa investigação sobre suposto pagamento de suborno a membros do governo, e que a possibilidade de ele revelar os nomes dos empresários que alimentaram os esquemas corruptos de Collor ensejou a hipótese de "queima de arquivo".
 
Contrariando o laudo de Badan Palhares (que foi acusado pelo ex-governador Geraldo Bulhões de ter recebido R$ 400 mil para apresentar um laudo falso), o legista George Sanguinetti disse que, considerando a localização do ferimento, a posição do corpo de PC 
— que teria sido "arrumado na cama" , a estatura de Suzana — ela era 10 cm. mais baixa que o namorado, que tinha 1,63 m  e o ângulo do disparo, a moça "só poderia ter apertado o gatilho se estivesse levitando". Nas palavras de Sanguinetti, "passional não foi o crime, e sim o inquérito". Suzana foi morta porque estava no lugar errado na hora errada". 

Observação: Os legistas recalcularam a trajetória do projétil e concluíram que, se Suzana estivesse sentada na cama (como indicou a primeira reconstituição), o tiro que a atingiu no pulmão teria passado à altura da cabeça. Mesmo assim, o caso seguiu arquivado. Sanguinetti foi condenado a dois anos de prisão por acusar Palhares de fraude processual, mas cumpriu a pena em liberdade e recebeu proteção policial até 2008. 
 
O verdadeiro autor dos disparos permanece desconhecido. Augusto Farias e mais oito foram indiciados. Na condição de deputado, o irmão de PC tinha foro privilegiado. Seu processo foi remetido à PGR, que recomendou o arquivamento. O STF acatou a recomendação e o caso foi dado por encerrado. Os seguranças foram a júri popular, mas o advogado contratado por Augusto Farias para defendê-los alegou falta de provas, e todos foram absolvidos. 
 
O júri descartou a possibilidade de homicídio seguido de suicídio, alegando que "não há crime passional com único disparo, que o tiro deflagrado foi de profissional, e que Suzana jamais teria condições de ser a autora".

Termina no próximo capítulo.

terça-feira, 19 de outubro de 2021

NÃO PODE DAR CERTO — NONA PARTE

 

A revista Isto É que chegou às bancas na última sexta-feira traz na capa uma imagem do sumo pontífice do bolsonarismo boçal com um bigode igual ao do líder nazista Adolf Hitler, feito com a palavra “genocida”. Sectários e apoiadores do "mito" reagiram à imagem na manhã de sábado com a hashtag #istoelixo. O deputado estadual mineiro Bruno Engler postou vídeo cobrando a ação no Ministério Público por discurso de ódio: "Jornalista não é Deus. Vocês não podem fazer a merda que bem entenderem, isso aqui é crime e vocês devem responder por isso”, afirmou o parlamentar.

Outro perfil relembra várias frases do mandatário para comentar a reclamação dos seus aliados cm relação à capa da revista, entre as quais: “O GADO reclamando sobre uma capa, mas na verdade #istoelixo: O erro da ditadura foi torturar e não matar", "Pela memória do coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, o pavor de Dilma Rousseff… o meu voto é sim"; "Ele merecia isso: pau-de-arara. Eu sou favorável à tortura". E por aí vai.

A matéria de capa da revista trata da entrega do relatório final da CPI do Genocídio, que, de acordo com a publicação, faz o país ajustar contas com sua história. “Bolsonaro e 40 seguidores, incluindo ministros e auxiliares próximos, serão indiciados por delitos analisados e compilados por juristas. Para a efetiva punição, é necessário superar a blindagem institucional que ele conseguiu construir”, diz a reportagem.

Em sua coluna na revista, Ricardo Kertzman, que é judeu, diz que amigos seus, também judeus, indignados pela comparação, lhe perguntaram: "Como você pode aceitar isso calado". Segundo ele, nenhum desses amigos leu a matéria ilustrada pela capa — que é polêmica, sim! —, apenas se deixaram levar pelo que viram e pelo que lhes foi soprado aos ouvidos em grupos de WhatsApp (bolsonaristas, claro).

O (des)governo Bolsonaro não é nazista e o ‘mito’ não é Hitler, diz o articulista. Mas, segundo ele, as práticas e posturas bolsonaristas são semelhantes ao nazismo "Eu mesmo já escrevi a respeito e nenhum judeu, à época, me encheu o saco. Por quê?", pergunta Kertzman. Tamanha suposta indignação não tem a ver mais com preferências políticas do que com religião? O evento pregresso — a matéria em questão — não seria a verdadeira razão de tanto barulho? Como refutar o que publica a IstoÉ, se amparada em fatos reais e provas documentais? Especificamente a questão dos ‘experimentos científicos’, algo espetacularmente assombroso, que é simplesmente inquestionável?

Trazer à lembrança a imagem do demônio nazista é sempre ruim e, dentro do possível, pode e deve ser evitado. Mas quando isso não ocorre, não há motivo para revolta meramente baseada em uma inexistente equiparação. Relativizar Hitler e o nazismo é algo asqueroso. Aliás, a depender da maneira, é até crime. Inclusive no Brasil. Mas, repito: onde foi que a revista fez isso? E mais: alguém aí se lembrou das vítimas (de carne e osso) do bolsonarismo?

Kertzman conclui dizendo que, se considerasse inadequadas — sob a ótica de uma equiparação indevida e reducionista do nazismo — a capa e a matéria da IstoÉ, ele seria o primeiro a criticar a abordagem. Mas ressalta que não só não considera a reportagem e a ilustração inadequadas, como aplaude o conteúdo e felicito os autores e editores pela coragem e ousadia de chamar aquilo que lembra o nazismo pelo nome de… nazismo! Muito do que aí está se deve à leniência e ao descaso com que Bolsonaro e suas ideias e ideais foram tratados durante os quase 30 anos em que ele foi um reles deputado. Hoje, no Poder maior do País, o "mito" continua a ser quem foi.

Que cada qual tire as próprias conclusões. Dito isso, passo à matéria do dia.

Empunhando lanças contra os "marajás" e a corrupção endêmica na política, Collor derrotou Lula na eleição solteira de 1989. Sabemos agora que dava-se início, então, a uma interminável batalha entre o bem e o mal, na qual o mal é o mal e bem, ainda pior. 

Três meses após a posse de Collor, suspeitas de corrupção pairavam sobre o segundo escalão do governo, e dali para o Palácio do Planalto foi um pulo. O caçador de marajás de fancaria tinha como comparsa o folclórico Paulo César Cavalcante Farias, mais conhecido como PC, que atuou como tesoureiro na campanha collorida e passou a desempenhar com desenvoltura o papel de lobista e elemento de ligação entre o empresariado e o governo federal. Anos mais tarde, ele se transformou num arquivo vivo e foi despachado para a terra-dos-pés-juntos num assassinato seguido de suicídio que jamais seria devidamente esclarecido (detalhes mais adiante).

Collor foi engolfado pelas denúncias de corrupção em maio de 1992, depois que o irmão Pedro Collor apresentou à Revista Veja diversos documentos que indicavam corrupção no governo. Especula-se que Pedrão pleiteou uma parte do butim e não foi atendido, mas há quem diga que ele botou a boca no trombone porque descobriu que o irmão garanhão vinha arrastando a asa para sua esposa, Thereza Collor.

Ironicamente, tudo começou com um prosaico Fiat Elba pago com um "cheque-fantasma", segundo a revelação do motorista Eriberto França. Em suma, Pedro detalhou o esquema PC e o motorista revelou que dinheiro sujo fora usado não só na compra do Elba, mas também para pagar contas do presidente. Estimava-se na época que US$ 6,5 milhões teriam sido desviados para bancar gastos pessoais de Collor — dinheiro de pinga em comparação com o que o PT e cia. roubaram no Mensalão e no Petrolão, que virou dinheiro de pinga diante da malversação de recursos públicos registrada durante a pandemia de Covid no atual governo. Mas isso é outra conversa.

A população assistiu indignada à escalada de acusações contra Collor e seu factótum, enquanto entidades civis como OABCNBBUNEUBES e centrais sindicais deflagraram o "Movimento pela Ética na Política". Em agosto de 1992, o relatório final de uma CPI instaurada a pedido do PT apontou ligações de Collor com o Esquema PC

Collor foi alvo de 29 pedidos de impeachment — o que é uma mixaria diante dos 150 pedidos que dormitam na gaveta do deputado-réu Arthur Lira. Emparedado pelas manifestações dos caras-pintadas, o PGR de turno, Aristides Junqueira, abriu um inquérito para investigar os crimes atribuídos ao presidente, Zélia, PC FariasJorge Bandeira de Melo.  

Zélia era uma versão melhorada de Dilma — até porque nada nem ninguém foi capaz de ombrear com a gerentona de araque até Bolsonaro entrar na disputa. Mas a deslumbrada, travestida de bambambã da Economia, atuou como mentora intelectual do confisco da poupança dos brasileiros (detalhes no capítulo anterior) e se notabilizou pelo tórrido affair que manteve com o também ministro Bernardo Cabral, conhecido como Boto Tucuxi — segundo o folclore paraense, o boto em questão surge à noite, travestido de homem galante e sedutor, para "cortejar" caboclas ribeirinhas — e, mais adiante, por ter ingressado no rol de ex-esposas de Chico Anysio, o "comediante que se casou com a piada”.

O pedido abertura do impeachment de Collor foi assinado pelos presidentes da ABI e da OAB e autorizado pela Câmara Federal, por 441 votos a favor, 38 contrários, 23 ausências e uma abstenção, em 29 de setembro de 1992, e o processo foi instaurado no Senado no dia 1º de outubroCollor foi afastado do cargo no dia seguinte e penabundado em 30 de dezembro. O julgamento começou na véspera, depois que o réu apresentou sua renúncia. Seu objetivo não era escapar da cassação, que eram favas contadas, mas evitar oito anos de inelegibilidade. Por alguma razão — afinal, não há como cassar o mandato de quem a ele já renunciou, e a inabilitação ao exercício de cargos públicos é uma pena assessória, inerente à cassação — Collor foi condenado por 76 votos a 2.

ObservaçãoComo nem todos são iguais perante a lei — ou nem sempre a lei é igual para todos —, a estocadora de vento seria impichada em 31 de agosto de 2016, mas preservaria seus direitos políticos graças a uma vergonhosa maracutaia urdida pelos então presidentes do Senado e do STF, respectivamente Renan CalheirosRicardo Lewandowski. Palmas para a Justiça brasileira!

Em junho de 1993, já indiciado em 41 inquéritos criminais, PC teve a prisão decretada, mas embarcou no Morcego Negro — pilotado por Jorge Bandeira de Mello — e se escafedeu. Após 152 dias foragido, despistando seguidamente a PF e a Interpol, e quatro meses depois de desaparecer em Buenos Aires, PC ressurgiu em Londres, 11 kg mais magro, sem seus famosos bifocais e disfarçado de príncipe árabe... e tornou a fugir enquanto se discutia sua extradição. O carequinha só seria capturado dali a três meses, depois que um turista brasileiro o viu caminhando lépido e fagueiro pelas ruas de Bangkok, na Tailândia.

PC foi extraditado, julgado e condenado a 4 anos de prisão por sonegação fiscal e 7 por falsidade ideológica. Collor cumpriu sua quarentena, disputou o governo de Alagoas, perdeu, elegeu-se senador e renovou o mandato até 2022. Em dezembro de 1995, depois de cumprir dois anos da pena, PC foi posto em liberdade condicional. Na cadeia, ele havia conhecido Suzana Marcolino, que lhe fora apresentada por uma antiga funcionária de uma de suas muitas empresas. A partir de então, a moça (24 anos mais nova do que ele) passou a ganhar joias, roupas caras, carro de luxo e uma generosa conta bancária. 

Suzana montou uma butique de grife em Maceió e era vista com frequência, ao lado do namorado recém-libertado, a bordo de uma luxuosa BMW branca conversível. Apesar da resistência geral da família, o idílio entre os pombinhos foi tórrido. Mas durou pouco: apenas seis meses transcorreram entre a saída de PC da prisão e a fatídica manhã de 26 de junho de 1966, quando ele e Suzana foram encontrados mortos na casa de veraneio na praia de Guaxuma, em Maceió, com um tiro no peito de cada um. 

Um grupo de 11 peritos — liderado pelo legista Badan Palhares, da Universidade Estadual de Campinas — concluiu que Suzana matou o namorado enquanto ele dormia se suicidou em seguida. Em depoimento à polícia, os quatro seguranças que guardavam a propriedade disseram ter ouvido o casal discutindo no quarto logo após o jantar, quando os convidados — o irmão Augusto Farias e a namorada — já tinham ido embora, mas que não ouviram os tiros porque era época de festas juninas. 

Descobriu-se que o revólver encontrado junto aos corpos havia sido comprado por Suzana uma semana antes do crime, e pago com um cheque da conta pessoal da moça. Pessoas próximas ao casal afirmaram que PC — que era chamado de “Morsa do Amor” por ser mulherengo e galanteador — andava traindo Suzana com Claudia Dantas, filha de um cacique político alagoano.

Quem é fã de séries policiais conhece a teoria do “triângulo do crime”, baseada em três pressupostos: motivo, técnica e oportunidade. Suzana satisfazia todos ele: o ciúme, o revólver e a alegada embriaguez de PC naquela noite. Mas muita gente não acreditou que o poderoso chefão do Esquema PC tivesse sido assassinado pela namorada às vésperas de depor ao STF numa investigação sobre suposto pagamento de suborno a membros do governo. Como Gustavo Bebianno, articulador da campanha de Bolsonaro à Presidência e ex-ministro da secretaria-geral da Presidência nos primeiros meses deste funesto governo, PC sabia demais, e a exemplo de Bebianno, havia anunciado que escreveria um livro detalhando todo o esquema.

Contrariando o laudo de Palhares e sua equipe, George Sanguinetti, coronel da PM e professor de Medicina Legal da Universidade Federal de Alagoas, ponderou que, pela localização do ferimento, posição do corpo de PC, estatura de Suzana e ângulo do disparo, “ela só poderia ter apertado o gatilho se estivesse levitando”, e que “passional não foi o crime, e sim o inquérito”.

Outras dúvidas começaram a pipocar quase simultaneamente na imprensa. O corpos dos pombinhos foram exumados e uma nova perícia confirmou a presença de pólvora nas mãos da suposta assassina, mas em pequena quantidade. Não foram encontrados resíduos de chumbo, bário e antimônio, elementos metálicos que integram as substâncias químicas iniciadoras da espoleta. 

O detalhe que mais chamou a atenção na “guerra dos laudos” foi a discussão sobre a altura real de Suzana. De acordo com Badan PalharesPalhares, ela media 1,67 m; segundo o novo laudo, ela tinha 10 cm a menos. Os legistas da segunda equipe recalcularam a trajetória da bala a partir da marca deixada na parede depois de o projétil transpassar o corpo de Suzana e concluíram que, se ela estivesse sentada na cama, como indicava a primeira reconstituição, o tiro deveria ter passado à altura de sua cabeça, e não atingido o pulmão esquerdo, como aconteceu. Ainda assim, o caso seguiu arquivado.

Em 1999, uma série de matérias publicadas pela FOLHA estampou oito fotos de Suzana ao lado de PC e de pessoas próximas ao casal. Mesmo de salto, a moça era mais baixa que o namorado, que media 1,63 m. O caso foi reaberto e o irmão de PCAugusto Farias, e os quatro seguranças que guardavam a casa onde o crime aconteceu foram indiciados. Da feita que Augusto exercia mandato parlamentar, seu processo foi remetido à PGR, que recomendou o arquivamento. O STF acatou a recomendação e o caso foi dado por encerrado.

Os seguranças foram a júri popular, mas o advogado contratado por Augusto para defendê-los alegou falta de provas. Em maio de 2013, todos foram absolvidos. Detalhe: o júri descartou a possibilidade de homicídio seguido de suicídio, mesmo considerando que “não há crime passional com único disparo, que o tiro deflagrado foi de profissional, e que Suzana jamais teria condições de ser a autora do disparo”. 

Segundo o laudo de Sanguinetti, a hemorragia interna com 1 litro de sangue no pulmão esquerdo e meio litro no pulmão direito da moça levava à conclusão de que a motivação do crime foi realmente “queima de arquivo” e que Suzana morreu porque estava no lugar errado na hora errada. Seu telefone celular jamais foi encontrado e o autor dos disparos permanece desconhecido até hoje.

Mais detalhes em Collor presidente: trinta meses de turbulências, reformas, intrigas e corrupção, do historiador Marco Antonio Villa; Relato para a história, do próprio Fernando CollorTrapaça: Saga política no universo paralelo brasileiro, de Luís Costa Pinto; e O pêndulo da democracia, de Leonardo Avritzer